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PEDRO PAIS DE VASCUNCELOS Professor Catedeitico a Faculdade Je Direho de Usbo TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL sv enieio A ALMEDINA ‘SEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL SeDRO PAIS DE VASCONCELOS EDIGOES ALMEDINA, ‘As. Fento Maga, 0b 174 Coin Tak: 29 85,508 ox 285 831 908 vruwalinedinatt ira sad ec BH, 57 Ane ea daMPnegsAe | BARESSAO | ACARAMENTO GC. ~ORAFICA DE COMMBRA,LDA. Para Ascalegs 3anrd33 Countra pan @oatenocza. ot Gabe, 2008 erparrecacat 2ar3s903 duos <2 opine redone pase pubic ‘io dneschvawspocabidade (eet) suo. “Tada oie dou ces, oc fora a9 ote aap pase sem pin treo ess Go Bor ie pnt de ocd jal! coat fot, Biblioteca Nacional de Portugal ~ Catalogasao ua Publicagao ‘VASCONCELOS, Pedro Pais de, 1946+ “Teoria goal do dizeita evil. —5* ed, ~ (Manuais) ISBN 978-972.10-3561-1 cpu 387 me ‘PITULOT INTRODUCAO 1. 0 Direito Civil como direito privadd comam. 1.0 Direito Civil constitui a parte: fndamentat do Diteito Privado. Como tal, abrange a parte do Ordenamento Juridien que se pres com 45 relacies entre particles, entre privados, que so estabelecam com ‘pase aa igualdade on paridade jucidica, aa liberdade on auloaoraia. Eo direito dos Cives. ‘0 Diteilo Civil € fundamentalmente diferente do Direito Péiblico. ste abrange 0 relacionamento entre 0s particulares € © Estado, ou o$ seus 64gios ou agentes, ¢ 0 dirito interno do Esiado, de sua orglnica © relagées interores entze os seus drgaos, organizagSes ¢ agentes, com tase em relagies de auloridade, de disparidade ¢ de heteronomia. ‘A distingao entre o Diteito Privado e o Ditelio Pabiico tem oeapado inuitas pleinas & Doutrina, Em termos geri, distingfo tem sido ten- tada com base em critéries diversos, consoante a natureza do interesse, ‘2 catureza dos sujeitos, ow ontros factores' (0 critétio que distingue com base na natureza do interesse prosse- ‘guido ou dominante nio € satisfetérie, No amabito do Direito Privado 0 jnteresse plbiico nfo est excluido, embora o iateresse privado seja largamente dominanie, Todavia, o interesse pablico aio esta ausente * Sobre a eisinggo ene Dacito Pibice ¢ Direto Prado, ver Mor Pesto, ‘Teoria Geral do Direto Ciril, 3° 8, Coir Edioce, Coimbra, 1996, pigs 24 © $698 Conviui EbRvanDes, Teoria Geral do Dircito Chu, 32 ea, {, Univesiiade Cazoliea Posgucra, Libos, 2001, pigs 30 © segs, Henwact: Evar Hoesris, 4 Parte Geral do Coiigo Cot Porat, Teoria Geral do Direito Cini, Almesioa, Conde, 1962, Our ‘ura Ageessso, 0 Direto - tnredagdo @ Teoria Geral, (1° edigto, Amwaita, Cofra- bra, 2001, pigs 328 © segs. 6 Teoria, Geral eo Dieito Chit nem 6 indiferente ao Direito Privado. Sd muites as regulagées em Direito Privado em que o interesse piblico s, sent dominante, pelo ‘menos muito relevante, como sucede nomeadamente no que zespeita 3s cxigacias de forma ¢ de publicidade, a protecgdo dos terceiros, da peste mais fraca, do comprader, do inguilino, do twabaihados, dos mewores € des incapazes. No exttanto, se o intezesse privado néo € exclusive no Direito Privado, ele é, todavia, claramente dominante, no senticio de que 0s interesses sutelados pelo Direito Privado siio, em principio, interessos rivados ¢ nio piblicos, embora 0s interesses piibiicos, quando sarjam Iutelados sobrelevem em geral os privados. Simetricamente, no Direito Pblico nao séo apenas ou exclusivamente pilblicos os interesses tutela- dos, embora o,sejam dominantemente, Pode, pois, reter-se que no Direito Piiblico os imeresses pablicos so dominantes, enquanto no Direito Pri- vado so 06 interesses privados que dominam em geral, O critério da natureza pdbiica ou privada da pessoa ou eute jurdico que actu enfrenta também dlficuldades, se se atentar em gue os cntes piblicos também agem no campo do Direito Privado como sujeitos privados ¢ despidos dias suas pretrogativas de autoridade, do mesmo modo que 0s privados io deixam de