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1 i Enszios FEE, Porto Aogr,(16)2 510.555, 1005 | 1£-00905086-1 A REGULAGAO URBANA E O REGIME URBANO: A ESTRUTURA URBANA, SUA REPRODUTIBILIDADE E O CAPITAL* eS Pedro Abramo™ Durante muito tempo, a imagem da “cidade do capital” dominou 0 debate urbano. A maior parte desses estudos estabelecia uma relaedo universalizante entre 0 urbano € 0 capital e subordinava os"fenémenos urbanos" &légica geral da valorizagdo do capital; condigbes gerais de produco (LOJKINE, 1977), ‘espaco da luta em tomo do consumo (CASTELLS, 1972) ou citcuito secundrio que absorve a superacumulagao do Setor Primério (HARVEY, 1985) davam o tom do debate e dividiam "os coragdes e mentes” dos estudiosos ¢ dos atores do urbano, Passado algum tempo, esse "tempo herdico” do estruturalismo deu lugar a uma produeSo urbana preocupada em revelar as particularidades historicas e geograficas do “fendmeno" urbano. As andlises generalizantes foram substituidas pela proliferacdo de estudos de casos e enqueles, que, na ambigdo de romper com as abordagens “delirantes do racionalismo marxista", tangenciavam o jomelismo engajado, como bem sublinha Castells, em sua avaliagdo das pesquisas sobre 0s movimentos sociais urbanos: “(.) a maior parte dessas pesquisas ¢ uma mistura de descrigdes romanticas e de ideologia populista” (CASTELLS, 1983, p.5). Nosso objetivo, nas notas que se seguem, é o de sugerira eventualidade dde uma mediagao entre esses dois extremos. Para tal, propomos dois concei- tos que, grosso modo, procuram revelar a articulagdo geral do capitaismo com + As ctagdes em francés deste artigo foram traduaidas pela redagdo de Ensalos FEE ++ Doulor em Séelo-Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Ensaios FEE, Porto Alogr, (16)2:510-555, 1995 st a estrutura urbana ("regime urbano") e os modos como essa espacialidade construida se reproduz (‘regulago urbana”). Entretanto a articulaggo que vamos sugerir entre o capital e 0 urbano (relagao industrializagao-urbanizagdo ou “urbanizacao capitalista") ndo sera vista como uma relagdo universalizante, isto 6, que se impde a partir do momento em que se instaura uma légica de auto-expansdo do capital. Partimos da hipétese de que as relagdes sociais de produgo capitalistas assumem formas histéricas e geogréficas diferentes ao longo da “historicidade capita- lista" e de que se manifestam nas maneiras e nas formas de organizacao distribuigdo da produgo comandada pela valorizagao capitalista. Essa hipStese das formas histéricas das relagSes sociais da produgao capitalista & formulada pela chamada “escola francesa da regulagdo", e a partirdela, ede ‘seus autores, propomos 0 exercicio de identificar periodos particulares da historicidade urbana capitalista, que, em sintonia com a terminologia "regu- lacionista*, sugerimos chamar de “regimes urbanos". Portanto, os "regimes urbanos” Klentificariam fases particulares da relagdo do capital e da estrutura urbana. A “Yuncionalidade” da estrutura urbana em relagao ‘a0 proceso de valorizagao do capital muda ao longo do tempo e do espago, em funglo das caracteristicas particulares do regime de acumulago em vigor. Por ‘exemplo, sea dinamica da valorizag&o do capital se estrutura a partirdo consumo de massa (fordismo) ou de um consumo direcionado e/ou restrito (especializagao flexivel ou fordismo periférico), as caracteristicas do ambiente construido urbano, que configuram o que chamaremos de “funcionalidade da citade", serdo diferen- tes de um caso para outro. Em outras palavras, as caracteristicas de cada regime de acumulago particular inscrevem na espacialidade urbana a sua particular dade histérica e geogréfica, sob a forma dos "regimes urbanos". Mas da mesma forma que um regime de acumuulagdo necesita de meca- nismos sociais que permitam a reprodutibilidade das relagdes sociais de produgdo, os "regimes urbanos", ou a forma particular da estrutura urbana, fazem apelo ao que chamaremos de "regulag&o urbana” e que se constitui nas caracteristicas particulares do processo de produgo da espacialidade cons- ‘ruida e dos mecanismos que garantem sua reprodutibilidade. Assim, as nogBes de “regime urbano” e de "regulagao urbana" devem ser vistas como uma sugestao de releitura da relagao do capital e do urbano. Esse retomo a um tema que marcou a produgdo dos estudos urbanos nos anos 70 Justifica-se, em grande medida, pelas interrogagBes que as mudangas em curso nas “fung8es", nas praticas, nas politicas e nas formas urbanas colocam 512 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2'510-555, 1995 para os analistas e atores urbanos. A crise do fordismo e a emergéncia de Novos projetos sociais — pés-fordismo, neofordismo, etc. — (LIPIETZ, LE- BORNE, 1991) recolocam o tema da relagdo entre 0 urbano e o capital ou, segundo Scott, da urbanizagdo e da industrializagao (SCOTT, 1986). Entre- tanto, ao contrario da tradiggo dos anos 70, essa relagao ndo deve ser mais problematizada a partir da perspectiva universalista da légica do capital. Mas deve, também, procurar escapar de uma leitura alérgica a toda e qualquer tentativa de ultrapassar os limites da descrigdo histérica. E a partir desse espirito de mediag4o que propomos 0 exercicio de identificar, em alguns autores, 0 que poderia ser um “regime urbano" e uma "regulacdo urbana”. Portanto, 0 texto que se Segue 6 sobretudo um percurso exploratério, pois, procura coletar alguns tragos deixados na literatura, no intuito de sinalizar a operacionalidade descritiva das nogdes de “regime” e "regulagdo urbana’. A"regulacao" e o "regime urbano" A nogao de regime de acumulagao e do modo de regulagao CO texto de referéncia para definir o que se convencionou chamar de "Teoria da Regulagdo" é, sem divida, a tese de Michel Aglietta sobre a economia norte-americana. Apesar de existirem textos anteriores que poderiam ser clasificados como regulacionistas, foi trabalho de Aglietta (1976), Regu- lagéo e Crise do Capitalismo: a Experiéncia dos Estados Unidos, que forneceu, pela primeira vez, uma interpretac&o geral da “Teoria da Regulagao” e, principalmente, uma “demonstrac&o" histérica de suas teses, a partir de um estudo da hist6ria econdmica dos Estados Unidos. Em relago ao que conven cionamos chamar de "elo perdido" (mercado imobilidrio) na relag&o entre o processo de industrializagao e 0 de urbanizagdo, 0 livro de Aglietta formece poucas indicagdes explicitas. Na andlise que 0 autor desenvolve sobre 0 que ele mesmo denomina de “modo de funcionamento da cidade" e o surgimento da "produgao em massa de habitagSes", tais conceitos sao entendidos sobre- tudo no quadro das “macrointengdes" que 0 autor se propée a desenvolver. Portanto, sua andlise sobre 0 que podemos caracterizar como a relagao entre a industrializagao e a urbanizagao esta subordinada a um projeto tedrico mais, abrangente: estabelecer um novo approach a leitura das relagSes capitalistas. Enssios FEE, Porto Alegro,(16)2:510-555, 1995 Nesse sentido, a opeo de anaiisar as modiicagdes ocomridas na economia norte-americana, na passagem do século XIX ao século XX, ¢ uma estratégia para avangar uma crtica 3s concepgSes globaizantes da economia poltica crtica manta, que homogeneizam, no tempo © no espago, as relagBes sociais de producto capitaistas. Com esse objetivo crtico, Agia procura, através de um estudo da hist6ria eoondmica norte-americana, apresentar uma periodizago do capitalism, mais precsamente, demonstrar que as relagdes sociais de produco captalistas _assumem formas particulares e que estas, para se reproduzirem na temporalidade cconcretada histéria, necessitam de um conjunto de insttuigées, normas, hébitos, etc. ue configuram um conjunto coerente de relagdes (modo de reguiaco), que também mudam ao longo do tempo. Portanto, seu esforg, ¢, em seguid, o de um grupo de autores que se identiicam sob o termo de "escola francesa da regulagao", € 0 de propor a hipdtese de que a producio e a distrbuigdo do excedente, no interior até ‘mesmo das relagBes sociais de produgao capitaistas, assumem formas hist6ricas particulares (regimes de acurulaga0). Essas formas particulares de produgdo e de distrbuicdo do excedente capialista exigem condigSes insttucionais, cuturais € sociais especficas, que assegurariam sua reprodutibilidade (BOYER, 1986). Assim, 05 autores da escola da regulagdo identiicam dois regimes de acumulagdo: um caracterizado pela acumulagdo extensiva; e 0 outro, pela acu- mulagao intensiva, A partir dessa tipologia de formas de acumulagao do capita, que pode ser identificada nos textos de Marx e que traduz, grosso modo, a predomindncia de uma das duas formas de extrag&o da mais-valia (absoluta e relativa), os autores da regulagdo procuram estabelecer uma distinedo conceitual ¢ hist6rica na forma de organizagio do trabalho e na forma de estabelecimento do salério (repartigao do excedente). A distin¢do basica dos regimes de acumu- Iago seria, portanto, definida pelas maneiras particulares de organizagao do proceso de trabalho e da formagao dos saldrios. Essas duas dimensdes re- tratariam, seja na esfera da produgdo, seja no que conceme a repaticéo do cexcedente, 0 rapport salaral particular de um momento hist6rico Um outro elemento importante na definigao do rapport salarial é 0 modo de vida dos assalariados, porque se articula tanto com a forma de organizago do trabalho (disciplina, tempo livre, etc.) como com o peso relativo dos departamentos de produg40 e consumo, pois, dependendo do padrio de consumo dos assalariados, teriamos estruturas produtivas (departamentos de produgSo) diferentes (BERTRAND, 1983). Portanto, o regime de acumulacdo definiia as relagdes agregadas macroeconémicas (caracteristicas dos pesos relativos de cada depar- 514 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1905 tamento no processo de acumulagéo geral da economia), assim como as caracteristicas da forma de organizag&o do processo de trabalho — o que Permitia definir os limites e as possibilidades do desenvolvimento das forgas produtivas e, desse modo, dos ganhos de produtividade. Por outro lado, a ogo de modo de regulagdo procuraria retratar as relagdes basicas que garantiriam as relagdes sociais de produgdo. As formas particulares de con- tratagdo da forga de trabalho, as condigSes de reprodutiblidade social desta Uitima e as formas monetérias especificas de cada regime de acumulagdo definiriam, aproximadamente, um modo de regulagao. Esses dois conceitos permitiriam a identificacao de historicidades particulares da relacdo social de produgo capitalsta e a construgo de uma tipologia de crises (crises no modo de regulagao, crises no regime de acumulagao, crises maiores ou crises menores), que