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Utz planejara meticulosamente seu préprio funeral. Um manto de cravos brancos cobria 0 caixao de carvalho — se bem que ele nao previra a coroa de uma vulgaridade bolchevique colocada no topo: bicos-depapagaio vermelhos, gladiolos vermelhos, fita de cetim vermelha e um friso de reluzentes folhas de louro. Um cartéo apresentava condoléncias (a quem?) do diretor do museu Rudolfinum e equipe. Orlik acrescentou seu modesto tributo. Um segundo Tatra trouxe os outros trés carregadores de féretro. Vinham espremidos no banco da frente, ao lado do motorista, enquanto no banco de tras havia uma solitéria mulher de preto, 0 véu negro banhado em lagrimas. Como nenhum dos homens se mostrou disposto a ajuda-la, ela empurrou a porta e, trémula de pesar, por pouco nao caiu no calgamento enlameado. Seus sapatos eram abertos dos lados para aliviar a pressao sobre os joanetes. Reconhecendo-a como Marta, a fiel empregada de Utz, Orlik correu aampara-la — e ela, apoiando-se em seu ombro, deixou-se conduzir. Maslhe arrancou da mio a bolsa de plastico marrom que tentara segurar para ela. Os carregadores — funciondrios de uma fabrica de borracha que trabalhavam no turno da noite e durante 0 dia ganhavam um extra na funeraria — puseram 0 caixdo nos ombros e avangaram nave adentro: ao som de uma mtsica que lembrou a Orlik a marcha dos soldados em desfile. A meio caminho do altar o cortejo depara com a faxineira, que, munida de sabao, agua e esfregao, limpava o braséo da familia Rozmberk, incrustado no piso de marmore multicolorido. Com a maior delicadeza, o carregador que ia na frente pediu & mulher que deixasse o esquife passar. Ela franziu as sobrancelhas e continuou limpando. Os carregadores nao tiveram alternativa senao virar a esquerda, andar entre dois bancos, virar a direita para seguir pela nave lateral, e novamente 4 direita para transpor o pulpito. Por fim, chegaram diante do altar, onde um padre um tanto jovem, a sobrepeliz manchada do vinho sacramental, roia as unhas, ansioso.

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