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Artigo Original

Trauma de tórax em crianças e adolescentes


Thoracic trauma in children and adolescents

Marlos de Souza Coelho


Titular em Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia. Titular em Cirurgia Torácica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica. Titular do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões. Mestre em Cirurgia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Doutor em
Cirurgia pela UFPR. Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória do HUC-PUC-PR.

Nélson Bergonse Neto


José Lino Gonçalves
Danison Pessanha dos Reis
Médico residente do Serviço de Endoscopia Respiratória e Cirurgia Torácica do HUC-PUC-PR.

Paulo de Souza Fonseca Guimarães


Médico

Wilson de Souza Stori Jr.


Médico assistente do Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória e preceptor da Residência
Médica em Cirurgia Torácica do HUC-PUC-PR.
Trabalho realizado pelo Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória do Hospital Universitário
Cajuru - Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Endereço para correspondência: Avenida São José, 300 - CEP 80050-350 - Curitiba - PR.
Unitermos: trauma torácico, criança, adolescente.
Unterms: thoracic trauma, child, adolescent.

Numeração de páginas na revista impressa: 312 à 321

Resumo

Introdução: O trauma torácico em crianças e adolescentes é grave e incomum, estando


presente em até 6% das crianças traumatizadas. Casuística e método: Durante o
período de 01/01/1991 a 31/12/1999 foram estudados 198 pacientes de 0 a 18 anos,
vítimas de trauma de tórax e submetidos a algum procedimento cirúrgico. Resultados:
A idade variou de 0 a 18 anos (média: 9,3 anos), sendo 164 (82,82%) do sexo
masculino e 34 (17,17%) do sexo feminino. Ocorreram 120 ferimentos penetrantes:
arma branca 58 (48,33%) e arma de fogo 61 (50,83%). Contusões torácicas
ocorreram em 78 (39,39%): acidentes de trânsito, 60 (76,92%); queda de nível, 15
(19,23%) e agressões, 3 (3,84%). As lesões associadas foram: TCE, 45 (22,7%);
fratura de costelas, 43 (21,71%); diafragma, 36 (18,18%); fígado, 29 (14,64%); baço,
17 (8,58%); e tórax instável, 1 (0,5%). A principal forma de tratamento foi a
drenagem torácica unilateral, aplicada em 181 (91,41%). A toracotomia foi indicada
apenas em portadores de ferimentos penetrantes, sendo 3 (1,51%) por hemotórax
maciço e 1 (0,5%) por tamponamento cardíaco. A laparotomia foi realizada em 75
(37,87%). Complicações ocorreram em 30 (15,15%) e a mortalidade ocorreu em 17
(8,58%). Conclusão: Através do conhecimento do mecanismo de trauma, das lesões
associadas, dos tratamentos existentes, das complicações e da mortalidade do trauma
torácico nas faixas etárias mais significativas da infância, seremos cada vez mais
capazes de evitar sua ocorrência e suas conseqüências.

Introdução

O traumatismo torácico pediátrico é uma entidade grave e incomum, estando presente


em até 6% das crianças traumatizadas; sua principal causa é por traumatismo fechado
decorrente de acidente de trânsito(1,2).

Devido às diferenças anatomofisiológicas existentes entre adultos e crianças, este tipo


de trauma deve ser manejado diferentemente do trauma de tórax em adultos, pois a
elasticidade costal e esternal, associada ao componente cartilaginoso da parede, torna
o tórax infantil mais elástico e flexível, com maior mobilidade mediastinal, deixando as
estruturas torácicas internas expostas às contusões torácicas(3,4).

Este trabalho tem como objetivo analisar o traumatismo torácico na criança e nos
adolescentes, enfatizando suas causas, os tipos de lesões, suas características,
métodos diagnósticos, manejo e complicações para que, deste modo, possa existir um
consenso sobre a melhor conduta a ser adotada neste tipo de trauma.