estabeleceriam os processos de transicao entre os regimes de acumulagao e/ou o modo de regulagdo (BOYER, 1979; LIPIETZ, 1989) Na andlise hist6rica realizada pelos autores regulacionistas da economia orte-americana, a mudanga nas caracteristicas da organizago do processo de trabalho, no modo de vida dos assalariados e nas relagdes interdepartamentais teriam determinado a passage de um regime de acumulagao concorrencial para um regime de acuriulagao monopolista. Essas modificagSes e, em particular, aquelas que dizem respeito ao rapport salarial produziram mudancas signficatt- vas no que Agletta chama de “formas de funcionamento da cidade”. Essas alteragbes, grosso modo, sinalizavam um processo de urbanizagao que acom- panhava 0 quadro de mudangas no regime de acumulacéo. Entretanto o termo urbanizagdo deve ser usado com cautela, pois néo devemos tomé-lo no seu sentido demogréfico corrente, isto 6, aumento da populacdo urbana, mas no seu sentido analtico, ou seja, entendido como o crescimento da importéncia do urbano ‘na reprodutibilidade das relagSes sociais. ‘Assim, poderfamos supor que a passagem, por exemplo, do regime taylorista para 0 regime fordista, cujo consumo de massa universaliza um padrdo de consumo urbano, envolve um proceso de urbanizagao, Nesse sentido, podemos dizer que nao ha um tinico processo de urbanizagao, associado ou ndo a Revolugio Industrial e/ou a processos de industializacdo, mas, sim, Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2°510-585, 1995 515 processos de urbanizago no sentido plural. A urbanizacao seria, sobretudo, ‘© momento de transigdo nas caracteristicas que o urbano desempenha nas relagées sociais de produgdo e nos mecanismos necessarios & sua repro- dugao. ‘A percepcao de que no haveria um Gnico processo de urbanizago nao 6 recente e pode ser identificada, por exemplo, nos textos onde Henri Lefebvre conclama a "Revolugéo Urbana’ e contesta o discurso desurbanizante, levan- tando a bandeira de que os homens tém "Direito a Cidade": *...) dans le processus industrialisation-urbanisation, c'est le second terme qui devient dominant aprés une periode ott 'emportaint le premier”. ["(..) no processo industrializag&o-urbanizagao, & 0 segundo termo que se toma dominante aps um periodo onde prevalecta o primeiro”.] ‘A idéia que procuraremos sugerir nos itens seguintes, utilizando os textos da escola da regulagdo, ¢ a de que 0s “processos de urbanizacdo" s4o, na verdade, os momentos transitérios entre funcionalidades urbanas diferentes, A funcionalidade urbana, como vamos indicar no tem seguinte, é a maneira pela qual uma estrutura espacial urbana se assoola a retagéo social de produgao capitalista. Como essa relagao assume caracteristicas particulares a0 longo da historicidade capitalisa (regimes de acumulagao), as funcionali- dades da cidade também se alteraro ao longo do tempo. ‘Assim, um regime de acumulagdo e um modo de regulagao inscrevern suas marcas de singularidade histérica nas diferentes funcionalidades da cidade ‘Mas essas funcionalidades so, antes de tudo, nogdes gerais que se mani- festarlam, na maior parte dos casos, através de critérios locacionais urbanos especiticos. Esses critérios, historicamente determinados pelos regimes de acumulago e pelos modos de regulac&o, serviriam de orientadores, de “guias", do que vamos chamar de “regimes urbanos" e dos seus mecanismos de reprodutibilidade: os "modos de regulagdo urbanos'. Grosso modo, um "regime urbano” definiria as formas particulares que assumem 08 processos de produgéo e de apropriagéo da espacialidade construida urbana. Portanto, podemos identificar mercado imobilério, assim como as outras formas de aprovisionamento residencial, como uma instituigo, ‘segundo 0 sentido que Boyerda a esse termo (BOYER, 1986, p.48), do "regime urban”. Assim, o que identifica mos como o “elo perdido" ganharia um estatuto proprio na relagao industrializagao-urbanizagao. Nossa hipétese é a de que, a0 sugerir a definigdio do conceito de regime urbano e sua articulag4o com o regime de acumulago, poderiamos redefinir as visbes correntes sobre a relagao 516 Enssios FEE, Porto Alegre, (16)2:510.555, 1995 (0u ndo-relagao) entre 0 mercado imobiliério € 0 processo de industrializagao- -urbanizago, que procuramos sistematizar na primeira parte deste trabalho. Dessa maneira, acreditamos que, a partir dos conceitos de regime de acumulagao, modo de regulagdo,"regime urbano” e “regulago urbana”, seria possivel estabelecer niveis diferenciados de andlise. De um lado, podemos estudar as caracteristicas da reprodutibiitade urbana propriamente dita (pro- cessos de estruturago intra-urbana, crises fiscais urbanas, etc.) e, de outro, © papel da "funcionalidade" do urbano no nodo de regulagdo de um regime de. acumulago particular (qual 0 papel do urbano nos modos de vida eno consumo? Que tipo de relago se estabelece entre 0 espago do trabalho, da moradia e do lazer? etc). A distingo entre esses dois niveis de andlise permite identificar movimentos sincrénicos, assim como diacrénicos, entre o regime urbano e 0 de acumulagao. Dessa forma, poderiamos, por exemplo, caracteri- zar “trajet6rias urbanas” diferentes no interior de um mesmo regime de acu- mulago, onde as caracteristicas particulares de cada cidade se expressariam em uma forma particular de regulagdo urbana. Da mesma maneira, podemos imaginar que as crises no regime de acurnu- ago podem, ou ndo, engendrar crises urbanas, que se manifestariam de forma diferente em fungdo das caracteristicas particulares de seus regimes e modos de regulagéo urbana. Podemos, também, imaginar que uma crise urbana, por ‘exemplo, uma crise fiscal urbana, se manifesta em fungSo das caracteristicas particulares do modo de regulagdo de uma cidade e que isso nao afeta a Teprodutibildade do regime de acumulagdo. Enfim, as nogdes de “regime” € 'regula¢o urbanos” poderiam superar as limitagSes naturalizantes (no seu sen- ido demogréfico e evolucionista) que os conceitos de industrializagao e de urbanizag4o carregam e, com isso, abrir novas possibilidades de andlise sobre a articulagao entre 0 econdmico, 0 urbano e o mercado imobildrio. O surgimento do fordismo nos EUA e a emergéncia de um novo regime urbano Neste item, vamos procurar identificar os principais tragos do que poderia ser caracterizado como o regime urbano fordista. Nossa intengao aqui nao é a de realizar um estudo da histéria urbana. Nosso interesse ¢ t4o-somente 0 de sugerir, a partirde algumas referéncias & hist6ria econémica, a "viabilidade” Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 817 conceitual da nog&o de regime urbano. Para tal, vamos nos apropriar livremente do estudo realizado por Aglietta sobre a emergéncia do fordismo nos EUA e sublinhar os oritérios locacionais residenciais (funcionalidade da cidade) particulares ao regime de acumulagdo fordista. Como sugerimos acima, sero esses critérios que orientardo a configuragao do regime urbano fordista. De modo geral, podemos distinguir dois planos argumentativos na analise que Aglietta faz do "modo de funcionamento da cidade" no processo de instauragao do regime fordista de acumulagao. Em um primeiro mo- mento, teriamos uma anélise das interagdes entre as modificagdes na espacialidade urbana, em particular a localizagdo da moradia operaria, € 0 surgimento de um regime intensivo de utilizagao da forga de trabalho (taylorismo). O segundo movimento de articulagao do urbano e do industrial enfatizaria a dimensao do consumo e, portanto, da realizagéo, em um regime de acumulacdo caracterizado pela produc&o em massa de bens de consumo durdveis (fordismo). Assim, Aglietta distinguiria a “funcionalidade" da cidade em relagao ao novo regime de acumulagdo em.dois niveis: as alteragdes nas "forgas produtivas" e o surgimento da nova “norma social de consumo". Entretanto, se essas duas modificagdes cumprem papéis dife- Tentes — de um lado temos razSes que nos remetem a reorganizagao da Produgo e, de outro, fatores que dizem respeito aos problemas de re: zagao da produgao —, elas se articulariam, produzindo modificagbes no rapport salarial e, mais particularmente, naquilo que os autores regulacio- nistas chamam de "modo de vida" (BOYER, 1986, p.49) ou "condigdes de (éncia do trabalho assalariado* (AGLIETTA, 1976, p.129) A uniformizagao da forga de trabalho e os novos critérios de localizagéo da moradia operaria © primeiro movimento na modificagao da forma de funcionamento da cidade estaria vinculado as modificagées na organizagao do processo de trabalho, na passagem do século XIX ao século XX. A introdugdo de técnicas cientificas de organizagao do tempo e do espaco fabril conduziram a uma forte intensificagao do uso da forga de trabalho, assim como, através da normati- zagao dos gestos e das praticas do trabalho, a uma homogeneizago dos 518 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 qualitativos dessa forga de trabalho. Esse processo, conhecido na literatura regulacionista como taylorizagao do processo de produgdo, seria um movimento terminal de expropriacdo do savoir-faire do arteséo-operério. Com © taylorismo, a principal exigéncia em relacdo aos qualifcatives da forga de trabalho passa a ser a disposig&o absoluta as normas disciplinares no processo de trabalho, pois 0 conhecimento do ato de transformar a natureza jé estaria codificado, seja no sistema de méquinas, seja nas normas gestuais desse processo (CORIAT, 1979). Esse sistema cientifico de organizagao de méqui- nas e homens asseguraria sua utilzago otimizadora, 0 que, do ponto de vista da forca de trabalho, implica uma intensificag4o do uso dessa mao-de-obra, com a eliminago da porosidade do tempo de trabatho. © proceso, que, a rigor, estaria restrito ao "mundo barulhento” do interior da fabrica, teve um impacto sobre a forma de proviséo habitacional da forca de trabalho. © antigo padrao residencial operério era caracterizado, grosso ‘modo, por duas formas de proviso. A primeira tem na “cidade operdria" sua imagem paradigmatica e & definida por um "mercado" de moradias oferecidas pela propria unidade fabril, em geral para assegurar a continuidade de uma m&o-de-obra com certos qualificativos e/ou para restringir opotencial de revolta dos assalariados. A segunda forma de provisdo habitacional é aquela descrita nos relatos "da condigdo da classe operéria" nos séculos XVIll e XIX (Dicksen, Zola, Engels), cujas possibilidades de moradia estavam subordinadas a um mercado selvagem de aluguéis, no qual as condigbes de moradia eram de extrema precariedade e cujo fator determinante de sua atratividade era sua relativa proximidade da unidade fabri Portanto, a proximidade do lugar de moradia da forga de trabalho do espago