agir em campos muitissimo rele- vances do dircito pablico sem despirem ou perderem a sua veste privada, como sucede, por exemplo, no Direito Eleitoral, no Direito Penal on no Direito Processual, Para além da natureza dos interesses prosseguidos ou dos sujeitos acluantes, também o modo de relacionamento pode dar indicios para a clissificago de coneretas regulagdes jurfdicas como de Direito Pibiico ou de Dizeito Privado. Caracteristico do Direito Pablico seria entio 0 esequilrio entre sujeitos, intervindo os entes pubblicos com poderes de autoridade sobre os sujeitos privados, em posigdes relativas de sobre © de infra-ordenagao, No entanto, também este critéio enfrenta sézias Alfeuldades. Na vesdade, no deixam de ser de Direito Publico as reia- Stes contratuais enue entes piblicos, por exemplo duas RegiGes Auté- ‘omas, no dbito das suas atribuigdes e compeléncias, apesar de nelas nio subsistir desequilforio posicional, ou sobre ow infro-ordenacées, ov osigdes de autoridade, Simetricamiente, n80 deixam de ser indubitavel- mente de Dieito Privado certas cegulagdes juridicas em que existent poderes de autoridade ¢ desequilteric posicional, como no Poder Pater. As diffculdades de distingio entre Direito Pablico e Psivado no 0, no entanto, iaultrapossaveis, desde que se abandone a técnica da clessiicagao dicotémica e se adopte um modo de qualificagio polar Sntrougto t A distincdo oo tem de ser feita em termes dindrios exclusives, ou dico- tmicos, em que uma certa regulacho tenha de ser, ou de Direito Pibli- £0, ou de Direito Privado, em que todo o Direito tenha de ser separado em Dizeito Pitblico e Direito Privado de modo exacto ¢ exaustivo, A Gistinglo pode ser feita entre dois pélos, um pifblico © outro privado. No polo piblico centra-se a vertente comonitéria, a componente social, colectiva, estatal, relativa 4 comunidade @ a0 bem comum, de todos ou da maioria, on dos intezesses que ao Estado cabe prosseguir assistido de poderes de autoridade ¢ de modo sobre-ordenado; no polo privado ‘centra-se a vertente pessoal, a componente individual, Particular, privada, relativa lis pessoas comuas © 208 seus interesses, num modo de telaciona, ‘mento em prinefpio paritétio. No primeiro domina o direito heterdnomno, a ‘tutela dos interesses gerais ou colectivos e comunitérios, de modo tendencialmente autoritirio e sobre-ordenado; no ‘segundo domina o di- relto aut6nomo, interprivado, a natela dos interesses particolares, de modo patitario ¢ equilibrado, © Direito niio tern de ser exciusivamente ¢ exaustivamente piiblico oa privado e dificilmente poderd sé-lo, Batre 05 dois pélos, piblico & privado, existe uma graduacio, una transigdo fluida, de regulacdes pre- dorminaniemence pifolicas ou predominantemente privades, ex gue os imeresses piblico e privado se entrelacam ¢ se contpatibilizam — ow tém de ser compatibilizados ~ porque coexistem sem se excluire (CH asst que no Diseito de Familia, que § Privado, existem muitas regulagées de intetesse © ordem publica, por exemplo, no casamento, ‘como o regime dos impedimentos matrimoniais ou os limites 3 liberdlade de fixagio dos regimes de bens, on no poder paternal em que os filhos smenores esti sujeitos & auioridade dos pais!" Também no Direito do ‘Trabalho, sem prejaizo do seu cardcter privado, as entidades patronais ‘8m poderes de direcgio e disciptina sobre os trabalhadores, 20 mesmo tempo que existem importantssimas limitagdes & autonomia privada n0 Amnbito do contrato de trabalho. No Direito Baneétio, que ¢ um amo do Direito Comercial e obviamente direito privado, existem importantis- simas regulagdes piblicas que Timitum a liberdade negosial privada em Proteczlo do crédito © da seguranga do sistema baneério, Os exemtplos ‘podem multipiicar-se com as limitacSes A Eberdade negocial no arrenda- mento para habitag£o, na protec dos clientes no regime das cldusulas Contratuais gerais,.ou da concoréncia desleal, que pertencem 90 domi- nio do Diseito Privads. E dificil encontrar, hoje, um Direito Privado que © seja exclusivamente. 