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Mutações no Nordeste brasileiro: reflexão sobre a produção de alimentos e a


fome na contemporaneidade

Article · November 2010


DOI: 10.4000/confins.6686 · Source: OAI

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1 author:

Eustogio Wanderley Correia Dantas


Universidade Federal do Ceará
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16/11/2016 Mutações no Nordeste brasileiro: reflexão sobre a produção de alimentos e a fome na contemporaneidade

Confins
Revue franco­brésilienne de géographie / Revista franco­brasilera de geografia

10 | 2010 :
Número 10

Mutações no Nordeste brasileiro:


reflexão sobre a produção de
alimentos e a fome na
contemporaneidade
E䄭�幵�ꢾ숇�歋뚱�蔭� W嬐킓�턚�擭�꟎櫶擭��� C蔭�꟎꟎擭�뚱�嬐 D嬐킓�ꢾ嬐幵�

Resumos
Português Français English
Com imagem associada à fome, pobreza e atraso, o Nordeste passa atualmente por um processo
acelerado de mutação, cujos resultados são evidenciados, em alguns estados, nos indicadores
sociais a suplantarem a média nacional. A explicação deve­se à sua inserção na nova economia
globalizada, relacionada diretamente à modificação de sua imagem internacional. Nestes termos,
as fragilidades tradicionais do Nordeste, ligadas à semiaridez, são variáveis potencializadoras do
desenvolvimento tanto do agronegócio como do turismo litorâneo em crescimento acelerado...
Entretanto, embora apresente avanços, a política implementada não implicou em erradicação da
malnutrição crônica.

Longtemps considéré comme un pays de la faim, pauvre et « arriéré », le Nordeste du Brésil est
aujourd’hui une région en mutation accélérée, dont les niveaux de revenus ont dépassé, pour
certains États, la moyenne nationale. La raison : une nouvelle insertion dans la mondialisation
liée à l’évolution de son image internationale. Les handicaps traditionnels du Nordeste, tels la
semi aridité, sont ainsi devenus des atouts, autant pour le développement de l’agrobusiness que
pour un tourisme littoral en croissance rapide… Mais cette politique de développement n’a pas
éradiqué pour autant la malnutrition chronique.

Abstract

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16/11/2016 Mutações no Nordeste brasileiro: reflexão sobre a produção de alimentos e a fome na contemporaneidade

Texto integral

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1 A discussão sobre a fome é recorrente na bibliografia sobre a região Nordeste. Dentre
estudos mais clássicos sobre o tema destacamos a obra de Josué de Castro (1946),
“Geografia da Fome”, dedicada à compreensão da fome como um fenômeno universal
em termos geográficos e resultante das distorções econômicas notadas. Referindo­se ao
caso Brasileiro, descortina análise na qual o fenômeno é vislumbrado verticalmente, de
um lado, denotando quadro coletivo no qual grandes massas humanas são atingidas de
forma endêmica ou epidêmica e, de outro, tratando da fome total à fome oculta
(parcial), fenômeno mais frequente e que implica na morte lenta de grupos de
indivíduos pela falta de nutrientes essenciais em sua alimentação. De forma corajosa
apresenta a fome como uma criação do homem e não como um fenômeno natural. Um
dos verdadeiros tabus de nossa civilização. Para Castro (1946), o Brasil constiui um
verdadeiro laboratório de investigação sobre o tema em foco, posto contar, em seu
território vasto, com diferentes categorias de climas tropicais, variados tipos de
organização da economia.
2 Com vistas a desenvolver estudo sobre este tema na contemporaneidade,
apresentamos abordagem a ilustrar estudo deste fenômeno na Região Nordeste, cujos
traços naturais, culturais e da organização do território são mais ou menos
semelhantes. Tal texto1 resulta de demanda gerada após intervenção em disciplina
sobre o tema da produção de alimentos na Université de Paris IV ­ Sorbonne.
3 Com a evidenciação, ainda marcante na França, de quadro imagético associado à
realidade socio espacial caracteristica do Nordeste dos anos 1940, estudada com
propriedade por Castro, apresentamos proposta capaz de apreender as mutações
atuais, condição sine qua non à inserção da região na economia mundo.
4 Trabalhamos na construção de texto capaz de vislumbrar lógica de constituição do
imaginário social nordestino no tempo e seu consequente desdobramento, que justifica
a passagem de quadro de imagens negativas do semiárido (seca, fome, miséria...) à
imagem positiva, alavancadora de novas políticas de desenvolvimento econômico
pautadas no agronegócio e no turismo litorâneo. Pautado na ciência e tecnologia, o
semiárido é apresentado como matiz potencializadora das novas políticas de
desenvolvimento (insolação e épocas de estiagem como favoráveis ao seu reforço como
região turística, insolação associada à fertilidade dos solos como potencializadora da
produção de frutos tropicais).
5 A lógica de organização econômica empreendida na região, pautada na produção de
alimentos (açúcar) e produtos agrícolas (algodão) para a exportação e da pequena
agricultura voltada para ao atendimento do mercado interno se redimensiona. De
atividade predominantemente monoculturista passamos à diversificação da pauta de
exportações, com inclusão de produtos tropicais (frutas) e cereais (soja). Uma
variedade e produção em massa que implica no estabelecimento da região como
produtora de alimentos.
6 Paradoxalmente o aumento da produtividade agrícola tão tem efeito similar na
resolução da problemática da fome na região. O que perceberemos, a partir da análise
comparativa entre os dados relacionando à produção agrícola na região e os indicadores
de segurança alimentar, é a evidenciação de lógica de modernização que embora suscite
melhoramento em alguns indicadores socioeconômicos da região (de alguns estados
especificamente), não consegue solucionar a questão da fome.