Casuística e método

Foram analisados 198 casos de traumatismo torácico em crianças e em adolescentes


submetidos a algum tipo de tratamento cirúrgico, os quais representaram 9,27% dos
2135 casos de trauma torácico atendidos pelo Pronto-Socorro do Hospital Universitário
Cajuru da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no período de 1º de janeiro de
1990 a 31 de dezembro de 1999.

A idade dos pacientes variou de 0 a 18 anos, sendo os pacientes subdivididos em cinco


faixas etárias: 1) 0 a 2 anos; 2) 3 a 7; 3) 8 a 12; 4) 13 a 15; e 5) 16 a 18 anos.

Os dados foram analisados de acordo com o tipo de trauma, lesões associadas,


manejo, complicações e mortalidade. Foi realizada análise comparativa entre as cinco
faixas etárias, entendendo-se como crianças os pacientes menores de 15 anos e como
adolescentes aqueles na faixa etária dos 16 a 18 anos.
Gráfico 1 - Ferimentos penetrantes no trauma torácico em crianças e
adolescentes.

Resultados

Neste estudo foram analisados 198 casos de traumatismo de tórax em crianças e


adolescentes, com a faixa etária variando de 0 a 18 anos e com uma média de
idade de 9,3 anos, sendo 164 (82,82%) pacientes do sexo masculino e 34 (17,17%)
do sexo feminino.
O mecanismo de trauma mais freqüente foi o ferimento penetrante (Tabela 1),
ocorrendo em 120 (60,6%) pacientes, sendo que ferimentos por arma de fogo
ocorreram em 61 (50,83%); por arma branca em 58 (48,33%) e mordida de cão em
1 (0,83%). Contusões torácicas ocorreram em 78 (39,39%), sendo que acidentes de
trânsito ocorreram em 60 (76,92%); queda de nível em 15 (19,23%) e agressão em
3 (3,84%). Dos ferimentos penetrantes observados, 95 (79,16%) ocorreram em
adolescentes e apenas 25 (20,81%) em crianças (Gráfico 1); nos casos de
contusões torácicas, 47 (60,23%) eram crianças e 31 (39,73%) adolescentes
(Gráfico 2).

Foram constatadas 178 lesões associadas (Tabela 2), sendo que o traumatismo
cranioencefálico (TCE) foi a mais freqüente, observado em 45 (22,72%) pacientes;
diafragma, 36 (18,17%); fígado, 29 (14,64%); baço, 17 (8,58%); cólon, 12
(6,06%); estômago, 9 (4,54%); pulmão, 8 (4,04%); intestino delgado, 5 (2,52%);
rim, 3 (1,51%); trauma raquimedular, 2 (1,01%); traquéia, 2 (1,01%); vasos ilíacos
2 (1,01%); pâncreas, 2 (1,01%); vias biliares, 2 (1,01%); coração, 1 (0,5%);
esôfago, 1 (0,5%); bexiga, 1 (0,5%); e vasos mesentéricos, 1 caso (0,5%). O
hemopneumotórax esteve presente em 86 (43,43%) pacientes; o pneumotórax
isolado em 65 (32,82%) e o hemotórax isolado em 47 (23,73%). Considerando-se
a presença de fraturas associadas (Tabela 3), as fraturas de costelas foram as mais
freqüentes, ocorrendo em 31 (15,65%) pacientes e o tórax instável ocorreu em
apenas 2 (1,01%).

Todos os pacientes receberam algum tipo de tratamento cirúrgico, sendo que a


drenagem torácica fechada unilateral foi realizada em 181 (91,41%) pacientes, a
drenagem bilateral em 17 (8,58%) e em 75 (37,87%) houve laparotomias
associadas. A toracotomia foi necessária em apenas 4 (2,02%), a qual foi indicada
em pacientes portadores de ferimentos penetrantes, sendo que em três casos
(1,51%) foi devido a um hemotórax de grande volume e em 1 (0,5%) a
tamponamento cardíaco.