8 Teoria Cera do Ditto Civil Também no que respeita ao Direito Péblico, nfo existe ja uma discricionariedade que néo estaja sujeita a uma sindicagio apertata, nde exit Jé uma posigao de autoridade © de superioridade do Estado sobce © Cidadio que se néo traduza afinal numa posigéo funcional em que a0 Eatndo, aos antes pdbticos ¢ aos seus agentes cabe a vinculagaa funda imental 20 servigo dos cidadfes, dos privades, cos individuos, das pes- Seas. O Ditelto do Ushenismo, por exemplo, € um easo misto de Divito Civil e Diseito Adminisicativo. A distingde entre Direto Piblico ¢ Direito Privado, tem uma longa nente publica e a componente privada sejam to s6 dominantes, embora [io exclusivas. No Dircito Civil, por exemplo, « componente privada largamente dominante, mas no é exclusiva, porque existem, no seu Ambito, muitas © importantes regulagées que comrespondem a rusia de intetesses prblicas, como sucede, sem ser exaustivo, com a tutela dos Gileretses de tet0s, com as exigencias de fomna nos negéeios jut dices, ¢ até, com maior intensidade, com a defesa da personelidade. © Fiesmo suceds, embora em posigfo inversa, com sectores da Ordem Jusitica, que so geral e pacficamente cousiderados de dizeito pablice, como por exemplo o Direito Administrative, em que as interesses dos privados slo cada vez mais mtolados. A recente admissibilidade de con. Fag Miministativos atpicos* vai no sentido de uma ceria privatizagdo do Direito Adutinistative, do mesmo modo que a cada ver sis room uhecida funcionalizagao e socializaco do Direito Privado vai no sentido” de uma sua crescente publicizagao. Eva crescent simbiose e diluigio de fronteras tigidas nfo impede tices Gone Spesament ¢ exseativanente eaunerads mall Esa sma fo sti ds conti: sdaininwatvos, voi a ser alterade com a evogete de $d wotainns 2 oo Sie Adminisaivo pelo srigo 9: ao Estate des Foouors Ade. Adee DS & tas recemeaenie, com o antigo 178° do CSdigo de Pectin ens seuiuistacv, ye roo a adit conmine adminis apie See ee ines, CORREM Lelia e uwonania Contatual ns Common oben Almedina, Coimbra, 1997, pigs. $53 evegs. Inodegaa 2 Direito Privado se mantenha itt ¢ importante, Necessirio é, sim, que se Mo exija crtérios que sejam absoluiamente determinantes, mas apenas indleativos da distingao, de regulacées que nfo sejam exclusivamente, ‘mas apenas dominantemente piblicas ou privadas. Deste modo, reduz-se scentuadamente a problematicidade da distineZo, A distingio entre Dizeito Puiblico ¢ Diseito Privado, tal como é lwadicionalmente consirufde, ado incide sobre regalagdes concretss ¢ Parcelaces, mas antes sobre aquilo que se couvencionow designar pala expresso “ramos do direito”. A distingio, em principio, tanto podesia {er como objecto umss como outros. Seria possive! distinguir regimes € regulagbes concretas de direito pablico, como a da turela dos incapazes (00 da sucesséo legitimatri, ean que o interesse puiblico & muito relevant. Nestas regulagSes os comands legais so em principio injuntivos. No entanto, a designagdo que Ihes ¢ auributtls, nfo ¢ de “direito piblico”, ‘mas sim Ge “interesse ¢ ordem publica”. Incidindo sobre “ramos de direito", a distingdio acaba por separar 0 Direito Pablico © o Direito Privado, consoante os interesses dominaato- ‘mente tutelados, consoante a nauureza paibtica ou privada tida e assumida, pelos intervenientes, e consoante a relagio de paridade ou de autoridade em que se desenvolvem, sempre numa apreciacio giobal. No Di Privado inclvem-se os ramos do Dircito em que sio domizantes as ‘elagdes dos paniculares entre si, fumdadas na sua igualdade jurfdica © ‘A sia autonomis; no Diseito Péblico inciuem-se os ramos do Diruito em que so dominamtes a tutela de interesses piiblicos, com a interven- ‘ao de entes pablicos, que actuam nessa qualidade, assumindo prerroga- tivas de poder e de