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Uma primeira aproximação : o Nordeste


açucareiro
7 Desde os primórdios da colonização portuguesa, a inserção do Brasil em escala
internacional se deupautada na produção de alimentos. Diferente do ocorrido na
América espanhola, os colonizadores portugueses não encontraram imediatamente
produtos de alto valor de exploração como o ouro. Para lançarem política de
colonização rentável, os portugueses instalaram no país grandes engenhos
especializados na produção de açúcar, derivada da cana­de­açúcar trazida da Ásia.
8 Os primeiros a chegarem se apropriaram de zonas cujos solos e clima eram
apropriados à cultura canavieira, suscitando lógica de ordenamento do espaço pautada
na grande propriedade, controlada pelos Senhores de Engenho, responsáveis pela
implementação de estratégia de produção em larga escala e voltada ao atendimento de
demanda do mercado europeu. Concentrados na Zona da Mata, eles trouxeram da
Europa as tecnologias apropriadas e os especialistas na produção de açúcar, bem como
a mão­de­obra africana, posto os índios brasileiros resistiram ao trabalho escravo.
Procedendo a transformação da natureza nos termos mencionados, constroem, em três
séculos (XVI, XVII, XVIII), quadro regional característico, voltado para o exterior e
fundado nas cidades portuárias de Salvador e Olinda (substituída posteriormente por
Recife, após o incêndio da citada pelos Holandeses).
9 O Nordeste do Brasil é ocupado a partir da « Zona da Mata ». Desta zona, grupos de
mestiços, integrantes da sociedade colonial portuguesa, partem para o interior do País,
ocupando territórios inicialmente habitados por índios. Seguindo os rios, os caminhos
de penetração antigos, se estabelecem primeiro no Agreste e, posteriormente, no Sertão.
10 Neste sentido, gestam outra lógica de ocupação do território, e em complementação à
da Zona da Mata, especializada na produção de produtos regionais para a região
produtora de açúcar. Em primeiro momento o Agreste, região de transição entre a Zona
da Mata e o Sertão, especializada na produção de grãos (arroz, feijão e milho), de
mandioca e de carne (e seus derivados). Posteriormente o Sertão, cuja ocupação foi
marcada tanto pelo estabelecimento de fazendas especializadas na criação de gado,
como produção de grãos e mandioca para o consumo local. Reconhecida por muito
tempo pelos Portugueses como região semi­árida, foi colonizada lentamente, a partir de
seus vales úmidos com quantidade reduzida de gado, acompanhada por um vaqueiro
(empregado do grande proprietário de terras).
11 Estes vaqueiros foram os primeiros artesãos do processo de ocupação e de
colonização do Sertão. De origem mestiça, conseguiram estabelecer contato com os
indígenas locais, os quais lhes apoiaram em seu empreendimento. Eles são a mola
motriz da emergência econômica do Sertão, fundada na produção de carne seca
destinada ao mercado de Salvador e Recife.
12 O sucesso da indústria da carne seca no Nordeste incita os proprietários de terra
(intitulados de Coronéis) a assumirem o controle de seus domínios, diversificando,
portanto, o quadro social existente. Nasce um sistema cultural denominado por José
Capistrano de Abreu de Civilização do Couro, posto todos os utensílios derivarem do
gado: “a porta da casa, a cama, a lona,a mochila, a vestimenta, o surrão, etc. (...) a
quase totalidade dos utensílios eram confeccionados a partir do couro, em adaptação
de técnicas primitivas e desajeitadas.” (Abreu, 1960).
13 Consiste em quadro produzido em domínio sócio­espacial marcado por uma
economia de subsistência, a ganhar terreno progressivamente à medida em que se
distancia dos mercados consumidores de gado, notadamente as feiras de Pernambuco e
Bahia. Assim, o espaço de produção da carne seca tem importante papel no processo de
desenvolvimento do Sertão, se estabelecendo graças a uma demanda regional orientada
para o Sertão e que suscita, de um lado, instalação de grandes fazendas especializadas
na criação de gado e, de outro, estruturação de quadro urbano a privilegiar o reforço de
centros urbanos localizados seja nos cruzamentos de vias de circulação de mercadorias,
seja em locais privilegiados, por exemplo, próximos às zonas portuárias.

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14 Segundo Manoel Correia de Andrade, este sistema de produção criou quadro


histórico favorável ao desenvolvimento de certas culturas, estruturadas no
estabelecimento de relações de trabalhos específicas em cada uma das zonas em foco, e
em função de suas características: a) físicas – de uma parte, espaços úmidos, de outra,
espaços semi­áridos; b) técnicas e sociais – de um lado, a cultura da cana­de­açúcar
baseada no trabalho escravo e, de outro, a criação extensiva de gado fundada no
trabalho livre. Ambas engendram a produção de tipos humanos diferenciados, o Senhor
de Engenho e seus escravos na Zona da Mata, o Coronel e seus vaqueiros no Sertão e os
pequenos produtores no Agreste (Andrade, 1964).

