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Conversa de Professor
Conversa de Professor
professor
Prezado educador, sustentam, as questões e os desafios que os professores
Eis o sexto número da revista Conversa de Professor.1 se colocam em sua prática docente, e o papel das parce-
S
rias entre professores e da equipe com os coordenado-
e você já a conhece sabe que é um veículo de di- res. Além disso, o conteúdo de alguns deles exemplifica
vulgação de artigos produzidos por professores e a importância do fator continuidade em processos inter-
coordenadores de Escola da Vila para os Simpósios nos de formação, na medida em que dão prosseguimen-
Internos realizados pela instituição, sempre no segundo to a reflexões documentadas e publicadas na Conversa
semestre de cada ano letivo. Esta é uma forma de atualizar de Professor 5. Embora essa qualidade de trabalho em
anualmente parte da reflexão pedagógica que sustenta a equipe também ocorra entre os profissionais de outros
qualidade do trabalho educacional dos professores com segmentos da escola − o que também pode ser verificado
seus alunos. na Conversa de Professor - Educação Infantil publicada
este ano −, escolhemos para este sexto número, publicar
Para este número foram selecionados oito textos, que per- artigos de profissionais das séries finais do Ensino Funda-
mitem evidenciar o quanto é importante a continuidade mental e do Ensino Médio, por serem esses os segmentos
do processo reflexivo dos professores ao longo dos anos nos quais, por envolverem especialistas, o trabalho de for-
em que trabalham numa mesma escola. Continuidade mação continuada, estruturado por atividades em equipe,
possível quando é mantido um programa interno de for- nem sempre se mostra fácil e mesmo possível em algumas
mação, que parte dos processos de avaliação e planeja- instituições.
mento anual dos coordenadores, e se concretiza nas reu-
niões e discussões periódicas que suas equipes realizam. Esperamos que os exemplos trazidos pela leitura dos ar-
tigos aqui publicados inspirem outros professores e os le-
Os artigos que você encontrará nas páginas seguintes di- vem a experimentar as possibilidades de desenvolvimento
zem respeito a trabalhos realizados nas séries finais do profissional que o compartilhamento de fazeres e saberes
Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Foram escolhidos entre pares oferece.
por formarem um conjunto que deixa evidentes e bem- Boa leitura!
-documentadas as relações entre o trabalho feito em clas-
Acessível também para leitura
em tablet e smartphone. se, os fundamentos metodológicos compartilhados que o Zélia Cavalcanti
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SUMÁRIO
Conversa de professor
Argumentação e enfoque globalizador
Por Angela Kim Arahata
3
ARGUMENTAÇÃO
e enfoque globalizador
Angela Kim Arahata
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Introdução
A área de Língua Portuguesa e Literatura (LPL) obvia- e Geográficos (CHG); a preocupação com escrita em
mente se ocupa do trabalho com as práticas de lin- Ciências Naturais no Fundamental 2, bastante rela-
guagem, em especial a leitura e a escrita. Mais espe- cionada ao foco dos estudos recentes da professora
cificamente, o trabalho com textos argumentativos Celina Moraes; o minucioso e consistente trabalho
sempre esteve em pauta nesta área. Lembro-me, em com leitura que é realizado pelas disciplinas da área
meu percurso nesta escola, de ter estudado, discuti- de Ciências Humanas no Ensino Médio, desenvolvido
do e planejado o trabalho com gêneros textuais tais nos últimos anos e coordenado pelo professor Pedro
como resenha, carta de leitor e artigo de opinião. Raveli; ou, ainda, trabalhos interdisciplinares como o
texto jornalístico literário, organizado pelas áreas de
Por outro lado, na Escola da Vila temos acordada a LPL e de Geografia, ou a legendagem de discursos re-
ideia de que o trabalho com leitura e escrita é res- alizada pelas áreas de Inglês e Filosofia. Ora, nos úl-
ponsabilidade dos professores de todas as áreas. Se, timos dois anos, ações realizadas pela área de LPL e
no Ensino Fundamental 1, esta integração de saberes por mim, como professora formadora, contribuíram
é mais facilmente articulada, arrisco-me a dizer que para o trabalho com argumentação nas diferentes
daí em diante, em decorrência da organização tem- áreas e apontaram alguns caminhos possíveis para
poral e de conteúdos (e provavelmente da formação uma apropriação mais genuína do trabalho com lei-
dos professores), ela é mais dificilmente traduzida tura, escrita e oralidade por professores de áreas que
em ações. Ainda assim, observo que nós, professo- não a de LPL.
res especialistas, estamos gradativamente avançan-
do nesse sentido. Provas disso são, por exemplo, o Refiro-me à argumentação como eixo para um traba-
trabalho interdisciplinar com textos argumenta- lho dentro de um enfoque globalizador1. Em outras
Cf. ZABALA, Antoni. A tivos que ocorre no 9° ano, congregando as áreas palavras, a argumentação enquanto conteúdo que
prática educativa. Porto
Alegre: Artmed, 1998. de Língua Portuguesa e Conhecimentos Históricos atravessa as disciplinas.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Percurso
A criação do programa de Formação no Enfoque Cons- situações de produção de texto dissertativo-argumenta-
trutivista de Ensino e Aprendizagem para professores es- tivo, originalmente bastante atreladas à área de LPL, tive-
pecialistas2 teve papel importante na identificação da ram desdobramentos que nos permitiram compartilhar
potencialidade do trabalho com linguagem em discipli- com toda a equipe algumas preocupações e até mesmo
nas diversas e abriu um canal de comunicação entre os corresponsabilizar, em alguma medida, os demais pro-
professores da escola. O curso sobre produção de textos fessores pelo trabalho com este gênero.
como tema transversal, ministrado em junho de 2015 e
em setembro de 2016, e elaborado por mim e pela pro- A primeira delas é a prova de passagem para o Ensino
fessora Clarice Camargo, tinha como objetivos centrais: Médio, feita pelos alunos do 9° ano e composta por uma
prova de Matemática e uma de Língua Portuguesa. Esta
1. Aprofundar a ideia de escrita como prática de lin- última tem questões de leitura e uma proposta de reda-
guagem, que possui propósitos específicos, a depen- ção que, nos últimos anos, vem sendo emprestada do
der da situação comunicativa. Enem.
2. Compreender o processo de revisão como etapa A segunda situação de produção de texto dissertativo-ar-
fundamental para o avanço dos alunos como escrito- gumentativo são os simulados de redação, que inicial-
res. mente eram feitos apenas pelos alunos do 3° ano e que
atualmente são feitos nas três séries do Ensino Médio.
3. Ampliar o repertório de bons encaminhamentos
para a aula, levando em consideração a concepção do Por solicitação da direção, em 2015 fiz uma análise dos
processo de escrita, os propósitos sociais e as especi- textos produzidos na prova de passagem e em um dos
ficidades da área. simulados e, ao final do ano, ela foi apresentada na se-
Desenvolvido tanto
para os professores
mana de avaliação para a equipe do Fundamental 2 e do
especialistas da equi- Nesse curso foram apresentados aos professo- Ensino Médio. Por solicitação da direção, em 2015 fiz
pe interna como para
o público do Centro res os conceitos de linguagem, gênero e habilida- uma análise dos textos produzidos na prova de pas-
de Formação da Esco-
la da Vila, e continua
des cognitivo-linguísticas, detalhados mais adiante. sagem e em um dos simulados e, ao final do ano, ela
sendo oferecido at- Também foi abordada a ideia da revisão como importan- foi apresentada na semana de avaliação para a equi-
ualmente apenas na
modalidade on-line. te situação de aprendizagem. Em outros contextos, duas pe do Fundamental 2 e do Ensino Médio. A análise
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
das questões textuais e, portanto, mais ligadas à área de redação da Fuvest e do Enem e que listassem, em
de LPL, é um importante passo de instrumentalização uma tabela, conteúdos por eles trabalhados que pu-
dos professores para que possam melhor avaliar as dessem ser utilizados na produção da redação. Esse
produções dos alunos, dar devolutivas e fazer encami- registro foi utilizado em aula com os alunos, após
nhamentos mais acertados com base na análise das eles mesmos fazerem a mesma atividade. Outra sé-
produções. rie de ações bastante importante foi a realizada pe-
las equipes de LPL do Fundamental 2 e do Ensino Mé-
Ainda associadas a este objetivo, foram tematizadas, dio, que escolheram como um dos temas principais
em duas reuniões pedagógicas do Ensino Médio, em para 2016 a argumentação. Foram realizadas leituras
agosto e setembro de 2015, as noções de coesão e co- pela equipe e um mapeamento do trabalho com tex-
erência. Após apresentação sobre o tema os professo- tos argumentativos em LPL, além de uma análise dos
res discutiram e fizeram um registro coletivo. conteúdos trabalhados nos dois segmentos.
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Linguagem e aprendizagem
Alguns conceitos revelaram-se fundamentais para em- papel: no ensino e na aprendizagem. A expressão oral
basar a ideia aqui defendida, de que o trabalho com e escrita dos alunos ajuda a construir explicações so-
a linguagem cabe a todos os professores, entre eles a bre o mundo e sobre si mesmos. Avançando nesta
ideia, bastante ampla, da linguagem como mediadora ideia, podemos concluir que o processo de aprendiza-
da relação do ser humano com o mundo. gem é uma construção pessoal mediada pelos signos.
E o processo de ensino-aprendizagem, um processo
A relação entre a pessoa e o mundo exterior é media- comunicativo, uma construção conjunta que implica a
da por instrumentos e signos. O domínio progressivo negociação de significados e a passagem progressiva
dos signos ou dos códigos e das linguagens humanas do controle para os alunos.
permite a transformação do mundo interno, ou seja, a
formação e o desenvolvimento de processos psicoló- As habilidades linguísticas são, portanto, responsabi-
gicos superiores (atenção consciente, memória volun-
lidade dos professores de todas as áreas, não apenas
tária, linguagem…), já que permite operar com dados
dos de língua. O trabalho com o texto deve integrar a
da realidade e suas representações para fazer novas
competência linguística e os conhecimentos específi-
construções de pensamento.
cos, caso contrário, corre-se o risco de ter um aluno que
escreve bons textos do ponto de vista formal, mas não
Mais especificamente, o uso da linguagem permite
controlar e regular o próprio comportamento e rea- avança na aprendizagem dos conteúdos específicos.
lizá-lo de forma consciente. O uso da linguagem ver-
bal permite planejar, decidir a sequência de ações; o Nas palavras de Jorba (2000), “aprender pressupõe
uso da linguagem gráfico espacial permite fazer es- construir conhecimento, construir critérios sobre a va-
quemas e projetos, interpretar um espaço geográfico lidez deste conhecimento e apropriar-se de uma lin-
amplo, construir um itinerário etc. guagem para expressá-lo e construí-lo. Para fazê-lo
possível é preciso aprender a falar sobre os significa-
A produção − em nosso caso, textual, seja ela oral ou dos que se elaboram”.3
JORBA, Jaume et al.
escrita − constitui-se simultaneamente como meio
Hablar y escribir para de comunicação e de aprendizagem (meio e objeto Mas quais conceitos podem orientar o ensino da lin-
aprender. Madrid: Edito-
rial Síntesis, 2000, p. 13. de aprendizagem). A linguagem tem, portanto, duplo guagem em cada disciplina?
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Habilidades cognitivo-linguísticas
Como ajudar os alunos a melhorar suas produções? Seria necessário, então, pensar sobre o tipo de texto
Um caminho possível é apontado por Jorba (2000): o que pedimos para nossos alunos escreverem − e quais
trabalho, em cada área curricular, com habilidades que habilidades cognitivo-linguísticas eles demandam −
estão na base de operações cognitivas (analisar, com- qual tipo de texto oferecemos para leitura e se há (in)
parar, classificar, interpretar, inferir, deduzir, sintetizar, coerência entre eles.
aplicar, valorar etc).
Aqui fica evidente que um saber específico, de especia-
A cada uma delas correspondem habilidades cogniti- lista, é imprescindível para a análise dos tipos de texto
vo-linguísticas: descrever, definir, resumir, explicar, jus- mais comuns em cada área e de suas características.
tificar, argumentar e demonstrar. E aqui é importante
lembrar que as habilidades são transversais, mas se
concretizam de maneira diferenciada em cada uma das
áreas curriculares.
Gêneros
Pois bem. Escrever não é verbo intransitivo. Há que
Dentre os conceitos apresentados aos professores no se pensar: O que se escreve? Para quem? Com que
curso sobre escrita referido acima, este, das habilidades objetivo?
cognitivo-linguísticas foi o que aparentemente mais fez
sentido e foi mais significativo para que repensassem as A resposta a estas questões definirá o gênero textual
propostas de escrita feitas por eles. Além da descrição em questão. Os gêneros são tipos relativamente está-
de cada habilidade, uma classificação das habilidades veis de enunciados, caracterizados por três elementos:
envolvidas em cada tipo de texto foi, também, bastante conteúdo temático, estilo e construção composicional.
esclarecedora.
E sua escolha é determinada pela esfera de circulação,
Ora, esses conceitos permitiram aos professores de dife- necessidades da temática, conjunto dos participantes e
rentes áreas refletir sobre uma possível incoerência pre- a vontade enunciativa ou intenção do locutor. Ora, isto
sente no ensino de suas disciplinas: a de que avaliamos não ocorre apenas na área de língua portuguesa. Dolz e
a produção textual de nossos alunos, mas nem sempre Schenuwly (2004) propõem uma classificação de cinco
nos dedicamos suficientemente a ensiná-los a escrever. agrupamentos de gêneros, conforme a tabela a seguir:
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Os autores propõem que se trabalhe cada agrupamen- a introdução de um gênero na escola sempre tem
to em todos os níveis da escolaridade porque: a) ofere- dois tipos de objetivo de aprendizagem: a) aprender
ce diferentes vias de acesso à escrita; b) trabalha com a dominar o gênero para melhor conhecê-lo, apreci-
a especificidade dos gêneros e oferece a possibilidade á-lo, compreendê-lo, produzi-lo; e b) desenvolver ca-
de comparação de textos; c) trabalha com diferentes pacidades que ultrapassam o gênero e são transferí-
níveis de mestria dentro de um mesmo agrupamento
veis para outros gêneros. No entanto, poderíamos ir
de gêneros.
além e afirmar que o trabalho com gêneros na escola
tem também como objetivo a aprendizagem de con-
A escola sempre trabalhou com os gêneros, pois toda
forma de comunicação cristaliza-se em formas de lin- teúdos específicos das diferentes áreas, uma vez que
guagem específicas. A particularidade da situação faz parte desses saberes ler, compreender e comuni-
escolar decorre do fato de que o gênero não é mais car o aprendido através de gêneros específicos, como
somente instrumento de comunicação, mas tam- o relatório científico nas ciências naturais ou o relato
bém objeto de ensino-aprendizagem. Como se sabe, histórico na História.
Ensino e currículo
Dentro desta perspectiva (Dolz; Schneuwly, 2004), se- - Ajudá-los a construir uma representação das ativi-
riam objetivos do trabalho com os gêneros: dades de escrita e fala em situações complexas.
- Preparar os alunos para dominar a língua em situ- Um currículo para o ensino da expressão deveria en-
ações variadas, fornecendo-lhes instrumentos efi-
tão fornecer aos professores, para cada um dos níveis
cazes.
de ensino, informações concretas sobre os objetivos
- Desenvolver nos alunos uma relação consciente e visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem
voluntária com o comportamento discursivo, favo- que devem ser abordadas, sobre os saberes e habili-
recendo estratégias de autorregulação. dades implicados em sua apropriação.
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Segundo esses autores, não existe, até o momen- 4) O currículo indica com precisão as situações de
to, para a expressão oral e escrita, um currículo colaboração entre alunos do mesmo ciclo e/ou de
como esse, que apresente uma divisão dos con- diferentes ciclos.
teúdos de ensino e uma previsão das principais
aprendizagens. 5) O currículo fornece os instrumentos e as estra-
tégias de intervenção para transformar as capaci-
Alguns apontamentos desses autores para o tra- dades iniciais.4
balho com os gêneros na área de língua podem
ser feitos também para o trabalho textual nas de-
mais áreas: Além disso, a elaboração de modelos didáticos deve
seguir três princípios:
1) Os objetos de ensino, que são objetos culturais,
são abordados em toda a sua complexidade, isto - princípio de legitimidade (referência aos sabe-
é, do ponto de vista das normas e das significações res teóricos ou elaborados por especialistas);
partilhadas que veiculam, mas são também de-
compostos para o ensino. - princípio de pertinência (referência às capacida-
des dos alunos, às finalidades e aos objetivos da
2) O currículo define expectativas mínimas da so-
escola, aos processos de ensino-aprendizagem);
ciedade para todos os alunos.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Argumentação
No que diz respeito à argumentação, tema de estu- se faz presente em maior ou menor grau. O mapea-
do da área de LPL em 2016, Koch (2008) defende a mento do trabalho com textos argumentativos nas di-
ideia de que “a interação social por intermédio da ferentes disciplinas no Ensino Médio revelou a abran-
língua caracteriza-se, fundamentalmente, pela argu- gência do trabalho com este tipo de texto. É inegável
mentatividade”, invertendo a noção de que a função que as afirmações de Koch sobre a argumentação apli-
comunicativa é a mais importante função da lin- cam-se a todas as áreas do conhecimento. As ideias
guagem. O ato linguístico fundamental seria, então, de intenção e da função social da linguagem estão
o ato de argumentar. relacionadas ao trabalho com conteúdos atitudinais
fundamentais à formação de um cidadão crítico.
A interação social por intermédio da língua car-
acteriza-se, fundamentalmente, pela argumenta-
tividade. Como ser dotado de razão e vontade, o
Cada enunciação pode ter uma multiplicidade de sig-
homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto nificações, visto que as intenções do falante podem
é, forma juízos de valor. Por outro lado, por meio do ser as mais variadas.
discurso − ação verbal dotada de intencionalidade
− tenta influir sobre o comportamento do outro ou
O conceito de intenção é fundamental: compreender
fazer com que compartilhe determinadas de suas
opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o
uma enunciação é apreender a intenção. Esta última
ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no não tem nenhuma realidade psicológica, ela é pura-
sentido de determinadas conclusões, constitui o ato mente linguística, ela se deixa representar de uma
linguístico fundamental, pois a todo e qualquer dis- certa forma no enunciado, por meio do qual se esta-
curso subjaz uma ideologia, na acepção mais am-
belece entre os interlocutores um jogo de representa-
pla do termo. A neutralidade é apenas um mito: o
discurso que se pretende “neutro”, ingênuo, contém
ções, que pode corresponder ou não a uma realidade
também uma ideologia − a da sua própria objetivi- psicológica ou social. Adquire relevância a função so-
dade.6 cial da linguagem, esta última concebida como forma
de ação, ação sobre o mundo dotada de intenciona-
Por isso, cai por terra a distinção entre dissertação lidade, veiculadora de ideologia, caracterizada pela
KOCH, Ingedore Grunfeld
(exposição de ideias alheias, sem nenhum posicio- argumentatividade. Em função disso é que o aluno
Villaça. Argumentação e namento pessoal) e argumentação. Também nos precisa se tornar apto a compreender, analisar, inter-
linguagem. São Paulo:
Cortez, 2008, p.17. textos narrativos e descritivos a argumentatividade pretar e produzir textos verbais.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Dolz e Schneuwly (2004) concebem a sequência didática como um “conjunto de atividades escolares organizadas,
de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”7 e propõem a seguinte organização:
Na fase de apresentação da situação, o projeto de b) Preparar os conteúdos dos textos que serão pro-
comunicação que será realizado é exposto aos alu- duzidos: “Na apresentação da situação, é preciso
nos, e estes são preparados para a produção inicial. que os alunos percebam, imediatamente, a impor-
É preciso atentar para duas questões: tância desses conteúdos e saibam com quais vão
trabalhar”.8 Um exemplo dado pelos próprios au-
a) Apresentar um problema de comunicação bem-
tores: “Para redigir um conto, eles deverão saber
-definido: os alunos devem compreender da me-
quais são seus elementos constitutivos: persona-
lhor maneira possível a situação de comunica-
gens, ações e lugares típicos, objetos mágicos etc.”9
SCHNEUWLY, Bernard;
ção. Para isto, deve-se dar indicações a respeito
DOLZ, Joaquim. Gêner- de gênero, destinatário, forma da produção final Esses autores dizem também que, na medida do
os orais e escritos na
escola. Campinas, SP: (gravação em áudio ou vídeo, carta, folheto etc.) possível, as sequências didáticas devem ser reali-
Mercado de Letras,
e participantes da produção (a classe toda, al- zadas no âmbito de um projeto de classe, pois isso
2004, p. 97.
