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Negocie Como Se Sua Vida

Dependesse Disso (Chris Voss)

CAPÍTULO 1 – AS NOVAS REGRAS


Como se tornar o mais esperto... em qualquer ambiente

Continuação...

Coração versus mente

No início dos anos 1980, Cambridge, Massachusetts, era o centro do mundo das
negociações, à medida que estudiosos de diferentes disciplinas começavam a
interagir e explorar novos conceitos relacionados ao tema. O grande salto veio
em 1979, quando foi fundado o Projeto de Negociação de Harvard. O objetivo era
melhorar a teoria, o ensino e a prática de negociação de tal modo que as
pessoas pudessem lidar de maneira igualmente eficiente com tratados de paz e
fusões de empresas.

Dois anos depois, Roger Fisher e William Ury – cofundadores do projeto –


publicaram Como chegar ao sim,1 uma obra inovadora sobre negociação que
mudou totalmente a maneira como os profissionais pensavam sobre o assunto.

A abordagem de Fisher e Ury consistia basicamente em sistematizar a


resolução do problema para que as partes pudessem fechar um acordo benéfico
para todos – o “chegar ao sim” do título do livro. A ideia central era que o cérebro
emocional – essa fera animalesca, não confiável e irracional – podia ser
dominado por meio de uma mentalidade de resolução de problemas mais
racional e consistente.

1
Roger Fisher e William Ury, Como chegar ao sim (Sextante).
O sistema, sedutor e fácil de seguir, tinha quatro princípios básicos.
Primeiro, separar a pessoa – a emoção – do problema; segundo, não se deixar
envolver pela posição do outro lado (o que eles estão pedindo), mas sim focar
nos interesses deles (por que estão pedindo isso), para que se possa descobrir o
que realmente querem; terceiro, trabalhar de modo cooperativo para produzir
opções em que os dois lados tenham a ganhar; quarto, estabelecer padrões
mutuamente acordados para avaliar as possíveis soluções.

Isso era uma síntese brilhante, racional e profunda do que havia de mais
avançado em teoria dos jogos e pensamento legal na época. Durante anos após
o livro sair, todo mundo – incluindo o FBI e a NYPD – adotou uma abordagem de
resolução de problemas baseada em barganhas. Parecia tão moderno e
inteligente.

***

Em outro ponto dos Estados Unidos, dois professores da Universidade de


Chicago estavam examinando tudo, de economia a negociação, de um ângulo
bem diferente.

Eram o economista Amos Tversky e o psicólogo Daniel Kahneman. Juntos,


os dois lançaram uma nova área de conhecimento, a economia comportamental
(e Kahneman ganhou um prêmio Nobel por isso), mostrando que o homem é um
animal bastante irracional.

Sentir, descobriram, é uma forma de pensar.

Quando escolas de administração como a de Harvard começaram a


ensinar negociação, nos anos 1980, o processo era apresentado como uma
análise econômica objetiva. Foi um período em que os maiores economistas
acadêmicos do mundo declararam que todos nós éramos “atores racionais”. Essa
postura se refletiu nas aulas de negociação: supondo que o outro lado estava
agindo de maneira racional e egoísta ao tentar ampliar sua posição, a meta era
descobrir como responder, em diversos cenários, para potencializar o próprio
valor.

2
Essa mentalidade frustrava Kahneman, que, com anos de estudos no
campo da psicologia, afirmou que “é evidente que as pessoas não são nem
completamente racionais nem completamente egoístas e que seus gostos não
são nada estáveis”.

Ao longo de décadas de pesquisas com Tversky, Kahneman provou que


todos os seres hurnanos sofrem de Viés Cognitivo, ou seja, processos cerebrais
inconscientes – e irracionais – que literalmente distorcem o modo como vemos o
mundo. Kahneman e Tversky descobriram mais de 150 deles.

Existe o Efeito Enquadramento, que demonstra que as pessoas respondem


de maneira diferente à mesma escolha dependendo de como ela é apresentada
(atribuem mais valor à diferença de 90% para 100% – probabilidade alta de
certeza – do que à de 45% para 55%, embora nos dois casos haja dez pontos
percentuais de diferença entre cada dupla de números). A Teoria da Perspectiva
explica por que corremos riscos injustificados diante de perdas incertas. E o mais
famoso dos vieses cognitivos é a Aversão à Perda, que mostra estatisticamente
como as pessoas são mais propensas a agir para evitar uma perda do que para
alcançar um ganho igual.

Tempos depois, Kahneman codificou suas pesquisas no best-seller lançado


em 2011 Rápido e devagar – Duas formas de pensar.2 O homem, escreveu ele,
tem dois sistemas de pensamento: o Sistema 1, nossa mente animal, é rápido,
instintivo e emocional; o Sistema 2 é lento, deliberativo e lógico. E o Sistema 1
tem muito mais influência. Na verdade, ele guia e direciona nossos pensamentos
racionais.

As crenças, os sentimentos e as impressões rudimentares do Sistema 1


são as principais fontes das crenças explícitas e das escolhas deliberadas do
Sistema 2. São a nascente que alimenta o rio. Reagimos emocionalmente
(Sistema 1) a uma sugestão ou pergunta. Então essa reação do Sistema 1
informa e, a rigor, cria a resposta do Sistema 2.

Agora pense nisto: dentro desse modelo, se você sabe como afetar o
pensamento com o Sistema 1 de seu interlocutor – seus sentimentos
inarticulados – pelo modo como formula e apresenta suas perguntas e
afirmações, então é capaz de guiar a racionalidade do Sistema 2 dele e, portanto,
modificar as respostas que dará.. Foi isso que aconteceu com Andy em Harvard:

2
Daniel Kanehan, Rápido e devagar: duas formas de pensar (Objetiva)

3
ao perguntar “Como eu deveria fazer isso?”, induzi sua mente emocional no
Sistema 1 a aceitar que sua oferta não era boa o bastante; seu Sistema 2 então
racionalizou a situação de modo que fizesse sentido me apresentar uma oferta
melhor.

Se você acredita em Kahneman, conduzir negociações com base em


conceitos do Sistema 2 sem as ferramentas para captar, entender e manipular o
suporte emocional do Sistema 1 é como tentar fazer uma omelete sem saber
como quebrar os ovos.

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