autoridadc, Assim, so considerados ramos do Diteito Civil, 0 Direito das Obri- ‘2068, 0 Direito das Coisas, o Direito da Fanaa ¢ 0 Diteito das Suces- des; ¢ ramos de Dieito Privado, 0 Direito Comeccial, © Direito do Traba- Iho, © Direito Internacional Privado. Siio ramos do Direito Publico, o Diteito Constiucional, 9 Direito Administrativo, o Direto Fiscal, o Direito Penal, os direitos processuais. Dentro destes ramos do Dircito, allo obstante serem considerados de Dieito Piblico on de Direito Privade, ¢ possivei encontrar ¢ discer- hir dreas ou reguiaedes mais acenteademente piblicas ou mais acentua- amente privadas,,e até dreas em que coexistem dirsito ptiblica e dircito Privado, come sucede com os principais dircitos de personalidad: que, sondo direitos civis, nflo deixam também de ser direitos fundamentais. 10 Teoria Geraldo Dirsta Cait Eiri Grado Divi ct I. Como ficou ji expresso, 0 Direito Civil constitai o cere funda- mental do Direito Privado. 8 a0 seu &mbito que se concenteam 0 prin- Cfpios, institutos ¢ regulectes que so comuns aos sub-ramos do Direito Privado e que constituem os préptios fundamentos do Diteito Privado, entexdido coma o dircito das pessoas comans. Coustituem o contetido fundamental do Dizeito Civil, desde logo as realidades extrajuridicas e préjurdicas sem as quais 0 proprio Direivo ‘io existtia c que the constituem o fandamento éntico ¢ étieo, também. chemadas “dados pré-legais"’. Sao clas as pessoas, os bens e a acgées, ‘Trata-se de sealidades que tém existéncia independents do-Direito e que © condicionam, que este no pods ignorar, porque le sio de certo modo prévias. Sito os pontos de pasta do Direto, ‘As pessons, desde logo, com prioridade sobre tudo o mais, porque todo © Direito existe em fungio © por causa das pessoas, ¢ ngo tem Sequer razdo de ser fora delas e sem elas; porque todo o Dizeito é criado elas pessoas © para us pessoas, e nasce como a consequéncia da convi. ‘encia das pessoas amas com a3 outras num mesmo espago social Também as acgdes constimem pontos de partida para 0 Direito, AS pessoas nfo slo inertes 2 actuam na sociedad. As acces si0 as Betuagées humanas que se dirigem a alcangar uma fnalidade, conside- dade que o desencadeia e 0 orienta. A acgdin, coma complexo de com. Portamento e finalidade, ¢ um dos poutos de partida do Direito porque sem acgGes este no existiia, Se a8 pessoas fossemn inertes, aio haveria contacto social ¢, pertanto, nio bavetia Dizeito. Finalmente, os bens sio o teroviro ponto de partida do Direito, Os bens sao tudo aquilo que siio seja pessoa e que seja hab para satstazer 4s necessidades © apeténcias das pessoas. Os bens, como se sabe, slo Sempre escassos. As pessoas raramente se satisfazem com 9 que téin € tiam sempre novas aenessidades ¢ epetBacias para a satisaglo das quais os meios so fatalmente escassos. Uma sociedade duradouramente s3- Ciada ¢ uma utopia, Por isso os bens aptos a satisfazer as necessidades © apeténcias das pessoas sio causa de contacto social e foute de conflitos Para além des pessoas, das aogées e dos bens, como pontos de Panida do Direito, © Dizeito Civil enquadra ainda no seu Embito, insta, J OUwERA ACEO, Ditto Civil ~ Teorka Geral, 1 2 ed, Coimbra Editors Comic, 2000, négs. 38 6 sags. Introd u ene figuras © processos do exereicio jure que so comuns a todos os seus sub-ramos especiais, © Direito Civil, assia, o diteito comum: do Direito Privado, 2. Prineipios fundamentais, . O Personaiismo Etico L © Dizeito Civil no ¢ axioiégica ow valorativamente neutro, Lanenz! afirma como subjacente 20 BGB alemdo o porsonolisims tice e aia Kensiana. OLiveiea ASCENSAO? considera que 0. personalismso. éico $ comum a todo o Dixeito © aue, poranio, nio é especiico oe Puivativo do Dizeto Civil. Tal nfo significa, porém, que o persoralisine Stico ndo seja a principal valoragiio do Direito Civil Para Govt's ba Sttvat, “a grandeza e a dignidade do homem, ¢ a Par © em conirasie cot elas