Segundo a Tabela 4, as complicações ocorreram em 30 (15,15%) pacientes, sendo


que insuficiência respiratória foi observada em 7 (3,53%); pneumonia, em 7
(3,53%); empiema pleural, em 7 (3,53%); atelectasia, em 6 (3,03%); hemotórax
coagulado, em 2 (1,01%); e síndrome da angústia respiratória aguda, em 1 (0,5%).

Dezessete (8,58%) pacientes morreram, sendo que 8 (4,04%) em conseqüência de


trauma cranioencefálico; 4 (2,02%) por politrauma; 3 (1,51%) por choque e 2
(1,01%) por sepse (Tabela 5).
Gráfico 2 - Contusões torácicas em crianças e adolescentes.
Gráfico 3 - Trauma torácico: tipo de trauma, idade e sexo.

Discussão

As crianças representam de 2% a 9% dos atendimentos por trauma nos Serviços de


Emergência(3,5,6). O traumatismo torácico pediátrico é incomum, estando
presente em 4% a 7% dos casos, mas pode estar presente em 28% dos casos de
crianças politraumatizadas, ocupando o quarto lugar em freqüência de lesões,
ficando atrás do trauma em extremidades, trauma cranioencefálico (TCE) e trauma
abdominal(2,3,6-8). O ambiente doméstico é o local onde mais freqüentemente
ocorrem os acidentes, representando 46,7% dos casos, seguido por estradas e
rodovias, com 29,7% e por escolas, com 19%(6). A idade em que ocorre a maioria
dos casos está entre os 7 e os 13 anos, sendo que neste estudo a média foi de 9,3
anos. O sexo masculino é o mais freqüentemente acometido, tendo uma
prevalência que varia entre 1,5 e 2,5:1; nesse trabalho a diferença foi ainda maior,
com uma prevalência de 4,8:1 para o sexo masculino.

O trauma fechado é a mais freqüente causa de lesão torácica em crianças e


adolescentes, estando presente em 61% a 78% dos casos, sendo que até três
quartos das crianças vitimadas são do sexo masculino, com idade média de seis
anos. É usualmente decorrente de acidentes automobilísticos (70%), como
atropelamentos ou colisões, mas também pode ser decorrente de quedas (10%),
esmagamentos (10%) e agressões (10%)(1,2,6,8-12). Dos acidentes de trânsito,
que podem atingir 26,5% a 53% dos casos, os atropelamentos representam 36% do
total e as colisões 32%(2,6,8). As crianças são mais freqüentemente atropeladas
que os adultos, sendo que um terço dos casos são resultantes de atropelamento,
enquanto nos adultos ele ocorre em 10%(2,9).

Os adolescentes, analogamente aos adultos, têm uma proporção maior de lesão


torácica decorrente de colisões automobilísticas, como passageiros ou motoristas,
enquanto cerca de 90% das crianças menores envolvidas nos acidentes de trânsito
são pedestres(2,6). As lesões torácicas decorrentes de queda são mais freqüentes
na idade pré-escolar, ocorrendo em 23,5% a 27,7% dos casos(6). O trauma
penetrante pode abranger 21,3% dos casos de atendimentos pediátricos por
trauma(7). Porém, as lesões torácicas penetrantes, tanto por arma branca (3,5%)
quanto por arma de fogo (0,4%), são raras e ocorrem em menos de 10% dos casos,
sendo que as lesões decorrentes de assaltos ocorrem em 1,1%(2,6), mas podem ser
mais freqüentes em regiões urbanas e em crianças mais velhas ou adolescentes,
sendo que em até 69% dos casos acometem meninos, com idade média de 11,1 a
13 anos(1,6,7,9-11).