fabril era fundamental, tanto para garantir certos botsdes de méo-de-obra que ainda detinha um certo savoir-faire como também, e principaimente, em fung&o da longa jomada de trabalho que impedia, fsicamente, um deslocamento dos assalariados entre a fabrica e a moradia que demandasse mais alguns minutos do ja exiguo tempo de “reprodugao” da forga de trabalho. Esse padrio de localizago residencial da forga de trabalho, caracterizado pela proximidade do lugar do trabalho ao da residéncia, redefiniu-se com 0 processo de unifor- mizagdo da forca de trabalho utilizada (intensificagdo do seu uso) e, principal- mente, com a redugo da jornada de trabalho. Assim, no inicio do século XX, ‘tivemos uma primeira onda de produg&o generalizada de habitagoes nos EUA, que expressa a redefinic&o do tradicional criterio de efeitos de aglomeragdo na localizago das moradias da forca de trabalho e das unidades fabris. Essa onda Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-585, 1995 sto de produg&o de moradias com novos critérios locacionais pode ser identificada, na hist6ria do urbanismo, com a emergéncia do discurso das gardens cities de Howard, na Inglaterra, e dos banlieues, na Franga (RAGON, 1986), ‘A redefinicdo do antigo padréo de proviséo habitacional colocava um problema novo em relagdo a forma de funcionamento das cidades industriais: ‘como resolver o problema da distancia entre o lugar de trabalho e 0 de moradia? A resposta a esse problema pratico do cotidiano da vida do trabalho ‘conduziu a uma modificago importante na forma de funcionamento da cidade, pois o desenvolvimento de um sistema de transportes, sobretudo coletivo, nas primeiras décadas deste século, e, em seguida, individual, redefiniria o modo de funcionamento urbano e, também, como enfatizam Aglietta e Coriat, o modo de vida dos assalariados. Assim, a transformagao da forma-localizag&o da moradia operdria e das novas infra-estruturas urbanas foi elemento fundamental na instauragao do taylorismo como forma dominante de utiizagao da forga de trabalho e de ‘organizagao da produc&o (AGLIETTA, 1976, p.61, 62). Entretanto a difusdo ‘a amplficagdo da produgo habitacional tiveram, também, um outro papel na sustentago do novo regime de acumulagdo. A produgao de moradias, se, de um lado, oferecia novas condigdes de reprodutibilidade da forga de trabalho, de outro, produziu um impacto macroeconémico significativo, no momento em que 0 taylorismo se constituia como o regime de acumulagao dominante nos EUA, nas primeiras décadas do século XX. A relagdo entre a produgao em massa de moradias e © novo regime de ‘acumuulagdo estabelecia-se, em termos macroecondmicos, em dois niveis. Uma primeira articulaco instalava-se a partir das demandas interindustriais, induzidas pelas decisdes de produgao de moradias. Em um segundo nivel, e, talvez, o mais importante para a sustentag4o do novo regime de acumulagSo, ‘a produg&o de moradias criava ura massa salarial urbana indispensdvel a0 ssetor produtor de bens de consumo, que iniciava sua trajet6ria de crescimento acelerado da capacidade produtiva, através da introdugo sistemética do trabalho em cadeia e da colocagao dos sistemas de maquinas integradas em funcionamento, Com sso, terfamos um "citculo virtuoso”, onde a massa salarial da produgo de moradias criava uma parte da demanda do setor de bens de consumo; e este ultimo, com seus ganhos de produtividade crescentes, permitia uma redugdo do "salério real” (valor da forga de trabalho). Assim, entrévamos em um regime intensivo de acumulagao, caracterizado pelo dominio da forma de extragdo da mais-valia relativa, 520 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510.555, 1995 © papel macroeconémico da moradia pode ser visualizado pelas taxas de crescimento da construgao de habitagdes e de bens durdveis e, em seguida, pela sua queda, durante a primeira e a segunda décadas do século XX. Esses indicadores testemunhiam bem a magnitude da mudanca no padrio de pro- visdo habitacional e de sua relagdo com o regime de acumulago taylorista. Eles também indicam a incapacidade de a produgao de moradias gerar, de forma dinamica, uma demanda que pudesse assegurar a permanéncia do regime de acumulagdo taylorista, ‘rapela 1 ‘Taxas de crescimento da produgio de moradias ¢ de bens durivels o prscrnumagho cnescrano ‘QUEDA Produgio de moradias .... as 7 Produgdo de bens duréveis ... 6 5 FONTE: AGLIETTA, M. (1976). Regulation ot Paris. p.72. Acasa e 0 automével como expresses do modo de consumo fordista ‘Segundo os autores da regulagdo, as transformagbes na forma de organ. ago do trabalho, introduzidas no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, na economia norte-americana (taylorismo), permitiram uma Potencializagdo e uma intensificago do uso da forga de trabalho, mant- festando-se em enormes ganhos de produtividade. Entretanto essas modifi- Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 sat cages na base produtiva do capitalsmo no foram imediatamente acompa- rnhadas de alteragées na estrutura de realizacao da produedo. Apesar da enorme taxa de crescimento da produdo de moradias, ela nfo conseguiu estabelecer um lo virtuoso" dindmico' entre a produg&o e a realizacdo do excedente que pemmitisse absorver os ganhos crescentes de produtividade. Assim, a conjugaco de um regime de acumulagdo com enormes ganhos de produtividade, fruto da introdugtio dos métodos tayloristas de organizagao do trabalho, e a incapacidade crescente de absorgaio econémica desses ganhos conduziram a economia norte- americana a uma enorme crise de realizago da produgdo em 1229. A solugdo da crise eo estabelecimento de umregime de acumulagao intensivo estavel exigiram um duplo movimento. De um lado, verificamos um aprofunda- mento do processo de penetracdo das relagSes mercantis nas condigées de existéncia do trabalho assalariado, no sentido de destruir os modos tradicionais de consumo ¢ de instaurar 0 "modo de consumo especifico do capitalismo". De outro, tivemos a emergéncia de.) compromissos nas relagSes contratuais entre 0s capitalstas © as organizagdes operdrias e a socialzago de uma parte dos gastos de reprodugo da forga de trabalho" (AGLIETTA, 1976, p.72). Esses compromissos, batizados de fordistas, estabeleceram os pilares do novo modo de regulagao da economia norte- americana do P6s-Guerra, pois, Se a expansdio das retagSes mercantis na “cidadela” do mundo privado da reprodu- tibilidade da forga de trabalho expandia potencialmente o mercado, as convengées salariais estabelecidas entre 0s sindicatos e os capitalistas garan- tlam, ex-ante, tuma relagio de distribuigdo social dos ganhos de produtividade e sua realizago potencial. Podemos condensar a esséncia desse pacto, que permitiu a conigu- ragao de um regime de acumulagdo, baseado na produgao e no consumo de uma ‘massa de mercadorias, em trés palavras: mercado amplificado, realizagao da produgdo e estabilidade pactuada entre o capital e 0 trabalho. Tals compromissos “fordistas" estabeleceram os pilares sobre os quais se edificou o modo de regulagdo da economia norte-americana do Pés-Guerra Permitiram um crescimento relativamente estével durante quase 30 anos. Durante esse periodo, "0s 30 gloriosos", dois bens durdveis ocuparam um ugar "Para uma defnicdo da nocdo de “ckcul virtuoso” ede “crculo vieloso", ver Boyer e Mistral (1983) 522 Ensaios FEE, Porto Alogre,(16)2:510-555, 1995 central no processo de amplificagdo das relagbes de consumo: o automével e ‘a moradia. Segundo Agiietta, "(...) @ estrutura da norma de consumo fordista é composta por duas mercadorias: a moradia social média, que é 0 lugar por exceléncia do consumo ual; e 0 automével, que é o meio de transporte individual compativel com a separa¢&o entre o lugar da moradia e 0 de trabalho" (AGLIETTA, 1976, p.136). ‘Assim, poderiamos estabelecer uma relago analitica entre a transformago na forma de organizago do trabalho (taylorismo), o modo de regulagéo de um regime de acumulago centrado na produgtio em massa de bens durdvels de ‘consumo (fordismo) ¢ a forma de funcionamento da cidade, que deve se adequar {A produgo em massa de moradias e de automéveis. De forma esquemitica, poderiamos dizer que os ganhos crescentes de produtividade seriam realizados pelo consumo crescente de bens duréveis, o que significa um compromisso do dispéndio familiar, segundo um padre de consumo regido pela logica da acurnu- lago-depreciagaio de valores de uso. Nesse padre de consumo, a moradia debxa de ser somente o lugar a que Marx poderia chamar de "reproduce fisica” da forca de trabalho (dormir-procriar) e passa a ser também 0 lugar de acumulago e realizag&o individual dos valores de uso dos bens duréveis. Portanto, a produgo de toda uma série de bens duréveis (por exemplo, eletrodomésticas) exige a existéncia de uma moradia que comporte a acumulacdo fisica dessas mer- cadorias. Em outras palavras, a dimens8o fisica da habitagao (seu tamanho ‘médio) deve permitir a alocagdo de bens tais como geladeira, maquina de lavar, radio, televisdo, etc. Sem divida, 6 impossivel imaginar a existéncia de todos esses bens em um pequeno cmodo de aluguel, caracteristico da moradia operdria do final do século XIX. Desse modo, para que se instaurasse um regime de acumulagdo caracterizado pela produgao em massa de bens durdveis, e onde © consumo desses bens se realizasse principalmente no espago familar individu- alizado, seria necessério que o espago domiciiar médio crescesse. Da mesma maneira, 0 critério de deciséo da localizagdo domiciliar nas proximidades do local de trabalho altera-se com a redugdo da jomada de trabalho e com os novos meios de transporte. Essas transformag5es permitem uma relativa "sedentarizago" residencial dos assalariados, na medida em que a sua localizag4o ndo obedeceria mais a “lei cega” da oferta de emprego , portanto, a suas flutuacdes. Essa relativa estabilidade espacial do domictio permite que as familias possam acumular bens de consumo durdveis no interior Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510:585, 1905 623 de suas residéncias e, assim, alterar radicalmente 0 processo de reprodugao do cotidiano familiar dos assalariados. Relagdes de trabalho doméstico nao mercantiizadas vao sendo, paulatinamente, invadidas pelos novos bens duréveis, a tal ponto que serdo substituidas por uma nova norma de "economia doméstica’, onde "(...) 