a constante insalisedo, a fraqueza © a Pequene2 perante as audicias dos sous idecis, a caduoidade, enfim — estos duas ordens de aspectos antagénicos cajo confliio exprime todo 0 Grsava da huraanidade, mas que Ike permite tarabém alcancut, pela vts. fa dos valores supetiores, a gléria e a felicidade -, assentem 39 suze ‘afzes, segundo a concepgao cristi, na pripria génese do universe ¢ do tempo ¢ na missio que neles foi atibuiéa ao género humana”. ‘Também bara BavtisTa MactiaDo”, “o principio do respeito da diguidide éa pes. Soe ¢ um prineipio suprapositiva: o dieito de casa um a0 respeite da Sus dignidade de pessoa nfo ¢ uma concessfo feta pela ondem jure Positiva, mas antes um direito “natural” anterior a qualquer ordena- mento positive”, © personalismo ético ¢ anterior ao kantismo ¢ tem rafees na moral sstiea © no cristanismo, Assenta na considerzefo da pessou humana MRREWOU, Allgemsinr Tel des devschon Bargesischen Recht, 8 Aa, ‘Bock, Mince, 1997, § 2, pigs. 22 ¢ see. {CUWBRA ASCENGAD, Direio Civil ~ Teoria Geral, se. pp 20, {ain De Siis, Esko de wma ConcepenParsnaiia co Diet, Segara Revit da cals de Dio da Univeiface de Liston, ol XVIE Cishon we 8, _BAISIA wActon, Iicingao ao Yhado do Dieta, Ore. Dspes, f,Seesaa Tien, Braga, 1995, pig 477. 2 Teorts Geral do Direto Civil como ser five, auténomo, igual ¢ inepettvel, centro de gravidade de tora @ organizagio social, dotado de uma dignidade origindria e propria she ihe € inerente deste a concepefo, que ndo pode sez reduzida nem alicnada nem extinta, ¢ que comum a tadas e cada wma des pessoas sem cistinelo de espécie alguma no ambito de uma “humanitas” global, due nio ¢ separdvel ou diferenciavet por estatutos’ econémicos ot so- éiais, por ragas ou sex08, por pittas ou nacionalidades, por religiées ov culturas. O conceito éico de pessoa tem como referente os homens © ‘mulheres comuns, todas as pessoas e cada uma delas, ¢ exciai conceitos Supra ou transpersonalistas quo, através de construgdes abstractas, con- duzem invadavelmente 2 perversOss © monstruosidades de que a Histéeis tem sido testemanha, ‘Transpasto para o Direits, em geral, o personalismo ético exige a Droserigdo da escravatuca, do racismo e de todas as discriminagées & Prepotéacias, da pena de morte © dos tratamentos infamantes, da tortura ¢ @a prislo para obtengéo de provas ou para averiguacies e da parcali- dade judieisl. No Diseito Civil, 0 personilismo ético funda a tutela da ‘essonalidade, a autonomia privada, 2 responsabilidade civil, o direito ssbjectivo © a propriedade, o respeito da farafia e a sucess40 por morte, Apesar de mtigo e de profundamente enraizado na moral comm, 2 petsonalismo ético tem enftentzdo dificuldades e conbecido recuos na Histéria, e a sua concretizagio no tem sido feita sem difculdades, No obstante $6 poucas vezes ser abertamente posto em causa, a sua defesa ilo deve ser deseurada, quer no dominio dos principios, quor no campo das consequéacias ¢ da “aplicacio” concreta!. Assim, a proscrigdo da eseravatura s6 no século XIX se generalizou ainda hoje existem for- F Wei, Natirreckt und materiale Gereehighelt, Vendenhorck and Raprocht, ‘Btatinger 1982 pes. 219 ¢segs.~ i trahagéo eatelhona com o tulo Iuroducton @ le losofa del Derecho, Aguile, Madkid, 1979 — chama 2 aleagao paca ot peigos 20 Resliviamo © do ewvaziarento ético que The esti astociaco, que o necksatsmo nfo ‘onsguf afeites, e que soabem por se traduair na redugfo do Direta a9 mnudamento gueeumano, Também Larene (aa 2 edicéo da Meshodenichre, corespondenie i Gli da tadupio poriguesa, com 0 titulo éetodologia da Ciéoia to Direte, Peamsakian, Lisboa 1978, pig, 149) afi sex cesta que o abasono do postviyon Pris Jusiia, sa Alemenho, “Toi determinado menos pelo movimente jusileascn da Ineodigco 3 ‘mas clandestinas ¢ indirectas de escravatura. A pena de morte ainda no {foi abotida em vérios pafses tidos como civilizados, exabora en geral ilo seja aplicada, e esté