Num contexto especial estão as lesões produzidas por maus-tratos, que


representam cerca de 11% dos traumas fechados, na faixa etária de zero a quatro
anos. Neste tipo de trauma, o traumatismo torácico ocupa o quinto lugar em
freqüência, presente em 4,5% dos casos, atrás do TCE (59,9%), trauma de
extremidades (29,5%), trauma abdominal (6,8%) e trauma de face (6,6%)(13,14).
No HUC, o mecanismo mais freqüente de trauma de tórax em crianças e
adolescentes foi o penetrante, com 60% de prevalência, mas foi observado
principalmente nos adolescentes, enquanto nos trauma fechados os acidentes de
trânsito predominaram, representando 30,3% dos casos de trauma de tórax em
crianças e adolescentes. Relacionando-se o mecanismo de trauma com o sexo e
cada faixa etária (Gráfico 3), verificou-se que o sexo masculino foi mais
freqüentemente acometido tanto em ferimentos contusos quanto penetrantes,
principalmente nos adolescentes, em que houve uma prevalência de 56,05% do
total de trauma torácico em meninos, enquanto o trauma contuso foi mais comum
em crianças menores e adolescentes e crianças do sexo feminino.
Devido ao menor tamanho corporal das crianças, as forças traumáticas se
distribuem numa menor massa corporal, tornando as lesões múltiplas mais
freqüentes. Por isso, os traumas fechados em crianças são mais graves, pois
freqüentemente estão associados a trauma extenso(9,15). Ao contrário, as lesões
penetrantes são, na sua maioria, lesões de um único órgão, sendo o sistema
nervoso central raramente comprometido e as manifestações que possam ocorrer,
freqüentemente, estão relacionadas à hipovolemia(2,7). O traumatismo torácico
pediátrico, em comparação com o de adultos, apresenta características especiais e
maior gravidade funcional. Devido ao predomínio do componente cartilaginoso
sobre o ósseo, a parede torácica nas crianças é mais elástica, flexível, delicada e,
portanto, mais compressível, permitindo maior transmissão das forças para os
órgãos internos (pulmões e mediastino), o que freqüentemente ocorre sem
evidências de trauma externo ou na ausência de fraturas de costelas(2,3,4,8,10,16).

Por outro lado, o trauma fechado de tórax com diagnóstico de fratura de costelas
tende a produzir uma lesão mais localizada, sendo que há 61% de incidência de
fratura de costelas em crianças, comparada a 80% em adultos(16). O mediastino é
mais livremente móvel, pois um pneumotórax ou um hemotórax causam amplo
deslocamento cardíaco, o que diminui o retorno venoso e resulta num decréscimo
do débito cardíaco e em redução da perfusão periférica(8). Devido à maior
elasticidade do parênquima pulmonar, o deslocamento do mediastino também
comprime os pulmões e desvia a traquéia, complicando o estado geral da
criança(8). Portanto, a incidência de fraturas de costelas em crianças é menor do
que em adultos, apresentado sítios de fraturas localizados mais posteriormente do
que lateralmente, enquanto as forças de desaceleração decorrentes de colisões
automobilísticas são mais aptas a se dispersarem nos pulmões, resultando em
contusão pulmonar, uma lesão de parênquima que resulta em hemorragia e edema
intersticial, levando a colapso alveolar e consolidação pulmonar(4).

O traumatismo torácico pediátrico freqüentemente está associado a outras lesões, o


que torna imperativa a suspeição de lesões múltiplas, principalmente no
traumatismo fechado, em que as lesões associadas estão presentes em 78% dos
casos, sendo freqüentemente associado a TCE ou trauma abdominal. Por isso, a
avaliação inicial é baseada na radiografia de tórax e ultra-sonografia abdominal e
informações adicionais, principalmente em casos de lesões mediastinais, podem
ser fornecidas pela tomografia computadorizada de tórax(16-18). Em crianças
maiores e adolescentes o lavado peritoneal diagnóstico (LPD) pode ser útil para se
descartarem lesões intra-abdominais associadas, enquanto em crianças menores
estão indicados a tomografia computadorizada e exames físicos seriados, devido à
dificuldade em realizar o LPD(9).