SCHNEUWLY e DOLZ, guns alunos, todos juntos, uns após os outros, torna as atividades de aprendizagem significativas
2004, p. 100.
Idem, p. 100. individualmente ou em grupos etc.). e pertinentes.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Na etapa de produção inicial, os alunos tentam elabo- 1. Que dificuldades devemos abordar? Para res-
rar um primeiro texto, seja oral ou escrito. Se a situa- ponder a esta questão, os autores apresentam os
ção de comunicação foi bem-definida, os alunos con- quatro níveis principais da produção de textos:
seguem escrever textos relacionados à situação dada,
ainda que não respeitem todas as características do a. Representação da situação de comunicação: o
gênero. Esse sucesso parcial é condição sine qua non aluno deve fazer uma imagem o mais exata possível
para o ensino, pois tem papel regulador da sequência do destinatário do texto, da finalidade, de sua posi-
didática, tanto para os alunos quanto para os profes- ção como autor ou locutor, e do gênero.
sores. O professor ajusta a sequência didática a partir
da análise minuciosa da primeira produção e os alu- b. Elaboração dos conteúdos: o aluno deve conhe-
nos descobrem o que já sabem fazer e conscientizam- cer as técnicas para buscar, elaborar ou criar conte-
-se dos problemas que eles mesmos ou seus colegas údos para o seu texto.
encontram.
c. Planejamento do texto: o aluno deve estruturar o
A primeira produção não necessariamente desemboca texto de acordo com um plano.
em uma produção inicial completa. Ela pode ser simpli-
ficada, dirigida somente à turma ou a um destinatário d. Realização do texto: o aluno deve escolher os
fictício. Esta primeira situação tem lugar de instrumento meios de linguagem (vocabulário apropriado, tem-
de avaliação formativa, mas também de aprendizagem. pos verbais, organizadores textuais para introduzir
Nos módulos trabalham-se os problemas que apare- argumentos etc.) mais eficazes para escrever seu
ceram na primeira produção e dá-se aos alunos ins- texto.
trumentos para superá-los. “A atividade de produzir
um texto escrito ou oral é, de uma certa maneira, de- 2. Como construir um módulo para trabalhar um
composta, para abordar, um a um e separadamente, problema particular?
seus diversos elementos”.10 O movimento vai do com-
plexo para o simples e, no final, volta ao complexo: Além da alternância dos agrupamentos (atividades
a produção final. Com relação aos módulos, Dolz e coletivas, em grupo ou individuais), é preciso variar as
Idem, p. 103. Schneuwly colocam e respondem a três questões. atividades e os exercícios.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Os autores diferenciam três grandes categorias de oral. Em geral, faz-se uma lista do vocabulário e das
atividades e exercícios: técnicas elaboradas durante a sequência.
a. Atividades de observação e análise de textos: A sequência é finalizada com uma produção final que
sejam orais ou escritos, autênticos ou fabricados, o dá ao aluno a possibilidade de pôr em prática as no-
texto completo ou partes do texto. ções e os instrumentos elaborados separadamente
nos módulos. É neste momento que o professor faz
b. Tarefas simplificadas de produção de textos: exer- uma avaliação de tipo somativo, utilizando a lista que
cícios que impõem limites bastante rígidos e permi- foi construída ao longo da sequência. Esse tipo de ava-
tem ao aluno centrar-se em determinado aspecto. liação será realizado apenas sobre a produção final.
Exemplos: reorganizar o conteúdo de uma descri- Antoni Zabala, no livro A prática educativa, fala na
ção narrativa para um texto explicativo, inserir uma organização de conteúdos como as relações entre os
parte que falta em um texto, revisar um texto em conteúdos que compõem as diferentes unidades didá-
função de critérios bem- definidos etc. ticas. Sobre essa questão, em síntese, diz que:
c. Elaboração de uma linguagem comum: constru- Os conteúdos costumam ser apresentados separadamente,
ção de linguagem comum para conversar a respeito mas têm mais potencial de uso e compreensão se estiverem
dos textos. Este trabalho é feito ao longo de toda a relacionados entre si. Tradicionalmente, os conteúdos são
sequência e, em especial, no momento da elabora- classificados segundo o pertencimento a uma disciplina,
ção dos critérios para a produção de um texto. bem como as unidades didáticas, os currículos e a forma-
ção dos professores. Ou seja, a estrutura interna das disci-
plinas (matemática em geometria, estatística etc.; a língua
3. Como capitalizar o que é adquirido nos módulos? em gramática, léxico etc.; a física em estática, dinâmica, ci-
nemática etc.) organizou os conteúdos de aprendizagem no
Realizando os módulos os alunos aprendem a falar ensino. Mas, no último século, têm surgido outras formas
sobre o gênero e o trabalho favorece uma atitude de organização que tentam estabelecer relação entre con-
reflexiva e um controle do próprio comportamento. teúdos de diferentes matérias: sincretismo, globalização,
Com isso, eles podem revisar seus textos e melhorar centros de interesse, trabalho por temas ou tópicos e proje-
a antecipação do que se deve fazer numa produção tos são métodos denominados globalizadores.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
A organização dos conteúdos pode seguir duas conteúdos de aprendizagem se estabelece em fun-
classificações: ção da potencialidade formativa e não apenas da im-
portância disciplinar. A prioridade é o aluno e suas
1) Organização dos conteúdos tendo como referencial necessidades educativas gerais. Entre um extremo e ou-
básico as disciplinas ou matérias. Neste caso, os conte- tro existem numerosas possibilidades. É difícil estabele-
údos podem ser classificados conforme sua natureza, cer uma linha divisória. São perspectivas diferentes, mas
como: multidisciplinares, interdisciplinares, pluridis- Hestreitamente vinculadas.
ciplinares, metadisciplinares etc. Os conteúdos nunca O trabalho com métodos globalizados visa à aprendi-
perdem sua identidade como matéria diferenciada. zagem significativa, formando cidadãos e cidadãs que
A prioridade são as matérias e sua aprendizagem. Na lidem com a complexidade da realidade. Mas não é a
multidisciplinaridade, a organização dos conteúdos é única forma possível de ensino. É necessário manejar
mais tradicional, o trabalho com as matérias é indepen- rigorosa e profundamente conceitos e técnicas advin-
dente. Na interdisciplinaridade há interação entre duas das das disciplinas. A solução apontada pelo autor é o
ou mais disciplinas, desde a simples comunicação de trabalho dentro de um enfoque globalizador.11
ideias até a integração recíproca dos conceitos funda-
mentais. Na transdisciplinaridade temos o grau máxi- Segundo esta proposta, toda unidade de intervenção
mo de relação entre disciplinas. O objetivo é constituir deve partir de uma situação próxima à realidade do
uma ciência que explique a realidade sem parcelamen- aluno, que seja interessante para ele e lhe proponha
to; o que na atualidade se constitui mais como um de- questões às quais precisa dar resposta.
sejo do que uma realidade.
É possível organizar os conteúdos por disciplinas, nas
2) Métodos globalizados: nunca tomam as discipli-
quais os conteúdos de aprendizagem se entrecruzem
nas como ponto de partida, as disciplinas nunca são
a finalidade básica do ensino, mas sim proporcio-
conforme a lógica das matérias, mas que, por outro
nam os meios ou instrumentos que devem favore- lado, em sua apresentação aos alunos, nas atividades
cer a realização dos objetivos educacionais. O valor iniciais, a justificativa dos conteúdos disciplinares não
dos diferentes conteúdos disciplinares está condi- seja unicamente uma consequência da lógica discipli-
cionado sempre pelos objetivos que se pretendem. O nar, mas sim o resultado de ter de dar resposta a ques-
Cf. em ZABALA, Antoni. A alvo e o referencial organizador fundamental é o alu- tões ou problemas que surgem de uma situação que o
prática educativa. Porto
Alegre: Artmed, 1998. no e suas necessidades educativas. A relevância dos aluno pode considerar próxima.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Cada professor de cada disciplina trabalharia con- Os possíveis problemas de se trabalhar com este
forme o seguinte esquema: situação da realida- enfoque são o perigo de não introduzir o máximo
de, proposição de questões, utilização de ins- de relações, de se limitar ao marco de cada disciplina,
trumentos e recursos disciplinares, focalização e o de deixar de lado conteúdos não relacionados de
conforme critérios científicos da disciplina e aplica- forma direta com nenhuma disciplina (atitudinais).
ção a outras situações para favorecer a generalização
e o domínio de conceitos e habilidades aprendidos. O mais importante não é levar a cabo uma organi-
zação de conteúdos conforme um ou outro mode-
Este esquema garantiria a significatividade.
lo. O método globalizado ou o modelo disciplinar
serão mais ou menos apropriados conforme a coe-
Um aperfeiçoamento seria acrescentar uma atividade
em que o aluno voltasse à situação de partida, relacio- rência dos conteúdos trabalhados em relação aos
nando o problema inicial com outros que se dão naquela projetos previstos e a adequação das atividades
mesma situação e que foram deixados de lado. ao conhecimento que temos sobre os processos
de aprendizagem.
Exemplo: diferentes disciplinas partem do mesmo pro-
blema ou questão. Considerando as ideias sobre sequência didática de
Dolz e Schneuwly, poderíamos pensar na proposta
Situação da realidade de produção textual como uma situação da realida-
de que se coloca e que demandaria conhecimentos
Proposição de questões linguísticos e de outras áreas.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Conclusão
O trabalho com gêneros textuais, e mais especifica-
mente com argumentação, se coloca como uma possi-
bilidade de trabalho dentro do enfoque globalizador e
como alternativa à superação da fragmentação de sa-
beres. Para que isto ocorra, no entanto, é preciso que
a instituição escolar assuma a Importância de alguns
espaços para discussão, estudo e elaboração do traba-
lho, como reuniões e cursos de formação continuada
dos professores.
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ÍNDICE
Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Resumir: realizar, a partir de um texto, de uma exposição oral, de um vídeo etc., um processo de seleção e con-
densação das ideias de maior valor estrutural, que se faz de forma consciente e de acordo com a tarefa proposta.
O texto que resulta deve ser fruto da reelaboração pessoal das ideias contidas no documento original.
Definir: expressar as características necessárias e suficientes para que o conceito não se confunda com outro,
com a ajuda de outros termos que se supõem conhecidos.
Justificar: produzir razões ou argumentos, estabelecer relações entre eles e examinar sua aceitabilidade com o
fim de modificar o valor epistêmico da tese em relação ao corpus de conhecimentos em que se incluem os conte-
údos objetos da tese.
Argumentar: produzir razões ou argumentos, estabelecer relações entre eles e examinar sua aceitabilidade com
o fim de modificar o valor epistêmico da tese desde o ponto de vista do destinatário.
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
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Argumentação e Enfoque Globalizador
Por Angela Kim Arahata
Referências bibliográficas
JORBA, Jaume et al. Hablar y escribir para aprender. Madrid: Editorial Síntesis, 2000.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2008.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.
ZABALA, Antoni. A prática educativa. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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Estratégias formativas em
PROGRAMAS COLETIVOS
Sandra Baumel Durazzo
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ÍNDICE
Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
Introdução
Um dos grandes desafios para a formação interna ao professor/formando, além de oferecer sempre a
dos professores de uma escola é conseguir dosar as oportunidade de recorrer a profissionais mais compe-
metas formativas que respondem às necessidades tentes quando necessária uma ajuda profissional.
individuais de cada um e do grupo, ao mesmo tem-
po em que garantem uniformidade, adequação e A segunda questão se refere às relações interpessoais
progressão dos cursos, de forma a manter o foco na que se estabelecem e que, como em qualquer outra
proficiência dos alunos; aspectos que precisam estar situação, determinam as condições de aprendizagem.
contemplados no programa de reuniões de área, que É preciso que o formando confie que as ações do for-
acontecem duas vezes por mês, mas que concorrem mador têm o propósito de ajudá-lo para poder liber-
com eventos da rotina escolar como reuniões de pais tar-se da reação de defesa.
e conselhos de classe.
Minha tarefa como formadora da equipe de inglês é al-
Isabel Alarcão (Alarcão, 1996) afirma que qualquer cançar as metas formativas, dando segurança às pro-
aprendiz aprende “fazendo” e refletindo sobre o que fessoras, estabelecendo uma relação de confiança, e
faz e, portanto, sugere que um espaço de formação procurando ser uma fonte de apoio, mas não de de-
eficaz deve integrar ação e reflexão na ação, consi- pendência. Procuro estabelecer um diálogo recíproco
derando esta como fonte de conhecimento gerada e construtivo do saber profissional.
na própria ação.
No entanto, há outros dilemas a lidar quando se pensa
Colocar isso em prática requer considerar algumas em propostas formativas dessa natureza. Um deles se
questões importantes. relaciona ao que se deve privilegiar: a formação dos
professores ou dos alunos? Não parece ser um dilema
A primeira delas se refere à liberdade dos professores/ real, mas se pensarmos que a formação dos professo-
formandos para aprender através da ação. Mas, em res se dá por meio da ação e reflexão sobre essa ação,
um ambiente de trabalho, a ação nunca é desprovi- é preciso abrir espaço para o erro. Como lidar com
da do receio de errar e do medo de julgamentos. Por as consequências de um possível erro do professor
isso, Alarcão defende que as situações de um processo sobre a formação dos alunos? Qual é o grau de tole-
formativo não devem apresentar riscos em demasia rância que se pode ter para garantir o aprendizado
25
ÍNDICE
Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
do professor sem comprometer o aprendizado dos e à consolidação (ou não) das sequências e dos proje-
alunos? No caso da equipe de inglês, a solução pas- tos existentes.
sa por um esforço de supervisionar o currículo como
um todo, de forma a garantir uma base suficiente
A estratégia formativa que descrevo a seguir é cha-
para os alunos e, dentro dela, abrir espaço para erros
mada por Isabel Alarcão de “análise de casos”. A ins-
dos professores.
piração veio da viagem pedagógica à Califórnia, mais
Muito mais fácil falar do que fazer, claro. especificamente de um procedimento usado na High
Tech High.
Descrição da estratégia
O curso de idiomas na Escola da Vila almeja formar
alunos proficientes em inglês, ou seja, que têm a lín-
gua como sua e a usam com autonomia para dar con- No século XXI, o papel da área
ta de situações de comunicação. Por autonomia aqui de línguas estrangeiras torna-se
se entende a capacidade de pensar e tomar decisões fundamental no desenvolvimento
conscientes. No século XXI, o papel da área de línguas
estrangeiras torna-se fundamental no desenvolvimen-
de alunos capazes de lidar com a
to de alunos capazes de lidar com a realidade e atu- realidade e atuar sobre ela
ar sobre ela de forma responsável. Por isso, entre as de forma responsável.
metas estabelecidas para a equipe em 2016, estava o
aprimoramento dos cursos, no sentido de formar alu- Alarcão explica que a análise de casos é um registro
nos mais autônomos no uso do idioma, mais seguros
de acontecimentos reais e problemáticos, feito pelo
de seu saber, e também preocupados com a precisão.
professor. Eles representam o conhecimento teórico
Além disso, queríamos investir na documenta-
ção dos projetos e das sequências do curso, pois, daquele que os relata, e dão acesso às crenças dos
ao nos dedicar à documentação, certamente esta- professores sobre o ensino e sobre como eles mesmos
ríamos nos dedicando à crítica, ao aprimoramento atuam de acordo com essas crenças.
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
formula a pergunta, se necessário, e então dá lite- lhar o que o impactou e que próximos passos po-
ralmente um passo atrás, se afastando do grupo. dem ser tomados como resultado das ideias gera-
O grupo discute o dilema e tenta trazer insights so- das na discussão.
bre a questão levantada pelo apresentador.
Balanço final (5 minutos) - O facilitador li-
• Feedback positivo: começar com um feedback dera uma conversa sobre as observações do grupo
positivo, em outras palavras: Que forças identifica- no processo de afinação do projeto. Uma das ca-
mos nesse projeto?
racterísticas de um bom facilitador é sua habilida-
• Oportunidades de crescimento: em seguida, o
de de liderar um bom balanço.
grupo faz uma análise mais crítica do trabalho,
usando a questão proposta pelo apresentador
para moldar a discussão. Por exemplo: “O que o Fechar o ciclo (3-5 minutos) - Todos no
apresentador não está considerando?”. Ou “O que grupo compartilham algo que levam, seja do pro-
aconteceria se ...”. cesso, seja do projeto.
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
Os casos apresentados
A primeira professora apresentou uma sequência de de usar autoavaliação e peer correction (avaliação em
escrita para o 8o ano. A motivação dessa sequência pares), favorecendo a consciência dos alunos sobre a
veio das avaliações feitas na área até o ano de 2015, escrita de qualidade. Na devolutiva, a professora apre-
quando sentiu-se a necessidade de introduzir mais se- sentadora contou que realmente fazer revisões suces-
quências de escrita com momentos de revisão e explo- sivas gerou boas produções dos alunos.
ração da gramática, pois avaliamos que os alunos se
mostram muito eloquentes, mas se preocupam pouco O segundo projeto apresentado foi o de uma professo-
com a precisão no uso do idioma e mesmo com aspec- ra do Ensino Médio. No 2o ano, o curso conta com um
tos textuais já conhecidos deles em língua materna. projeto de legendagem, em parceria com a disciplina
de Filosofia. Ao se deparar com as discussões em sala,
A professora queria que os alunos ampliassem o fô- a professora pensou em propor uma sequência de tra-
lego de escrita, e para isso era importante que a pro-
dução do português para o inglês. Seria uma propos-
dução tivesse um tom autoral, que não permitisse
ta para que os alunos se deparassem, dessa vez, com
cópias. A sequência está bem-estruturada, com mo-
o desafio contrário: “Como expressar algo que você
mentos bem-definidos de produção, revisão e reme-
sabe em sua língua materna, na língua estrangeira?”.
diação. O dilema apresentado era referente ao grau de
Essa ideia ainda estava sendo maturada pela profes-
exigência que deveria impor às produções dos alunos.
Durante a discussão, ressaltou-se o valor da proposta sora e a oportunidade de submetê-la à crítica fez com
pelo tema escolhido − memórias de infância − e pela que tivesse certeza da validade de sua proposta.
relação estabelecida com a leitura compartilhada do
1o trimestre. Ao pensar sobre o dilema da exigência, Ela trouxe o projeto com muitas ideias interessantes.
discutiu-se a possibilidade de transformar em pro- Em primeiro lugar, a exposição: Ela levaria as pro-
jeto. Os critérios de êxito de produções que são des- duções dos alunos a uma feira universitária, na qual
tinadas a um interlocutor, que não o professor, são são expostos justamente trabalhos sobre tradução. A
geralmente mais claros, tanto para os alunos quan- apresentadora escolheu para a produção um romance
to para o professor, o que resolveria parte do dilema com o qual os alunos têm uma relação bastante posi-
apresentado. A questão também levantou a discussão tiva e afetiva: Capitães da Areia, de Jorge Amado, lida
sobre estratégias de revisão de texto e a necessidade por eles no 8o ano.
