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CESÁRIO VERDE: O poema Longo:

SENTIMENTO DUM OCIDENTAL É como um Poema Épico breve.

Cesário Verde conseguiu recriar a realidade que observa, enquanto Desenvolve-se em 4 partes, contendo cada uma onze quadras.
deambula pela Cidade de Lisboa (Sentimento Dum Ocidental) ou
O Poeta preferiu que cada estrofe fosse constituída por um verso
enquanto repousa no Campo.
decassílabo (Lembrando o ritmo da Epopeia) e três versos
alexandrinos. A escolha formal adapta-se ao conteúdo descritivo e
De forma Impressionista, retrata o quotidiano da cidade e os tipos
ao modo analítico da realidade em que o poeta se movia.
que a habitam, estabelecendo com o espaço rural uma dicotomia,
que engloba a posição morte/vida. A Regularidade estrófica e métrica acusa o geometrismo e o gosto
do exato.
Os textos de Cesário Verde exprimem também a sua preocupação
social, o seu olhar atento em relação aos mais humildes, aos mais
frágeis, doentes e oprimidos.
A Estruturação do Poema:
Para fugir a esta realidade que o preocupa, o poeta tenta evadir-se,
refugiando-se no tempo e no espaço. Assim, ora recorda os tempos O Poema apresenta elementos de estrutura poético-narrativa.
passados, o tempo glorioso de Camões, por exemplo, simboliza, ora
Cada uma das suas quatro partes fornece indicações sobre a
recua à sua infância, tempo de felicidade familiar.
localização espacial e temporal.
Cesário procura também refúgio na Natureza, cheia de vitalidade,
desejando que esta o liberto do peso da cidade soturna e suja que Parte I: Ao anoitecer (Aves-Marias)
o oprime e lhe desperta “O desejo absurdo de sofrer”. Parte II: As luzes começam a acender e a noite já caiu (Noite
Fechada)
Paradoxalmente, as grandes metrópoles fascinam-no e fazem-no
sonhar. Parte III: A noite instala-se definitivamente e a Iluminação está
acesa (Ao Gás)
Recusa o Lirismo Romântico e valendo-se de uma linguagem
inovadora, os versos de Cesário Verde exprimem um visualismo Parte IV: Alta noite – as Pessoas dormem e as ruas estão quase
ímpar. O Poeta socorre-se de um vocabulário preciso, de termos desertas (Horas Mortas)
concretos, de ima linguagem de índole plástica, o que o torna único
no panorama literário português. A Ação Heroica é a transformação interior do poeta ocorrida
enquanto erra pela triste cidade de Lisboa, subindo e descendo as
suas ruas íngremes, no crepúsculo Nebuloso.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA: A História que ele conta não é sequencial, nem linear. É um passeio
solitário que se desenvolve no Espaço, mas também no tempo. É a
• Portugal, final do Século XIX, País Rural;
realidade captada que potencia os diferentes episódios
• Êxodo Rural;
preconizados pelas personagens que são humanas – Os
• Aparecimento do Proletariado Urbano;
Carpinteiros, os calafates, as varinas…
• Indústria pouco desenvolvida;
• Vida precária nas Cidades;
• Crise Social (1886-1891);
• Época de Contrastes; A Subversão da Memória Épica: O Poeta, a Viagem e as
• Deficientes condições de Trabalho; Personagens:
• Grande Taxa de Mortalidade; O Poeta, a propósito de pequenos quadros, da realidade que vai
• Crescimento da Burguesia; captando, discorre sobre um tempo passado, “Histórico”.
• Elevada Taxa de Analfabetismo;
• Reduzido Desenvolvimento Cultural, Evoca as “Crónicas Navais: / Mouros, Baixéis, Heróis, tudo
• Crescimento da Causa Republicana; ressuscitado!”. Evoca Camões, o épico que imortalizou a aventura
• Obra de Cesário Verde: Espelho deste ambiente (Os seus marítima, e as “soberbas naus”, que sabe que nunca mais verá.
textos são verdadeiros documentos da época)
Por oposição, o seu poema incide sobre o presente. Um presente
estagnado associado à terra e ao fim de tarde crepuscular (“ou erro
O IMAGINÁRIO ÉPICO EM “O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL”: pelos cais a que se atracam os botes”). Até o mar, onde outrora
singraram as orgulhosas naus, surge, agora ligado à dor e à
“O Sentimento Dum Ocidental” é um registo das perceções e destruição de uma geração que poderia, no futuro, ser a
impressões do poeta à medida que caminha nas ruas de Lisboa, ao perpetuadora da aventura marítima: “E algumas, à cabeça,
anoitecer. O Sentimento a que o título alude é o de toda a civilização embalam nas canastras/ Os filhos que depois naufragam nas
Ocidental a que Portugal pertence. tormentas”

As Glórias do passado não se repetirão.