Figura 1 – regiões geográficas

Fonte: Adaptado de Andrade (1964 apud DANTAS, 2000).


15 O quadro de hegemonia econômica e política (das elites da Zona da Mata, dos
Senhores de Engenho, em relação às elites do Sertão, os Coronéis) estremece com a
Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Esta guerra, ao impedir os americanos do
norte em fornecer algodão aos ingleses, permitiu a entrada do Nordeste no mercado
internacional, com a produção de algodão de fibras longas, muito apreciado em
Liverpool. Para tornar o quadro mais complexo, a região Nordeste enfrenta concorrência
com nova zona produtora de açúcar (estado de São Paulo), animada em seguida (nos
anos 1970) pelas subvenções destinadas à produção de álcool combustível, responsável
pela duplicação da produção no Centro­Sul (nos estados de São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e Espírito Santo) e, em oposição à estagnação no Nordeste (Théry, 2005).

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Uma segunda aproximação: o Nordeste


do algodão
16 Se até o século XVIII não se fala senão do Nordeste da cana­de­açúcar, após o século
XIX, o Nordeste do algodão se impõe. Na literatura da época, muito vinculada à
geografia, dois tipos de imagens são veiculadas:

. a primeira, ligada ao Nordeste da cana­de­açúcar, e difundida por Gilberto


Freyre, a descrever um Nordeste da Casa Grande e da Senzala, representativas,
respectivamente, do Senhor de Engenho e de sua família e dos empregados e os
escravos dos engenhos. Uma sociedade nascida do trabalho escravo e que
prepara a natureza com uma cultura fundada no latifúndio (Freire, 1964);
. a segunda, a do Nordeste do algodão, do semi­árido, denominada por Djacir
Menezes de “O Outro Nordeste”. O trabalho livre é sua marca, apresentando­se,
de um lado, o proprietário do latifúndio (Coronel) e, do outro, os vaqueiros e os
pequenos agricultores que trabalham para os primeiros recebendo uma parte da
produção (a metade, a terceira parte, a quarta...). Uma sociedade composta por
“homens fortes”, que souberam superar as adversidades climáticas, batendo­se
contra um meio impróprio(o semi­árido) e deixando suas marcas (Menezes,
1937).

17 No século XX, a imagem do Nordeste semi­árido se impõe em relação à da Zona da


Mata. O poder econômico e político passam às mãos da oligarquia algodoeira do
Nordeste e esta se serve de estratégias visando captar a atenção nacional,
principalmente em momentos de crises climáticas, das secas.
18 O estabelecimento dessa elite no poder provém da crise econômica ocorrida na região.
Com a produção do algodão, a zona produtora de cana­de­açúcar perde sua
supremacia. A concorrência interna no primeiro caso, as adversidades climáticas no
segundo, assim como movimentos sociais no meio rural (ligas camponesas), tornam a
situação da região Nordeste difícil.
19 Visando se manter no poder, as elites locais (oligarquias algodoeira­pecuarista e
açucareira) estabelecem alianças em escala nacional com outras elites, notadamente as
do Sudeste. O intuito era o de manter o status quo na região. Segundo Oliveira (1981),
essa conquista de poder se funda, na essência, na mudança de imagem característica
dessa região (Oliveira, 1981).
20 A imagem do Nordeste propagada pelos relatos de viagem do fim do século XVIII e
do início do século XIX, em que inspirou Gilberto Freyre e sua pseudo­sociologia
nostálgica dos “Barões do açúcar”, é substituída pouco a pouco pela do latifúndio do
Sertão, o Nordeste dos coronéis: imagem rústica, pobre, se opondo à dos salões e das
noitadas do Nordeste da cana­de­açúcar. É neste sentido que nasce o Nordeste das
secas: “um território condenado ao sofrimento e à pobreza por uma natureza difícil de
domesticar” (Castro, 1997).
21 Esta nova imagem (atribuída ao Nordeste brasileiro desde o fim do século XIX)
relaciona­se às representações da saga do homem do Sertão face a um meio hostil.
Nasce, nestes termos, um discurso de caráter determinista, com as condições de semi­
aridez suscitando tanto um quadro humano associado à pobreza e à miséria, como um
quadro político representativo do clientelismo. Esta representação se encontra nas
interpretações romancistas. A semi­aridez é transformada em discurso da elite regional,
fundada em imagem negativa. Percebida como a principal causa dos problemas da
região, ela é elemento essencial na obtenção de ajuda e de subvenções do governo
federal.