até a conhecer algum regresso. A proscricéo da tortura como modo de obtengio de provas e de coniissiio em processo penal, embora consagrada formalmente ein todas as constituigdes civili- zadas, tem sido enfraguecida por priticas recentes e crescentes em que & prisio preventiva tem sido aproveitada para a obtengio de provas @ confissdes sob pressiio da opinio piblica, de um modo que néo deisa de constituic oma forma sofisticacia de tortura, A autonomia privada tem. também sido agredida por concepeGes que 2 reduzem u forms wtelares do-poder soberano do Estado, como aquelas em que se defende que “o aegécio juridico tende a deixar de ser, perante as novas fois comunitérias, um «acto de auionomia privada», para ser mais do que nunca um ins- into, 0 meio pedagdgico destinado a educar em bases nacionais. os interesses domésticos ¢ civis do povo". Existem sempre e sf0 sempre Perigosas as tentagdes de engenharia social e de dirigismos mais ou menos pedagégicos © tutelares que pretendem colocar 0 Estado © 2 Sociedade acima da pessoa, numa inversio que ¢ eticamente ilegitima e socizimente perigosa!” © personalismo ético, como valor © come principio regulativo, deve estar sempre presente na ments do intérprete e do julgador e, em etal, de-todo o jurista digno desse nome. A concretizagiio do Direito no ‘caso conereto deve ser sempre feita uo modo ético. A principal consequéucia do personalismo ético € 0 recorihecimento dda persoatidade juridica e a tutela dos direitos de personalidad, A personalidade ¢ « qualidade do se ser pessoa. * Ontanoo DE Canvatta, O Negdcio Juriico Indirect, Separata X éo Bolom Ge Faculdade de Direito, Coimbra, 1952, 72g. 262). Partdaxalmente, 9 eusor cade considera cota concepyio emergenle do Cédigo Civ! iallago de 1942 e entende-a como bradurindo “alam modo a tendéucis par a socializagio ou publcizagfo do diceito [privado, « quatavessala a miclalidade civilisics modems". Seguedo HEIMRCH EWALD Horsman, A Pane Geral do Cédigo Chit Porwigues, ct, 7898, 115-116, 230 existe 0 seconlecimento de uma vetdadeicaineiatva ow astonomia prveda nos stems jeri 08 maraista-eninistes, mas antes apes “iicitiva organized”, “Tal amu” esereve Barnist MACHADO, ftroductio ao Dieta e wo Discurso Legiinador, Arwcdina, Coimbra, 1983, pig. 238, "6 pode conformas-se com a idea le ‘ot lenis vanguariisiae jacobing, prepotertemente pedepSgic, voltado para ume Sociat eagencering de mangas”. rn Teorta Gert do Divito Civit Os escravos eram wratados como coisas jurfdicas susceptiveis de apropriagdo, objectos posstveis do direito de propriedade, de compra ¢ yenda, de negéeios juridicos ¢, como tal, nio ecam pessous juridicas. ‘No eram tratados como pessoas. Nao tinham personalidade. Na anti- guidade, Zoi vulgar a negacio do reconhecimento de direitos aos estzan- gritos. No dominio do nazismo foi recusado o reconhecimento da per- sonalidade a quem nifo fosse “companieiro de sangue'!. © personalise ético rio admite nem a privacio da personalidade, tem a sua graduagio ou recusa do reconhecimento, A personalidade é inetente @ qualidade humana e adquire-se com 0 nascimenio, sem que essa qualidade tenha de ser outorgada, atribuida ou concedida. O Estado ea Lei nada podem contra & personalidade, Tém de & reconhecer, res- peitar e defender. A personalidade ¢ origindtia ¢ inerente & qualidade humana. Por isso, nfo pode ser alionada, Iimitada ou condicionada, como nfo pode aiguém ser dela privado enquento vivo, A personalidade sé se extingue com a mont. Este reconhecimento de que 2 personalidade é origindsia e inerente A natureza humana é 0 principal contibuto para 0 Direito Civil — e para © Divito em geral ~ do personalisino ético. Tl, Esta centralidade da Pessoa no Direito relaciona-se polanmente com o prinefpio do bene comum. AA posi¢do dominante da Pessoa no Direito, principalmente no Di- reito Civil, nfo exch a consideracdo da solidariedade de todas cada uma das pessoas com as