O Presente é um Mundo às avessas.
O Poeta: Deambulação e Imaginação: O Observador Ocidental:

Num sentido mais profundo, o poeta constrói a sua Odisseia, Cesário Verde é o poeta que, no seu deambular pela cidade,
viajando pela cidade de Lisboa à procura da sua identidade e do observa atentamente tudo o que o rodeia, captando
sonho de um futuro equivalente à glória do passado. sensorialmente cores, formas, sons e cheiros, sendo através desta
sua Perceção do real quotidiano que constrói a sua poesia, que
Sonha com a libertação, a imortalidade e a perfeição. aparece concreta, prosaica, muitas vezes próxima de um dizer, de
um narrar.

Cesário Verde não hesita em denunciar contrastes e injustiças


sociais, fruto das transformações socioeconómicas da época. É,
“Se eu não morresse, nunca! E eternamente. Buscasse e assim, a consciência, a perceção do poeta, que minuciosamente
conseguisse a perfeição das cousas!” filtra as suas sensações e as apresenta ao leitor nos seus textos.
Mas, o percurso é progressivamente mais esmagador e a
esperança vai-se desvanecendo.
Perceção Sensorial e Transfiguração Poética do Real:

Cesário Verde deambula solitário, calcorreando ruas, vielas, praças,


“A Dor Humana busca os amplos horizontes, E tem marés, de fel, todos os recantos da sua cidade, observando quem passa, quem
como um sinistro mar!” trabalha, examinando espaços e ambientes, espreitando cafés,
teatros, qual reportes fotográfico, e regista, com pormenor, nos
seus poemas essa realidade objetiva que ele transfigura através do
A Viagem: seu olhar poético.

O tema da viagem como um destino e uma missão em busca da Cesário transpõe, então, para os seus poemas o quotidiano de
imortalidade, característico da epopeia, encontra na deambulação todas as gentes que habitavam quer a capital quer o Campo e, em
errática do sujeito poético um sentido menos heroico. A sua viagem quadros pitorescos, carregados de visualismo, transmite as
pela cidade opressiva e decadente contrasta com a grandeza épica emoções e os sentimentos que envolvem essas situações do real.
do passado.
A forma como os quadros/poemas são construídos oscila entre a
O espaço a percorrer é reduzido e menos aventuroso, mas é através objetividade e a subjetividade, como se a interioridade do poeta se
dele que se constrói o desejo de partir, de viajar: “Madrid, Paris, identificasse com um mundo exterior.
Berlim, S. Petersburgo, o mundo!”
Cesário faz, então, com a linguagem aquilo que os impressionistas
“Nós vamos explorar todos os continentes / E pelas vastidões fazem com que as pinceladas. Ele transporta para os seus poemas,
aquáticas seguir” – Correspondem ao sonho utópico que nos liberta as sensações, essencialmente visuais, mas também auditivas,
de uma melancolia estagnada e de um destino sem futuro. olfativas, gustativas ou mesmo táteis.

TEMÁTICAS: Dicotomia Cidade/Campo:

A Representação da cidade e dos tipos Sociais: As marcas de uma vivência dividida entre a cidade de Lisboa e o
ambiente campestre dos arredores da capital, como Linda-a-
A cidade, nomeadamente a cidade de Lisboa, aparece na poesia de Pastora, são evidentes nos poemas de Cesário Verde e decorrem do
Cesário Verde como um espaço privilegiado. Identificando-se com seu olhar atento sobre aquilo que o rodeia.
este espaço que habita e tão bem conhece, Cesário faz dele o palco
dos seus poemas, mostrando a sua modernidade e a sua mutação. E se a cidade o perturba, o enjoa, o aprisiona (“Nas nossas ruas, ao
anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o
O Poeta tem consciência das transformações sociais que a cidade bulício, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de
de Lisboa do final do Século XIX evidencia e, por isso, ela aparece sofrer. O céu parece baixo e de neblina, O gás extravasado enjoa-
como o cenário das diferentes classes sociais que coexistem e se me, perturba; E os edifícios, com as chaminés, e a turba toldam-se
entrecruzam nas ruas, nas lojas, nos serviços… não sendo, então, duma cor monótona e londrina.”) O Campo, pelo contrário, é para
estranho que uma dama aristocrata se cruze com uma jovem ele sinónimo de liberdade, fertilidade, de saúde, de estímulo,
burguesa ou uma atriz, uma florista ou um lojista apareça no enfim de vida.
mesmo espaço que o calceteiro, a varina, a costureira ou outro
qualquer artesão ou operário.

Com todos estes tipos Sociais o poeta se mistura e interage, LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA:
construindo uma identidade que lhe é peculiar.
Cesário Verde recusa o lirismo romântico e, num tom
Vivendo numa época de contrastes, Cesário Verde transpõe para a impressionista preocupa-se com a construção precisa de versos –
sua poesia a realidade que o envolve, refletindo nos seus versos não decassílabos (10 Sílabas Métricas), ou alexandrinos (12 Sílabas
só a beleza da vida, mas também os seus dramas. Métricas).

O Olhar de Cesário Verde recai com frequência sobre os mais A regularidade estrófica, métrica e rimática e gosto pela quadra
desfavorecidos, os mais humildes, os doentes e desamparados. traduzem a busca da perfeição formal.
Assim, a questão social é, sem dúvida um tema recorrente na sua
poesia e muitos são os tipos sociais que desfilam na sua obra.
O Tom coloquial e prosaico é, talvez, uma forma de sublinhar o • Simbologia do Anoitecer: A tristeza, o ambiente soturno, o
modo humano e simples como o poeta via o Mundo. É uma forma escuro, os cheiros nauseabundos, as sombras, as neblinas, as
de estabelecer comunicação com os outros, de expressar a ruas estreitas… Tudo parece contribuir para a sensação de
comunhão com aqueles que merecem a sua atenção. Neste âmbito, fechamento; o anoitecer como prisão da própria cidade.
muito curiosa é também a inserção em alguns textos de um
discurso dialogado que bem acentua o desejo de comunicação
com o outro que ele observa atentamente.
PARTE II:
Cesário Verde privilegia o vocabulário concreto e exato, utilizando
uma linguagem precisa. Os nomes concretos e os adjetivos e
• Sensações e Sentimentos evidentes no Sujeito-Poético:
advérbios expressivos muito contribuem para realçar o jogo da
mal-estar evidente; melancolia; sensação de clausura, de
objetividade/subjetividade sempre presente na sua poesia.
solidão, de morbidez, de negatividade.
O gosto pelo sensorial, pelo que vê, ouve, sente, cheira… está
presente em todos os seus versos, que são ainda ricos em • Crítica Social evidente: à injustiça relativamente aos mais
acumulação de pormenores descritivos, em empréstimos, em desfavorecidos (estrofe 1) e ao clero e à sua atuação
diminutivos, ora traduzindo carinho, ora tom irónico, e em (estrofe 4).
neologismos.
• Espaços percorridos e observados pelo sujeito: “as
A combinação magistral de comparações, metáforas e imagens, de cadeias”, “O Aljube”, “a vista das prisões”, edifícios como
Hipérboles, de enumerações, de sinestesias e de hipálages, entre a “velha sé”, “Duas Igrejas”, “as tascas, os cafés, as tendas,
outros recursos igualmente sugestivos, é algo que confere aos os estancos; um palácio em frente de um casebre, os
textos deste poeta uma carga inovadora e original. arcos dos quartéis, conventos, as montras dos ourives, os
magasins, a brasserie”.