0s bens de consumo durdveis serdo os meios de um processo de economia de trabalho doméstico” (AGLIETTA, 1976, p.137). Ou sseja, a mercantilizagdo do espago da vida cotidiana assalariada, a instauragao do padrdo de consumo fordista, colocava a necessidade de um tamanho médio da moradia assalariada superior aos padrées anteriores, assim como uma certa estabilidade locacional desta, 0 que significava uma distingéo entre a mobilidade do emprego e a mobilidade espacial residencial Esses dois fatores — unidades domiciliares maiores e estabilidade espacial — estariam na base de um duplo movimento: a "suburbanizago” das residéncias e 0 acesso a propriedade residencial para uma parte significativa dos assalariados. O primeiro processo teria, em um outro bem durdvel (0 automével), um “aliado" fundamental. Esse bem duravel seria 0 meio de transporte individual que viabilzaria o deslocamento dos assalariados entre a residéncia e 0 local de trabalho. Como as unidades residenciais tendiam a demandar uma quantidade maior de terra urbana relativamente cara, nos niicleos urbanos a oferta de moradias tomou rumo dos subdirbios. Assim, temos o estabelecimento de um *circuito virtuoso urbano", onde a subordinagsio residencial é viabilizada pela difus4o do meio de transporte individual (automével)e pela expanstio dinamica da industria automobilistica no pro-cesso de suburbanizaglo (WALKER, 1981). Esse processo exigiu, também, uma intervengao significativa do Estado no que conceme a produgao de infra-estru- tura urbana, pois viabilizar os subiirbios, a partir do meio de transporte individual significou um amplo programa nao s6 de construgdo de estruturas vidrias, mas também de toda a rede de servigos (agua, esgoto, eletricidade, etc.) ‘Alguns autores regulacionistas acreditam que essas transformagdes se- riam mais importantes na configuragao do modo de regulag&o fordista do que na instaurago de um novo padréo de consumo "(..) en ce qui conceme d’abord les modes de vie, leurs transfor- mations reposent moins sur la diffusion d’objets marchands qui ‘occupent eux-mémes une place relativement mineure (tel relec- tromenager) que sur la transformation des conditions d’existence collective. L'urbanisation, les infrastructures qui lui sont fiées et 524 Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 extension du parc automobile ont exerce des effects d'entraine- ments plus puissants" (BOYER, MISTRAL, 1983, p.500). [(...) no que conceme antes de tudo aos modos de vida, suas transformagdes repousam menos sobre a difuséio de objetos mer- cantis que ocupam eles préprios um lugar relativamente menor (como 0 eletrodoméstico) do que sobre a transformagao das con- digbes de existéncia coletiva. A urbanizagao, as infra-estruturas que Ihe so ligadas @ a extenséo do parque automobilstico exerceram efeitos de encadeamentos mais poderosos"] Entretanto as transformages que Boyer e Mistral apontam como mais significativas, do ponto de vista das inter-relagbes macroeconomicas, s6 podem ser entendidas a partir das novas normas fordistas de consumo, que envolvem transformagdes nos padrées de habitabilidade, de praticas domésti- cas cotidianas, de sociabilidade interpessoal, etc. — todas refletindo um movimento de individualizagao-mercantiizagao no interior do espago residen- cial. Assim, 0 que os autores identificam, genericamente, como urbanizac&o 6,na verdade, a manifestagdo de uma transformacdo no tipo de funcionamento da cidade, o que vai engendrar um novo regime urbano. Portanto, a redefinigdo dos critérios de decisdo de localizagao domiciliar, a ‘ransformac&o do cotidiano no interior da unidade familiar assalariada — com a substituig&o do trabalho nao mercantiizado por bens durdveis — a generali- ago dos meios de transporte motorizados, a relativa estabilidade do local de residéncia — com 0 acesso a propriedade de uma parte dos assalariados —, 0 crescimento da érea média das residéncias dos assalariados e a produgao de infra-estrutura urbana — em fung&o dos dois bens duraveis “emblematicos" do padrao de consumo fordista, o automdvel e a moradia — so alguns dos sinais da constituigio de um novo regime urbano na sociedade norte-americana, que podemos identificar como sendo o regime urbano fordista. Porém a caracterizagdo de um regime urbano nao se esgotaria nas indicagbes que procuramos identificar, a partir da constituicdo do regime de acumulagdo fordista, nos Estados Unidos. Sem diivida, essas indicagies permitem-nos identificar a maneira pela qual a produgao em massa de habi- tages se transforma em um dos pilares sobre os quais 0 modo de regulacdo fordista se edificou e como essa caracteristica do regime de acumulacdo induziu a transformagées significativas no modo de regulago urbano. Mas como, a esse nivel da analise, so sobretudo as macrocaracteristicas do Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510.555, 1995 525 fordismo e suas articulagdes com a espacialidade construida que foram sublinhadas, restaria identificar a dimenso espacial intra-urbana, propria- mente dita, do "regime urbano” ‘Aqui, recolocamos o tema da relago entre mercado imobilério e processo de industriaizago e urbanizagao, tratado anteriormente. Porém ele agora deve ser ‘mediado pelos conceitos de regime e de modo de regulacéo urbanos, Acrecitamos ue a introdugdio desses dois conceitos nos permitita realizar, temporal e espacial mente, as nogdes universalizantes de industriaizagdo e urbanizacdo. Assim, da ‘mesma forma que as retacbes capitalistas de produgdo mudam ao longo da "em poralidade capitaista’, a “Uuncionalidade das cidades*, isto é, sua relagéo com 0 regime de acumulagao em vigor e as formas de produgao e de apropriacéo da espacialidade urbana (regime urbano’), também mudaria ao longo do tempo-espago capitaista. Tanto em um caso como no outro, os modos de regulacdo necessaios & reprodutiblidade econdmico-social dos regimes de acumulac&o @ urbano normati- _zam, no cotidiano das relagées socias, as macromelagses entre 08 atores socials. Portanto, se 0 discurso econdmico foi, durante muito tempo, crticado por seu imperia- lismo" na abordagem da industrialzago, quer no sentido de urna marcha evolutva das tapas do crescimento a fa Rostow, quer em uma visdo ortodoxo-manssta de cres- Cimento das forcas produtvas, acreditamos que seja a hora de relavizaro império do Para uma descrigae tanto das concepeses dos desurbaristas como de seus empreencimen- tos, vero Capi 1, do vol. 2, de Ragon (1886). Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2'510-555, 1905 529 forma de regulagao do espago: 0 estégio monopolista ou fordista. Nessa nova forma de regulag4o do ambiente construido, os capitais néo seriam mi prisioneiros dos ditames da configurago sécio-espacial existente; poderiam, portanto, romper com 0 mecanismo regulador do regime concorrencial (tributo diferencial exdgeno), que impedia 0 acesso a ganhos vinculados a imposicao (tributo)fundiaria. Os capitais utiizadores de solo e ofertantes de espacialidade construida deixam de ter uma atitude passiva no "jogo" de imposigdes de tributos e passam, eles também, a impor tributos.‘ Para tal, esses capitais devem propor novas espacialidades que, necessariamente, negam a estrutura sécio-espacial existente. Portanto, *(..) a produgao monopolista do espaco consiste em materializar um novo espago social, um espaco projetado que Substitui o espago social concreto preexistente" (LIPIETZ, 1991, p.122). ‘Assim, na regulagdo monopolista (ou fordista), as decis6es de localizacdo da oferta capitalista de moradias passam a ser comandadas pelo que Lipietz chama de “tributo diferencial endégeno", a que preferimos chamar de im- posig&o de um markup urbano, no qual o tributo diferencial ex6geno determi- nado pela DESE preexistente serd apenas um dos custos no calculo desses capitalistas. Mas para que essa nova forma de regulag&o espacial urbana se imponha, os capitais deve constantemente negar as caracteristicas anterio- res da espacialidade construida, considerando todas as implicagbes, seja a nivel dos deslocamentos espaciais-residenciais de segmentos relativamente homogéneos da populacao urbana — do ponto de vista do nivel de renda e do modo de vida —, que itdio expressar-se na nova divis4o econémico-espacial do espaco, seja do ponto de vista da coordenagao das agbes individuals dos capitais, no sentido de configurar uma DESE com alguma visibilidade social. Esse processo individualizado de transformagao do ambiente construido “Para uma apresentagao bastante simples da disputa do tributo funcéro a partirda teoria dos 0908, ver Paelinck, CH. P.e Saez, A, (1990). Em nossa tese de doutorado, procuramos: Glscutr a8 possibiidades de uilzago da teoria dos jogos na dsputa do trbuto urbano, Utilaando formalizagSes mals complexas do que as uiizadas por Paelinck e Sale 5 Definido como 0 "(..) rapport ene le capital a invest et le benefice attend (.) Sagi de la diferentation du iibut provoquée par le niveau de Finvestissement captalste lu-méme (@nalogue ala rente diferente I de Mars) (LIPIETZ, 1989, p 122), [..)@velagdo entre o capital» investi 0 beneticio esporade (.) trate-se de diferenciagso {6 inbuto provecado pel nivel do prépri investimento capitalist (anélogo 8 renda dferencial Ide Marey(UIPIETZ, 1983, P.122)] 520 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510.855, 1995 urbano, que passa a comandar a regulagdo fordista do espago urbano e cujos tragos mais gerais podem, grosso modo, seridentificados a partirda “dinamica imobilidria" (ABRAMO, 1989), revela, com mais nitidez, a ambigtidade da relacéio mercantil, isto porque, se, de um lado, libera os capitais em seu processo de auto-expanstio ampliado das limitagBes de uma hierarquia sécio- -espacial dada, por outro, amplifica as incertezas quanto a oferta de moradias. © reconhecimento social das novas espacialidades sécio-econémicas pro- postas pelos capitalistas passa a ser um problema critico na forma de regulago urbana fordista Para Lipietz, essa questo deveria ser qualificada segundo as caracteristi- cas do processo de validacdo social. Assim, quando estivéssemos diante de uma produgio de espago do tipo monopole pour monopole, caracteristico, por exemplo, das transformagées ocorridas em Dunkerque (CASTELLS, GO- DART, 1974), a realizago no seria um problema; isto porque "..) a ullizagaio privada do novo espago produzido é programada antes” da transformagdo efeliva da espacialidade. Da mesma forma, a produgao estatal de moradias subsidiadas no colocaria, a rigor, 0 risco de ndo-validaco social, pois seu prego de mercado seria superior aquele efetivamente praticado (uros baixos ‘ou negativos, economias de escala no processo de edificagdo, reduc dos custos de terreno a partir de uma politica fundiaria de médio e longo prazos, etc.), 0 que permitiria uma “subversao" das leis de mercado. Mas a interme- diagao do Estado, promovendo 0 acesso a moradia de forma subsidiada, n&o elimina completamente a possibilidade de ndo-realizagdo social dessa espacialidade, pois