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
A escolha derivava do fato de essa obra trazer uma sé- totalmente on-line, como um curso a distância, ou seja,
rie de expressões regionais e outras tantas metáforas as aulas seriam sempre feitas em casa. Uma por sema-
que remetem à cultura brasileira, além do desafio de na, tudo no Google Classroom, permitindo feedback e
traduzir “apelidos” dos personagens. Tudo muito inte- controle da professora.
ressante e certamente sedutor para o grupo de profes-
soras. Mas a questão colocada pela apresentadora para
a crítica foi justamente essa: “Como engajar os alunos
para o trabalho? Como fazer com que eles entendam Como engajar os alunos
a língua estrangeira não só como instrumento prático,
mas como expressão de uma cultura?”. para o trabalho? Como fazer com que
eles entendam a língua estrangeira
A discussão da equipe salientou as limitações da re- não só como instrumento prático, mas
flexão que os alunos fariam, afinal, são alunos do En- como expressão de uma cultura?”.
sino Médio, e não tradutores ou estudiosos das lin-
guagens. Mesmo assim, foi possível identificar muitas Ela trouxe duas questões para o grupo: “Como lidar com
forças na proposta, como a quantidade de conteúdos a autonomia requerida de alunos nesse nível, dado que
de língua que contemplava: classe gramatical, voca- a maior parte dos alunos que está no nível A1 é porque
bulário, sons e rimas, inversões, expressões idiomáti- não tem procedimento nem autonomia para estudo?.
cas, recursos poéticos, e a consciência sobre a riqueza
E a segunda: “Como avaliar esse trabalho? Será que
da própria língua materna. Para responder à questão
seria adequado substituir uma das avaliações por este
colocada, ressaltou-se o valor da escolha da obra e os
material corrigido? Valeria a pena substituir, por exem-
muitos momentos de confronto com critérios de ava-
liação da qualidade da versão. A terceira professora es- plo, por produções que são muito acima da capacidade
colheu apresentar uma sequência que elaborou para deles?”. Foi possível identificar muitas potencialidades
fazer com que alunos que ainda são A1 (nível básico de nessa proposta: as atividades são elaboradas de acor-
proficiência linguística segundo o European Common do com o nível do aluno e não são funcionais, ou seja,
Framework of Reference for Languages) no 6o ou 7o como uma recuperação para que ele dê conta das tare-
ano, avancem mais rápido para se aproximar da meta fas do curso. Por ser virtual, é possível trabalhar com as
definida para a série. Ela pensou em uma proposta diferentes habilidades discursivas.
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
Começou apresentando os conhecimentos da alu- pode e deve conter planos pessoais. A equipe suge-
na, sua característica de trabalho e o desejo de dar riu alguns ajustes em atividades pontuais propos-
a ela um trabalho com maior grau de autoria, já que tas. Mas o principal ganho identificado pela profes-
suas atividades são sempre muito guiadas com um sora apresentadora, após a discussão, foi a criação
passo a passo. dos andaimes propostos pela equipe. Andaimes que
se constituem em momentos em que a professora
Pensou, então, em uma sequência, usando o mes- dá feedback e posiciona a aluna frente ao que já fez,
mo tema do trabalho da sala − filmes e resenhas de ao que sabe, e a ajuda a planejar como dar conta
filmes, que inicia com um filme no qual o persona- dos próximos passos. Surgiram também ideias inte-
gem faz um diário sobre as aventuras que ele quer ressantes para que a produção dela fosse inserida
viver na vida. Depois de assistir ao filme, é proposto na sala e apresentada aos colegas.
à aluna que escreva seu próprio diário de aventuras,
usando um APP, que ela poderia manusear sozinha. O papel do facilitador, como descrito no protoco-
Os dilemas da professora eram relativos à validade lo, foi fundamental. No caso da estratégia utilizada,
dessa proposta. Se está mesmo relacionada com te- teve a função de orientar as etapas para que se tor-
mas da sala e com as atividades feitas pela aluna nassem realmente de reflexão sobre a prática. Em
até aqui, e também como esse trabalho poderia ter cada caso, na hora do balanço final, as professoras
um destino que a colocasse num papel de visibilida- verbalizaram as decisões tomadas, os cuidados su-
de na sala. geridos, enfim, o resultado da crítica, de forma ge-
neralizável para outros momentos dos cursos.
Os pontos positivos levantados pela equipe foram:
a escolha do filme que mesmo sendo uma anima- Analisar casos é sempre uma estratégia formativa
ção, não é para criança, ou seja, não infantiliza a importante. Em geral, se começa com casos exter-
aluna; a proposta estar direcionada para a necessi- nos, alheios ao professor, que permitem distancia-
dade escolar da aluna nesse momento: avançar em mento e não envolvem questões afetivas ou pesso-
relação à autonomia no uso do idioma; e também ais. Mas com uma equipe já consolidada, foi possível
o fato de o produto, um livro de sonhos, reforçar a analisar e discutir propostas encaminhadas no coti-
ideia de que ela é uma pessoa com um futuro que diano do trabalho docente de colegas.
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Estratégias formativas em programas coletivos
Por Sandra Baumel Durazzo
Conclusão
As trocas entre as professoras, a postura séria em relação à sua prática, focada somente no que estão propondo,
seus dilemas, e como podem avançar, foram extremamente importantes. Todos saímos das reuniões nos sentindo
coautoras dos projetos e das sequências apresentadas. Fortalecidas com as decisões de cada uma.
O estudo de casos promove a colegialidade, a reflexão partilhada, a discussão através das lentes teóricas e a
resolução do problema com várias alternativas, nunca se perdendo de vista que o caso tem sempre contexto e
atores que lhe são próprios e que conferem às situações um caráter particular. (Alarcão, 1996)
A própria postura narrativa que as professoras precisaram assumir foi outro aspecto potente da estratégia. No-
vamente, citando Isabel Alarcão, a narrativa do próprio trabalho funciona como uma possibilidade de o professor
melhorar sua capacidade de ver e pensar o que faz.
Acho que a melhor forma de encerrar esta reflexão é com a fala de uma das professoras apresentadoras que, aliás,
entrou na equipe ainda este ano: “Minha sensação é de que na reunião de área eu organizo o que estou fazendo.
Eu tinha a sensação de que estava numa porta giratória, simplesmente dando conta das tarefas do dia a dia da
sala de aula. E essas reuniões organizaram o meu pensamento. Por exemplo, passei a entender a produção dos
meus alunos após entender o que eles estudam no Fundamental 2”.
Referências bibliográficas
Alarcão, Isabel (org.). Formação reflexiva de professores - estratégias de supervisão. Porto, Portugal: Porto Edito-
ra,1996.
Materiais cedidos pela High Tech High, durante a viagem à Califórnia em abril de 2016 e compartilhados com a
equipe da Escola da Vila em julho.
European Common Framework of Reference for Languages. Acesso em 2016. Link ainda ativo em set.17.
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Um MUNDO a sua imagem e semelhança?
Expansão, espoliação e resistência ao processo de formação do mercado mundial capitalista 1840-1914
Fernando Sarti Ferreira
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
1 As tarefas complexas são situações de aprendizagem construídas com o intuito de mobilizar simultaneamente diversos recursos e habilidades, cujos resultados finais podem ser apresentados em múltiplos formatos (seminári-
os, textos, painéis, podcasts etc.). Outra característica fundamental dessas situações é a avaliação em etapas, o que possibilita aos alunos terem uma maior compreensão e controle sobre o processo de construção do conheci-
mento.
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ÍNDICE
Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
Introdução
Este artigo faz um balanço crítico sobre a tarefa com- os seminários separados, o mais comum era se reme-
plexa interdisciplinar de Geografia e História propos- terem ao trabalho apresentado ou textos trabalhados
ta pelos professores dessas matérias e realizada pelos na outra matéria para explicarem melhor um proble-
alunos do 2º Ano do Ensino Médio no primeiro trimes- ma ou aclararem uma colocação.
tre de 2016. Mesmo que a construção dessa atividade
tenha sido beneficiada pelo privilégio da convivência
entre os professores nas reuniões de área e outros es-
paços, e pela proximidade epistemológica entre His-
tória e Geografia (problemas gerais e mecanismos Assim, percebemos que os próprios
comuns), acreditamos que algumas reflexões e pro-
blemas aqui levantados podem servir para ampliar e alunos deram um sentido interdisciplinar
estimular a discussão e a realização de outras ativida- aos seminários, ao identificarem
des interdisciplinares, tanto dentro das áreas especí- por conta própria que, na verdade,
ficas (História, Geografia, Sociologia) quanto entre as estávamos investigando em História
grandes áreas (Ciências Humanas, Ciências Naturais,
Linguagem) – talvez nosso maior e mais importante
e Geografia um mesmo problema,
desafio. utilizando-nos de um mesmo corpus2
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
A questão da interdisciplinaridade
Segundo Hilton Japiassu, a disciplina é “a progres- entre elas. Pode-se entender o currículo atual na área
siva exploração científica especializada numa certa de humanas como uma relação multidisciplinar, ou
área ou domínio homogêneo de estudo [conjunto de seja, cada uma das disciplinas tem um plano de estu-
objetos pelos quais se interessa, postulados teóricos dos e sequências independentes.
fundamentais, de métodos e instrumentos de análi-
se]. Uma disciplina deverá, antes de tudo, estabelecer A segunda forma de interação é a chamada pluridis-
e definir suas fronteiras constituintes”3 . Assim, falar ciplinar, quando a justaposição de diversas discipli-
de interdisciplinaridade é falar de uma determinada nas em um mesmo nível hierárquico serve para expor
interação entre ciências. Se, em grande medida, nas as relações existentes entre elas. Ou seja, diferentes
ciências naturais há um grande acordo sobre os mé- disciplinas são mobilizadas para investigar um obje-
todos a serem utilizados (por exemplo, a matemati- to, apresentando seus resultados sem nenhuma in-
zação da natureza), nas ciências humanas a confusão tegração conceitual ou metodológica. Acreditamos
é a regra, já que a diversificação metodológica impli- que esse seja o caso de alguns trabalhos de campo,
ca a própria fundamentação das disciplinas. nos quais apenas o objeto (o campo) é compartilha-
do por diferentes disciplinas, apenas demonstrando
Nesse sentido, é preciso especificar melhor as for- a multiplicidade de olhares possíveis sobre um mes-
mas de interação possíveis elencadas por Japiassu mo objeto.
com base nas discussões feitas por G. Michaud, H.
Heckhausen, J. Piaget e E. Jantsch e procurar com- Por fim, teríamos a interdisciplinaridade, quan-
preender que grau de interação foi possível realizar do a interação entre as disciplinas não é uma
com essa tarefa. mera adição, mas sim que ao fim desse processo in-
terativo o aprendizado em cada uma das disciplinas
A mais básica forma de interação é a chamada multi- seja enriquecido, ou seja, a interdisciplinaridade deve
disciplinar, ou seja, a justaposição de disciplinas em “religar as fronteiras que haviam sido estabelecidas
JAPIASSU, H. Interdisci- um trabalho determinado, sem implicar necessaria- anteriormente entre as disciplinas com o objetivo pre-
plinaridade e patologia
do saber. Rio de Janeiro:
mente uma coordenação entre elas. Uma variedade ciso de assegurar seu caráter propriamente positivo,
Imago Editorial, 1976. p. de disciplinas que propomos simultaneamente, mas segundo modos particulares e com resultados espe-
61.
JAPIASSU, op. cit., p. 81. sem fazer aparecer as relações que podem existir cíficos”4.
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
Porém é preciso diferenciar também dois níveis de Segundo Japiassu6 , existe uma série de relações pos-
interdisciplinaridade. O primeiro tipo e mais básico é síveis para a construção da interdisciplinaridade, das
a chamada interdisciplinaridade linear, ou seja, que quais selecionamos duas que acreditamos estiveram
ocorre quando duas disciplinas permutam informa- presentes nesse trabalho, a saber:
ções, mas sem rigor metodológico, apenas por inte-
ração associativa ou uma projeção, quase que aci-
dentalmente. _ dependência, ou seja, os fenômenos analisa-
dos e os resultados obtidos em uma das disciplinas
Nesse sentido, acreditamos que esse primeiro nível são essenciais para o trabalho com a outra disciplina.
de interdisciplinaridade já havia sido elaborado de Em nosso caso, é impossível compreender as trans-
maneira autônoma pelos nossos alunos em relação formações políticas, econômicas e sociais europeias
ao primeiro trimestre do segundo ano em História e no século XIX sem ter em conta as transformações no
Geografia5. espaço europeu e colonial (a consolidação dos Esta-
dos nacionais europeus e as novas contradições que
O segundo e superior nível de interdisciplinaridade é
o estrutural, no qual a interação é quase total, uma essa realidade implica são incompreensíveis sem o
vez que os conceitos fundamentais e os métodos são estudo da produção do espaço na região por meio do
compartilhados para a resolução ou investigação de êxodo rural e urbanização, da espoliação campone-
um mesmo problema. Em seu pleno desenvolvimen- sa, da revolução nos transportes etc.).
to, ela pode mesmo produzir uma outra disciplina
(Bioquímica, Psicossociologia etc.). Seria um exagero
_ transespecificidade, ou seja, um arcabou-
afirmar que, na proposta que estamos analisando, se
ço de conceitos com funções semelhantes no interior
Na verdade, é possível estabeleceu uma relação interdisciplinar estrutural,
pensar em diversas situ-
mas com certeza foi criado um ambiente que organi- das disciplinas. Aqui, ambas as sequências estão fun-
ações semelhantes e
que podem ser o ponto
zou e procurou potencializar a articulação linear rea- damentadas pelo instrumental da análise marxista,
de partida para a con-
strução de sequências
lizada pelos alunos, aproximando as discussões dos principalmente dos conceitos de acumulação primi-
didáticas interdisciplin-
ares. dois cursos e colocando as relações entre elas como tiva, reprodução ampliada e desenvolvimento desi-
PIASSU, op. cit., p. 89-
90. objetivo de aprendizagem. gual e combinado.
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
Resultados
A fim de mensurar o impacto que a atividade interdisciplinar teve entre os alunos, realizamos uma enquete por
meio de um Formulário Google. Entre os 39 alunos que responderam o questionário, cerca de 50% afirmaram que
a tarefa os ajudou em ambas as matérias e 20% em pelo menos uma das matérias, sendo que desses alunos 51%
afirmaram ter algum grau de dificuldade em Geografia e 74% em História. Além disso, 29 alunos deixaram um pe-
queno depoimento sobre a experiência. Dentre os depoimentos, destacamos os seguintes:
“A tarefa complexa me ajudou a compreender os dois cursos e sua enorme relação. Como estava com um pouco
de dificuldade nessas duas matérias, essa relação entre os temas me ajudou a entender cada matéria em si”.
Existe nesse depoimento um aspecto que já havíamos identificado e que havia nos inspirado para a construção
dessa atividade: a abordagem conceitual em Geografia ganhava sentido no estudo dos casos específicos. Pode-
mos ver essa relação também nos depoimentos abaixo:
“A primeira tarefa complexa me ajudou bastante a entender principalmente o curso de História, pois me mos-
trou a relação que esse tinha com o de Geografia, onde eu estava entendendo melhor. Um dos principais pro-
blemas que eu estava tendo com o curso de História era entender o porquê que tais eventos aconteciam, e a
tarefa complexa me ajudou muito nesse aspecto. Foi legal também observar os conceitos, muitas vezes mais
abstratos, de Geografia ganharem forma nos eventos estudados. E, pra finalizar, eu sempre gosto de juntar duas
matérias diferentes, pois assim, além de aprofundar mais em um aspecto específico por duas perspectivas di-
ferentes, nos ajuda a lembrar que o mundo real não é tão fragmentado como as dez matérias diferentes dão a
impressão”.7
“A tarefa complexa me fez entender melhor a relação dos textos que lemos ao longo do trimestre com nossa
matéria melhor. Com nosso seminário, vimos situações reais onde os conceitos aprendidos eram apresentados,
e achei essencial para entender tudo por completo.”8
“Em relação às notas, não posso dizer que fui ajudada, porque a apresentação acabou não sendo tão boa e os
resultados não tão satisfatórios para o meu grupo. Mas pensando na proposta em si, eu posso dizer que foi bom
porque o tema se relacionava com os estudos das duas matérias, proporcionando um melhor aprendizado e
entendimento do que estava sendo ensinado. O meu seminário por exemplo, do Amílcar Cabral, como todos os
outros, se relacionava com as duas matérias de maneira que era um exemplo de como o capitalismo, em sua
condição essencial de expansão como via de superar suas crises, fez com que na Era dos Impérios os países
Preservada a escrita do expandissem seus territórios para colônias em outros continentes e como ocorria essa dominação de um lugar
aluno sobre outro. No caso do seminário do meu grupo, era a dominação de Portugal sobre as ilhas de Cabo Verde e
8 idem a Guiné-Bissau”.
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Um mundo a sua imagem e semelhança?
Por Fernando Sarti Ferreira
Por fim, acreditamos que outra forma de avaliar se obtivemos sucesso com a proposta interdisciplinar é o fato de
dois desses trabalhos terem sido inscritos pelos alunos no 2º ICLOC jovem.
Referências bibliográficas
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber, Rio de Janeiro: Imago Editorial, 1976.
DAHLET, Véronique Marie Braun. “O proceder da pesquisa: quais as relações entre problemática, dissertação e
corpus?” Revista Letras, v. 21, n 1, p. 127-132, 2002.
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Contribuições à promoção da
ALFABETIZAÇÃO
CIENTÍFICA
Mauritz Gregório de Vries
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Contribuições à promoção da Alfabetização Científica
Por Mauritz Gregório de Vries
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Contribuições à promoção da Alfabetização Científica
Por Mauritz Gregório de Vries
Introdução
No final do século XIX e início do século XX, pensar sobre 2) uma sociedade que busca desenvolver, no público
ciência e tecnologia era justificado cada vez mais com em geral e também nos cientistas, uma visão opera-
base em sua relevância para a vida contemporânea e cional sofisticada de como são tomadas decisões so-
sua contribuição para um entendimento do mundo. O bre problemas sociais relacionados à ciência e tecno-
conhecimento, portanto, deveria ser compartilhado logia (Roberts, 1991).
por todos os membros da sociedade, alimentando o elo
entre a ciência e o progresso humano (Cerati, 2014). Apesar de, há mais de meio século, os princípios da AC
serem debatidos e estarem presentes nas políticas na-
Partindo-se desse principio, é cada vez mais importante cionais e internacionais de educação, os pesquisadores
pensar na construção de uma educação cidadã, autô- têm se empenhado em consolidar uma definição em
noma e crítica, capaz de formar sujeitos conhecedores meio aos numerosos significados, às perspectivas e à
de sua história e do mundo em que se inserem, e nos abordagem sobre o tema, envolvendo os processos de
afastarmos de uma concepção de ensino tecnicista, vol- produção do conhecimento com levantamento de hi-
tada para a formação de especialistas. póteses, teorias, análise, validação de resultados, até
fatores que dizem respeito a um posicionamento social
A Alfabetização Científica (AC), segundo Mosquera frente ao próprio conhecimento, implicando fatores po-
(2014), é uma necessidade a ser empreendida por ins- líticos, institucionais e culturais, que determinam como
tituições de ensino formais e não formais, que visam à este chega até o público (Cerati, 2014).
construção da cidadania, de modo que as pessoas, em
seu dia a dia, se tornem cada vez mais conscientes do Cerati (2014, p. 77) propôs uma ferramenta de análise
seu papel na sociedade, fazendo uma leitura crítica do para compreensão do processo de Alfabetização Cien-
mundo e de seus problemas locais e globais. Paralela- tífica, inicialmente utilizada em sua pesquisa de ensino
mente, o princípio de educação em Ciência, Tecnologia de ciências em espaços não formais, mais especifica-
e Sociedade (CTS) defende: mente no Jardim Botânico da cidade de São Paulo. Oli-
veira e Marandino (2016) reformularam alguns concei-
1) a ciência como atividade humana que tenta con- tos, definições e atributos, dando maior aplicabilidade
trolar o ambiente e a nós mesmos, e que está intima- e objetividade à ferramenta teórico-metodológica, que
mente relacionada à tecnologia e às questões sociais; pode ser utilizada em diferentes espaços.