SENTIMENTO DUM OCIDENTAL: • Diferentes Sensações presentes:


PARTE I:
- Visuais: Ao acender das luzes, iluminam-se os andares,
seus reflexos brancos…
• Indicar a situação que origina o poema: o Sujeito Poético - Auditivas: Toca-se as grades, nas cadeias, Sinos…
deambula pela cidade de Lisboa ao anoitecer, e esse percurso - Táteis: Derramam-se por toda a capital que esfria.
é atentamente registado.
• Evocação do Passado: “Assim que pela História eu me
• Observar o Título – “O Sentimento Dum Ocidental”: de aventuro e alargo”; “Idade Média”.
imediato, o leitor é conduzido à ideia de que o Poema refere
os afetos/paixões do sujeito Poético (Portugal como o ponto
mais Ocidental da Europa).
PARTE III:

• Notar a referência temporal – ao fim da tarde, o início de um • Nova deambulação do Sujeito que sai “Brasserie”;
novo ciclo: a noite. O fim do trabalho, o regresso a casa “ao cair
das badaladas”. • A Importância da Indicação Temporal: o avançar da noite
– a noite pesa, esmaga – acentuando o mal-estar do
• Alusões ao Espaço levam o leitor a concluir que a cidade é vista sujeito poético.
pelo Sujeito Poético como um lugar lúgubre, triste,
desagradável, repugnante, fechado, que simultaneamente o • Espaços percorridos: os “passeios de lajedo, os moles
perturba, mas também o inspira, quase numa relação hospitais, as lojas tépidas, o cutileiro, uma padaria, casas
masoquista. de confeções e modas, as longas descidas, e as esquinas.

• Clarificar a relação Eu/espaço: angústia, vontade de sofrer, • Identificar as Personagens “as impuras, as burguesinhas
sensação de aprisionamento, vontade de fugir do catolicismo, um forjador, um ratoneiro imberbe, a
lúbrica pessoa, a velha de bandós, os caixeiros, um
• Fuga para as grandes cidades e fuga para os tempos heroicos cauteleiro, um homenzinho idoso / Meu velho professor”
(evasão no tempo e no espaço)
• Sensações Presentes:
• AS figuras que habitam o espaço: os carpinteiros, os calafates,
os dentistas, um trôpego arlequim, as crianças, as lojistas, as - Visuais: Ver círios laterais, ver filas de capelas, palidez
varinas… romântica e lunar!
- Auditivas: da solidão regouga um cauteleiro rouco
• Atitude Reflexiva do Sujeito Poético e o dinamismo e a força - Olfativas: Um cheiro salutar e honesto a pão no forno;
das varinas. - Táteis: A noite, pesa, esmaga; um sopro que arrepia os
ombros quase nus.
• A força e a energia do povo, apesar do trabalho intenso a que
está sujeito, bem como às condições miseráveis da sua vida: a • Transfiguração do Real (Segunda estrofe)
doença e a morte.
PARTE IV:

• Desejo de evasão do Sujeito Poético: Eleva-me a quimera


azul de transmigrar

• Indicações Temporais: “Vêm lágrimas de luz dos astros


com olheiras”, “E os guardas (…) caminham com
lanternas”

• O Espaço percorrido na fase final da deambulação, a


cidade que aparece descrita como desagradável,
agressiva, suja e opressiva – “O teto fundo de oxigénio
d´ar”, “mas se vivermos, os empregados, sem arvores, no
vale escuro das muralhas!”, “Prédio Sepulcrais”., “E nestes
nebulosos corredores / nauseiam-me, surgindo os
ventres das tabernas”, “E sujos, sem ladrar, ósseos, febris,
errantes / Amareladamente os cães parecem lobos”.

• Figuras evocadas: “Uns tristes bebedores”; “os dúbios


caminhantes”, as “imorais” e os “guardas”

• Presença da Transfiguração do Real

• Evocação da beleza e da Harmonia do campo: “Pois


sobem, no silêncio, infaustas e trinadas / As notas pastoris
de uma longínqua flauta”;

• Na manifestação de desejos difíceis ou mesmo


impossíveis de realizar: “se eu não morresse, nunca! E
eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das
cousas!”

• Na vontade expressa do regresso da grandeza passada:


“Nós vamos explorar todos os continentes / E pelas
vastidões aquáticas seguir1”

• Alteração dos Pronomes EU/NÓS, no sentido de


transmitir aquilo que o sujeito sente como um
sentimento comum a todos os outros habitantes desta
cidade em que “A dor Humana busca os amplos
horizontes”, generalizando o desejo de fuga, a
necessidade de evasão a todos.

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