a realizagéo da mercadoria moradia envolve um com- promisso de endividamento dos adquirentes, 0 que coloca a exigéncia de uma certa estabilidade nos compromissos de contratagao da forga de trabalho e/ou de garantia de um rendimento minimo. Portanto, a realizag&o da producéo fordista da espacialidade residencial urbana articula-se com a existéncia das convengées fordistas, do rapport salarial — convengbes de trabalho, com cldusulas de estabilidade do emprego e divisdo de uma parte dos ganhos de produtividade. Entretanto, se a produc&o fordista do espago estivesse subordinada & validago social individualizada, teriamos um real problema de realizagao a ser enfrentado pelos capitais, pois a validade social ndo poderia ser acordada entre 0s produtores e os utiizadores da nova espacialidade por mecanismos que contomassem o mercado. O mercado, nesse caso, seria, por definicao, a forma de coordenagao desses agentes. Segundo Lipietz, esse problema se colocaria, Enssios FEE, Porto Alegre, (16)2°510-555, 1995 531 principalmente, nas operagdes de renovago e de criagdo de novos centros urbanos e comerciais, fazendo intervir 0 que ele denomina de “tética de validago social da produgdo monopolista do espago”. Essa “ttica" consistiria, basicamente, na intervengao do Estado (expropriagSes, alocagao de unidades administrativas e/ou culturais), que, de um lado, eliminaria as possibitidades de bloqueio da operagao de negagao da antiga espacialidade (expropriagdes) e, de outro, daria sinais a sociedade de que ele, 0 Estado, ratifica a nova espacialidade proposta pelos capitais privados. Portanto, esses sinais (alocago de equipamentos e servigos) serviriam de fatores de indugdo A validagao-realizagao da nova espacialidade, proposta pela via do mercado. Duas observagées so necessérias em relagdo as caracteristicas do processo de validacdo-realizagdo da produgao monopolista do espago, as quais, segundo nosso entendimento, s4o importantes para definir 0 regime Urbano fordista e sua forma de regulago. A primeira diz respeito a restrigao que Lipietz parece sugerir a0 sentido da operacao de renovacao urbana promovida pela produc4o monopolista. Em geral, 0 termo renovagao urbana 6 utilizado para caracterizar as macrotransformagdes na DESE, em que areas “deterioradas" so objeto de uma operagao de "recuperagao”. Deixando de lado a linguagem clinica, o que temos é a passagem de usos hierarquicamente inferiores a usos superiores, do ponto de vista da escala dos rendimentos de seus utilizadores. Aqui, a referéncia atual 6, por exemplo, no caso parisiense dos anos 70, a renovagao do Les Halles ou do Xill arroudissement ou, ainda, as transformagdes em Beroy-Tolbiac, com a instalagao do Ministério das wangas e da nova Biblioteca Nacional. Entretanto, se a caracteristica da forma de regulago monopolista ou fordista ¢ a negagao recorrente das espacialidades anteriores, a partir da proposi¢ao de novas espacialidades, se, como enfatiza Aglietta, um dos tragos constitutivos do modo de consumo fordista e do seu regime de acumulagdo a produgdo em massa de habi- tages, parece razoavel que 0 processo de renovacao urbana, ou seja, de negac&o da espacialidade passada, possa assumir dimensdes diferentes. Ele pode se manifestar tanto sob a forma de macrotransformagies —sentido corrente do termo, 0. qual é utilizado para caracterizar as operagdes mono- polistas que internalizam uma série de extemnalidades — como sob a forma de transformagées médias (bairro), pequenas (parte de um bairro) ou micro (Conjunto ou mesmo uma rua, como & 0 caso do Alto Leblon na Cidade do Rio de Janeiro) 532 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-585, 1995 Mas, se a atuagfio dos capitais pode se manifestar emtodas essas escalas, aqui entramos na segunda observagao, a intervengao do Estado em todas ‘as operages de mudanca na divisdo econdmico-social do espaco exigiria uma ‘capacidade de interven¢do na espacialidade construida que parece ultrapassar ‘em muito suas reais possibilidades, seja do ponto de vista da sua capacidade de coordenagao temporal e espacial das miitiplas "demiandas" de auxtio de validagdo-realizagdio das novas espacialidades propostas, seja do ponto de Vista (resolvido 0 problema de coordenagdo) da onipresenca do Estado na regulago espacial. A existéncia desse Estado urbano, no limite da argumen- taco, eliminaria a possibilidade de existéncia de relagdes de mercado que interferissem no proceso de estruturacdo da espacialidade construida urbana; teriamos algo como uma “lei de Say urbana", onde 0 Estado garantiria a realizago de toda a produgao de espago construido.® Portanto, parece-nos razoavel supor a existéncia de outros mecanismos que assegurariam a realizagdo da espacialidade construida urbana, “pro- posta’, via mercado, pelos capitais imobilirios. Esses mecanismos, na medida em que expressam e permitem a reprodugao da estrutura urbana, fariam parte da forma de regulac&o urbana fordista. Em outro texto, procuramos propor uma forma de coordenacao espacial das decisées de produzir espacialidades construidas pelos capitais imobiliérios e de sua validagdo social, que néo passariam necessariamente pela acao do Estado (ABRAMO, 1991). Essa forma de coordenagao, a que chamamos de "convengao urbana’, seria uma resposta dos agentes produtores da espacialidade construida urbana a um ambiente urbano em constante processo de modificagao. A incerteza em relagéo a DESE futura seria um dos tracos caracteristicos do regime urbano fordista, na medida em que os capitals que produzem essa espacialidade devem negar a espacialidade passada, para impor 0 markup urbano, ‘Assim, os agentes que devem tomar decis6es em relagao a espacialidade construida, sejam eles produtores, sejam consumidores dessa espacialidade, E interessante notar que wa parte signifcativa do debate da sociologia urbana crtica francesa dos anos 70 nha na figura onipresente e, em alguns casos, onipotente do Estado ‘left motivde suas contibulgbes, Mesmo em um autor come Topaloy, que procurou anaksar {2 produgdo residencial de mercado, a preacupacao em identicar as agbes do Estado no ‘Sento de viabilizar 0 processo de ato-expanséo dos captals uma constante. Ver, por ‘exemple, Topaley (1974). Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-585, 1995 533 tomam suas decis6es em um horizonte de “incerteza urbana” em relagdo & DESE futura, pois esta sera o resultado agregado de um conjunto de decisies individuais descentralizadas. Portanto, os capitalistas imobildrios, individual- mente, especulardo sobre as intengdes de produgao dos outros capitalistas (onde e para quem eles vao produzir espacialidade construida) e, sobre a base dessas especulagdes, formulardo uma idéia da DESE futura (virtual), Mas, como cada capitalista sabe que os outros capitalistas estdo também formu- lando suas opiniées sobre a DESE futura — a partir do que ele pensa que a mesma seré futura —, ele, capitalista individual, reformula sua indagagao e pergunta 0 que o outro pensa que ele pensa da DESE futura. Assim, se todos 08 capitalistas se colocarem esse tipo de interrogago, teremos um "ambiente de especularidade" (DUPUY, 1989), onde o receio de um julgamento errado, dada a incerteza sobre 0 futuro, produziria um comportamento imitative (KEYNES, 1937) ou mimético (ORLEAN, 1986, 1989), ou teriamos a emergén- cia de uma "opinido média" do que seria a espacialidade construida futura, uma “convengaio urbana’. Isso permitiria aos capitalistas formularem suas decisbes de alterago da espacialidade construida, ou, entéo, teriamos uma desisténcia (fuga) de uma pratica monopolista de alteragao da espacialidade construida. Tal fuga tanto pode se manifestar na decisdo de nao produzir (crise urbana) como na decisdo de um retomo as praticas do regime concorrencial, onde os capitais reproduzem as caracteristicas da diviséo econdmico-social do espaco e, portanto, nao seriam capazes de impor un markup urbano. ‘Assim, a "convenco urbana seria a forma de coordenagao dos capitalistas imobiliios, quando estes estariam sob a lbgica do "espirto anima, isto 6, quando ‘suas decisées S40 comandadas pela busca de um markup urbano e, portanto, da negagdo da DESE preestabelecida. A DESE preestabelecida poderia ser identifi ‘cada — fazendo-se analogia com o esquema de Keynes — com 0 "valor funda- mental". Nesse sentido, enquanto no regime concorrencial é o valor fundamental que comanda a regulacdo da estrutura espacial urbana e a reprodutibilidade do ‘espago guarda uma forte relago com a estrutura "real" da diviséo econémico-social do espago —herdada da historicidade das ages do passado —, no regime fordista 'espirito animat' dos capitalstas urbanos faz comaque a reprodutiblidade do espago se afaste da referencia “real’ (DESE preestabelecida) e se articule com as antec pages que os produtores da espacialidade fazem da DESE futura Nesse sentido, a passagem de uma forma de regulagdo a outra pode ser vista como a passagem de um critério de regulacéo “naturalizante", onde a inércia estabelece os atributos “reais” que determinam os pregos-localizagdes 504 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510.555, 1995 daDESE, aum critério eminentemente social, & medida que a reprodutibilidade do espago construido se dé por um proceso continuo de "proposigées" de alteragdo da DESE, que devem ser validadas sociaimente. Uma parte dessas validagées passa por uma “tatica’ de apelo ao Estado, mas uma outra parcela das mesmas deve passar pelo crivo tradicional do mercado. ‘Acima, sugerimos que a "convengo urbana” emerge como uma dessas formas de coordenacio espacial das intengdes dos capitalistas de produzirem a espacialidade urbana. Mas 2 convenggo urbana serve também como um *sinal” para as decis6es dos consumidores (validagao-realizagéo) da nova espacialidade proposta. Da mesma forma que os capitalistas percebem 0 horizonte de incerteza urbana futura, os consumidores-adquirentes também ‘temem que as mudangas continuas na DESE produzam uma “variagao hierdr- quica" da sua localizagao e das suas implicagbes monetéria (desvalorizagdo- -valorizagdo) e social (degradagao-ascengdo na escala sécio-espacial). Por- tanto, esses consumidores vo procurar antecipar as alteragdes futuras da DESE’ e, para tal, vo procurar os sinais de referéncia para suas formulagées sobre a espacialidade futura. Aqui, a convenc&o urbana aparece como um desses pontos de referéncia, a partir do qual os consumidores-adquirentes de espacialidade construida podem, também, formular suas antecipagdes sobre a divisfo s6clo-espacial urbana futura. Assim, a convengo urbana que emerge do “clima de especulagdo mimética" (ORLEAN, 1969), na esfera dos pro- dutores da