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Contribuições à promoção da Alfabetização Científica
Por Mauritz Gregório de Vries
O presente texto, portanto, faz uso dessa ferramenta te- quais uma pessoa lança mão para interagir com seu
mundo e os conhecimentos dele. No entanto, usare-
órico-metodológica de Alfabetização Científica, de modo
mos o termo “alfabetização científica” para designar as
adaptado, e buscou identificar quais os indicadores e ideias que temos em mente e que objetivamos ao pla-
atributos de AC estão contidos nos diálogos estabeleci- nejar um ensino que permita aos alunos interagir
dos entre o convidado agricultor orgânico e os estudan- com uma nova cultura, com uma nova forma de ver o
tes, como forma de sistematizar a contribuição da ativi- mundo e seus acontecimentos, podendo modificá-los
e a si próprios através da prática consciente propicia-
dade no espaço escolar. Apesar de tal atividade ter sido da por sua interação, cerceada de saberes de noções e
realizada em espaço formal de ensino, acreditamos que conhecimentos científicos, bem como das habilidades
ela se distancia bastante das dinâmicas convencionais, associadas ao fazer científico”2. (Grifos meus.)
de modo que tal ferramenta possa ser mais potente na
análise desejada. Essa concepção defendida pelas autoras nos leva a res-
ponder à seguinte pergunta, proposta por Bybee e Debo-
er (1994): “Que ciência deveria ser aprendida e por que
Princípios da alfabetização científica os estudantes deveriam aprender ciências?”. Esses mes-
mos autores defendem que “o currículo de ciências deve
Há um debate sobre a própria definição do conceito de ser relevante para a vida de todos os estudantes, e não só
alfabetização científica, uma vez que o correspondente para aqueles que pretendem seguir carreiras científicas,
em inglês “Scientific Literacy” é traduzido também como e os métodos de instrução devem demonstrar cuidados
letramento científico. para a diversidade de habilidades e interesses dos estu-
dantes” (grifos meus), de modo que o indivíduo alfabeti-
Lúcia Sasseron e Anna Maria de Carvalho (2011) afirmam: zado cientificamente “deve ter conhecimentos suficien-
Esta e as demais ci-
tações desta seção
tes de vários campos e saber sobre como esses estudos
“[...] uma concepção de ensino de Ciências que pode
encontram-se em Sas-
seron, L. H.; Carvalho, ser vista como um processo de ‘enculturação científi- se transformam em adventos para a sociedade”. Com a
A. M. P. Alfabetização
científica: uma re-
ca’ dos alunos, no qual esperaríamos promover condi- mesma preocupação de buscar relacionar a aprendiza-
visão bibliográfica. ções para que os alunos fossem inseridos em mais uma gem com o contexto social, Maria Pilar Jiménez-Aleixan-
Investigações em En- cultura, a cultura científica. Tal concepção também po-
sino de Ciências (On-
deria ser entendida como um ‘letramento científico’, dre (2004) concebe a Alfabetização Científica como es-
line), v. 16, p. 59-77,
2011. se a considerarmos como o conjunto de práticas às sencial para a participação na prática social.
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Por Mauritz Gregório de Vries
Ela distingue a racionalidade instrumental como aque- Ele cita os critérios propostos pela Associação de Profes-
la ligada ao caráter técnico da resolução de problemas sores de Ciências dos Estados Unidos (NSTA).
práticos, enquanto a racionalidade crítica busca tecer re-
lações considerando distintos argumentos e evidências Uma pessoa alfabetizada científica e tecnologicamente:
e preocupando-se com os desdobramentos sociais, am- 1. Utiliza os conceitos científicos e é capaz de integrar valores, e sabe
fazer por tomar decisões responsáveis no dia a dia.
bientais, econômicos e/ou políticos das soluções alcan-
2. Compreende que a sociedade exerce controle sobre as ciências e
çadas. Jiménez-Aleixandre propõe, então, que o ensino as tecnologias, bem como as ciências e as tecnologias refletem a so-
de Ciências dê condições para que os alunos entrem em ciedade.
contato com os conhecimentos científicos, localizando- 3. Compreende que a sociedade exerce controle sobre as ciências e
as tecnologias por meio do viés das subvenções que a elas concede.
-os socialmente, com o propósito de criar condições para
4. Reconhece, também, os limites da utilidade das ciências e das tec-
que participem das decisões referentes a problemas que nologias para o progresso do bem-estar humano.
os afligem. A autora clama, pois, por um currículo de Ci- 5. Conhece os principais conceitos, hipóteses e teorias científicas, e é
ências “como um organismo mais do que uma justaposi- capaz de aplicá-los.
6. Aprecia as ciências e as tecnologias pela estimulação intelectual
ção de elementos”, rompendo com a ideia de disciplinas
que elas suscitam.
“engessadas” que não dialogam entre si, e almejando, 7. Compreende que a produção dos saberes científicos depende, ao
com isso, a aprendizagem como participação na prática mesmo tempo, de processos de pesquisa e de conceitos teóricos.
social. 8. Realiza a distinção entre os resultados científicos e a opinião pes-
soal.
9. Reconhece a origem da ciência e compreende que o saber científi-
Reforça-se, assim, o pressuposto de que o ensino de Ciên- co é provisório e sujeito a mudanças, a depender do acúmulo de re-
cias pode e deve partir de atividades problematizadoras, sultados.
cujas temáticas sejam capazes de relacionar e conciliar 10. Compreende as aplicações das tecnologias e as decisões implica-
das nessas utilizações.
diferentes áreas e esferas da vida de todos nós, ambicio- 11. Possui suficientes saberes e experiência para apreciar o valor da
nando olhar para as ciências e seus produtos como ele- pesquisa e do desenvolvimento tecnológico.
mentos presentes em nosso dia a dia, e que, portanto, 12. Extrai da formação científica uma visão de mundo mais rica e in-
apresentam estreita relação com nossa vida (Sasseron e teressante.
13. Conhece as fontes válidas de informação científica e tecnológica
Carvalho, 2011). Gérard Fourez (1994) apresenta algumas e recorre a elas quando diante de situações de tomada de decisões.
das habilidades que considera necessárias para a clas- 14. Apresenta uma certa compreensão da maneira como as ciências e
sificação de uma pessoa alfabetizada cientificamente. as tecnologias foram produzidas ao longo da história.
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Por Mauritz Gregório de Vries
Currículo CTS
Nessa seção revisarei o currículo CTS na área de ci- é preciso refletir com profundidade o propósito de
ências naturais para o Ensino Médio, que está sendo ensino e, assim, a estrutura do nosso currículo vi-
elaborado, como referido em artigo escrito para o gente. Atualmente, defendemos que não é o domí-
Simpósio de 20153. Procuro promover a ideia de alfa- nio técnico que forma cidadãos autônomos e críticos
betização científica, e a atividade aqui analisada teve diante de situações sociais que são influenciadas por
como embasamento as concepções desse currículo, conhecimentos científicos e tecnológicos.
que assim se definem: O currículo CTS busca descontruir as visões ingênuas
associadas à natureza da ciência. Podemos dizer que
“A expressão ‘ciência, tecnologia e sociedade’ (CTS) seu objetivo é a alfabetização de amplos segmen-
procura definir um campo de trabalho acadêmico cujo
tos sociais em uma perspectiva crítica, apresentan-
objeto de estudo está constituído pelos aspectos so-
ciais da ciência e da tecnologia, tanto no que concerne do uma imagem de ciência e tecnologia relacionada
aos fatores sociais que influem na mudança científi- diretamente ao contexto social (Bazzo et al., 2003).
co-tecnológica, como no que diz respeito às consequ- Ainda de acordo com esses autores, diferentes pro-
ências sociais e ambientais.” (Bazzo et al., 2003) gramas inserem o currículo CTS em gradações dife-
rentes, desde contextualizações esporádicas até o
Nele, considera-se que a sociedade contemporânea é estudo puro das relações CTS. Já a atividade apre-
permeada pela ciência e tecnologia, de tal modo que sentada nesse trabalho, a Tarefa Complexa sobre
esta influencia e é influenciada pelas mesmas. Entre- Modelos de Agricultura, busca se aproximar do nível
tanto, desenvolveu-se nesse contexto uma fé pela ci- denominado “ciência e tecnologia através de CTS”,
ência, na razão, ou seja, no progresso, de modo que em que unidades são construídas com o intuito de
mitos foram se fortalecendo como a neutralidade da apresentar problemas básicos relacionados aos fu-
ciência e esta, isolada, como uma possível promoto- turos papéis dos estudantes como consumidores, ci-
ra da resolução de todos os males sociais (Santos e dadãos, profissionais e, a partir daí, é selecionado e
Mortimer, 2002). estruturado o conhecimento científico e tecnológico
necessário para que o estudante seja capaz de enten-
Os currículos de ciência têm sido reelaborados de der, tomar decisões ou entender diferentes pontos
forma a responder às necessidades da sociedade de vista sobre o problema social relacionado com a
Artigo publicado em
Conversa de Professor 5. sobre a formação científica. Diante dessa realidade ciência e tecnologia.
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Santos (2008) apresenta uma diversidade de autores em geral, os espaços de aprendizagem, sendo que a
que buscam definir o que são currículos CTS e qual é resolução dos problemas compreenderia o consen-
o papel de professores e alunos nesse processo. so e a negociação, assim como assumir o conflito
Entre os autores citados, destacamos Roberts (1991) permanente em que o professor deva proporcionar
que defende: 1) ciência como atividade humana que materiais conceituais e empíricos aos alunos para a
tenta controlar o ambiente e a nós mesmos, e que é construção de pontes argumentativas.
intimamente relacionada à tecnologia e às questões
sociais; 2) sociedade que busca desenvolver, no pú- Por último, Waks (1990) citado por Bazzo et al. (2003),
blico em geral e também nos cientistas, uma visão sistematiza algumas virtudes dos cursos de ciências
operacional sofisticada de como são tomadas deci- através de CTS: 1) os alunos com problemas nas dis-
sões sobre problemas sociais relacionados à ciência ciplinas de ciências aprendem conceitos científicos
e tecnologia; 3) aluno como alguém que seja prepa- e tecnológicos úteis a partir desse tipo de curso; 2)
rado para tomar decisões inteligentes e que compre- a aprendizagem é mais fácil devido ao fato de que o
enda a base científica da tecnologia e a base prática conteúdo está situado num contexto de questões fa-
das decisões; e 4) professor como aquele que desen- miliares e está relacionado com experiências extra-
volve o conhecimento e o comprometimento com as escolares dos alunos; 3) o trabalho acadêmico está
inter-relações complexas entre ciência, tecnologia e relacionado diretamente com o futuro papel dos es-
decisões. tudantes como cidadãos.
Observamos que fica clara a defesa pelo protago- É muito comum encontrarmos no ambiente escolar
nismo dos estudantes no processo de compreensão um conjunto de alunos que se identifica com o lado
e tomada de decisões, e do professor como media- mais abstrato, quantitativo e descontextualizado da
dor, que seleciona, hierarquiza, estimula as discus- Química. Contudo, isso difere da atitude da maioria
sões, pondera, corrige, entre outros procedimentos. dos adolescentes que, diante da dificuldade de en-
Bazzo et al. (2003) também apresentam elementos frentar um curso com tais características, questionam
sobre o que denominam “didática”, defendendo que o sentido de se estudar a disciplina e sobre quando
o professor deva promover a atitude criativa, crítica, e onde irão aplicar esses conhecimentos, que não se
Artigo publicado em
Conversa de Professor 5. na perspectiva de construir coletivamente a aula e, conectam aparentemente com nada da realidade.
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No entanto, tal como a abordagem cognitivista nos per- de outras áreas, concluem no Ensino Médio a sua for-
mite perseguir uma aprendizagem significativa pelas co- mação científica. Nesse sentido, nessa tarefa complexa,
nexões dos conceitos entre si, a abordagem contextua- procuramos solicitar em um mesmo tema de pesqui-
lizada possibilita uma aprendizagem significativa pelas sa uma diversidade de conteúdos que permita atingir o
relações entre os conceitos e os fenômenos reais, as apli- maior número possível de estudantes. Porém, é impor-
cações tecnológicas e as questões ambientais, sociais e tante monitorar a integração entre contexto e conceito
políticas da produção e utilização do conhecimento cien- para que a aprendizagem seja significativa, atingindo
tífico. assim os propósitos de uma educação científica básica.
Entretanto, apesar de nos últimos anos uma concepção
de ensino próxima ao que é defendido pela alfabetiza-
ção científica e currículo CTS ter se fortalecido em escala
Acreditamos que as ideias nacional, fomos surpreendidos com propostas políticas
de campanhas como “escola sem partido” bastante impactantes nos últimos meses, que põem em
risco uma ideia de universalização do ensino de ciências
e a proposta apresentada por medida com a finalidade última de formar cidadãos preparados
provisória no segundo semestre e críticos para se situar em questões relativas à ciência
de 2016 defendem um currículo e tecnologia. Acreditamos que as ideias de campanhas
de caráter mais tecnicista e não crítico. como “escola sem partido” e a proposta apresentada por
medida provisória no segundo semestre de 2016 defen-
Buscar uma integração efetiva entre conceitos e con- dem um currículo de caráter mais tecnicista e não crítico.
textos no curso de Química responde aos jovens sobre
o porquê da importância de estudar esta disciplina e, Reconhecemos que, tradicionalmente, o currículo de ci-
mais do que isso, viabiliza a construção de um panora- ências tem tido pouca reflexão sobre sua função, e for-
ma do que é a Ciência no mundo contemporâneo e suas talecido um caráter propedêutico, mas acreditamos
relações com as outras atividades e preocupações hu- que o caminho seja sua mudança e não sua adaptação
manas; referência esta muito importante para todos os a um tipo de escola com as características mencionadas
alunos que, dirigindo-se mais tarde a cursos superiores anteriormente.
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Contribuições à promoção da Alfabetização Científica
Por Mauritz Gregório de Vries
Objetivos
A tarefa complexa sobre modelos de agricultura comentados neste texto teve como base os princípios do currí-
culo CTS, organizado em três etapas:
1ª etapa: Pesquisa
Parte A: Estrutura química e função das células (com foco aos vegetais).
Parte B: Modelos de agricultura.
O objetivo deste artigo é compreender como a atividade realizada na terceira etapa, constituída por uma mesa-
-redonda com o agricultor orgânico e realizada com cada uma das três turmas, no tempo de uma aula, contri-
buiu para a promoção da alfabetização científica.
A dinâmica dessa atividade, basicamente, foi a de uma breve apresentação pessoal e profissional do partici-
pante, seguida de uma rodada de perguntas, sendo obrigatória uma para cada um dos grupos fixos. Essa ativi-
dade foi gravada, e duas das três salas foram analisadas: 41 minutos na sala 1, e 33 minutos na sala 2.
Para essa análise, transcrevemos as questões dos alunos que estavam presentes nas gravações nas duas tur-
mas, e procuramos identificar nessas falas os elementos relacionados à alfabetização científica, a partir do
uso da ferramenta teórico-metodológica de alfabetização científica adaptada. Ainda com base nessa ferra-
menta, apresentamos algumas observações da participação do agricultor convidado e, por último, descre-
vemos um trecho de conversação entre alunos e visitante para melhor exemplificar essa parte do processo,
conforme segue.
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O indicador 2 (Interface Social) ressalta a dimensão da interface entre ciência, tecnologia, inovação e sociedade,
expressando aspectos tanto da influência e impactos da CT na sociedade, como da influência e da participação
da sociedade diante da CT. Considera, ainda, a legitimidade de outras formas de conhecimento e de saberes
tradicionais/locais nas pesquisas. Este indicador incorpora a opinião e a efetiva participação da sociedade, tan-
to na origem e desenvolvimento das pesquisas, como diante de seus resultados. Adicionamos o item “d” para
indicar a presença de elementos institucionais nas questões apresentadas.
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a - Sentimentos e afetividade
Indicador de
Indicador Estético b - Interação, diálogo, apreciação e contemplação
-afetivo-cognitivo
c - Percepção/motivação
Em relação ao indicador 3, fizemos uma análise mais geral de como a atividade contribuiu para os atributos
associados a ele, e não para cada uma das questões, como a realizada para os indicadores 1 e 2.
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Sala 2
1. Eu queria saber como funciona a agricultura rota- ser só saudáveis, mas com leis melhores para re-
tiva. plantio, você acha que seria possível, que seria
benéfico?
2. A gente sabe que a agricultura orgânica é um pro-
cesso mais natural, proporciona melhor absorção 7. Você acha que falta uma conscientização da po-
dos nutrientes, o problema da eutrofização. Mas pulação brasileira sobre o uso de transgênicos e a
a gente sabe que é um processo muito complexo agricultura orgânica?
e caro, mas na sua opinião a agricultura orgânica 8. Tem diferença no desenvolvimento da planta se
pode se tornar uma opção para todo o país? ela é plantada ao ar livre ou em estufas?
3. Tendo em vista a regulamentação sobre o uso de 9. Quais são os benefícios e malefícios para o peque-
agrotóxicos em nosso país, você acha que ela é se- no agricultor que começa com a plantação de trans-
guida na prática ou tem muita gente que burla essas gênicos?
regras?
10. É possível que haja contaminação de agrotóxi-
4. Vocês não usam nenhum tipo de agrotóxico na cos em uma plantação orgânica?
agricultura orgânica? Se não, como lidam com as 11. Mas se houvesse a intenção de realizar agricultu-
pragas? ra orgânica em nível nacional, de onde se retirariam
5. Eu tenho um sítio em Minas Gerais e conheço um esses materiais para adubar?
agricultor que buscou mudar sua produção para 12. Eu queria saber como você compete com os agri-
agricultura orgânica e teve muito prejuízo com o ata- cultores convencionais.
que das pragas. Eu queria saber quais são as vanta-
13. Se eu quero iniciar uma horta orgânica, o alimen-
gens financeiras do agricultor orgânico, se tem mais
to deixa de ser orgânico se eu compostar alimentos
desvantagens, enfim, por ter o selo orgânico.
plantados da maneira convencional?
6. Você acha que seria possível se fizessem pesqui-
sas suficientes, testes suficientes, conseguissem As Tabelas 1 e 2 (a seguir) apresentam os indicadores
fazer no futuro uma tecnologia mais avançada, e atributos presentes nas questões dos estudantes
alimentos transgênicos que conseguissem não de cada sala, respectivamente.
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1 - Indicador 1, 3, 5 ,6, 3, 4, 5, 6 3 _ _
Científico ou 7, 9, 10,
de Produção de 11, 14,
Conhecimento
15
2 - Indicador de 1, 2, 3, 4, 2, 8, 11 1, 13 _
Interface Social 8, 10 12, 13
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1 - Indicador 1, 4, 8, 6 6 _ _
Científico ou 10, 11, 13
de Produção de
Conhecimento
2 - Indicador de 2, 6, 9, 11 3, 5, 12 3, 7 6
Interface Social
A seguir
consta um diálogo
estabelecido entre
um aluno (A) e o
convidado (P).
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A: A gente viu que um dos principais problemas da agricultura orgânica é controlar o número
de nutrientes, porque você não tem como saber se tem pouco ou se tem muito [no solo]. Que
mecanismo você tem para controlar se está adequado ou não o número de nutrientes que você
está fornecendo?
P: O jeito que se faz é a análise química dos solos. Em uma área como a desta sala você faz pequenos buracos, tem várias cama-
das que você pode pegar de 0 a 20 cm de 20 a 40 cm e você não pega de um ponto só, pega meio aleatório, pega de vários pontos,
mistura e manda para o laboratório. O laboratório te responde dizendo que o pH está tal, está com deficiência de boro em x%, e a
partir dessa análise você vai corrigindo, e no próximo ano você repete o teste.
A: Mas para a agricultura familiar essa análise não pode ser meio cara? Eles não têm tanto
capital, eles fazem essa análise?
P: A Emater, que é órgão do governo, muitas vezes ajuda a fazer essas análises, mas há vários órgãos que também ajudam. Mas,
se você não quiser, outra maneira interessante de ver como está a sua terra é com as dicas das plantas espontâneas, plantas que
nascem naturalmente no seu canteiro. Ah! Nasceu caruru é indicador de solo fértil, rico em nitrogênio; nasceu urtiga é solo fértil,
rico em ferro.
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Considerações
Em relação às Tabelas 1 e 2, pudemos observar que, Como foi exemplificado pelo trecho de diálogo apre-
em ambas as salas, as perguntas contemplaram sentado, observamos que ocorre a transição entre os
principalmente: diferentes atributos e indicadores, pois a conversa
pode ter início com uma questão mais técnica ou con-
1. Em relação ao indicador 1, o atributo “a” (Conhe- ceitual e ser relacionada a impactos sociais, e o con-
cimentos e conceitos científicos e suas definições). trário também ocorre.
2. Em relação ao indicador 2, os atributos “a” (Im- Essa transição é bastante importante, pois a fragmen-
pactos da ciência na sociedade) e “b” (Influência da tação, ou seja, as discussões conceituais separadas
economia e política na ciência). das discussões sociopolíticas não contribuem para a
consolidação de um currículo coerente.