A contusão pulmonar é a lesão mais freqüente do trauma torácico pediátrico,


ocorrendo em 25% a 75% dos casos, causada por forças de aceleração-
desaceleração ou traumas fechados que podem ocorrer sem fraturas de costelas,
devido à maior compressibilidade da caixa torácica na infância, enquanto a
laceração pulmonar geralmente está associada ao trauma penetrante(1,8-10,12,16).
O diagnóstico precoce é difícil, pois os sintomas podem não estar presentes e a
contusão pulmonar pode não ser identificada numa radiografia de tórax inicial,
mas a extensão da lesão, muitas vezes, aumenta 24 horas após o trauma; assim,
radiografias de tórax devem ser sempre repetidas, na suspeita de contusão
pulmonar, pois achados radiológicos tardios podem ocorrer em até 25% dos
casos(9,16). A hipoxemia, embora não específica, é o achado mais comum(16). A
tomografia computadorizada de tórax é mais sensível, pois a radiografia simples
subestima ou não identifica 38% das lesões visualizadas na tomografia, devendo
ser solicitada na presença de opacificação pulmonar na radiografia inicial, em
vítimas de colisão automobilística ou atropelamento e na presença de shunt
fisiológico inexplicado (PO2<50 com FiO2=1) e com oxímetro de pulso
mostrando saturação inferior a 85%(2,16).

Esse tipo de lesão resulta em atelectasia, consolidação de parênquima ou infiltrado


intersticial e requer ventilação e hidratação, para se evitar hipóxia e hipercarbia,
sendo relacionada com derrame pleural serossanguinolento e pneumotórax(19). A
ruptura das vias aéreas principais em adultos ocorre em 1% dos traumatismos
torácicos. Em crianças é ainda mais raro, sendo que, devido à maior elasticidade
da caixa torácica, pode ocorrer ruptura isolada de traquéia ou brônquios sem lesão
vascular. Os sintomas são dispnéia grave, enfisema subcutâneo, hemoptise
moderada e pneumo ou hemotórax. O pneumomediastino e o enfisema cervical
observados em radiografias de tórax são os marcadores mais sensíveis no
diagnóstico desta patologia(20). A asfixia traumática é uma forma rara de
traumatismo torácico pediátrico, sendo uma síndrome clínica caracterizada por
hemorragia subconjuntival, edema facial, cianose, hemorragias petequiais em
tórax superior e face, freqüentemente associada a sintomas neurológicos. Ocorre
em lesões por esmagamento, em que há um acentuado aumento na pressão
intratorácica e na veia cava superior, com posterior oclusão das vias aéreas(7).

As fraturas de costelas são lesões menos freqüentes na população pediátrica, em


comparação com os adultos, pois são identificadas em 32% a 47,8% dos casos,
enquanto nos adultos ocorrem em até 75% dos casos(1,2,9). O tórax instável,
provavelmente devido à elasticidade da caixa torácica das crianças, é uma entidade
incomum, com incidência de 1%, enquanto nos adultos ocorre em 10%(1,2,9). Em
crianças menores de 12 meses, 82% das fraturas de costelas são devido a maltrato;
7,7% a acidentes; 2,6% a trauma ao nascimento; e 7,7% a alguma fragilidade
óssea, como prematuridade, osteogênese imperfeita ou raquitismo(21). Nesse
estudo, as fraturas de costelas tiveram uma prevalência de 15,65% e foram mais
freqüentes em crianças mais velhas e em adolescentes, enquanto nas crianças
menores de 13 anos as lesões em extremidades foram mais comuns, enquanto o
tórax instável esteve presente em 1,01% dos casos.