demais. O personalismo nao deve confundir-se com o egoisme © 0 Direito nao pode ignorar a sociedade. Além dos interesses singulares, bd também um interesse comum, que o Direito no pode deixar de prosseguir ¢ que prossegue efectivaments, © principio do bem comum & de raix atistotéiica informa princ: palnente 0 tomismo ¢ o neo-tomismo, Centra ¢ realidade humana mais sobre a sociedade, a colectividade, a familia em que cada pessca se insere, Parte do total para o particular em vez de partir do individual para o total O bem comum funda a heteconomia no Direito, "Sobre © oonseugio nacionaisccialiste da personalidad fetiice, aio paredig~ ‘mftoos 08 esoins maiitos de Laman, Deuische Rechtsemeterang und Rechtsphilose aphis, J.C. B. Moh, Tubingen, 1934, ¢ Rechisperson und subjeksives Rech, Junker ond Donniaups, Beta, 1935, Itrodei0 5 4. O principio da autonomia O personalismo ¢tico, 20 exigit 0 reconhecimento originério e ine rente da personalidade, da igualdade e pacidade de tncas a6 pessoas, da sua dignidads ¢ liberdade, implica o reconhecimento da autonomia de todos ¢ de cada umn, A aultonomia € a liberdade que as pessoas iém de se regerem ¢ vineularem a si préprias, umas porante as outras, de prometerem e de se comprometerem. ‘8m sentido amplo, a antonomia exeede o campo cio Direito Civil e até 0 do Direito Privado, e abrange 0 conceito de autodeterminagio no Direito Internacional Pablico, e o do poder constituinte no Direito Cons- tiucional, A autonomia, em sentido ampio, é 0 poder que as pessoas (em de se dar leis a si préprias e de se reger por elas! Nesse sentido, todo 0 Diretio ¢ autézomo, enquanto ¢ crialo pelo Homem para si mosmo, B neste sentido que se pode distinguir um “diteito de cidadios", que ¢ auténomo, de um “direito de sibditos", que ¢ heterénomo. © contrério de autonomia & a hereronomia. Significa a sujeigio a um direito criado por outrem que néo aqueles a que se destina. A auto- nomia ¢ a heteronomia relacionam-se numa série polar em que, entre a pura antonomia ¢ a pura heteronomia, podem exisir situagdes € regula- ‘es intermédias mais aurénomas ou mais feterénomas, numa transigo fluida e gradativa. ‘Num sentido restrito, « avtonomia privada pressupde um espago de Uiberdade em que as pessoas comuns podem reger os sous interesses entre si, como entenderem, através da celebracio de negécios juridicos ou de contratos ¢ do exeroicio de direitos subjectivos, sem terem de se sujeitar a directives de terceiros. Este espago de liberdade nto & absolu- too tem como limites os ditames da Lei e da Moral, © as limitagtes {impostas pola Natureza. Dentto deste espago, a5 pessoss tém a liberdade de se auto-ceger € de eriar dizeito, A Autonomia privada jurigena, Nos negécios ¢ nos contratos com que se regem, ao 6 a Lei gue atibui a consequéncia jarfdiea, mas siz 8S proprias pessoas que silo autores do negécio, Assim, na compra e venda, por exemplo, ado é a lei que produz 0 efeito de transmissio da Sobre o copes alargado de astonoala, ver CALs, Autcnomia, Pramessa toric, in: toncth del dian, Giuthe, Mila, 1966 e Breiclepedia del dirt, TY, liga, 3 e seas. 16 Teoria Gera do Ditto Cut propriedade, mas sio antes o comprador e o vendedor que 0 acordam centre si, A lel linita-se a teconhecer essas vicissitudes jurfdicas, dentro dos limites em que a autonomia se encetra ‘Tambéia o direito subjectivo constitsi uma poderosa manifostagio da awtonomia privada. Os direitos subjectivos correspondem a0 es7ago de liberdade de acgZ0 que a pessoa tem na sua vida perante 0§ outros. 