Um quadro simbólico reforçando a


imagem negativa do Nordeste
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22 O discurso determinista em foco, oriundo de documentos antigos (principalmente de


cartas oficiais) e de relatos de viagem, remete a um quadro natural perverso, marcado
pela semi­aridez e as secas cíclicas a vitimarem o homem.
23 A partir dessa idéia fundadora, quadro socioespacial específico se evidência, marcado
por um tipo de organização espacial e um sistema de atores, representativos das
especificidades do ecossistema semi­árido. Culmina na apresentação do imaginário
social da seca do Nordeste, como uma tragédia sócio­econômica, a formar uma
consciência coletiva focada nos acasos climáticos: a natureza, apresentada como ser
quase metafísico, fortemente idealizado e instrumentalizado, nos discursos da região,
como sendo um obstáculo intransponível a todo progresso ou à justiça espacial (Castro,
1997a). É a partir dessa premissa que a natureza, fundamento geográfico da produção,
adquire papel essencial como base material de construção do imaginário sociopolítico e
recurso ideológico em proveito desses atores (Castro, 1997b). No primeiro caso, o
imaginário aparece no momento em que a seca se torna uma referência essencial. De um
lado, ela representa simbolicamente uma região (o Nordeste), tocado por uma natureza
hostil que acarreta problemas socioeconômicos (a fome, a miséria, o
subdesenvolvimento) e, de outro, ela cria um imaginário político socialmente
homogeneizador e eficaz institucionalmente na obtenção de recursos financeiros e de
poder (Castro, 1997a). No segundo caso, a lógica da naturalização da realidade se
funda em importante fonte ideológica utilizada pela elite local para obter ajuda e
subvenções do governo central.
24 Graças ao estabelecimento de acordos com outras elites regionais, notadamente as do
Sudeste (acordos estabelecidos, em primeiro momento, com oligarquias do Centro­Sul
e, em segundo, com a burguesia industrial), nasce no Sertão uma oligarquia agrária
influente em escala regional e nacional.
25 A manutenção da estrutura agrária e a participação na burocracia estatal constituem
os aspectos articulados nesta aliança e fundadores do status quo na região.
Participando da burocracia do Estado, a elite adquire recursos empregados no sentido
de conservar o sistema agrário. Esse sistema agrário constitui, nele mesmo, aval para o
financiamento, símbolo de status familiar, garantia de preservação, na memória
coletiva local e regional, da posição hierárquica do poder local (Castro, 1997b).
26 A oligarquia do Nordeste soube tirar proveito de discurso de caráter determinista
para se inscrever em modelo de constituição do Estado nacional. Essa inserção,
fundada sobre o discurso regionalista, nasce nas clivagens da dominação da Região
Sudeste e representa muito mais um combate por recursos, fundado no poder simbólico
de afirmação e de identidade ou solidariedade, do que verdadeiro desejo de soberania
(Castro, 1996a).
27 Presente discurso regionalista possibilita estabelecimento de política de
modernização da região pautada nas ajudas e subvenções do governo federal,
sobretudo:
28 Construção de vias capazes de promover a integração do Sertão ao mercado: as vias
férreas, as rodovias estaduais (Ce’s), as rodovias federais (as Br’s) como também as
rotas secundárias;
29 Estabelecimento ou criação, sobretudo nas capitais, de organismos públicos federais
de gerenciamento e de financiamento, como o Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas (DNOCS), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), e
o Banco do Nordeste do Brasil (BNB);

Política de industrialização dos anos 1960.


30 Na perspectiva de se colocar em prática a organização estatal na região e de arrecadar
recursos financeiros a ela referentes, a SUDENE atua no “Polígono das Secas”, cujos
limites são superiores aos do Nordeste, posto incluir a parte setentrional de Minas
Gerais (localizado no Sudeste do Brasil) (Andrade, 2006), (Figura 2).
31 Figura 2 – polígono das secas

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32 Com a SUDENE, o Estado central reforça via única de desenvolvimento adotado no


país, engajada em plano de substituição das importações dos anos de 1940 e seguida
pelo governo militar, dos anos 1960 até início dos anos 1980, com política agressiva de
industrialização que atinge o Nordeste nos anos de 1960. O citado reforço da
industrialização, apresentada como motor de desenvolvimento econômico regional,
suscitou fracos investimentos em outros domínios, como produção de alimentos e
políticas de desenvolvimento do turismo, a exemplo de escolha feita em países da
América Central.
33 Em razão da crise do modelo de Estado moderno no Brasil, na segunda metade dos
anos 1980, as políticas públicas de desenvolvimento indicadas se fragilizam. Com a
reforma constitucional de 1988, tem­se a efetivação de modelo democrático de governo,
delineador de política de descentralização de poder. Acontece transferência de
orçamentos do Governo Central para os Estados e os Municípios brasileiros assim como
a possibilidade de captação direta de recursos financeiros do exterior. Esses dois
aspectos são importantes, posto nessa nova lógica os estados locais assegurarem
diretamente as políticas locais de desenvolvimento. Resultou fim de modelo fundado
na articulação dependente das escalas locais/regionais à nacional, na medida em que a
reforma constitucional permitiu o estabelecimento de relações mais amplas, integrando
a escala local diretamente à internacional.
34 A mudança de imagem do Nordeste resulta da incorporação desta nova
racionalidade, marcada pelo estabelecimento de conflito entre dois quadros simbólicos
contraditórios a possibilitarem compreensão das relações entre a sociedade local e o
meio. O primeiro quadro simbólico, o mais antigo e já abordado anteriormente, foi
produzido por discurso reforçando rede de imagens negativas da região semi­árida,
vítima da pobreza e da fome e em proveito da oligarquia algodoeira e pecuarista. O
segundo quadro simbólico, o mais recente, pauta­se em novo discurso, apoiado nos
mesmos espaços semi­áridos, mas para construir, dessa vez, uma imagem positiva,
servindo aos interesses de grupo de empresários ligados ao agronegócio e ao turismo.