espacialidade construida urbana, tende a ser ratificada pelos consumidores, dada a falta de outras referéncias em relacao ao horizonte de “incerteza urbana". Teriamos, entéo, uma relacdo que auto-reforcaria a con- vengo urbana e que, a0 mesmo tempo, tenderia a transformé-la em uma *profecia auto-realizadora”, estabilizando temporariamente a forma de coorde- nagdo espacial das ofertas capitalistas, bem como serviria de ‘tatica" de validagdo-realizacdo das novas espacialidades propostas. Em nossa tese de doutorado, procuramos apresentar duas esratégias dos compradores de espacialidade residencial construkfe: estratégias defensiva e ofensiva, Na primeira, os ‘ters de tomaca de cecisdo de coneumo passam prncipalmente por uma antecipag30 da evolugdo dae exteratdades vinculadas a0 -bem-estar social” que a moradialocalizacSo olerece. Na estratégia ofensiva, os consumidores procuram antecipar as modiicagbes hierarquicas da DESE, no intullo de obterem um ganho monetané antecipado: uma eventual "valorizagao hierdrquica® da moradiaocalzacto Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2 510-555, 1995 535 Desse modo, se as observagbes que fizemos sobre a forma de regulagao fordista, caracterizada pelo "espirito animal", tiverem alguma relevancia, a reprodutibiidade da DESE no regime urbano fordista assume formas de regulagio diferentes — segundo as caracteristicas no s6 das formas de produgo da espacialidade construida (producao estatal e capitalista privada), mas também em fungao das particularidades dos processos de coordenago dos agentes e de validacdo social das espacialidades propostas. Portanto, podemos estabelecer uma aticulacao entre as formas de produgéo de moradias e os mecanismos de regulacdo da espacialidade urbana capitalsta. Grosso modo, a literatura sobre a oferta de moradias nos paises desenvolvidos tende a distinguir ts grandes formas (sistemas) de produgdio (promogo, pro- Visto) residencial capitaista, no regime urbano fordsta, A saber: - produgdo estatal; - producdo capitalista “sustentada"; = produgao capitalista “auténoma’. Durante 0 regime fordista, o Estado esteve sempre presente nas formas de produgo residencial, coordenando as decisées de producao (politica habitacional) ou os fluxos monetérios financeiros, que financiavam a produg&o e a realizacdo do setor habitacional (politica monetaria). Mesmo no caso norte- americano, citado como "paradigmatico’ da politica habitacional "liberal", ou de mercado, no regime fordista, 0 Estado tem uma participagao ativa na montagem do sistema financeiro habitacional e no seu gerenciamento (TOPALOV, 1988)°. Portanto, a diferenca entre a produgao capitalsta "susten- ® Ver, por exempl, a formulagdo em termos de promogao imobilétia em Topalov (1974; 1984, 1967), onde: no primeiotvro, © autor apresenta uma taxonomia da promacdo imobitsra, no ‘segundo, procura eslabelecer os fundamentos le6rcos (teora da renda) dos tésmercados, 2; Mo terceio, fomece uma andlse hstrica do caso francés dessa "mercadoria mpossivel” Um outro exemplo & o de M. Bal (1993, 1986) 0 autor sugere o conceta de “estrturas de proviso habitacionar" (SHP) como um instumento (um metatheocretical concept) (BALL. HARLOE, 1992) a part do qual seria possivelidentficar histoicamente as formas de provimento residencal Ball rejeta toda tentatva de teorizagao global do tipo renda da terra (BALL, 1985) e propde 0 materialism histérico come insiumento privlegiado das andises sobie 0 urban. Nesse sentido, 0 conceta de sistema de provis8o habitaclonal permtia Tevelat, em cada momento histérico espacial particular, os agentes envolvidos no proceso do produsao e reatzacze da moradla, assim como as relagbes que estabelecem com a sociedade 536 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2'510-585, 1995 tada’ e a auténoma nao se estabelece por manter, ou no, vinculos e/ou utilizar as estruturas institucionalizadas estabelecidas pelo Estado. De certa forma, durante 0 periodo fordista, toda a producdo capitalista de moradias esteve articulada, de forma direta ou indireta, com 0 Estado. A diferenga manifesta-se nas normas que a oferta capitalista deve obedecer para ter acesso a certas prerrogativas que introduzem nuangas nos critérios normals do livre jogo da concorréncia € do mercado (por exemplo, taxas de juros inferiores as do mercado financeiro). Assim, a produgo capitalsta "sustentada" deve obede- cer a certos critérios institucionais na alocagao de seus recursos produtivos (produzir moradias para uma faixa de renda particular, aceitar 0s coritérios preestabelecidos para 0 endividamento familiar, etc.). De um lado,o Estado restringe sua liberdade de decisdo de produzir, mas, de outro, limita as incertezas de realizago de sua produgdo, dados 0s mecanismos institucion que permitem que essas mercadorias entrem no mercado com *vantagens comparativas", em relagdo as outras mercadorias-moradias. De forma simétrica, a produg4o aut6noma tem liberdade alocativa®, mas deve fazer face ‘a um ambiente de incerteza de realizagdo, inerente ao mercado capitalista. De forma esquematica, podemos articular essas formas de produg&o do ambiente residencial construido a trés formas de regulacdo da DESE das cidades capitalistas fordistas: a espacial concorrencial, a monopolista ea ‘*mimética” ou “convencional". As duas primeiras seriam reguladas pelos tributos diferenciais exégenos e endégenos respectivamente, nas quais 0 papel do Estado € fundamental, seja determinando as alteragdes na DESE e/ou programando o crescimento urbano (Estado urbanista), seja ratificando e garantindo a realizagao dos projetos de alterago da DESE propostos pelos capitais monopolistas (LIPIETZ, 1977). Entretanto, na terceira forma de regu- Jago espacial, o Estado ndo é uma entidade onipresente, ¢ a alteracdo da DESE faz-se no "jogo" da concorréncia capitalista. Nessa forma de regulag&o espacial, a realizagdo da nova espacialidade construida nao est garantida por mecanismos (estratégias) que contornem as sangSes do mercado. Assim, da mesma maneira que 0s capitalistas so relativamente livres para propor novas espacialidades construidas, eles devem fazer face também a incerteza do © ‘A iberdade alocativa 6 relativa, pois deve respeitar tanto as norinas contidas no obdigo de ‘obras como a legislagdo urbanistica que varia espacial e temporaimente Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2 510.555, 1995 537 reconhecimento (rejeic4o) social destas. Esse fenémeno de incerteza urbana conduz os capitalistas urbanos a serem cautelosos. A cautela na deciséio do alterar a espacialidade urbana através da produgao de uma mercadoria imobiliéria impde-se em razo de os capitalistas estarem cientes de que a espacialidade futura serd produto de um conjunto de decisées de produgao descentralizadas e autOnomas. Assim, 0 receio do n&o-reconhecimento social futuro da mercadoria-localizaco proposta pelo capitalista e, conseqiiente- mente, da obstrugao do ciclo de valorizagéio do capital urbano leva-os, no momento da tomada de decisio, a se interrogarem sobre as intengSes dos ‘outros capitalistas urbanos. Onde eles pretendem produzir? Para quem? Ou seja, cada capitalista, individualmente, se questiona sobre as intenoSes dos outros capitalistas no que se refere as alteragdes na DESE futura. Esse jogo de "especulacdo mimética" conduz a "emergéncia” de uma representagao sobre a DESE futura, assumindo a forma de uma “convengao urbana” (ABRAMO, 1991), a qual seré 0 mecanismo de regulagao espacial, quando 8 capitais se apresentarem no mercado sob a "veste” do “espirito animal" (KEYNES, 1936). {As trés formas de regulagdo da espacialidade urbana que descrevemos sdo caracteristicas dos sistemas de producdo residencial capitalista (nas suas duas formas) e estatal. Como enfatizamos antes, essas formas tendem a conviversob um mesmo regime urbano; entretanto o seu peso relalivo altera-se em fungdo dos diferentes regimes urbanos. Portanto, a regulagao da DESE de um regime urbano faz-se através da convivéncia de tipos de regulagao urbana diferentes; @ a predominancia de um sobre os outros em determinadas espacialidades da DESE expressa 0s tragos constitutives do proprio regime urbano. Pequenas variagdes do regime urbano: “fordismo periférico" e "acumulagao flexivel" ‘Atitulo apenas indicativo, podemas introduzir algumas diferengas em relagio ao regime urbano fordista, no intuito de apontar a relativa permissividade do conceito de regime urbano no que conceme as variages no tempo histdrica e no ‘espago geogréfico. Para tal, itroduziremos 0 sistema de produgdo de moradias, que se convencionou chamar de “autoconstrugéo", a fim de nos aproximarmos do 538 Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 que poderia ser um regime urbano do fordismo periférico € das discussbes, recentes sobre as alteragdes que a acumuiagao flexivelintroduz nos eritérios de constituicdo da espacialidade urbana (pés-modemidade urbana). Fordismo periférico e incerteza urbana Um bom exemplo da convivéncia de relagSes salariais fordistas e no fordistas e de sua expresso na forma de estruturacdo intera das metropoles periféricas é a permanéncia de critérios de localzago residencial e de modos de consumo caracteristicos das economias europsias ocidentais do século XIX e das primeiras décadas do século XX (proximidade do local de emprego) com os padrées de localizagsio residenciale de consumo do regime de acumulacao fordista. Este titimo, {endo seu pilar na conjugacdo da producdo em massa de moradias e automéveis, com 0 acesso dos assalariados a propriedade domictar, itroduz uma fratura na légica de determinago do local de moradia, a partir do crtério de localizagao do emprego e/ou outra forma de rendimento, Essa autonomizacéo dos citérios de locaiizagdo residencial pode se manifestar no que os autores dos modelos de base da economia urbana neoclassica chamam de “preferéncia por espago" dos ricos, em detrimento da “acessibilidade" ao local de emprego (CBD), caracteristica da fungdo de utlidade dos pobres (ALONSO, 1963; FUJITA, 1990). Mas, na nossa Opinio, o elemento mais marcante, no que conceme aos determinantes da local- -zago residencial ndo locativa — isto é, quando a decisdo de localizagdo residencial esta indissoluvelmente vinculada & aquisicéo (oferta) de um bem duravel —, & a {entativa de antecipagéio da evolugdo futura da estrutura urbana e da posiggo relativa virtual das residéncias-tocalizacées. Assim, 0 critério de localizagéo resicdencial estaria em grande medida determinado pelas especulagSes sobre a evolucao futura da estrutura urbana (ABRAMO, 1988). Entrelanto a evolucdo futura seré produto de uma infinidade de decisdes auténomas, de produgdo e de consumo