O alto índice de presença do indicador e atributo “1.a”
nos leva a concluir que os estudantes buscam realizar De modo geral, acreditamos que esse tipo de ativida-
frequentemente questões envolvendo conceitos cien- de contribui para que os estudantes possam discutir
tíficos, ou seja, buscam do convidado respostas técni- de modo mais integrado as relações de ciência, tecno-
cas e conceituais. logia e sociedade, sendo a plateia real um mediador
importante no processo. É necessário, entretanto, que
O indicador e o atributo “2.a” e “2.b”, com frequência os princípios de alfabetização científica sejam bem
um pouco menor, nos ajudam a concluir que os estu- trabalhados para motivar os estudantes a construírem
dantes aproveitam o espaço para discutir relações so- questões interdisciplinares e com caráter político-eco-
ciais, políticas e econômicas na atividade. nômico-social com maior frequência, tornando o ensi-
Entretanto, considerando o tipo de atividade mais no de ciências significativo nas questões da vida real
aberta, com a presença de uma plateia real e o indi- dos indivíduos.
cador e atributo mais contemplado ainda ser o de ca-
ráter conceitual, sugere que os estudantes estão se
apropriando do currículo de maneira gradual, mas que
aproveitam a atividade para diversificar a abordagem
do trabalho.
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Contribuições à promoção da Alfabetização Científica
Por Mauritz Gregório de Vries
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?”
língua, cultura e REPRESENTAÇÃO
Deborah Melo
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Introdução
No presente artigo procuro discutir e refletir sobre as Malcolm versus Martin Luther King Jr., que devem ser
formas pelas quais o projeto de tradução para o inglês transcritos, traduzidos, legendados e analisados, le-
de trechos do livro Capitães da Areia, de Jorge Ama- vando em consideração as dimensões políticas, cul-
do, realizado com alunos do segundo ano do Ensino turais, sociais, religiosas e linguísticas. São muitas as
Médio, contribuiu para o desenvolvimento de um am- discussões propostas e realizadas durante a tarefa: o
biente favorável à aprendizagem. A proposta foi pen- papel do contexto no entendimento do discurso oral;
sada como uma maneira de ampliar as reflexões dos a tradução não como um ato neutro, mas como um
alunos acerca do entendimento da língua como cul- ato deliberado, que reflete uma escolha e um posi-
tura, e o papel da tradução. Além disso, em diferen- cionamento; a possibilidade de se comunicar em ou-
tes etapas, os alunos atuaram em papéis distintos, de tra língua. As diferenças formais entre as línguas e as
produtores e revisores, a fim de estimular a autono- possibilidades e/ou os limites que surgem são alguns
mia e a compreensão de seu próprio processo. exemplos de tópicos que surgiram.1
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Desenvolvimento
Apesar de muitas das bases teóricas já terem sido lan- essas posições são discutidas e postas em conflito. A
çadas aos alunos, o desenvolvimento desse projeto frase foi retomada como proposta de produção escri-
começou com uma contextualização, retomando uma ta na prova trimestral.
frase que havíamos discutido brevemente em aulas
anteriores, do poeta e romancista Alexander Pushkin, A seguir, trechos de dois exemplos de produções dos
“Please, never despise the translator. He’s the mailman alunos em relação a esses posicionamentos:
of human civilization”, que coloca o tradutor como
aquele que estaria conectando as diferentes culturas [...] Language is the result of a cultural process that’s
still happening; it’s what gives us the ability to commu-
que formam a civilização humana. nicate among ourselves and with others. But, how can
you communicate with someone if you don’t unders-
Os alunos concordaram com a frase, ressaltando as tand their language? Well, that’s why translators and
possibilidades de conhecimento que são trazidas pela subtitlers are so important. It’s because of them that
people all around the world can connect to each other,
tradução, nomeando dezenas de produções culturais understand and know each other. […] Knowledge flows
que só temos acesso graças ao trabalho desses pro- through translation, so that language is power. In Har-
fissionais, que não devem ser esquecidos ou renega- ry Potter it is said that “Words are our endless source
of Magic”. And how do I know that? Translation! There-
dos. Mas ela é também questionada: “O que seria essa fore, the translator is a mediator, the mailman of civili-
civilização da qual ele fala e qual ideia de tradução zation, because it’s though them, and thanks to them,
está em jogo? Para que essa civilização humana seja that knowledge, information and culture flow around
the world.
conectada há um lugar de origem e um lugar de des-
tino, certamente, que constituem um fluxo por onde […] The job of the mailman is to transport intact infor-
certo tipo de conhecimento circula. Que lugares e que mation from source to target, and that is not what ha-
conhecimentos são esses? A comparação com um car- ppens with the translator. When translating something,
you are not only changing its language, but selecting
teiro reflete a ideia da tradução como um trabalho de meanings of the source to be expressed. […] For this
transmissão de informação, sem que haja qualquer reason, the translator cannot be seen as a common
influência do tradutor no processo”. mailman, but as a mailman that opens your letters and
rewrites them. They often do it with the best intentions,
for the receiver to understand better what is being said.
Ao longo do segundo trimestre, tanto no Projeto Inte- However, the power in their hands is not something to
grado quanto no projeto a que estamos nos referindo, be ignored.”
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ÍNDICE
“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
A problematização desse fluxo de conhecimento, de Iracema, de José de Alencar, para o português, isso
permitido pela tradução, possibilitou a discussão da sem que eles soubessem qual era o texto, ou seja, fo-
relação entre língua e poder, levou à reflexão de por ram apresentados a um trecho de uma obra literária
que somos expostos a certos produtos culturais, e so- em inglês, que teriam de traduzir para o português. Na
bre como o que consideramos nossa própria cultura sequência comparamos as versões produzidas a par-
é transmitida ou representada em língua estrangeira. tir do inglês com a original, chamando atenção para a
A quem cabe a tradução de uma cultura? Desde o iní- construção de frases, a estrutura sintática, a escolha
cio do projeto foi deixado claro que se tratava de um de palavras, e a tradução de aspectos culturais.
exercício puramente pedagógico, dado que em um
contexto de comunicação real, tradutores não costu- Um exemplo que chamou a atenção foi a tradução de
mam traduzir sua língua materna, mas, sim, sua lín- o que constava no original como “alvas praias” para
gua estrangeira para sua língua materna. Ainda assim, “snowy beaches” no inglês, resultando na tradução,
considerando que a língua estrangeira representa um por diferentes grupos, para “praias nevadas”, “praias
de neve”, “praias brancas como a neve”, “praia de areia
aspecto de distinção social, discutimos as possibili-
branca”, evidenciando a percepção da neve como re-
dades que eles, os alunos, como falantes de língua es-
ferência cultural determinante nesse caso. Por meio
trangeira, têm em relação a serem produtores desse
dessa atividade e da leitura de uma entrevista com
conhecimento que circula, tendo o poder de alterar
uma das tradutoras da obra de Clarice Lispector para
os fluxos dessa circulação, mesmo que de maneira
o inglês, assim como da comparação entre legenda-
amadora. gem e tradução, chegou-se à conclusão de que, além
dos aspectos culturais, a gramática era muito impor-
Uma vez apresentado o projeto, surgiram as dúvidas: tante na tradução de textos literários. Uma das alunas
“Como traduzir palavras do português que não têm respondeu à pergunta sobre a diferença da legenda
significado em inglês? Ou como manter o valor literá- para a tradução com a seguinte formulação:
rio da obra em outra língua?”.
Um primeiro exercício para que os alunos adquirissem The translator needs more knowledge on grammar than a subti-
tler, because even though both need to think about the meaning in
mais consciência das diferenças entre as línguas foi different situations, the translator has more difficulty in regarding
a proposta de tradução da versão em língua inglesa the grammar.
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Sand Captains, ou Captains of the Sand os aspectos a serem considerados caso se decidissem
pela tradução ou não, alguns optaram pela tradução
Com tudo isso em mente, os alunos foram divididos literal, outros por não traduzir, outros pela tradução
em grupos e receberam os trechos a serem traduzidos. dos possíveis significados dos nomes, e outros, ainda,
Muitas questões surgiram, então: “Como é Trapiche pela não tradução, mas utilizando nota de rodapé para
em inglês?”, “Como é Umbanda em inglês?”, “Como é explicar o sentido das palavras na língua-fonte. Alguns
Pedro Bala em inglês?” ou, ainda, “Aqui ele usa o pre- exemplos de tradução em relação ao nome dos perso-
nagens, um dos tópicos mais discutidos:
sente, mas em inglês fica no passado, né?”, “Parece que
a frase é invertida quando a gente passa do português
Pedro Bala - Bullet Peter, Peter Bullet, Bullet Paul.
para o inglês”.
João Grande - Big Joe.
Sem-Pernas - Legless, Limp.
Os alunos se envolveram em dúvidas a respeito do vo-
Gato - Cat, Posh.
cabulário, da estrutura gramatical e do significado que
Boa-Vida - Good Life, Easy-Peasy.
estariam construindo. Grande parte das discussões Volta Seca - Little Dixie.
girou em torno do que precisava ser traduzido e do Pirulito - Lollipop, Skinny Joe.
que poderia ficar em português, por representar algo
muito singular da cultura brasileira: o nome dos per- Exemplos de notas de rodapé de um grupo que optou
sonagens, termos religiosos, lugares na cidade, pala- pela não tradução:
vras como “negrinho”, nomes de comidas típicas como
“canjica” ou “rapadura”, e personagens da história,
como Lampião e Zumbi dos Palmares.
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
A seguir, um exemplo do texto original e da tradução realizada por um dos grupos, considerados mais
experientes no uso da língua.
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Reformatory:
Peter Bullet found himself in that room wondering what would happen to him.
No guard came. A pair of cops, one investigator and the reformatory’s director appeared instead. And they locked
the room. The investigator said in a disgusting giggle:
“Now the journalists are gone, kid. Now you’re gonna spit it out, whether you like it or not.”
The director laught:
“You bet he’ll talk.”
The investigator kept going:
“Where do you and your gang sleep?”
Peter Bullet stared at him with hate:
“If you think I’m gonna speak...”
“Oh, you will...”
“You better sit still.”
He turned aside. Behind his back, the director made a sign for the cops. Bullet felt two whips at once burning his
skin, while the investigator’s foot hit his face. He fell in the ground, cursing.
“No talking?” - asked the director - “That’s just the beginning.”
“No” - that was all he answered.
Now they hit him from every side. Floggings, punches, slaps. The reformatory's director stood up, kicking him. Peter
Bullet slid to the other side of the room. He didn't get up. The soldiers vibrated the whips. The images of Big John, Smarty,
Legless, Swindler, Wanderer came into his head. All of them counted on him. Their safety relied on his bravery. He was
their leader, he couldn't betray them. He remembered what happened earlier. He made the others get away, even though
he was in jail too. He felt the pride growing inside him. He wouldn't speak, he would escape, would free Dora. It was going
to be an eye for an eye… And they were the ones who would become blind.
Destaco algumas escolhas realizadas, de maneira consciente, que representam a preocupação com a tradução,
que se aproximam tanto do significado quanto do valor literário.
“Quando o levaram para aquela sala, Pedro Bala calculava o que o esperava” foi assim traduzido: “Peter Bullet found himself in that room won-
dering what would happen to him”, que representa uma pequena alteração de sentido, mas preserva, por exemplo, a aliteração “calculava, esper-
ava” em “wondering what would”; a tradução de “Pode esperar deitado” para “You better sit still”, que consegue comunicar a ideia na língua-alvo;
e a tradução de “E se vingaria... Se vingaria...” para “It was going to be an eye for an eye... And they were the ones who would become blind”, que
altera a frase original, mas que é uma tradução possível, considerando o sentido do que é dito e a tentativa de
produção de um efeito metafórico.
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Chamo a atenção para o tipo de correção, que trata do uso de vocabulário, como a sugestão de substituir “sir”
por “mister” e “st” por “street”; a correção do uso de tempos verbais, em “understood” e “sat”; a classe gramatical
de palavras na correção do uso de “to” em “too”; e ainda a preocupação com o sentido da frase na língua inglesa.
Destaco, também, a forma pela qual esses alunos se expressaram, com a utilização da estrutura “would”, manten-
do o respeito pelo trabalho dos colegas.
Segue o mesmo texto2 , em sua versão final, com as correções sugeridas pelos colegas.
coming back from the adventures in the city. Or her eyes full of love, the fever burning her face, the hands
calling her lover for the first and last time. Now the Professor looked the Trapiche* as a frame without a
paint. Useless. It didn’t have a meaning anymore. Way to terrible. He changed too much after her death.
Walked alone and quiet, never smiling, and started having relations with that sir, which, while he was pas-
sing by the Chile St.. talked to him, gave him a cigarette and his address.
This night Professor didn’t light up his candle, didn’t open a story book. Stayed quiet when Big John sit
up next to him. Arranged his things in a pack. Almost everything was a book. Big John was looking without
saying anything, but he understand it, even with everyone saying that there was no one stupid as him. But
when Peter Bullet arrived and seat also by his side and offered him a cigarette,
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Além de revisar o texto dos colegas, foi pedido aos alunos que escrevessem um parágrafo refletindo sobre a expe-
riência proporcionada pela atividade, levantando dificuldades e desafios do trabalho realizado.
O parágrafo a seguir foi escrito por um grupo de alunos mais experientes no uso da língua inglesa:
“Firstly, the hardest part was to translate specific words of the Portuguese language and Brazilian culture used in
the book, such as “cabrocha”, “negrinha” and “areal”, which don´t have a specific translation to English, or in the
case of negrinha the most accurate translation is considered an offensive slang in the English language. Secon-
dly, considering the century and region where the story happens, it is quite hard to translate a few sentences in
which the character grammatically refers to a certain tense, but when you analyze the context they were actually
referring to another. An example of this situation is the phrase Pedro Bala says “Agora tu pode ir, ninguém te faz
mal.” Grammatically he refers to the present when he says “ninguém TE FAZ mal”, but analyzing the context we
concluded he was talking about the future, therefore the most accurate translation to it would be “no one WILL
harm you.”
Eles chamam a atenção para as questões de vocabulário, relacionadas à cultura brasileira, assim como ao uso
das estruturas gramaticais, que ganham sentido a partir da análise do contexto.
Esse exemplo, de outro grupo, reflete a escolha da tradução de substantivos, na maior parte, e a importância do
trabalho de pesquisa que deve preceder a escolha das traduções.
“In our translation we faced lots of difficulties, such as translating the names of the characters in a creative way. However, our major difficulty was
to transform terms that are socially determined, an example of that is the meaning of the word “negro” in Portuguese and the sound of it in English,
“nigger”. So we conclude, after actually translating, that to translate something we need to search about the social meaning of that specific word.”
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
Conclusão
Ao final do projeto foi realizada uma pesquisa com os alunos, com o objetivo de investigar quais teriam sido suas
impressões sobre as diferentes etapas. Quanto às discussões, eis algumas das respostas:
“Our discussions in class helped me translate because I realized that translating is more than translating words, we have to be careful about cultu-
ral identity and not to reinforce stereotypes from one culture to another”
“Our discussions helped us see that translation was more than just translating words, and that choices have to be made and researches had to be
done in order to have a good, understandable translation, losing the less of the original text or film as possible.”
“It helped because I tried always to keep the literary factors in mind. In others words, if we hadn’t discussed the importance of keeping the meaning
even though the form changes, I would probably do a literal translation.”
Perguntados sobre o que teriam aprendido com o trabalho do trimestre, a maioria respondeu ter aumentado o
vocabulário e a compreensão de que algumas estruturas são próprias de cada língua. A seguinte resposta é um
exemplo:
“It probably amplified my vocabulary and forced me to always think how to say things in English: there are some sentence’s constructions that are
proper of the Brazilian language, and to turn it into a proper English sentence is the real challenge.”
Alguns alunos comentaram que acharam a proposta muito desafiadora, pois uma vez tendo dificuldades com a
língua estrangeira, a complexidade do texto escolhido trouxe frustrações, já que se sentiram sem recursos para
realizar uma boa tradução. Outros comentaram, ainda, que queriam mais tempo para desenvolver uma pesquisa
mais precisa e conseguir realizar uma tradução mais bem-feita. Assim, a reflexão a ser feita para a continuidade do
projeto pode estar, então, tanto na escolha do texto a ser traduzido, pensando em maneiras de oferecer desafios
possíveis para todos os grupos de alunos, quanto no tempo de desenvolvimento do projeto.
Outro aspecto interessante é a finalidade do produto. A princípio, os trabalhos de nossos alunos seriam expostos
em um evento de alunos de graduação do curso de Letras-Inglês na Universidade de São Paulo. Outra possibilida-
de seria que as traduções fossem lidas por estudantes de uma escola em Londres. Ao tomar conhecimento dessa
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“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
possibilidade, os alunos se mostraram muito animados, querendo saber mais sobre esses estudantes, sobre sua
escola, sua vida, e demonstrando preocupação com seus trabalhos, pois não sabiam se seus textos seriam inteli-
gíveis para leitores nativos. Quando tiveram a oportunidade de elaborar questões para esses possíveis interlocu-
tores, a grande maioria quis saber se eles já haviam lido algum texto em português, e também se, após a leitura,
eles estariam interessados na história de Pedro Bala e seus companheiros para, quem sabe, sentir que contribuí-
ram com o fluxo de conhecimento que alimenta a tal civilização humana. Mas, infelizmente, a possibilidade dessa
troca não se efetivou, por questões logísticas.
No entanto, como Ruth Bohunovsky (2011) afirma em seu artigo “A tradução no ensino de línguas: vocabulário,
gramática, pragmática ou consciência cultural?”3 é preciso entender o que exatamente se quer dizer com o termo
tradução, que pode assumir diferentes práticas. Outra questão é a natureza do uso pedagógico que dela é feito,
ou seja, traduzir em si pode deixar de ser um método, mas pode passar a fazer parte de outra metodologia, segun-
do a autora. Ela defende a diferenciação da tradução como prática pedagógica em relação ao objetivo didático
final, que seria de quatro tipos: a tradução como assimilação de vocabulário, como conscientização de estruturas
gramaticais, a tradução como habilidade comunicativa e, por fim, a tradução que tem como objetivo final uma
BOHUNOVSKY, Ruth. A
aprendizagem crítico-reflexiva. Para essa última, ela cita Cássio Rodrigues, ao defender que a tradução aconteça
Tradução no ensino de
línguas: vocabulário,
através de trabalhos em grupo que busquem a reflexão do processo de aprendizado e constante comparação de
gramática, pragmática hipóteses entre colegas. Considerando esse quadro e refletindo sobre o projeto proposto, é impossível dissociar
ou consciência cultural?
Campinas, 2011. os aspectos linguísticos dos aspectos culturais, lidando com a tradução como ferramenta pedagógica.
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ÍNDICE
“É Bullet Peter ou Peter Bullet?” - Língua, cultura e representação
Por Deborah Melo
[...] o contraste cultural gerado pela atividade de tradução é ainda mais eficaz devido ao fato de ser resultado
da própria produção do aprendiz. A simples comparação entre elementos culturais distintos apresentados pelo
professor ou autor do material didático torna o aprendiz um participante passivo no processo de aquisição, o
que limita os resultados e aumenta a crítica à outra cultura. Por outro lado, se essa percepção é fruto do tra-
balho do próprio aprendiz, essa consciência é internalizada e finca raízes mais profundas. (Hargreaves, 2004).4
Através da prática de tradução em sala de aula, as relações entre língua, cultura e poder são experimentadas pe-
los alunos, que precisam, para realizar a tarefa, entender todos os aspectos que envolvem o produto cultural em
questão, além de deliberadamente fazerem escolhas e criarem um segundo produto cultural, que contribui para
a construção de uma perspectiva crítica em relação à cultura e à circulação de diferentes saberes.
Referências bibliográficas
BOHUNOVSKY, Ruth. A tradução no ensino de línguas: vocabulário, gramática, pragmática ou consciência cultural?
Campinas, 2011. Acesso em:set.2016
HARGREAVES, L. E. S. (2004. Além da língua: Tradução e consciência crítica de cultura no ensino de línguas es-
trangeiras. (Dissertação) - Mestrado em Linguística Aplicada , Departamento de Línguas Estrangeiras e tradução,
Universidade de Brasília, Brasília
PEGENAUTE, Luis. La Traducción como herramienta didática. Barcelona, 1996. Acesso em set 2016
JIdem, p. 55.