Uma terceira aproximação: a


emergência do agronegócio no
Nordeste
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35 Os interesses acima conduziram a uma fragmentação da região, que estremece os


modos de vida característicos da região. A inserção da região em escala internacional
suscita fragilização do imaginário da seca como tragédia, cujo conteúdo simbólico não
tem peso na racionalidade de inclusão do Brasil no sistema mundial, como produtor de
tecnologia intermediária e aberto às inovações (Becker ; Egler, 1993). O imaginário
tradicional se acha, dessa forma, recionalmente esgotado (Castro, 1997b).
36 Agora aparecem novos espaços de produção, aqueles associados a novos atores em
escala regional, criando um espaço econômico, social e político de resistência no
Nordeste. Esse espaço se funda na agricultura moderna (principalmente a irrigada) e
no turismo litorâneo. Neste espaço entram em cena novos atores regionais: de um lado,
um segmento importante da elite política, notadamente aqueles que possuem amplo
poder de assimilação e de reprodução e, do outro, pequeno número de empresários e de
funcionários da administração pública (Castro, 1997a).
37 Emergem, desta maneira, novos discursos de caráter técnico referente ao semi­árido.
De uma parte, estes discursos incidem sobre a ausência de chuvas e a taxas de luz solar
como aspectos importantes e positivos no desenvolvimento da agricultura irrigada : a
ausência de chuva impede os insetos nocivos de se reproduzirem, e as taxas elevadas de
luz solar, associadas à fertilidade do solo, suscitariam no sensível aumento da
produtividade agrícola. De outra parte, estes discursos incidem sobre as belas
paisagens do litoral e os trunfos do clima (ausência de chuva e temperaturas elevadas)
como mercadorias turísticas de primeira linha.
38 Portanto, mesmo que estes novos atores tenham subvertido o pacto oligarquico ora
colocado, eles não consegueriam tomar o poder em escala regional, diferentemente do
produzido pela oligarquia tradicional. Segundo Iná Elias de Castro, estes novos atores
são muito frágeis em termos políticos. Daí a necessidade de estabelecimento de alianças
com políticos ou burocratas para obterem representação política (Castro, 1997b).
39 Como a carga simbólica da fome no Nordeste não se sustenta, em comparação à
situação trágica vivenciadas em outras regiões no mundo, a elite regional produz outro
discurso para atrair recursos do BID e investimentos estrangeiros. A imagem de uma
região habitada por miseráveis se reverte à de uma região rica em oportunidades e de
natureza excepcional, totalmente adaptada à demanda internacional de alimentos e de
forte valor agregado (grãos nobres e frutas tropicais), uma só questão a resolver: a do
controle ao acesso à água, elemento indispensável para o desenvolvimento da
agricultura irrigada.
40 Nessa perpectiva, o governo desenvolve uma política de gestão de bacias hifrográficas
voltada à disposnibilização de volume de água necessário aos investimentos. O projeto
de transposição do rio São Francisco se inscreve nessa perspectiva, visando trazer água
aos Estados semi­áridos do Nordeste, notadamente a Paraiba e o Ceará.
41 Com essa política, lançada desde os finais dos anos de 1980, os Estados do Nordeste
mudaram sua pauta de exportação, explorando produtos valorizados no mercado
internacional. Os Pólos de Desenvolvimento Integrado (PDI’s) transformaram as zonas
de várzea, os platôs e o cerrado do Nordeste em espaços privilegiados da produção
agrícola, notadamente irrigada, e da produção de grãos nobres (soja). Aqui a ciência e a
tecnologia dispõem de papel importante.

Os Pólos de Desenvolvimento Integrados (PDI’s) e


a produção de
42 A partir de financiamentos gerados pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), dez
pólos foram criados na região: três de produção exclusiva de grãos (Pólos Sul do
Maranhão, Uruçui­Gurguéia do Piuaí e Oeste Baiano, na Bahia); cinco de irrigação de
natureza mista, com uma importante produção de frutas (Pólo Cariri Cearense e Baixo
Jaguaribe no Ceará, Assú­Mossoró, no Rio Grande do Norte, Alto Piranhas na Paraíba e
Alto Piranhas em Pernambuco); um de cítricos (Pólo Sul de Sergipe) e um de produção
leiteira (Pólo da Bacia Leiteira de Alagoas ­ Figura 3).

Figura 3 – pólos de desenvolvimento integrados: Nordeste do agronegócio.