As lesões cardíacas como ruptura aórtica, ruptura cardíaca ou de septo, lesão


valvar, contusão miocárdica e tamponamento podem ocorrer em 2% dos casos de
trauma torácico pediátrico fechado, sendo que em 60% dos casos há lesão aórtica,
que pode ser conseqüente a colisões automobilísticas em alta velocidade em até
67%(11). Neste estudo, a lesão cardíaca esteve presente em apenas um caso, em
que ocorreu tamponamento cardíaco e houve necessidade de toracotomia. As
contusões miocárdicas, que podem ocorrer em 20% a 76% dos casos de
traumatismos torácicos, são diagnosticadas pela observação de eletrocardiogramas
seriados e confirmadas pela análise seriada de isoenzimas CPK(1,9). Estes
pacientes requerem observação, podendo ser necessária intervenção cirúrgica para
o tratamento de complicações específicas, como perfuração do septo
interventricular ou de parede.

O pseudoaneurisma traumático de aorta ascendente ou a ruptura aórtica podem ser


diagnosticados por um aortograma após a estabilização do paciente(1,22).
Entretanto, a aortografia não tem sido utilizada rotineiramente no trauma
pediátrico, em que a ecocardiografia transtorácica, com detalhes anatômicos
adicionais fornecidos pela ecocardiografia transesofágica, pode ser mais sensível,
pois também fornece o diagnóstico de lesões intracardíacas e depressão da função
miocárdica(11).

A ruptura cardíaca é rara e pode ser conseqüente a traumatismo fechado, presente


em 0,5% das admissões e responsável por 5% a 15% das mortes por colisão
automobilística. Requer alto índice de suspeição, principalmente quando há
hipotensão persistente, refratária à ressuscitação com fluidos e hipotensão com
pressão venosa central elevada, sendo necessários procedimentos invasivos e
agressivos, tanto para diagnóstico quanto para tratamento, pois a sobrevida
depende da rápida exposição cardíaca e varia de 24% a 41%. Ocorre quando uma
força é diretamente aplicada à parede anterior do tórax e a natureza da lesão
depende da fase do ciclo cardíaco durante a qual a força é aplicada, sendo que
lesões ventriculares ocorrem ao final da diástole e as atriais, ao final da sístole,
quando os átrios se encontram completamente distendidos e as valvas
atrioventriculares estão fechadas. Este tipo de lesão se manifesta pelos sinais do
tamponamento cardíaco, que pode ser diagnosticado pela pericardiocentese, janela
pericárdica ou ecocardiograma bidimensional(18). O quilotórax pode surgir por
trauma direto em ducto torácico, podendo ser diagnosticado pelo estudo do líquido
de derrame pleural(23).

A maioria das lesões torácicas pediátricas podem ser manejada de forma


expectante, requerendo apenas observação e a maioria dos pacientes que requerem
algum tipo de intervenção necessitarão, apenas, de drenagem torácica
fechada(1,5,10,24). As laparotomias são mais freqüentes, sendo que as cirurgias
torácicas são indicadas somente em casos de sangramento persistente pelo dreno
torácico, quando há alta suspeita de lesão mediastinal ou presença de choque
hipovolêmico incontrolável(1). Neste estudo houve necessidade de laparotomia em
37,87% dos casos. Nas crianças, 85% a 93% dos casos de traumatismo torácico
podem ser tratados sem cirurgia, mas a toracotomia pode ser necessária quando há
sangramento pelo dreno torácico na intensidade de 1 a 2 ml/kg de peso
corporal/hora, lesão traqueal ou bronquial, lesão esofágica, ruptura aórtica ou
ruptura diafragmática(3,8).