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Um instrumento para
ANÁLISE
DA ESCRITA
em Ciências Naturais
Celina Martins de Mello Moraes
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ÍNDICE
Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Introdução
Os cientistas leem e escrevem como parte de suas
atividades rotineiras e não apenas de investigação.
Preenchem solicitações de financiamentos, tomam
notas, escrevem artigos e reportagens. Avaliam
o trabalho dos pares em constantes revisões
e práticas argumentativas. Elaboram hipóteses,
registram dados, organizam grandes quantidades de
informações. Os registros, as comunicações
e as discussões são essenciais para a construção e a
validação de conhecimento científico.
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ÍNDICE
Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Também na escola essa mediação é intrínseca às ati- também se tornar objeto de análise, intenções e pla-
vidades de aprendizagem científica. Quando os alu- nejamento do professor, guardadas as devidas dife-
nos realizam uma atividade para aprender ciências renças entre as áreas e a relação com a linguagem em
não apenas encontram evidências, confrontam hipó- cada uma. A importância da linguagem nos processos
teses, conhecem novos fatos e elaboram novas expli- de ensino e aprendizagem em áreas como Ciências e
cações, mas o fazem aprendendo a falar e a escrever Matemática tem sido objeto de inúmeras pesquisas
sobre tudo isso, de forma que esse falar e escrever desde o final da década de 1980, quando estudos li-
lhes possibilita avançar em suas ideias, dando novo
gados ao campo da semiótica e linguística passaram
significado às atividades realizadas.
a relacionar a linguagem como uma das formas que,
Aprender ciências inclui apropriar-se da linguagem em interação com outras formas modais (imagens,
da ciência, aprendizagem que está associada com por exemplo), permitem conhecer a representação de
novas formas de ver, pensar e falar sobre os fatos,
diferente das formas cotidianas de ver, pensar e fa-
conhecimentos e estados mentais e a comunicação
lar. Através da linguagem da ciência os alunos po- em contextos educativos. O trabalho de Jay Lemke
dem aceder a uma cultura diferente: a cultura da Talking Science: Language, Learning, and Values
ciência. (Sanmartí, 2007. Tradução nossa). (1990 apudCandela, 2001).), marco nas pesquisas so-
bre linguagem e ensino de ciências, trouxe essa pers-
Ainda assim, enquanto no ensino de Práticas de Lin- pectiva para examinar a linguagem nas aulas de ciên-
guagem parece já conquistada a prática docente de
cias e contribuiu para a construção de noções sobre
um olhar mais aprofundado sobre os tipos de textos
uma “fala matemática” e uma “fala científica”. Des-
produzidos pelos alunos, em especialidades como
Ciências Naturais a produção escrita está muitas ve- de então, as pesquisas no ensino e na aprendizagem
zes sujeita a um olhar menos apurado dos professo- em Ciências Naturais avançaram muito, tanto para se
res. É uma produção mais “selvagem”, que acontece pensar a linguagem oral quanto a escrita. Atualmente,
em torno ou a serviço de conteúdos conceituais que, a argumentação científica (como prática envolvendo
tradicionalmente, são percebidos como conteúdo da escrita e fala) é um dos temas mais privilegiados em
área. O que se escreve, quando se escreve, e, obvia- termos de relevância e presença nas pesquisas sobre
mente, os objetivos referentes a essa escrita precisam ensino de ciências.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Neste artigo reuni alguns referencias teóricos impor- para os alunos estruturarem aquilo que está em vias
tantes sobre linguagem e escrita em Ciências Naturais de emergência conceitual, permitindo a transforma-
e apresento questões que permitem examinar a pro- ção cognitiva. O processo de escrita permite que as
dução escrita na área. Os parâmetros propostos para ideias sejam esclarecidas e mais bem-estruturadas e,
análise da produção escrita abordam o levantamen- sobretudo, interiorizadas. Quando se expressa uma
to das situações e dos tipos de textos produzidos pe- ideia por escrito, essa ideia é reconstruída e pode-se
los alunos nas aulas de ciências, e pretendem futura-
tomar maior consciência daquilo que se entende.
mente abranger o exame de explicações e argumentos
construídos em respostas nas mais diversas situações.
Com base nesses parâmetros, foi realizada a análise Fundamentada pela função epistêmica da linguagem,
das situações de produções escritas em uma sequ- Sanmartí (2007) critica a fala de muitos professores de
ência do oitavo ano e o levantamento das principais que “o aluno entendeu um conceito, mas não sabe es-
produções escritas em Ciências Naturais ao longo do crever ou falar sobre ele”. A autora considera essa di-
Ensino Fundamental 2. ficuldade como indicativa de que o aluno tem apenas
Espero, assim, trazer subsídios para um olhar mais uma representação inicial sobre o conceito, uma vez
crítico sobre as escolhas relacionadas ao planeja- que sua aprendizagem significativa passa por saber
mento e à avaliação das produções escritas nas aulas comunicá-lo. Portanto, compreender um fenômeno
de Ciências Naturais. passa por saber escrever sobre ele, descrevendo, de-
finindo ou explicando as ideias e os fatos envolvidos,
por intermédio da linguagem verbal e não verbal. Por
Para que se escreve em Ciências? outro lado, uma mera reprodução de determinadas
Não há ciências sem escrita. definições ou descrições não é indicativa da aprendi-
Astolfi, Peterfalvi e Vérin, 1998.
zagem real e significativa por parte do aluno. É preci-
Dentre as diversas funções da linguagem na apren- so que o aluno consiga estabelecer uma série de rela-
dizagem, em especial na aprendizagem da lingua- ções, em seu discurso, para que se possa considerar
gem escrita, a função epistêmica merece foco inicial. que houve uma aprendizagem mais profunda acerca
A escrita pode ser considerada uma oportunidade de algum conceito.
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ÍNDICE
Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
A Tabela a seguir traça algumas distinções entre as situações de escrita e oralidade em ciências, ajudando-nos
a perceber a complementaridade entre os dois tipos de situações e a importância de se aproveitar melhor as
potencialidades de escrever em ciências.
ESCRITA ORALIDADE
Linear, mas permite riscar, voltar atrás, escrever de Linear, espontânea, hesitante e sem arrependimento
novo. possível.
Exige coerência textual global (plano, parágrafos, Coerência local (tolera contradições e os deslizes internos
organização e progresso das ideias) – permite mais passam mais despercebidos) – mais volátil.
estabelecimento de relações.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Ademais, a validação de explicações construídas na ciência também se dá por intermédio da linguagem. Assim
como os cientistas expõem suas ideias em congressos e as publicam para serem avaliadas pela comunidade
científica, promovendo a consolidação ou a revisão das interpretações trazidas, os alunos, por sua vez, preci-
sam aprender a autorregular suas interpretações que constituem, enfim, seu processo de aprendizagem.
Em geral, os textos espontâneos dos alunos remetem à narração e à descrição. Para que outras habilidades
cognitivas possam ser desenvolvidas, como explicar e argumentar, é preciso que compreendam aquilo que dis-
tingue os discursos cotidianos dos científicos, tanto na oralidade quanto na escrita.
Falam, dialogam. O segundo aprova, concorda, recusa, replica... Enunciam. O segundo confirma, objeta, refuta, argumenta...
Subjetivo. Objetivo.
Situação igualitária: todos podem dar sua opinião e comunicar seu Situação desigual: o emissor expõe ideias ou dados a um público
ponto de vista. que procura compreendê-los.
Modulado na interação: suas circunstâncias são essenciais à Moduladores unívocos: as circunstâncias são as próprias variáveis
compreensão. da investigação.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Por tudo isso, a linguagem é fundamental em ciências, não só para expressar-se adequadamente e com o uso
correto do vocabulário específico, mas sobretudo como um instrumento para a construção de ideias, contri-
buindo para uma visão de ciências menos dogmática, pronta e acabada, e mais interpretativa e em cons-
trução constante (Izquierdo e Sanmartí. In: Jorba et al., 2000).
Astolfi, Peterfalvi e Verin destacam a escrita como uma espécie de “memória de papel”, que vai além, mas tam-
bém guarda relações com a função epistêmica:
- Como memória de longo prazo ela torna possível o regresso às marcas de atividades anteriores, a resultados
parciais, a transcrições de observações prévias. É provável que o interesse dos recuos, que levam a turma a
desfolhar o caderno ou o arquivo à procura de dados já disponíveis, mas esquecidos, seja subestimado. Mas
eles contribuem para evitar que os alunos tenham o sentimento de que cada tema de estudo expulsa o ante-
rior para os levar a reconsiderar sua percepção extremamente linear e sequencial das aprendizagens.
- Como memória de trabalho, ou seja, no próprio curso de uma atividade de investigação, os escritos cons-
tituem pontos de apoio que permitem descarregar a gestão simultânea das informações.
O interlocutor/destinatário dos escritos produzidos pelos alunos é trazido por Astolfi, Peterfalvi e Verin como
critério inicial para uma distinção dos escritos dos alunos. Embora as exigências didáticas possam muitas vezes
misturar essas funções, os autores defendem que os escritos para si próprio obedecem à lógica da descoberta,
dos acasos, da não programação das ações, enquanto os escritos destinados à comunicação e à troca com os
colegas e o/a professor(a) exigem reestruturações à posteriori, necessitam de máxima clareza da mensagem.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
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• Validar conhecimentos.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Os autores defendem, ainda, nessa perspectiva, a importância dos rascunhos, das escritas temporárias:
Astolfi, Peterfalvi e Verin destacam a escrita como uma espécie de “memória de papel”, que vai além, mas tam-
bém guarda relações com a função epistêmica:
Pretende-se acelerar excessivamente a passagem ao produto final, apagar os traços imperfeitos e transitórios
das atividades. [...] isto acaba por privilegiar os produtos da atividade relativamente aos seus processos, às
suas etapas e aos seus obstáculos mais ou menos ultrapassados. ( 1998, p.191)
Os rascunhos são apoios importantes para intervenções didáticas, favorecem o desenvolvimento das compe-
tências necessárias ao pensamento científico e podem constituir uma ferramenta de acompanhamento de um
procedimento de investigação coletiva. Essas proposições também são identificadas no âmbito da ciência: Bru-
no Latour e Clive Sutton distinguem o funcionamento dos cientistas em dois momentos, que implicam lógicas
diferentes: o momento da ciência em construção (incerta, informal, em mudança), e o da ciência já feita (for-
malizada, regrada, segura). Ou seja, as escritas produzidas no âmbito da ciência também se diferenciam se-
gundo esses dois momentos. Na escola vemos que também são necessárias atividades concebidas com essas
duas lógicas: momento nos quais o raciocínio se produz com as ferramentas conceituais disponíveis enquanto
se colocam à prova as ideias para reajustá-las, e momentos em que se organiza e se estabiliza o conhecimento
produzido, conforme enfatizado por Ana Espinoza.1
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
produções escritas (verbais e não verbais) possíveis. Há outras classificações para os tipos de textos produzidos
na escola, por exemplo, organizadas a partir do tipo de habilidade cognitivo-linguística prioritário, como em
Jorba et al. (2000), que os separa em textos descritivos, narrativos, explicativos, instrutivos ou argumentativos,
mas consideramos que essa pode ser uma etapa posterior de análise.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
A seguir encontra-se o esquema em que constam as “Possibilidades de produções textuais em Ciências Naturais”
reproduzido de Astolfi, Peterfalvi e Vérin (1998).
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Resultados preliminares
Algumas das questões aqui propostas foram analisa- ora pelas situações propostas, como no estabeleci-
das apenas para o curso do oitavo ano, e os tipos de mento de novas relações para o fenômeno da respi-
textos produzidos pelos alunos foram levantados pela ração celular, que ocorre nos estudos de respiração,
equipe de Ciências Naturais do Fundamental 2, em circulação, excreção e também do sistema nervoso. O
conjunto. mesmo tem sido buscado na proposição de novas situ-
ações-problema, como a relação entre circulação fetal
A. Função de memória e materna, e as alterações fisiológicas durante situa-
ções de esforço físico. Vale dizer que a ordenação das
Em relação à memória de longo prazo consideramos sequências do oitavo ano foi mudada intencionalmen-
que, no curso do oitavo ano, os alunos são muitas ve- te, para que sistemas de integração do organismo hu-
zes convidados a retomar conteúdos e buscar informa- mano (cardiovascular, glândulas endócrinas e sistema
ções em seus registros, tanto de anos anteriores (bus- nervoso) fossem reservados para o terceiro trimestre,
car exemplos de transformações físicas e químicas, e, assim, os alunos teriam mais oportunidades de reto-
rever as representações de dissolução do açúcar na mar seus registros e dar-se conta da integração dos es-
água) quanto dos diferentes trimestres. tudos assim como do próprio organismo. Sobre a me-
mória de trabalho, parece-nos que poucas vezes esta é
Parece-nos, no entanto, que ainda precisamos atentar verdadeiramente problematizada. Na maioria das ati-
para oportunidades de devolver aos alunos o retor- vidades investigativas realizadas nós, professores, an-
no às informações e transcrições prévias, embora se tecipamos e controlamos o registro, de modo que essa
entenda que a função de memória do grupo também tarefa se torna naturalizada, escolar e de menor senti-
deva ser equilibrada com o docente. Registros mais do dada sua genuína função: os alunos registram du-
antigos, como representações do açúcar dissolvido em rante os experimentos porque isso já é esperado deles
água (sexto ano) são trazidos pela professora, pois a e é solicitado pela professora. Ainda assim, buscamos,
intenção é retomar não apenas a explicação correta, ao longo dos anos, deixar mais escolhas e menos res-
mas as diferentes formas de se pensar esse fenôme- trições quanto à forma de realizar os registros nas ati-
no que tem impacto num novo tema: o conceito de di- vidades experimentais, solicitando apenas posterior-
gestão. Já registros realizados no próprio ano, nos pri- mente a organização das informações em relatórios
meiros trimestres, são solicitados ora pela professora, realizados em grupo.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Sem o registro individual e sua retomada coletiva, a completude e clareza das informações solicitadas e
esse contraste, essencial para o estabelecimento de não a correção da hipótese, visto o momento em que
relações entre fatos e explicações não seria possível. se encontram na sequência. Ou seja, consideramos
Os resultados são observados e é relevante esclarecer que o relatório tem mais valor como instrumento or-
que estes contradizem a maior parte das previsões fei- ganizador das ideias durante o processo do que para
tas. É solicitado, então, como lição de casa, que os alu- a comunicação de conclusões plenamente corretas
nos revejam suas hipóteses iniciais e escrevam uma e acabadas. Um segundo relatório é produzido nas
conclusão que explique os resultados observados. mesmas condições. Os alunos é que decidem se o tra-
Na aula subsequente, os alunos são organizados em balho será realizado em duplas ou individualmente.
quartetos, escolhidos pela professora2, para discutir
suas explicações e elaborar uma nova hipótese para Ao final da sequência, após a leitura e discussão de um
aos resultados inesperados: “Se alguns nutrientes, texto informativo sobre digestão, é organizada e corri-
como amido e proteína, não atravessam a parede do gida coletivamente uma grande tabela, que sistemati-
intestino delgado, mesmo dissolvidos, o que é preciso za as principais ocorrências do processo digestório.
ocorrer para que os mesmos possam ser aproveitados
pelo nosso organismo?”. Num primeiro momento da
Costumo variar os
critérios de composição aula eles discutem nos seus quartetos por meia hora, C. Tipos de textos
dos quartetos de acordo
com o perfil da classe. depois são reagrupados numa nova formação, com
Por exemplo, pode ser
um integrante de cada quarteto original para conhecer Nas reuniões de área da equipe de ciências naturais le-
necessário formar quar-
tetos mais homogê-
as hipóteses dos outros grupos e, por fim, retornam ao vantamos os principais tipos de textos produzidos pe-
neos quando há vários
alunos que expõem grupo inicial e decidem se querem ou não reformular los alunos e sua distribuição3. Dentre os tipos de textos
pouco, porque assim
os alunos tímidos têm sua hipótese. analisados, a ampla maioria comparece em todos os
mais chance de se colo- anos, e em vários trimestres: tabelas e quadros com-
car. Em caso de classes
com menor grau de di- Após essa sequência de aulas, é pedido um relató- parativos, representações de processos, estruturas ou
versidade, os quartetos
podem ser heterogê- rio do experimento no qual as informações precisam formas, textos de síntese com ou sem uso de esque-
neos levando em conta
o desempenho médio ser apresentadas de acordo com o modelo solicitado mas, relatórios e textos/respostas argumentativos(as)
dos alunos na disciplina. pela professora. Embora as conclusões ainda apre- evidenciando uma boa frequência e diversidade de
Tabela reproduzida ao
final do texto. sentem erros, a avaliação do relatório leva em conta produções escritas ao longo do curso como um todo.
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
Consideramos que as respostas às perguntas mere- fim em si mesma. Por isso, reproduzimos aqui os aler-
ciam uma análise mais aprofundada, observando-se tas trazidos por Astolfi, Petrefalvi e Verin:
os tipos de perguntas formuladas, já que em todas as
sequências de CN as perguntas comparecem de forma • A produção de escritos não pode ser um fim
regular e frequente. Por outro lado, com esse levan- em si mesmo, em detrimento das ativida-
tamento pudemos constatar que em poucas ocasiões des de investigação e do debate oral. Deve es-
temos registro das perguntas dos alunos, embora sua tar a serviço da formação científica de nossos
alunos.
ocorrência espontânea nas aulas seja valorizada. In-
• Não devemos sustentar um modelo grá-
dicamos, assim, a necessidade de inserir, em algumas
fico unificado, padronizado. É importante
sequências, situações em que as questões dos alunos rabalhar com as diversas expressões dos
possam ser registradas e analisadas. O uso de repre- alunos, enriquecendo seu repertório.
sentações esquemáticas pode ou não acompanhar os • Não devemos afogar os alunos num fluxo de exi-
textos de síntese, a depender dos conteúdos desen- gências linguísticas, em desacordo com suas pos-
volvidos. Com exceção dos oitavos anos, há planos sibilidades.
de montagem de experimentos. Essa ausência está
relacionada à opção de, nessa série, serem realizados São ideias que ampliam as possibilidades para que as
experimentos mais complexos, que permitem colocar situações de escrita planejadas pelo professor sejam
em xeque algumas concepções muito arraigadas nos bem-escolhidas e significativas para o trabalho de-
alunos, o que seria menos potente caso fosse feita a senvolvido, especialmente as de aprendizagem dos
opção de experimentos planejados pelos mesmos. alunos. Pretendemos futuramente aprofundar esta
análise abordando duas habilidades apontadas muito
relevantes na área de ciências naturais: explicar e ar-
Considerações finais gumentar. Para o exame das explicações utilizaremos
como referencial teórico o novo parâmetro curricular
Embora tenhamos apontado, ao longo desse texto, a de ciências naturais norte-americano (Next Genera-
importância da escrita para as aprendizagens em ci- tion Science Standards - NGSS) e para argumentação a
ências naturais, cabe ponderar que na área ela é uma classificação de níveis de argumentação proposta por
ferramenta a serviço das operações mentais, e não um Osborne, Erduran e Simon (2004).
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
1º tri: Sucessão do dia e da 1º tri: Desenho esquemático das 1º tri: Reprodução - Fecundação 2o tri: representação de reações
noite - desenho esquemático de células (produção) químicas por meio de fórmulas e
rotação (processo) 2º tri: Desenho esquemático: desenhos de moléculas
2º tri: Digestão - caminho do
1º tri: Estações do ano - desenho ciclo de reprodução das plantas alimento (produção) (Voltar com os desenhos
esquemático de translação 3º tri: Painel biomas brasileiros esquemáticos das usinas)
(processo)
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3º tri: Interior da matéria - 2º tri: Nutrição das plantas 1º tri: Formulação do segundo
proposta de experimentos para (pensar nas variáveis, execução e desenho experimental na
provar se o açúcar ainda está na acompanhamento em sala) sequência de aquecimento da
Plano de montagem água ou não água
experimental 2o tri: Experimentos fotossíntese,
resp. celular 3o tri: Planejamento da
construção dos instrumentos.