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Image3

43 Nos pólos de grãos, o estado da Bahia tem o primeiro lugar na produção de feijão
(44.839t, contra 1.156t e 5.829t do Maranhão e do Piauí), de milho (511.525t, contra
78.689 e 33.628 do Maranhão e do Piauí) e de soja (1.233.587t, contra 519.639t e
90.545t do Maranhão e Piauí). Em segundo lugar, o Maranhão ultrapassa os outros
dois Estados na produção de arroz (53.334t, contra 27.513t e 21.970 da Bahia e Piauí).
Além do mais, a Bahia cultiva algodão e café (rspectivamente 131. 581t e 26.896 t).
44 Considerando a superfície cultivada e a produção obtida, percebe­se forte presença da
soja. Símbolo da mudança da lógica de produção de grãos no Nordeste, essa cultura
ocupa 74,3% da superfície cultivada e assume dois terços da produção de grãos nos
pólos indicados e cuja exportação dá­se pelos portos de Itaqui (São Luis – Maranhão),
Pecém (Ceará), Salvador e Aratu (os dois na Bahia).
45 No que se refere aos pólos irrigados, se caracterizam pela importante produção de
frutas, à exceção dos pólos 3 e 4 no Ceará e 6 na Paraíba, lugares nos quais se produz
tanto grãos (arroz, feijão e milho) como cana­de­açúcar, mandioca e algodão. O Ceará
produz feijão (25.192t), milho (120.459t), cana­de­açúcar (300.407t destinados à
produção de guloseimas e bebidas tradicionais – rapadura e cachaça) e mandioca
(14.123t). A Paraíba produz arroz (15.400 t contra 2.219 do Ceará). Uma ressalva deve
ser feita referente à pequena produção de algodão (2.600t no Ceará, contra 2 663t na
Paraíba). A produção de frutas refere­se à banana (367.298t), manga (282.208t), melão
(263.300 t), uva (172.409t), goiaba (97.781t), melancia (27.090t), maracujá (10.200t),
mamão (4.980t) e limão (9.427t). Entre os Estados produtores, Pernambuco se situado
em primeiro lugar na produção de bananas (149.108t), de manga (242.429t) e de
goiaba (96.629t), trata­se do único a produzir mamão, maracujá e uva. Ceará situa­se
em primeiro lugar na produção de limão (9.178t). Rio Grande do Norte se volta mais à
produção de melão (174.800t), sendo o único a produzir melancia (27.090t). A Paraiba
produz sobretudo bananas (31.632t) e um pouco de goiaba (1.152t). Quanto ao côco,
somente dois Estados se destacam: Pernambuco (123.180 frutos) e Paraíba (34.075
frutos).
46 Nos pólos de produção mista (grãos, frutas e outros produtos), os territórios
produtores de frutas (56.150ha.) ocupam superfície inferior àquela dos grãos e outros
produtos (179.744ha.), porém suas taxas de produtividade são superiores. Sem contar
com o côco, cuja produção é por unidade, as frutas representam próximo de 72% da
produção total (1.234.693t, contra 483.406t de grãos e outros produtos). Estes
resultados se explicam pelo emprego dos investimentos em alta tecnologia, destinados,
a exemplo da região do Cerrado nordestino, sobretudo para a exportação. Somente uma
pequena parte da produção fica no mercado local, seja pelas frutas não conforme as
exigências rigorosas das exportações, seja pela oscilação, para menos, do preço no
mercado extremo suscitar oferta maior no mercado local.
47 É em Sergipe que se encontra o pólo de produção de frutas cítricas, ocupando 70% da
superfície agrícola útil: 1.229.224t de laranja, seja, próximo de 95 % da produção total,
mas também limão (7.720t em 932 ha.) e tangerina (4.310t em 269 ha.).
48 O último pólo se especializou na criação de gado (222.436 cabeças) e de cordeiros
(15.125 cabeças), os primeiros com destino às indústrias de laticínios locais, que
produzem para o mercado nacional e, o segundo, a fim de responder à demanda
regional por carne ovina, muito apreciada na cozinha tradicional nordestina.
49 A produção de grãos nobres e de frutas está em constante evolução no Nordeste,
reforçando a especialização da região em produtos valorizados no mercado
internacional. No que se refere aos grãos, observa­se, de acordo com os dados da
Companhia Nacional de Abastecimento­CONAB, conforme as cifras de 2003­2004 e
2004­2005, um aumento da produção de soja em todos os Estados produtores:
Salvador (de 2.218 para 2.349 milhões de toneladas), Maranhão (de 924 para 1.053
milhões de toneladas) e Piauí (de 396 para 465 milhões de toneladas). Uma produção
mais importante do que aquela indicada pelo Instituto Brasileiro de Greografia e
Estatística – IBGE, em 2002. Ao contrário, as culturas tradicionais conhecem, grosso
modo, uma evolução para baixo, e mesmo uma queda de produção. Só no Maranhão

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nota­se aumento na produção de arroz, passa de 802 milhões de toneladas em 2003/04


para 818 milhões em 2004/05. Mas o milho, produzido exclusivamente no estado da
Bahia, baixa de 1.657 millhões de toneladas em 2003/04 para 1.441 em 2004/05.
Quanto ao feijão, cultivado em três Estados (Bahia, Ceará, Paraíba), se mantém em
baixa (ver Figura). Somente o café aumenta sua produção na Bahia: 1.780 milhões de
toneladas em 2003/04 para 2.260 em 2004/05.

Figura 4 – produção de grãos no Nordeste.

Image4

Fonte : CONAB, 2004.


50 Quanto às frutas, sua tendência segue a da soja, porém se mostra mais dinâmica
ainda, em razão da forte demanda do mercado internacional, dado a suscitar inclusão
de novas variedades na pauta de exportação dos estados e em tempo recorde. É desta
forma que o abacaxi surge em 2003 na Paraíba (270.909t), Bahia (115.116t), Rio
Grande do Norte (91. 581t), Maranhão (39.236t), Pernambuco (21.955t), Alagoas
(12.577t), Sergipe (11.020t), Ceará (922t) et Piauí (454t) (Figura 5). Algo semelhante
ocorre com o figo.