A única contra-indicação absoluta de toracotomia de emergência em crianças é


lesão óbvia e maciça do SNC(10). Quando há lesão penetrante, 54% a 66% dos
casos requerem intervenção cirúrgica, índice consideravelmente maior do que nos
adultos, em que apenas 15% necessitam de intervenção. A elevada taxa de
cirurgias se deve a lesão de órgãos vitais, que nas crianças ocupam,
proporcionalmente, maior espaço no tórax(7). Neste estudo ocorreram quatro
toracotomias em pacientes vítimas de trauma penetrante, sendo que três foram
indicadas por hemotórax de grande volume e uma ocorreu devido a tamponamento
cardíaco.
As contusões pulmonares, usualmente, resolvem-se em dois a seis dias, a menos
que ocorra alguma infecção sobreposta, sendo que 50% a 80% dos pacientes irão
desenvolver pneumonia do segmento contundido, com 35% destes evoluindo com
empiema pleural ou abscesso pulmonar(10). As contusões pulmonares podem ser
manejadas com ventilação mecânica e óxido nítrico inalatório para os casos
refratários; furosemida, que tem uma ação direta na musculatura lisa venular
pulmonar, pode diminuir a resistência venosa pulmonar e reduzir a pressão
hidrostática capilar pulmonar; corticóides, cuja utilização é controversa, mas pode
reduzir a zona edematosa ao redor da contusão pulmonar(13).

Das lesões pulmonares penetrantes, 76% requerem apenas drenagem torácica


fechada(10). Portanto, casos suspeitos de lesão torácica devem ser manejados com
oxigênio inalatório e casos de pneumotórax ou derrame pleural devem ser
prontamente drenados, sendo que a analgesia com infusão contínua de morfina
pode reduzir a taxa de complicações e evitar a necessidade de ventilação em
alguns pacientes(16). A infecção pulmonar pode complicar as contusões em até
50% dos casos (85%, se houver tórax instável associado), a síndrome da angústia
respiratória pode complicar 5% a 20% dos casos, sendo o risco maior nas
primeiras 24 horas após o trauma e diminuindo após 72 horas(13). Neste estudo as
principais complicações tiveram relação com o sistema respiratório, sendo
constatadas, principalmente, insuficiência respiratória, pneumonias ou empiemas.

A mortalidade do trauma torácico isolado é de 4% a 12%, mas em crianças a


mortalidade é o dobro da dos adultos, num total de 7% a 30%, sendo que a maioria
dos óbitos ocorrem nos três primeiros dias da lesão(2,8,10,24). A mortalidade
pode ser ainda maior (até 40%) se houver hemotórax, fraturas de costelas,
lacerações pulmonares e lesões cardíacas ou de grandes vasos(13). Em casos de
trauma de tórax fechado, a mortalidade representa 25% do total da mortalidade por
trauma fechado(13). Devido ao menor tamanho corporal, há maior probabilidade
de ocorrerem lesões em outros órgãos e sistemas, sendo que a presença de lesão
torácica associada a lesões em outros sistemas tem sido relacionada com um
aumento na taxa de mortalidade de até 20 vezes, principalmente quando há TCE e
contusão pulmonar associados(2,8,25). Neste estudo a mortalidade foi de 8,58%,
sendo mais freqüente em casos de TCE associados e nos adolescentes e crianças
menores.

Conclusões

O traumatismo torácico em crianças e adolescentes é incomum, havendo um


predomínio no sexo masculino em qualquer faixa etária. Quanto ao mecanismo de
trauma, a freqüência dos ferimentos penetrantes mostra um crescimento linear e
proporcional à idade, com incidência alarmante nos adolescentes, o que se deve,
provavelmente, ao meio a que estes indivíduos estão expostos, fazendo desta idade
um fator de risco para este tipo de traumatismo. Nos ferimentos penetrantes as
contusões torácicas apresentam um crescimento linear constante, proporcional ao
aumento da idade, sem discrepância nas faixas etárias mais altas.

Trata-se de uma patologia grave e de elevada mortalidade, principalmente quando


decorrente de trauma fechado e quando há associação com o TCE, sendo que as
complicações apresentaram um aumento proporcional ao aumento de idade, mas
sem diferença estatisticamente significativa entre os vários tipos de complicações.
Como a maioria dos óbitos ocorrem após o paciente chegar ao hospital, o
diagnóstico e o manejo precoces podem ajudar a reduzir significativamente a taxa
de morbimortalidade.

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