3s direitos subjectivos so tipicamente de Livre exercicio. Os seus titu- fares sdo, em principio, livres de os exercerem ou nfo, conforme bem ‘enteaderem. Salvo 0 ¢aso dos direitos temporirios que se extinguem por cagucidade se ndo forem exercidos durante cecto tempo, a inércia 20 exerofcio dos direitos subjectivos ¢ a tolerancia perante a sua violagio ‘ow atropelo por outrem nfo acarretam a sua extingto ou a prescrigdo seniio passado longo tempo e em certas circunstfincias (no 1150 € UsU- ‘capido). Os direitos subjectivos tém muito a ver com a ideia de Liber- ‘dade pessoal e, por isso, na vetha formulagdo de Hospes”, eram enten- didos como “Uibertes” 6. O principio da responsabilidad 1. A dignidade origindvia e fundamental da pestoa e as suas conse- quentes liberdade autonomia 56 se podem urticular coerentemente com 4 responsabilidads da pessoa pelas suas acgdes. A liberdade sem respon sabilidade coustiai arbftio, ¢ 0 axbitcio € incompativel com a dignidade. A sesponsabilidade sem Bberdade constitui sujeiggo ou servidto, 9 que & também incompativel com a-dignidade. A liberdade ou autonomia é, ois, insepardvel da responsabilidade. Ndo hi berdade sem responsabi- liade, assim como ndo pode haver, em princfpio, responsabllidade sem liberdade. De acordo com este principio, 4 liberdade ou autonomia comes- ‘ponde sempre responsabilidade, do mesmo modo que nao pode, em Principio, haver responsabilidade sem liberdade ou autonomia. dentro deste principio que 2 autonomia moral comesponde a responsabilidad moral e & liberdade politica corresponde a responsebi- lidade politica. ‘No campo do Direito, a liberdade autonomia da pessoa, tém como correspondentes a responsabilidad civil ¢ criminal. Responsabilidade eri _, O Honnes, Leviathan, IL 27, Pepuia Classics, London, 1987, pg. 334: “For Right 1s Liberey, mamly thet Liberty which the Civil Law loaves urodugio, a inal pelos iicitos mais graves, que agridem os mais altos valores sutela- dos pela Ordem Juridica © que estio na fei exeustiva © taxativansente tipificados como crimes. Os ilicitos que nfo sejam suficiemtemente graves para constinuiean crimes, dio lugar apenas a responsabilidade civil, quando originem danos, que se podem traduzir em prejufzos. de ordem patrimo- nial ou em sofrimentos de ordem moral. A zesponsabilidade civil € curn- ivel com a responsabilidade criminal, ‘A responsabilidade criminal pertence ao domfaio do Direito Penal. No Ambit do Direito Civil, € a responsabilidade civit o insticuto que sege as consequéncias dos actos iicitos que causem dans. ‘Tradnz-se na ‘compensaglo, através da obtigago de indemnizacio, dos danos softidos ‘em cousequéncia dos actos ilfeitos praticados. ~~ Tl Com o tempo, a sesponsabilidads civil foise afastango da.cul. Bp. Os acidentes de trebalho e os acidentes de viaclo vieram suscitar a neoessidade de transierir a responsabilidade civil pare um outro vector: do, risgo, As conseqaéncias danosas de actividades perigosas deviam Ger suportadas por quem cca ou maniém 0 risco, ou por quem dele beneficial, ‘A nova consiruco da responsabilidade civil na perspectiva do isco ‘vem, por sua ve, intzoduzir os soguros obrigatério. A ideia de transte- acia do risco permite desenvolvimentos ulteriores. Pergunta-se entlo quem deve assumir o riseo ow pare quem devé o risco ser transferido. As respostas posstveis sio varias, desde a assungio do visco pela vitima, até A sua impulagio A colectvidade. Import, entio, discemir e decidir, por critezios de justga ¢ de utilidade social, como e para quera transfecir 0s riscos de actividades que sio inevitavebmemte perigosas, mes que'nio podem ser impedidas. . ‘Nasce, assim, uma modalidade de imputagio do risco,que jf nfo senta na auloria 3em ua culpa, Os danos emergentes de acideates de trabalho séo imputados fs entidades patronais ¢ transferidos paca com- peatios de seguros, staves do seguro obrigurioy os dans resaltantes Ge acidentes de viazio sio imputados aos proprictiios dos vefculos © transferidos também para as seguradomas auavés de sisemas de seguros obeigatsrios, Os danos softidas em catistrofes natuniis si5 cada Wed mizis ‘simidos pelo Estado afrevés do um sistern de sociaizarso dos riscos. ' anus Vaneza, Dar Obrigagdes em Geral, 1. 10° ed, Almedina, Coimbra, 2000, pig. 629 o segs. ‘

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