Figura 5 ­ produção de frutas no Nordeste

Image5

Fonte : IBGE/PAM, 2003.

51 Com a implantação dos PDI’s no Nordeste e os investimentos científicos e


tecnológicos dos quais se beneficiou, a região conseguiu se inserir no mercado
internacional como produtor de grãos e frutas tropicais, sem, no entanto, solucionar a
questão da fome.

Região a alimentar o mundo com


problemas de desnutrição
52 Doravante a exploração agrícola do Nordeste não é um negócio orientado à demanda
por alimentação na região, mesmo se as culturas tradicionais persistam em pequenas
explorações realizadas por agricultores pobres e voltadas à subsistência.
53 As políticas de desenvolvimento adotadas no Nordeste, as antigas como a
industrialização ou recentes como a atividade turística e o agronegócio, culminaram na
efetivação de melhores indicadores econômicos. A renda de certos Estados da região
ultrapassa a média nacional. Em termos de PIB por habitante, por exemplo, cinco
Estados nordestinos entre os nove têm um PIB por habitante igual ou superior ao do
Brasil (U$3.311): Sergipe (U$5.082), Bahia (U$4.629), Pernambuco (U$4.482), Rio
Grande do Norte (U$4.039) e a Paraíba (U$3.311) Quatro dos nove estados ficam
abaixo: Ceará (U$3.129), Alagoas (U$3.012), Piauí (U$2.113) e, por último, Maranhão
(U$1.949) (IBGE,2004).
54 Paradoxalmente, a desnutrição persiste, mesmo com as elites políticas locais não
mais lucrando, como no passado, com a indústria da seca para captar financiamentos
federais. Se, até os anos 1980, a fome exercia papel central na captação dos
investimentos do governo central; a partir dos anos 1990, pelo contrário, ela se
transforma em um mal a ser superado, não em razão de uma tomada de consciência
das elites locais, mas por conta dos organismos internacionais manifestarem,
atualmente, desconfiança em relação aos beneficiários da fome, aqueles a captarem
tradicionalmente os financiamentos e no sentido de reforçar seu poder político na
ocasião de cada crise alimentar (Brunel, 2002).
55 Entretanto, a desnutrição persiste no Nordeste. Segundo pesquisa realizada em 2004
pelo IBGE, próximo de dois terços (65%) dos 52 milhões de famílias brasileiras

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estudadas (109 milhões de habitantes) eram beneficiárias de uma situação de


segurança alimentar: elas tinham acesso, nos 90 dias precedentes ao estudo, a
alimentos em quantidade e em qualidade suficientes e não temiam as restrições nesse
domínio no futuro. No outro extremo, a maioria, superior a um terço restante (35 %, ou
seja, 72 milhões de pessoas) sofria de insegurança alimentar, qualificada de leve (16%),
moderada (12,3%) e aguda (6,5%). O que significa que as referidas pessoas conheciam
regularmente a fome, às vezes diariamente. Nesse domínio, o Nordeste ocupa o
primeiro lugar: menos da metade dos lares (45,4%) estão isentos da insegurança
alimentar. A má nutrição leve alcança 19,5%, a moderada 21,6%, a grave 12, 4% (ou
seja, próximo do dobro da média nacional).

Figura 6 – a fome no Brasil: segurança e insegurança alimentar

Fonte: IBGE ­ PNAD, 2004.


56 No Nordeste, considerando número de lares em situação de segurança alimentar, 8
dos 9 Estados se encontram abaixo da média nacional: Maranhão (30,9%), Piauí
(36,5%), Rio Grande do Norte (39,6%), Ceará (44,2%), Paraíba (46,7%), Pernambuco
(48,7%), Bahia (49,7%) e Alagoas (55,3%). Somente Sergipe se situa acima (73,8%). Tal
dado evidencia que a grande maioria dos habitantes do Nordeste, vivem
constantemente em situação de insegurança alimentar, conhecendo, nestes termos, a
má alimentação em seus três níveis: leve, moderado e grave, significando ser a fome
companheira do seu dia­a­dia. Nas condições mais extremas, a insegurança alimentar
grave, os Estados mais tocados por ordem decrescente em termos de lares são:
Maranhão (18%), Paraíba (15,1%), Rio Grande do Norte (13,9%), Ceará (13,5%), Bahia
(12,1%), Piauí (10,8%), Pernambuco (10,6%) e Alagoas (9,3%). Somente Sergipe, uma
vez mais, com 3,7 %, está situada acima da média da região (12,4%) e mesmo do
Brasil (6,5%).

Figura 7– a fome no Nordeste : segurança e insegurança alimentar

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Fonte: IBGE –PNAD, 2004.