de espacial dades urbanas. Essa caracteristica de um horizonte de “incerteza urbana” da dinamica de estruturacdo intra-urbana capitalista pode assumir "dramaticidades" diferentes, em fungo de tragos dominantes no modo de reguiacdo da espacialidade. Por exemplo, se a "regulagao monopolista” ou o Estado urbanista sao predominantes em relagao a “regulacdo monopolista" ou keynesiana, 0 horizonte de incerteza, sem desaparecer completamente, dé lugar a algu- mas formas preestabelecidas de coordenacao da evolugao da espaciali- Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2'510-555, 1995 dade urbana. Contrariamente, podemos supor que, quando temos um regime urbano onde a regulacéo mimética do espago assume uma importancia consideravel, como forma de coordenagao da oferta capitalista de moradias, © exercicio de antecipara estrutura urbana futura é mais incerto e esta, em boa medida, subordinado crenga que os produtores e os consumidores de espacialidade urbana tém da evolucdo futura da cidade. Na maior parte dos regimes urbanos da periferia, encontramos formas de produg&o de moradias que passam a margem das regulamentagées urbanas (loteamentos clandestinos, invasdes, autoconstrugdo, etc). Quando em um regime urbano conviver, de um lado, os sistemas de produgao de moradias fordistas (estatal, sustentado e auténomo) e, do outro, as formas informais de produgdo de espacialidade residencial, podemos dizer que a regulagéio urbana se faz a partir de elementos da regulagdo urbana fordista e da regulagio periférica, Por justaposicao (nesse sentido, adotamos o crtério de Lipietz), podemos chamar esse regime urbano de fordista periférico (LIPIETZ, 1985) ‘Assim como na maior parte das metr6poles do fordismo periférico encon- tramos uma parcela significativa das moradias das camadas de menor poder aquisitive sendo produzidas por sistemas que ndo obedecem aos critérios legais € como a expanséo urbana nao parece obedecer a0s principios @ as atitudes voluntaristas de um Estado urbanista, que coordenaria as intengdes de produzire de consumir espacialidade construida, a incerteza urbana parece ter uma importancia bem maior do que nos regimes urbanos fordistas das economias desenvolvidas. As antecipagées da evolucdo intra-urbana, tanto dos capitalistas que ofertam moradias quanto dos trabalhadores (fordistas) que consomem (adquirem) essas mercadorias, devem fazer face a um outro vetor (@leatério) de transformagao da estrutura urbana: a informalidade residencial, Tal caracteristica conduz-nos a levantar a hipétese de que os processos especulativos sobre as espacialidades construidas futuras assumem um peso nna regulacdo urbana do fordismo periférico bem superior aos dos paises desenvolvidos ¢ que podem explicar os rapidos processos de mudancas intra-urbanas (DESE) das metrépoles do fordismo periférico.'° Em outras "© Em geral,aiteraturacitica sobve 2 teoria da renda urbana enfalza ocardter "perverso” da lespecuiagto imoblldtia D. Harvey é um dos poucos autores que sublinham seu papel funcional na slocacto espacial ubana (HARVEY, 1962), 540 Ensalos FEE, Port Alegre, (16)2'510-555, 1995 palavras, nos regimes urbanos onde a incerteza urbana adquire um peso importante, a forma de regulacdo urbana se estabelecer-se-ia, em boa parte, a partir das convengées urbanas. A crise do regime urbano fordista: flexibilidade urbana e concorréncia urbana Durante os anos 80, a maior parte dos paises desenvolvidos ocidentais procuraram promover alteragdes significativas nas normas e atitudes que ‘comandaram, desde o final da Segunda Guerra Mundial, as relagdes entre © Estado ea sociedade, entre 0 capital e os trabalhadores e entre as economias nacionais e 0 "resto do Mundo’. Alguns prinoipios gerais do ideério liberal transformaram-se em verdadeiras bandeiras na cruzada contra a “rigidez da heranca das politicas keynesianas” e dos Estados de Bem-Estar. Essas nogdes gerais transformar-se-iam em leit-motiv dos dis- cursos dos anos 80 e, em grande medida, comandaram as tentativas de dar coeréncia global aos processos de reestruturagao econdmico-social pro- movidos pelo discurso neoliberal. Assim, verificamos uma difuso e uma amplificagao dos processos de desregulamentagao, de globalizacdo da ‘economia (laissez-faire) e, principalmente, de flexibilizagéo das relagbes contratuais; da produgdo para atender a uma demanda flexivel (spec-flex, no jargao da nova geografia econémica); e das relagbes hierarquizadas, nas relagdes de trabalho, com a difusdo do principio de organizago horizontal do “modelo J* (AOKI, 1988). Sem duivida, esses trés conceitos (desregulamentacdo, globalizacao e flexibilidade) so os pilares a partir dos quais as economias capitalistas procuram edificar um novo regime de acumulacdo que substitua o regime fordista em crise, Um tema recorrente no debate, hoje, € 0 de saber se é possivel identificar um novo regime de acumulagao (acumulagao flexivel), capaz de substituir 0 regime fordista e de promover um novo movimento longo de crescimento estavel (HARVEY, 1990; HARVEY, SCOTT, 1988; SCOTT, STOPPER, 1987). Ou se, ao contrario, estariamos em uma fase transit6ria, onde a reestruturago poderia conduzir a regimes de acumu- lago e a modos de regulacdo diferentes, e se, de fato, hoje teriamos projetos concorrentes entre si, para se tornarem hegeménicos (LIPIETZ, Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 sat LEBORNE, 1991; BOYER, 1991)."’ Entretanto o debate sobre a urbanizagao — ‘ou, segundo os termos que procuramos avangar, sobre 0 novo regime urbano 1p6s-fordista — parece ainda restrto a analises compartimentadas (desregulagéo dos sistemas habitacionais, liberalismo urbanistico, etc.). Uma exceg8o a essa tendéncia & fragmentagdo das andlises sobre 0 urbano é a hipdtese de que a cemergéndia da-acumulacSo fexivel se articularia comm um movimento mais geral — que se manifestaria, sobretudo, no plano cultural — de mudanga na concepedio de ‘tempo e de espago (HARVEY, 19902) Assim, estariamos diante de um momento em que a relagao tempo-espago herdada da visdo racionalista da modemidade tenderia a ser substituida por uma outra concepgao: a condi¢do pés-modema. Portanto, a flexibilidade seria uma nova concepsio da relagdo tempo-espago: enquanto na modemidade a azo impSe uma determinada disposic&o espacial e temporal universal entre os homens, a fim de assegurar a “utlizago dtima dos recursos escassos", a Condigdo pés-moderna questiona esse otimismo extremado da razdo e faz apelo a outras mediagdes. E nesse ambiente adverso a racionalidade que o discurso urbanista, ao longo dos anos 80, muda radicaimente de diego. A tradigdo do urbanismo racionalista, que marcou a maior parte das intervengdes urbanisticas do Pés-Guerra, nao resiste 4 ascenso de um discurso ctico & cegueira da razo e que faz apelo ao retomno da “arte urbana” (RAGON, 1986, CHOAY, 1988). As intervencées cirirgicas de urbanizagao @ produgéo de ‘equipamentos que organizavam o espaco urbano segundo uma racionalidade funcional cedem lugar as grandes obras arquitetdnicas que, a partir de seu valor simbélico e de atrac&o, poderiam mobilizar as agbes individuais, via mercado, de organizago espacial. Em outras palavras, o urbanista volta a sua formagao de origem, a de arquiteto, (© debate sobre a caracterizagto do novo regime de acuriuiagdo, de certa forma, ainda esté restito.a0 crculo das andlises que omam a dimens8o.espacialcomo uma varvel importante ha determinagao dos fendmenas socials. Assim, esse debate aparece mais freqUentemente has discussbes sobre as mudangas nos processos de trabalho e na nova espacialidade (Geogratica) da produgao captalsta (BENKO, ed. 1990, BENKO, DUNFORD, eds. 1991. BENKO, LIPIETZ, eds. 1982), Entetanto, tal como no debate manxista sobre a “rise ou ‘colapso" do capitalism no inkso deste sécuio, podemos visualzarprojetos polticos que tencontram suas "razbes discureivas’ na caracterizagdo do regime de acumulagSo: perspec tiva socialista na leitura da geograia econémica radical norte-americana e perspective ‘ecoldgica ou social-democrata erie os regulaconistas fanceses, 542 Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-585, 1905 Mas esse “urbanismo monumentalista” (TRIBILLON, 1990), que é, sem diivida, tipico das grandes metrépoles dos paises desenvolvidos, ao longo da segunda metade dos anos 80, ndo pode ser visto apenas como expresséo crtica da racionalidade funcionalista. Ao lado desse movimento no plano das idéias, temos outras articulagBes que também poderiam justiicar o retorno das concepebes da “arte urbana’. Do nosso ponto de vista, acreditamos que esse urbanismo monumentalista e as outras alteragdes no regime urbano tipico do fordismo se articulam com os trés processos que comandam os movimentos de reestruturagao e de saida da crise do fordismo: globalizagso da economia, desregulamentagao e flexibilidade. A globalizag3o da economia poderia ser identificada como um amplo proceso de mudanga na divisdo internacional do trabalho que, grosso modo, seria comandado pelo retomo da concepgéo de economias abertas estru- turadas segundo o critério das vantagens comparativas. Aqui, 0 elemento- -chave 6 a idéia de que 0 mercado penaliza os agentes (paises) menos eficientes e que, a0 penalizé-los, conduz a uma étima alocagéo planetaria. Mas para que realmente prevalega o critério do mais eficiente, é necessério que todas as "muralhas protecionistas” sejamderrubadas e que se instaure o idllico mercado concorrencial mundial. Assim, as fronteiras econémicas ndo seriam mais estabelecidas por instrumentos artificiais, mas pela busca incessante do ganho de compelitividade. Estaria aberta a corrida aos ganhos de produtivi- dade e de redugao dos custos salariais e sociais. Em sintonia com esse movimento geral de globalizacao, os processos de desregulamentagdo ¢ de flexibilizagdo seriam os meios pelos quais a idéia de superagao da rigidez fordista e de instaurago do mercado concorrencial se implantaria nas ‘economias nacionais. ‘A perspectiva da globalizacdo nfo se manifesta apenas nos fluxos inter- nagbes de servicos e bens, ela se manifesta em uma infinidade de outros dominios (LATOUCHE, 1986). Uma dessas formas particulares de mani- festagio da globalizacdo € a “concorréncia urbana’. ‘A concorréncia urbana é o mecanismo pelo qual as cidades disputam entre ssi os recursos — em geral, privados — dos investidores. Nessa luta pela atraco de investimentos que possam gerar empregos € recursos fiscais, a origem dos capitais ndo representa um fator de constrangimento, eles podem ser intemacionais, regionais ou mesmo locais. Entretanto a concorréncia urbana por esses capitais é bem hierarquizada, ou seja, a concorréncia entre ‘as grandes