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2º tri: Transformações - relatório 2º tri 2º tri: Análise alimentar 1o tri: Relatório do experimento
dos experimentos com metais Relatório do experimento sobre de aquecimento da água
(estanho e magnésio) (coletivo) a) Experimentos resp. cel.
permeabilidade de membranas
2º tri: Transformações - relatório b) Experimentos fotossíntese Relatório do experimento sobre
dos experimentos com açúcar digestão na boca
(algodão-doce e caramelo) c) Experimentos fermentação
Relatórios Relatório do experimento sobre
(individual) 3º PETAR digestão no estômago
3º tri: Interior da matéria -
relatório dos experimentos para
provar se o açúcar ainda está na
água ou não (individual)
1º tri: Característica seres vivos 1o tri: Caminho do 1o tri: Síntese do texto "A natureza
2º tri: Reprodução espermatozoide do calor"
2º tri: Fotossíntese 1º tri: Adolescência e puberdade 2º tri: Síntese dos textos "A
1º tri: Sistema genital feminino matéria é composta por átomos e
Textos de síntese 2º tri: Respiração celular processos atômicos"
2º tri: Síntese dos experimentos de
digestão (TP) 2o tri: Síntese dos processos
relacionados à CSN e à Usina do
3º tri: Hormônios e glândulas Funil
endócrinas
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Um instrumento para análise da escrita em Ciências Naturais
Por Celina Martins de Mello Moraes
2º tri: A forma da Terra - 3º tri: Vírus é um ser vivo? Não temos um texto de fôlego 1o tri: Argumentação a respeito
Argumentos para comprovar a Proposta: Texto argumentativo a argumentativo nos 8ºs anos; dos resultados experimentais
esfericidade da Terra (discussão partir da viagem ao PETAR temos muitas perguntas, que obtidos no experimento de
de estrutura) requerem respostas de cunho aquecimento da água: os dados
Textos argumentativos argumentativo, inclusive longas, estão corretos e as expectativas
2º tri: Transformação -
Classificação de transformações a mas não textos em si erradas ou vice-versa
partir de evidências (proposta de Reprodução: fórum sobre sexo
uma produção textual) seguro e adolescentes
3º tri: Interior da matéria -
Relatório dos experimentos
para provar se o açúcar ainda
está na água ou não (discussão/
conclusão)
Referências Bibliográficos
ASTOLFI, P.; PETERFALVI, B. e VÉRIN, A. Como as crianças aprendem as ciências. Col. Horizontes Pedagógicos. Lisboa:
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CANDELA, Antonia. Corrientes teóricas sobre discurso en el aula. Revista Mexicana de Investigación Educativa. México,
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JORBA, Jaume; GÓMEZ, Isabel; PRAT, Àngels (ed.). Hablar y escribir para aprender: Uso de la lengua en situación de
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OSBORNE, J., ERDURAN, S. e SIMON, S. Enhancing the quality of argumentation in school science. J. Res. Sci. Teach.,
41: 994–1020, 2004
SANMARTÍ, Neus; IZQUIERDO, Mercè; GARCÍA, Pilar. Hablar y escribir. Una condición necesaria para aprender cien-
cias. Cuadernos de Pedagogía, 281, p. 54-58. Barcelona: Editorial Praxis, 1999.
SANMARTÍ, N. Hablar, leer y escribir para aprender ciência. In: FERNÁNDEZ, P. (coord.) La competencia en comunicaci-
ón lingüística en las áreas del currículo. Colección Aulas de Verano. Madrid: MEC, 2007.
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Criação de
APLICATIVOS
nas aulas de
MATEMÁTICA
Gislaine Carvalho Rasi
Renata Akemi Maekawa
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
Por Gislaine Carvalho Rasi e Renata Akemi Maekawa
1. Introdução
Cada vez mais a tecnologia está presente em nossa
vida, e dentro das escolas.
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
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é um APP?
de programação com blocos de construção visual,
possibilitando um “arrasta e solta” das funções, ga-
Tente imaginar um canivete suíço, daqueles bem grandes mesmo, rantindo, dessa forma, a um iniciante, a capacida-
e com um monte de ferramentas dentro. Tem a faca, a tesoura, o
serrote, a chave de fenda, a lixa, o abridor de latas, o sacador de
de de criação de um aplicativo básico.
rolha, tem até umas que a gente nem sabe direito para que servem,
mas que devem ser úteis para alguma coisa. Agora vá lá e pegue seu MIT APP Inventor é uma linguagem de programação base-
celular na mão… Este é o seu canivete-suíço! Ligue o celular. Cada ada em blocos para aplicativos Android, projetados para
quadradinho que você vê aí na tela é um App! App é um apelido ensinar habilidades de programação para estudantes do
dado para o termo “aplicativo” (que vem do inglês application). ensino médio. Pretendemos fazer com que o desenvolvi-
Você também vai ouvir outras formas de chamar o App, tais como: mento de aplicativos seja acessível a todos. Qualquer pes-
aplicativo para celular, aplicativo móvel, aplicativo mobile.1
soa que aprende a programar deve aprender métodos de
pensamento computacional. Usuários App Inventor devem
E por que o MIT Inventor? também aprender a usar o serviço [...]. (Aubrey Colter, pes-
quisador)3
O MITAPP Inventor, criado pelo Google e manti-
do pelo MIT2, é uma ferramenta que permite a Nosso objetivo neste artigo é refletir sobre a imple-
Fábrica de aplicativos. criação de aplicativos utilizando a linguagem de mentação desse projeto nos nonos anos, a partir de
Acesso em: 21 set. 2017.
Massachusetts Institute programação de forma fácil e intuitiva. Segundo 2017. Para isso, pretendemos descrever as etapas do
of Technology (MIT).
Trecho reproduzido com seus idealizadores, o MIT APP Inventor é um pro- projeto e analisar as potencialidades em relação às
o recurso de tradução
do Google. jeto que visa a democratizar o desenvolvimento diferenciações das aprendizagens na área.
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
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2. Alfabetização Digital
Atualmente, com a chegada dos celulares e tablets, No entanto, é necessário ser cuidadoso no momen-
é inquestionável a presença da tecnologia no co- to da escolha desses usos, pensando na intenciona-
tidiano das pessoas. O uso diário desses equipa- lidade da proposta, discutindo as vantagens e des-
mentos, que permitem o emprego de uma enorme vantagens que cada recurso oferece e no porquê da
quantidade de aplicativos, destinados aos mais di- inserção, ou seja, refletir sobre o sentido que existe
versos objetivos, e a conexão praticamente ininter- nesse uso, como assinalam esses autores:
rupta com o mundo virtual, evidenciam a intensifi-
cação da presença das tecnologias da informação A educação escolar deve servir para dar sentido ao mundo
e da comunicação (TIC) no cotidiano das pessoas. que rodeia os alunos, para ensiná-los a interagir com ele
e a resolverem os problemas que lhes são apresentados.
Devemos, contudo, lembrar que a influência das E, nesse contexto, as TIC são onipresentes. A exigência de
TIC não é tão recente no modo de vida das pessoas. que as TIC estejam presentes nas escolas, portanto, não
suscita qualquer dúvida. A questão é, na verdade, como
assinala Brunner (2000), a extensão e o sentido dessa pre-
Como dizem Coll e Monereo, sença. (Coll e Monereo, 2010, p. 39)
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
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[...] Outro núcleo importante de avanço tem como prota- hibridismo em lugar da difusão de conteúdos, do policia-
gonistas os próprios usuários e seu interesse em participar mento e da pureza. (Buzato, 2010, p. 288)
de projetos, desenvolvimento de personagens e jogos, ou
à criação e oferta de conteúdos pela internet. Esta corren-
te, que coloca o usuário na posição de produtor e difusor A reflexão sobre novos letramentos ou alfabetiza-
de conteúdos, é conhecida com o nome de Web 2.0, em
contraposição à perspectiva anterior Web 1.0, que conferia ção digital pode ser encontrada nas produções de
ao usuário um papel de mero consumidor relativamente diversos autores.
passivo. (Coll e Monereo, 2010, p. 28)
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
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Nesse sentido, os pesquisadores destacam em do- talmente da cultura letrada para designar o processo por
meio do qual as pessoas adquirem os conhecimentos e
cumentos internacionais, como o da Unesco, o re- as competências necessárias para se tornarem membros
conhecimento da existência de múltiplas alfabeti- de um grupo que compartilha uma determinada cultura
zações e o National Council of Teachers of English (cultura científica, cultura tecnológica...). Talvez o uso do
conceito de alfabetização, nesse sentido, tenha utilidade
(NTCE), a ideia de que “quando a sociedade e a tec-
do ponto de vista curricular, em buscar identificar as com-
nologia mudam, a alfabetização também muda”, petências básicas que devem estar centradas na educação
considerando as seguintes alfabetizações para o sé- escolar. (Coll e Illera, 2010, p. 294-5)
culo XXI:
Além disso, chama a atenção o fato de que a propos-
• Adquirir perícia com as ferramentas tecnológicas.
ta não é apenas ampliar o conceito de alfabetização
• Construir relações com outras pessoas para apresentar
e resolver problemas de forma colaborativa. letrada, e, sim, apresentar uma nova alfabetização,
• Projetar e compartilhar informações com diferentes a Digital. Assim, estar alfabetizado digitalmente não
propósitos. é só ser capazh de produzir, compreender e difundir
• Manejar, analisar e sintetizar múltiplas informações. textos pelo computador e pela internet, mas também
• Criar, analisar e avaliar textos multimídia. ser capaz de manejar os textos escritos e os elemen-
• Atender às necessidades éticas exigidas por ambientes
tos audiovisuais, ter o conhecimento e o domínio
complexos.
funcional e eficiente das tecnologias da informação
e a capacidade de procurar, acessar, gerenciar, ar-
Para Coll e Illera (2010), tais documentos expressam mazenar, processar, avaliar, produzir e compartilhar
uma mudança no conceito de alfabetização. Ao invés informações.
de uma alfabetização, leem-se múltiplas alfabetiza-
ções, pressupondo um conjunto de práticas letradas
e a diversificação dessas práticas na Sociedade da
Informação.
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3. Currículo
O documento da Unesco4 apresenta três níveis para E o Programa Internacional de Avaliação de Alunos -
o uso das TIC: Pisa (2015) expressa, como base para avaliar o aluno
em TIC, as seguintes competências e habilidades:
Nível 1: Alfabetização digital ou Aquisição de noções
básicas de TIC - ter acesso: buscar e ter acesso à informação;
- manejar: utilizar e aplicar esquemas de organização e clas-
Preparar os estudantes para serem capazes de compreender sificar informações;
as novas tecnologias, tanto para apoiar o desenvolvimento - integrar: interpretar, representar uma situação;
social como para melhorar a produtividade econômica. Me- - avaliar: formular juízos;
lhorar a aquisição de competências básicas (em leitura, es- - construir e gerar informações;
crita e matemática), inclusive noções básicas de tecnologia.
- comunicar para trocar informações.
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Nesse sentido, destaca a expansão do conceito de - transitar o presente com visão a um futuro;
alfabetização para a multialfabetização. - aprender juntos.
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Nos documentos brasileiros, nos Parâmetros Cur- Em um mundo cada vez mais tecnologicamente organi-
zado, em que o acesso à informação é imediato para uma
riculares Nacionais para o Ensino Fundamental 2,
parcela significativa da população, a escola é chamada a
encontramos um capítulo dedicado às TIC, que traz considerar as potencialidades desses recursos tecnológi-
boas reflexões sobre as vantagens existentes no uso cos para o alcance de suas metas. Uma parcela considerá-
da tecnologia em sala de aula e sobre os princípios vel de crianças, adolescentes e jovens brasileiros e brasi-
leiras estão imersos, desde muito cedo, na cultura digital,
que devem reger sua integração, com ideias perti-
explorando suas possibilidades. A escola tem o importante
nentes, ainda que o documento seja de 1998. papel de não apenas considerar essa cultura em suas práti-
cas, mas, também, de orientar os/as estudantes a utilizá-las
Para garantir aprendizagens significativas, o professor pre- de forma reflexiva e ética. Nesse sentido, o Tema Especial
cisa considerar a experiência prévia dos alunos em relação culturas digitais e computação se relaciona à abordagem,
ao recurso tecnológico que será utilizado e ao conteúdo nas diferentes etapas da Educação Básica e pelos diferen-
em questão; e organizar as situações de aula em função tes componentes curriculares, do uso pedagógico das no-
do nível de competência dos alunos. As aulas devem ser vas tecnologias da comunicação e da exploração dessas
planejadas, levando-se em consideração: os objetivos e novas tecnologias para a compreensão do mundo e para a
os conteúdos de aprendizagem; as potencialidades dos atuação nele.
recursos tecnológicos para promover aprendizagens signi- Numa perspectiva crítica, as tecnologias da informação e
ficativas; os encaminhamentos para problematizar os con- comunicação são instrumentos de mediação da aprendi-
teúdos utilizando tecnologia; e os procedimentos que são zagem e as escolas, especialmente os professores, devem
necessários conhecer para o manejo da máquina. contribuir para que o estudante aprenda a obter, transmi-
Utilizar recursos tecnológicos não significa utilizar técnicas
tir, analisar e selecionar informações. (BNCC, 2016, p. 50)
simplesmente, e não é condição suficiente para garantir a
aprendizagem dos conteúdos escolares. Por isso, é funda-
mental criar um ambiente de aprendizagem em que os alu-
nos possam ter iniciativas, problemas a resolver, possibili-
dades para corrigir erros e criar soluções pessoais. (PCN, Nota-se que a BNCC traz a tecnologia prioritaria-
1998, p. 153) mente como facilitadora da aprendizagem, porém
não menciona o aluno como produtor e nem orienta
Na segunda versão da Base Nacional Comum Curri- os professores no que se refere à sua incorporação
cular (BNCC), de 2016, há um trecho intitulado “Cul- ao currículo e ao uso de uma nova linguagem asso-
turas digitais e computação”, com algumas diretri- ciada a novas práticas, como acontece em outros
zes para o uso da tecnologia nas escolas. documentos.
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4. O pensamento computacional
e a linguagem de programação
No artigo intitulado “O pensamento computacional e o computador realizar tais tarefas. Nesse sentido, de-
a reinvenção do computador na educação”, o brasilei- fende-se que os alunos tenham contato com as lingua-
ro Paulo Blikstein, professor da universidade de Stan- gens de programação. A proposta do ensino de progra-
ford, defende a importância do ensino do pensamen- mação nas escolas vem ganhando força em diversos
to computacional nas escolas, destacando que não se países. Há uma vertente que defende que crianças e
deve entender por pensamento computacional a des- jovens devem aprender a programar para suprimir a
treza na utilização dos equipamentos tecnológicos e necessidade de profissionais com esse conhecimen-
da internet (saber enviar um e-mail, saber utilizar um to para o mercado de trabalho. Há outra vertente que
navegador ou um editor de texto). Além disso, comen- defende o ensino da programação por conta das ha-
ta que, infelizmente, muitas das escolas ensinam os bilidades que são desenvolvidas nesse processo. Mi-
alunos que a tecnologia está apenas a serviço da bus- tch Resnick, do MIT MEDIA LAB, é um defensor dessa
ca e recombinação de conhecimentos já existentes e segunda vertente. Em um TED talk, esse pesquisa-
não da criação de novos conhecimentos.
dor faz um paralelo entre aprender a ler e escrever e
aprender a programar, dizendo que da mesma forma
Segundo este pesquisador, que não ensinamos a leitura e escrita somente para
que as pessoas se tornem escritores profissionais,
Pensamento computacional é saber usar o computador como a maioria dos alunos não vai crescer para ser cien-
um instrumento de aumento do poder cognitivo e operacional
humano – em outras palavras, usar computadores, e redes de tista da computação ou programador profissional,
computadores, para aumentar nossa produtividade, inventivi- mas devemos ensinar a programação para os jovens
dade, e criatividade. porque as habilidades de pensamento criativo, ar-
gumentação sistemática, trabalho colaborativo, que
Para que os alunos avancem nesse saber, o pri- são desenvolvidas ao se escrever códigos podem ser
meiro passo é entender quais são as tarefas que usadas por todos, não importa o que façam em sua
uma máquina pode fazer de maneira mais eficien- vida profissional, ou seja, “Se você aprende a escrever
te para depois aprender a programar para “mandar” códigos, você pode escrever códigos para aprender”.
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Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de de problemas – todos conceitos e habilidades que
1998, também há menção da linguagem de progra- são valiosos, além da aula de ciência da computa-
mação como fonte potente de aprendizado: ção. Também, os estudantes ganham consciência
dos recursos necessários para implementar, testar
Por meio da linguagem de programação, o aluno pode re- e desenvolver uma solução e como lidar com os
fletir sobre o resultado de suas ações e aprender criando
problemas do mundo real.
novas soluções. É o aluno que passa informações ao com-
putador, e, para isso, ele deve utilizar conteúdos e estra-
tégias para programar o que o computador deve executar.
Além disso, afirma-se que construir um sistema é
Na construção de um programa é possível ao aluno propor
e coordenar uma variedade de conteúdos e formas lógi- um processo criativo que requer pensamento cien-
cas (o grau de complexidade varia em função do domínio tífico: a cada correção de um bug ou adição de um
do usuário), propor questões, formular problemas, definir novo recurso há uma hipótese de que o problema
objetivos, antecipar possíveis respostas, levantar hipóte-
ses, buscar informações, desenhar experimentos, testar tenha sido resolvido. Em seguida, experimentos
pertinência e validar respostas obtidas. (p. 149) são concebidos, os dados são coletados, os resul-
tados são analisados e, se a hipótese for falsa, o
Pensando nessas habilidades, em alguns países ciclo se repetirá.
como Alemanha, Inglaterra e Estônia, o ensino de
programação já foi incluído nos currículos escola- Para facilitar o ensino de códigos para crianças e
res. Nos Estados Unidos há várias e fortes organi- adolescentes foram criadas plataformas em que a
zações que incentivam o trabalho com os códigos programação é feita por meio de blocos (code.org,
no ensino básico. Scratch, MIT APP Inventor 2), que possuem uma in-
terface mais “amigável”, cores que ajudam o aluno
No documento americano Computer Science a localizar os comandos que deseja, e encaixes que
Standards, da CSTA (Computer Science Teachers indicam se a junção de blocos é possível.
Association), destaca-se que estudantes da ci- A seguir encontram-se alguns exemplos de blocos
ência da computação aprendem lógica, pensa- dessas plataformas e de escritas de programas nas
mento algorítmico, design e estrutura de resolução linguagens mais tradicionais.
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Programação feita em uma das atividades do site code.org. Equivalência da programação mostrada em Javascript.
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Convém destacar que essas plataformas de progra- termina quando todas as vidas acabam. Já em um
mação em blocos são bastante completas e permi- programa de cálculo de média escolar é preciso inse-
tem a escrita de programas complexos. Nelas, por rir as notas, os pesos, e conferir se os resultados es-
exemplo, o aluno pode trabalhar com os blocos de tão corretos). Caso o programa não funcione (o que
lógica (se/então; se/então/senão; enquanto; quan- acontece com muita frequência!), o grande desafio é
do; repita “n” vezes/repita até que; espere até que; pensar em como consertar um bug, analisando cui-
sempre), com a criação de variáveis, e mexa nos ope- dadosamente os blocos/linhas do código, fazendo
radores matemáticos. Além disso, permitem integra- novos testes, identificando falta ou conflito de infor-
ção com recursos visuais, sonoros, de movimento e mações, casos de looping etc. O trabalho com a pro-
tempo, que favorecem a criação de projetos com in- gramação, além de favorecer o desenvolvimento do
teração do usuário. pensamento lógico, permite que os alunos entendam
mais sobre como os computadores funcionam, se
Na escrita de códigos é muito importante que o alu- expressem criativamente com as novas tecnologias,
no entenda que o computador sempre obedece exa- aprimorem suas habilidades em relação ao planeja-
tamente ao que está escrito, e, por isso, é preciso mento de tarefas, de controle e execução de um pro-
pensar no algoritmo, nas etapas do programa e nas jeto, e transformem ideias em concretizações. Dian-
possibilidades de caminhos. Uma grande vantagem te desse amplo leque de aprendizagens possíveis,
é a possibilidade do retorno imediato sobre o fun- acredita-se que crianças e adolescentes possam ser
cionamento. Basta “rodar” o programa e verificar muito beneficiados pelo trabalho com o pensamen-
se tudo está acontecendo da forma que foi planeja- to computacional nas escolas, ideia corroborada por
da. Para isso, o programador precisa saber testar o Blikstein:
seu programa, inserindo diversas entradas, usando
Precisamos urgentemente redirecionar nossos esforços e
os comandos de teclado que foram acionados, ve- recursos para ensinar nossas crianças a compreender esse
rificando se as condições em que foram colocadas interessante paradoxo: o pensamento computacional nos
estão sendo satisfeitas etc. (Por exemplo: num jogo, torna cada vez mais dependentes e, ao mesmo tempo, di-
ferentes dos computadores. Entender como podemos ser
é preciso verificar se o personagem se move com as
mais produtivos e criativos – mesmo sendo mais depen-
teclas programadas, se há ganho dos pontos quan- dentes – é o maior desafio dos educadores que querem re-
do os objetivos desejados são atingidos, ou se o jogo pensar a tecnologia na sala de aula. (Blikstein, 2008)
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5. Sobre a tarefa
Na área de matemática, muitas propostas foram fei- seleção e avaliação dos conteúdos oferecidos na
tas ao longo do Ensino Fundamental 2, de modo a WEB; a integração de diferentes contextos para a
incorporar o uso da tecnologia no estudo dos obje- criação de um produto e o pensamento computa-
tos matemáticos. cional.