Considerações Finais
57 O Governo Federal investiu em políticas sociais de naturezas diversas: aposentadoria
para os homens do campo (política nascida inicialmente nos anos de 1960­1970, com o
Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural ­ FUNRURAL), auxílios
sociais globais (habitantes rurais e urbanos) convertidos no “Bolsa Família” (políticas
dos anos 1980­2000). As especificidades do Nordeste tornam este tipo de ajuda
particularmente importante: dos 8 milhões de lares brasileiros a receberem ajuda social
governamental, mais da metade (51,2%) se encontram no Nordeste, contra 22,7% no
Sudeste, 10% no Sul e 6,5% no Norte e Centro­Oeste (PNDA­2004).
58 No Brasil, as políticas públicas mais antigas, iniciadas com o FUNRURAL (1960­
1970), beneficiaram pessoas idosas. Detentoras de aposentadorias tornam­se menos
afetadas pela má nutrição: por volta de 72% não conhecem a insegurança alimentar.
Esta situação se observa no Nordeste, embora em menor escala, 56%.
59 As políticas voltadas para as populações mais jovens são muito recentes para
suscitarem resultados semelhantes. No Nordeste, a segurança alimentar nos lares
contando com menores de 18 anos é a mais baixa. Para o Brasil, a metade das crianças
(49,5% de 0 à 4 anos e 51,7% de 5 a 17 anos), para o Nordeste menos de um terço
(respectivamente 32,5% e 33,4%) (PNAD, 2004).

Gráfico 3 – segurança alimentar no Brasil por faixa etária

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Fonte: IBGE –PNAD, 2004.


60 Em contrapartida, as políticas salariais adotadas não mereceram atenção especial. O
setor informal cresceu e o salário mínimo nacional (U$ 264,70) não propicia a seus
titulares condições de segurança alimentar (para o Brasil 60,4%, 36,4%, 17,5% e 32%,
respectivamente, para aqueles que recebem de meio a um salário mínimo, entre um
quarto e meio salário, menos de um quarto do salário e os sem renda); para o Nordeste
as cifras são menores (53%, 31,5%, 14,5% e 23%, na amostra indicada).

Gráfico 4 – segurança alimentar no Brasil de acordo com as rendas por habitante (salário
mínimo).

Fonte: IBGE – PNAD, 2004.

61 Do apontado por Castro (1946) pouco avançamos ? É verdade que o tema deixou de
ser tabu, que não é mais apropriado pelas elites políticas como reforço ao intento de
obter recursos para garantir seu o status quo. No entanto, a problemática da má
nutrição persiste com outra roupagem, não mais vinculada, como outrora, às
intempéries climática, foi transformada em problema nacional, resultado de quadro
socioeconômico característico dos países em via de desenvolvimento que não
resolveram problemas concernentes à concentração de riquezas e de terras.
62 Lamentavelmente as intervenções do governo não suscitaram grandes mudanças na
tônica clássica da concentração de renda no pais e na região. As políticas sociais
implementadas tiveram um escopo reduzido, ou seus resultados ainda não se fizeram
sentir.

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(première édition 1922)

Notas
1 Texto publicado na revista Hérodote, n. 131 (4º trimestre 2008), com o título « Les mutations
du Nordeste du Brésil ».

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16/11/2016 Mutações no Nordeste brasileiro: reflexão sobre a produção de alimentos e a fome na contemporaneidade

Índice das ilustrações

Título Figura 1 – regiões geográficas


Créditos Fonte: Adaptado de Andrade (1964 apud DANTAS, 2000).
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Ficheiro image/png, 14k

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/6686/img­2.jpg

Ficheiro image/jpeg, 24k

Título Figura 6 – a fome no Brasil: segurança e insegurança alimentar


Créditos Fonte: IBGE ­ PNAD, 2004.
URL http://confins.revues.org/docannexe/image/6686/img­6.jpg
Ficheiro image/jpeg, 60k
Título Figura 7– a fome no Nordeste : segurança e insegurança alimentar
Créditos Fonte: IBGE –PNAD, 2004.
URL http://confins.revues.org/docannexe/image/6686/img­7.jpg
Ficheiro image/jpeg, 72k
Título Gráfico 3 – segurança alimentar no Brasil por faixa etária
Créditos Fonte: IBGE –PNAD, 2004.
URL http://confins.revues.org/docannexe/image/6686/img­8.jpg
Ficheiro image/jpeg, 40k
Título Gráfico 4 – segurança alimentar no Brasil de acordo com as rendas
por habitante (salário mínimo).
Créditos Fonte: IBGE – PNAD, 2004.
URL http://confins.revues.org/docannexe/image/6686/img­9.jpg
Ficheiro image/jpeg, 25k

Para citar este artigo


Referência eletrónica
Eustógio Wanderley Correia Dantas, « Mutações no Nordeste brasileiro: reflexão sobre a
produção de alimentos e a fome na contemporaneidade », Confins [Online], 10 | 2010, posto
online no dia 28 Outubro 2010, consultado o 16 Novembro 2016. URL :
http://confins.revues.org/6686 ; DOI : 10.4000/confins.6686

Autor
Eustógio Wanderley Correia Dantas
Prof. da Pós­Graduação em Geografia da Universidade Fedearal do Ceará – BrasilBolsista
Produtividade do CNPqedantas@ufc.br

Artigos do mesmo autor


La maritimité sous les Tropiques : les contributions d’une étude réalisée à Fortaleza
(Ceará) [Texto integral]
Publicado em Confins, 20 | 2014

Direitos de autor

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