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
Por Gislaine Carvalho Rasi e Renata Akemi Maekawa
PROJETO
APLICATIVO
na WEB com a seguinte descrição: como usar o
1. Objetivo aplicativo e qual matemática está por detrás.
Produzir um aplicativo para a comunidade
escolar com o tema Matemática Financeira. 4.2. Fazer um projeto para um aplicativo,
respondendo às seguintes questões:
• Qual é a utilidade do seu aplicativo?
2. Tema: Matemática Financeira • Qual conteúdo matemático será aplicado?
Juros simples e juros compostos.
Acréscimo e desconto. 4.3. Elaborar um roteiro antes de preparar o
Comparação de valores. material que será apresentado aos colegas no
formato aplicativo.
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5.2 Encontros
Os encontros dos alunos ocorreram em pelo menos quatro aulas. Inicialmente, eles pesquisaram aplicativos
e estudaram o objeto matemático. Discutiram suas ideias para a elaboração do projeto. Para o uso da ferra-
menta MIT APP Inventor 2, os alunos tiveram a oportunidade de fazer uma oficina, no período da tarde, para
conhecer e explorar o programa MIT APP Inventor 2, com Helena Mendonça, coordenadora do setor de Tecno-
logias da Educação (TE) da Escola da Vila, e com o apoio das professoras de matemática.
Alunos na oficina sobre MIT APP Inventor 2 Dispositivo Android e programação no MIT APP Inventor 2.
Alunos na oficina sobre MIT APP Inventor 2. Alunos na oficina sobre MIT APP Inventor 2.
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Logo após a apresentação da plataforma, os alunos criaram suas contas para utilização e programaram
seus primeiros aplicativos. Para programar com o MIT APP Inventor 2 é preciso trabalhar em duas telas:
Designer e Blocos. Na tela de Designer são colocados os elementos que compõem a interface para o usuá-
rio, e na tela Blocos são feitas as programações desses elementos. Há, também, a possibilidade de conectar
um dispositivo Android para testar instantaneamente o programa feito.
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A conexão para o teste também permite que o programador veja o que acontece quando os parâmetros são
alterados ou quando blocos são acrescentados, favorecendo a exploração da ferramenta, a tomada de ati-
tudes e a autorregulação a partir da análise dos erros. Com a oficina, os alunos tiveram contato inicial com
a plataforma, e depois puderam pensar nas possibilidades para o aplicativo que desejavam criar. No projeto
em questão foi necessária a utilização dos blocos de lógica e matemática, uma vez que o aplicativo trata de
temas de Matemática Financeira. Vale ressaltar que os alunos devem entender bem os conteúdos matemáti-
cos envolvidos no(s) tema(s) escolhido(s) para poder programar o aplicativo. Por exemplo, em um aplicativo
que calcula o “preço final (Pf)” a partir das entradas “preço inicial (Pi)” em reais e “desconto (d)” em porcen-
tagem, não existe o comando “calcule o desconto” nos blocos de programação, é preciso criá-lo.
Nesse caso, seria preciso pensar na fórmula que dá o resultado desejado:
Pf = Pi - Pi. d/100 ou Pf = P1. (1- d/100) ou, nos blocos:
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
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A proposta possibilitou uma visão mais geral do que Avaliamos que a realização do projeto possibilitou
se podia esperar da incorporação das TIC nas aulas um protagonismo dos alunos, desde a escolha pela
de matemática, possibilitando uma análise curric- participação, passando pelo designer da interface,
ular de quando, como, onde, para que, e o que en- até a programação dos comandos. Além disso, os
sinar ao longo do Ensino Fundamental 2. alunos são levados a avaliar suas ações em diversos
momentos, pois precisam analisar se o recorte do
tema escolhido é interessante para um aplicativo,
colocar-se no lugar do usuário para pensar e criar
telas interativas e tomar decisões a partir dos testes
e execuções dos códigos de programação escritos.
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Criação de aplicativos nas aulas de matemática
Por Gislaine Carvalho Rasi e Renata Akemi Maekawa
Referências Bibliográficos
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Coll, C.; Illera, J. Alfabetização, novas alfabetizações e alfabetização digital. As TIC no currículo escolar. In: Coll, C.; More-
neo, C. e colaboradores. Psicologia da educação virtual. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Coll, C.; Moreneo, C. Educação e aprendizagem no século XXI. Novas ferramentas, novos cenários, novas finalidades. In:
Coll, C.; Moreneo, C. e colaboradores. Psicologia da educação virtual. Porto Alegre: Artmed, 2010.
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Forbes (2012) Why Estonia Has Started Teaching Its First-Graders to Code. Acesso em: 18 set. 2016.
Folha de S. Paulo (2015). Projetos incentivam garotas a programar para reduzir disparidades. Acesso em 26 set. 2016.
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set. 2016.
INEP (2012). Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa): resultados nacionais - Pisa 2009. Acesso em: 25 set.
2016.
Massachusetts Institute of Technology, MIT APP Inventor Website. About Us. Acesso em: 25 set. 2016.
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Acesso em: 17 set. 2016.
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curriculares nacionais (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.
Resnick, M. (2012). Vamos ensinar crianças a escrever códigos. TED talk. Acesso em: 18 set. 2016.
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A elaboração e um
TRABALHO
DE CAMPO reflexões
sobre as visitas à usina hidrelétrica
do funil, CSN e INPE
Alexander Brilhante Coelho
Antonio Gomes dos Reis
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
Apresentação
Há mais de dez anos, as disciplinas de Geografia e
Ciências Naturais vinham fazendo com os alunos
dos nonos anos da Escola da Vila um trabalho de
campo sobre a Cooperostra, uma cooperativa de
extratores de ostras localizada na reserva extrati-
vista do Mandira, em Cananeia. Ainda que o tema
de estudo, sustentabilidade, seja um tema caro a
essas disciplinas e de importância indiscutível para
a vida dos alunos, nos últimos anos, nós, os pro-
fessores, sentíamos uma persistente insatisfação
com os resultados efetivos do trabalho; insatisfa-
ção que resistiu às tentativas anuais de reformula-
ção. Em 2016 decidimos que o melhor a fazer seria
abandonar definitivamente esse estudo e elaborar
uma nova proposta.
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
tempo, e ainda que seja uma referência em manejo região.Com relação à proposta que realizávamos com
sustentável, percebemos que, com o passar dos anos, os alunos, percebemos que, durante a viagem de cada
enfrentada enfrentava dificuldades crescentes rela- turma, eles desenvolviam certa empatia pelo trabalho
cionadas à sua inserção no mercado − causadas em dos cooperados, certa solidariedade com a condição
grande parte pela lógica desse mesmo mercado, por em que os integrantes da cooperativa se encontra-
exemplo, a competição com a produção de ostras de vam, mas isso não resultava em − talvez até dificultas-
Santa Catarina (que domina o principal mercado con- se − um debate verdadeiro a respeito dos desafios e
sumidor do estado). das possibilidades de um novo modelo de desenvolvi-
mento. Ou seja, a Cooperostra, ao tornar-se, por inú-
Nesse contexto concorrencial, a cooperativa acabou meros motivos, um modelo de desenvolvimento sus-
dependendo crescentemente da venda de ostras tentável inviável, objeto de estudo pouco adequado
em grande escala durante a época de alta tempora- às aprendizagens objetivadas pela proposta interdis-
da turística no litoral do estado (sobretudo na Baixa- ciplinar, já que fatores subjetivos, como a empatia e a
da Santista), tendo prejuízos no restante do ano. Nas solidariedade, conspiravam contra uma análise crítica
visitas anuais, notamos que os próprios fundadores do projeto.
da Cooperostra ficavam cada vez mais insatisfeitos
diante das dificuldades para conquistar os mercados; Por outro lado, avaliando o produto final do traba-
situação que vinha causando diminuição sistemáti- lho − que consistia na produção de um texto inter-
ca no número de cooperados, e diminuindo a repre- disciplinar − percebemos que os estudos feitos nos
sentatividade da Cooperativa. Essa realidade nos fez últimos anos estavam cada vez mais voltados para a
compreender que as dificuldades do projeto estavam disciplina de Geografia − deixando Ciências Naturais
relacionadas à própria lógica do sistema, com uma es- em segundo plano (até porque o professor da disci-
trutura que dificulta a inserção, de fato, de produtos plina, além de físico, também é formado em Ciências
ecologicamente corretos no mercado e a superação Sociais − e, portanto, com grande afinidade com as
de uma competição desigual com os demais produtos. questões envolvendo a área de humanas). Além disso,
Em seus mais de 15 anos, os resultados ficaram res- ficava a sensação de que a pesquisa se concluía com
tritos a uma escala local, não contribuindo para me- o final da viagem e que, com isso, todas as perguntas
lhorar o baixo índice de desenvolvimento humano da haviam sido respondidas.
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
Etapas do trabalho
As questões que norteiam a atividade dos alunos são e à siderurgia. Esse primeiro momento é finalizado
muito amplas, e demandam bastante trabalho inte- com uma mesa-redonda sobre o desastre ocorrido
lectual para serem compreendidas. As respostas a es- em Mariana.
sas questões não são simples, e precisam ser cons-
truídas por meio de informações e reflexão. Por isso, Ao final dessa etapa, esperamos que o aluno consi-
boa parte da preparação para a viagem, e do trabalho ga ter em mente um quadro geral da exploração e do
após a viagem, é dedicada à compreensão do sentido processamento de minérios de ferro no Brasil, o que
dessas questões e das formas possíveis de respondê- envolve saber onde estão as principais reservas de
-las sem recair em discursos esquemáticos. minério de ferro, onde e como esses minérios são pro-
cessados, quais as principais empresas envolvidas na
A seguir descrevemos as etapas de trabalho construí- cadeia produtiva do aço, e quais os processos físicos
das com o objetivo de dar condições para que os alu-
e químicos envolvidos em sua produção.
nos compreendam de que formas podem organizar a
própria reflexão.
Etapa 2: Formulação de questões para investigação
Etapa 1: Apresentação dos temas de estudo
Uma vez que os alunos já têm uma ideia dos proble-
Nessa etapa os alunos têm um primeiro contato com mas gerais relacionados à energia e ao desenvolvi-
os dois grandes temas de estudo relacionados ao mento e das atividades realizadas pelas instituições
trabalho que realizarão: usinas hidrelétricas e side- que serão visitadas, iniciamos o preparo dos alunos
rúrgicas. E nosso objetivo é fazer com que adquiram para as investigações que serão realizadas ao longo
elementos para elaborar, ainda antes da viagem ao da viagem. Nosso objetivo é que eles tenham clare-
parque industrial, questões a serem investigadas, za a respeito das questões centrais do trabalho e que
mais específicas que as duas questões norteadoras percebam que as questões norteadoras iniciais preci-
do trabalho citadas. Nesse período, a disciplina de Ge- sam se desdobrar em outras questões para que sejam
ografia se dedica a discutir questões relativas à pro- passiveis de investigação. É o momento em que os
dução de energia elétrica, e a disciplina de Ciências alunos formulam questões e se dão conta das várias
se dedica a discutir questões relativas à mineração dimensões relacionadas aos aspectos norteadores.
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
Esperamos, nessa etapa, que os alunos percebam população local se relaciona com a CSN, Usina do
que, sendo as questões norteadoras muito amplas, Funil e com o INPE?
em nenhum momento irão ter uma informação que • Tema 3 - A aplicação de conhecimentos físicos e
responda inteiramente a elas; que essas questões só químicos na CSN, na Usina do Funil e no INPE: O
poderão ser respondidas se houver reflexão a respei-
que muda e o que permanece nas transformações
to de um conjunto bastante grande de informações
e se o aluno conseguir relacionar essas informações. de matéria e energia? Quais as diferenças na forma
Ou seja, esperamos que o aluno compreenda que não de aplicação dos conhecimentos técnicos e cientí-
existe uma resposta pronta ou certa para as questões: ficos em cada uma das atividades?
que a resposta precisará ser construída a partir das • Tema 4 - Organização da cadeia produtiva do aço:
informações que conseguirem coletar e do trabalho Como são extraídas as matérias-primas do aço?
intelectual. De onde são extraídas as matérias-primas do aço?
Como essas matérias-primas são transportadas
Ao final dessa etapa, os alunos precisam ter tido con-
até a indústria? Para onde vai o aço produzido?
dições de refletir sobre os seguintes temas e questões:
• Tema 5 - Produção de energia elétrica: Como é a
• Tema 1 - Impactos ambientais causados pelas ati- matriz de produção de energia elétrica no Brasil?
vidades da CSN, Usina do Funil, e INPE: Que tipos Quais são as diferenças básicas entre uma usina hi-
de impactos à natureza essas atividades causam? drelétrica e uma usina termelétrica? Como a ener-
Qual a abrangência desses impactos? Como a CSN, gia elétrica é distribuída?
a Usina do Funil e o INPE minimizam os impactos • Tema 6 - Relação do Estado com a CSN, Usina do
negativos? Há algum impacto positivo? Funil e INPE: Qual a importância estratégica das
• Tema 2 - Impactos sociais causados pelas ativida-
atividades desenvolvidas pela CSN, Usina do Funil
des da CSN, Usina do Funil, e INPE: Que tipos de
impactos essas atividades causam à sociedade? e pelo INPE? Como o Estado interfere na CSN, Usi-
Qual a abrangência desses impactos? Como a CSN, na do Funil e no INPE? Como a relação entre o Es-
a Usina do Funil e o INPE minimizam os impactos tado e essas instituições se modificou ao longo do
negativos? Há algum impacto positivo? Como a tempo?.
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A elaboração de um trabalho de campo
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A elaboração de um trabalho de campo
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Considerações finais
Infelizmente, não dispomos de dados e nem de me- o aprofundamento nos estudos, com busca de novas
todologia para fazer uma análise comparativa muito fontes de informações, rearticulação das novas infor-
rigorosa a respeito do impacto da mudança dos traba- mações e apresentação do resultado final da reflexão
lhos de campo na criação de um ambiente mais favo- para a sala. É sabido que nenhuma viagem de campo
rável à aprendizagem do tema desenvolvimento sus- faz o aluno entrar em contato com o "real". É preciso,
tentável. sem dúvida, para uma aprendizagem menos livresca e
esquemática, ver uma panela com mais de 100 tone-
Temos convicção, no entanto, de que a substituição de ladas de ferro gusa incandescente, escutar o barulho
um objeto de estudo que favorecia o estabelecimento ensurdecedor de uma turbina de hidrelétrica, almoçar
de uma relação de empatia por um objeto de estudo com os trabalhadores no refeitório e tomar um sorve-
que favorece o distanciamento necessário à análise te na praça erguida em homenagem a uma empresa
crítica foi um ponto fundamental da mudança. É mui-
que se tornou cidade. Mas é preciso reconhecer que o
to mais fácil – e importante no que se que refere ao
objeto de estudo não se revela simplesmente por par-
aprendizado de modelos de desenvolvimento – fazer
ticiparmos dessas situações. Ele vai ganhando forma a
uma análise intelectualmente exigente de uma indús-
partir da problematização que precede a viagem, e ga-
tria que lucra, em média, mais de 1 bilhão por ano do
nha em complexidade por meio das representações,
que fazer uma análise rigorosa da atividade econômi-
ca de uma comunidade remanescente de quilombola possíveis de serem construídas durante e após o cam-
cujo sonho é dar oportunidade para que o filho estude. po, com vivências e estudos. Assim, cremos que, para
além da escolha de um objeto de estudos mais ade-
Um indício de que a atividade intelectual do aluno quado, o planejamento do trabalho em várias etapas,
foi bastante mais exigente é que no antigo trabalho com objetivos bem-definidos, permitiu que os alunos
de campo, após a viagem, os alunos tinham apenas se apropriassem de seu objeto de estudos e tivessem
duas ou três aulas antes da atividade avaliativa, que elementos para compreender o que está em jogo nos
encerrava o estudo do tema, enquanto no novo tra- vários modelos de desenvolvimento estudados. Por
balho os alunos, após a viagem, seguiram estudando se tratar da primeira vez que fizemos esse trabalho,
o tema por mais de dez aulas, e passaram por duas achamos especialmente importante conversar com os
atividades avaliativas, sendo que uma delas implicava alunos, coletivamente, sobre suas impressões.
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A elaboração de um trabalho de campo
Por Alexander Brilhante Coelho e Antonio Gomes dos Reis
Pode-se dizer que foi um consenso a importância da nesse contexto, o fato de termos elaborado uma ques-
visita à CSN para que compreendessem a magnitude tão norteadora para o trabalho que envolvesse explici-
dos processos envolvidos na fabricação do aço, visto tamente conteúdos das duas disciplinas.
que nunca teriam condições de dimensionar fenôme-
nos tão complexos e distantes de sua realidade. Ou- Por último, gostaríamos de destacar algo que os alu-
tro aspecto comentado foi o fato de terem tido uma nos também comentaram, e que para nós é de grande
real noção da importância do aço como produto em relevância: o fato de o trabalho de pesquisa ter se man-
nossas vidas e, com isso, para a economia de um país; tido após o término da viagem. Isso porque, apesar de
muitos alunos destacaram que antes da viagem a pro- muitas das questões elaboradas previamente terem
dução e o consumo de aço pareciam muito distantes sido respondidas em campo, outras várias surgiram
da realidade deles. durante a viagem − relacionadas ao fator imprevisibi-
lidade. Portanto, para respondê-las os alunos teriam
Algo muito parecido foi comentado em relação à Usi-
que dar continuidade aos estudos, dessa vez em sala
na Hidrelétrica do Funil: o estudo de campo possibi-
de aula e em casa. Acreditamos que esse é um aspec-
litou uma representação real de processos que pare-
to fundamental, que deve estar presente em trabalhos
ciam muito abstratos − mesmo com os estudos feitos
de campo: a construção de uma problemática que mo-
em aula nas duas disciplinas. Já em relação ao INPE,
tanto nós, professores, quanto os alunos, avaliamos bilize os alunos a elaborar perguntas para serem res-
que essa etapa foi menos potente por ter ficado um pondidas in loco, mas que também os mobilize para
tanto descolada do restante das atividades, algo que elaborar novos questionamentos e aprofundar sua
pretendemos repensar para esse trabalho nos próxi- pesquisa com base no imprevisível − aquilo que só vai
mos anos. Em relação ao trabalho conjunto feito nas surgir aos olhos deles se forem a campo, o que costu-
disciplinas de Ciências Naturais e Geografia, ficamos ma ser essencial para a compreensão daquilo que está
com o sentimento de que avançamos no que diz res- sendo estudado. Assim, uma boa pesquisa de campo
peito à elaboração de uma proposta de caráter inter- não termina no final de uma viagem: ela continua e
disciplinar, em que os conteúdos das duas disciplinas se desdobra, adquirindo sentidos mais concretos, e
dialogam tanto antes quanto depois da pesquisa de motivando o pesquisador a se aprofundar mais no seu
campo. Consideramos de fundamental importância, objeto de estudo.
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CONVERSA DE PROFESSOR
Ano 6 - Nº 6
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CENTRO DE FORMAÇÃO
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