metrépoles intemacionais (Paris, Londres, Nova lorque, Téquio, Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2'510-555, 1905 543 Berlim) estabelece-se segundo oritérios bem diferentes daqueles que coman- dam a concorréncia entre as metrOpoles regionals e/ou as fechnopoles. Porém um trago que unifica todas essas cidades, que vivem sob 0 signo da concor- réncia urbana, é a passagem, durante os anos 80, de poliicas urbanas, cujo objetivo prioritério era a organizacao espacial urbana, para politicas urbanas subordinadas a \6gica do crescimento econémico @ da geragsio de emprego local (LE GALES, 1991). De novo, tal como no processo mais geral, a desregulamentagéio — em grande parte incitada pelas crises fiscais urbanas e pelo desengajamento do Estado de suas politicas gerais de infra-estrutura servigos urbanos — ¢ a descentralizagao administrativa ocorrida durante a Ultima década — em particular nos paises europeus — participam desse movimento de concorréncia urbana, pois, de um lado, reduzem os aportes de recursos e, de outro, transferem responsabilidades. Com isso, as autoridades locais devem promover suas iniciativas de regulagao da espacialidade urbana sob uma dupla restrig4o: orcamentaria e incitativa. A primeira conduz as ‘administragSes locais a favorecerem as iniciativas privadas de intervencao e de alteragdo da espacialidade construida, Um exemplo dessa tendéncia pode ser visto nas renovages de antigas instalagdes portudrias nos EUA (HARVEY, 19902) e na Inglaterra (PICKVANCE, 1990; QUERRIAN, 1990), onde a ativi- dade imobiliéria privada passa a ter um papel mais singificativo nos grandes processos de alterado da estrutura intra-urbana, ‘A segunda restric&o, l6gica incitativa, conduz as politicas urbanas a obe decerem aos critérios da concorréncia urbana. Assim, as grandes metropoles internacionais passam a ter politicas de instalagao de novos equipamentos — tais como rede de fibras éticas de telecomunicagdes —, a fim de atrair investidores, cujas seguranca e rapidez nos fluxos de informagdes seriam um elemento importante nos critérios de decisao locacional, ou mesmo uma politica de grandes monumentos (‘arte urbana), no intuito de aumentar 0 prestigio intemacional da cidade e atrair as redes de grandes empresas multinacionais. Segundo Harvey, essas alteragdes, dentre outras, indicariam ‘a passagem de um modo de gestao urbana caracterizado pelo managerialism, tipico do fordismo, para um outro modo de gest&o urbana definido pelo entrepreneurialism (HARVEY, 19904). Enfim, a concorréncia urbana altera de forma significativa a forma de regulacdo urbana fordista e, quando articulada A flexibilizag4o, pode conduzir a novos regimes urbanos. Como indicamos antes, sob 0 termo geral de flexibilizacdo, podemos identificar processos diferentes, que vo da redefinigao das relagées contra- 544 Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 tuals assalariadas a novas formas de organizagdo do processo de trabalho. Aqui, vamos apenas indicar como a emergéncia.da acumulagao flexivel, a0 redefinir 0s critérios tradicionais de localizagao industrial do fordismo, permite a identificacdio de alguns elementos que poderiam conduzir ao surgimento de novos regimes urbanos. Enquanto a globalizagao da economia introduz o tema da concorréncia urbana, as modificagbes na forma de organizacdo do processo de produgo e trabalho, na iiltima década e meia, trazem de volta o debate sobre a nog&o de distritos industriais,' com as suas implicagdes, seja na reorganizacao do territério, seja na redefinicdo das politicas industriais voluntaristas (por exem- plo, redefinicao das polticas setoriais e de complexos industriais). ‘Assim, nos iltimos anos, a dimens&o espacial da organizagao da producdo capitalista volta a ser um elemento importante nos critérios de localizacdo industrial. Os critérios de organizacdo industrial caracteristicos da fase fordista (produgao em massa de oligopolizagdio), que conduziram & intemalizagao dos efeitos de aglomeracao (integracao vertical) e que, em grande medida, negli genciavam a varivel espacial dos efeitos interindustriais, vo, paulatinamente, sendo substituidos por formas horizontais de organizacao (AOKI, 1988). Esses novos crtérios, comandados pela nocdo de flexiblidade, privilegiam a gestéo de fluxos e procuram reduzir suas poitticas de estoque ao minimo necessario. ‘Ao contratio do periodo fordista, onde uma politica de estoques e de integragao vertical permitia uma relativa autonomia das firmas, vis-a-vis a dos fomece- dores e & do mercado (oligopolizacao), a “fase” da acumulagso flexivel faz retomarem as relagdes interindustriais e 0s efeitos de aglomeragao. Isto 6, 0 contato ¢ a proximidade entre firmas e fornecedores passa a ser um elemento importante na dindmica da organizagéo industrial flexivel, pois a externali- zagGo, ou desverticalizacao (SCOTT, STOPPER, 1987), da organizacdo in dustrial reintroduz relagdes de mercado nas relages que antes eram estabelecidas de forma hierarquizada no interior das firmas. Entretanto essa passagem de uma forma de coordenacao organizacional para a forma mercado, se, de um lado, faz as firmas se desengajarem de suas 2 © debate sobre os dictitos industals tem sido objeto de intmeros seminarios, nos quals 3 experiéncia da “tercera lila” ¢ 0 que poderlamos chamar de paradigma dessa forma de organizardo da atividade ne espace. Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 545 politicas de estoque (custosas em momentos de taxas de juros altas e ins- téveis), de outro, pode conduzi-ias a assumirem "oustos de transagao" que ‘no justificariam o abandono de relacées intrafirmas e o recurso ao mercado (WILLIANSON, 1985). Assim, os efeitos de aglomeraggo voltam a ser um elemento importante nos critérios de decisao locacional industrial, pois reduzem os Custos de transago ¢ permitem, portanto, a flexibilizagfio da organizagao industrial. Um outro fator constantemente apontado como indutor do surgimento de distritos industriais é a proximidade nas relagdes entre as firmas e seus fornecedores. Ao contrario da tradigao cléssica da teoria da localizagao, que enfatizava o custo de transporte como 0 elemento determinante na definig&o da geografia da produc, a explicagao atual da proximidade entre as firmas parece repousar sobre a facilidade e a assidui- dade do fluxo informacional. Em outras palavras, a flexibilizacao da organi- zagdo interna das firmas, a rigor, conduziria a uma maior capacidade de ajuste da produgdo, seja a flutuagdes e/ou redirecionamento da demanda, seja a guerras de precos que exigiriam esforgos de ganhos de produtivi- dade. Mas para que esses ajustes se concretizem, as firmas devem estar em constante relacdo com seus fornecedores (se produzirem bens finais) ou consumidores (fornecedores), a fim de transmitirem os sinais ne- cessarios 8s novas tomadas de decisées. Sem divida, o distrito industrial facilita 0 contato entre firmas e fornecedores e pode, a partir do contato freqlente com seus tomadores de decis6es, eliminar os riscos dos sinais emitidos exclusivamente pelas relacées de mercado. Portanto, 0 processo de flexiblizacdo da forma de organizago industrial do fordismo pode conduzir & emergéncia de novas formas espaciais (SCOTT, 1986). O distrto industrial é uma dessas novas formas e pode dar surgimento a um regime urbano e a uma regulagdo urbana bem diferentes daquelas caracteristicas do fordismo. Entretanto ele no pode ser visto come © Unico regime urbano pés-fordista. Acima, vimos que a concorréncia urbana pode conduzir a mudangas significativas no regime e na regulacao urbanos das metr6poles intemacionais e regionais. Vimos, também, que a desregulamen- tagao e a descentralizagao administrativa modificam a forma de regulagao fiscal-monetaria urbana fordista (keynesianismo urbano), que, eventualmente, pode conduzir ao que Harvey chama de forma urbana pés-moderna: retomo da “arte urbana” monumentalista, com o "mecenato” da promogao imobilidria (HARVEY, 1990a). Portanto, podemos visualizar uma pluralidade de proces- 50s que podem dar surgimento a novas formas de regulacao urbana. 546 Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510.555, 1985 Um exemplo de regulago urbana que difere daquela que identificamos come tipica do fordismo, e que ver suscitando uma literatura crescente, 6 0 que se convencionou chamar de tecnopélos'®. A nogao de tecnop6io articula~ -se, confundindo-se mesmo, com ade distro industrial. Porém alguns estudos procuram sublinhar a particularidade propriamente urbana do "fendmeno tec- hopoltano", ao enfatizarem nao s6 os aspectos tecnol6gicos-produtivos dessa nova espacialidade, mas também uma sociabilidade urbana diferente (DE CERTAINES, 1988; SCOTT, STOPPER, 1987) Emigeral, os tecnopéios séo concentragSes espaciais que agiuinam uma série de funedes que feriam em comum 0 fato de serem de ata tecnologia. © exemplo paracigmétco é, sem divida, o Silcon Valley (Santa Ciara) e, em menor escala, a Reodlovia 128 (Boston), A génese desses novos complexos de base cintiica & defnida pela aticulagdo de cinoo elementos constiuivs (CASTELLS, 1985): a produgdo de ‘onhecimento, a injeco de capital pibico, a disponibiidade de capital de risco,o bom lima dos negécios © a insereao de um mercado de trabahwo segmentado, Essa caracterizaglo pode ser nuangada em funcdo das caractersicas particulars de cada tecnopdlo, Entretanto pademos encontrar em quase todos esses nowos modelos espaciais uma estratépla do Estado © das regibes engajadas na sua constiuigao no sentido de car parques tecnolégicns,estabelecer estruturas de incubagdo e promover associagbes entre universidades e indtstias no intuito de potenciazarsinergias de produgdo de conhecimento e sua utlizagdo industial (MANZAGOL, 1990). Esses tracos gerais, que poderiam configurar novos regimes urbanos, so bem diferentes do regime urbano fordista, pois, neste titimo, a “funcionalidade da cidade" se articula com a producdo capitalista a partir dos problemas de realizago dinamica da produgdo. Como vimos, 0 fordismo tem na organizacdo tayloristado trabalho umdos seus tracos constitutivos. Essa forma de organizar 2 produgo conduziu a um sistema de produgao em massa de mercadorias, cujos problemas de realizacdo levaram a crises constantes.'* A emergéncia, Para uma apresentagdo etal dos tecnopéles, ver Benko (1990), Magalhaes (1991), De Certaines (1908), Na fteratuta regulacionista, a rie de 1929 6 caracerizada como uma crise de reaizacio {de demanda efetiva segundo o¢ termos Keynesianos) e marca um ponto de inflexao importante na caracterizagdo dos lites da regulac20 concorrencial sob uma forma de organizecto da producdo taylorieta Para uma apresentacao, ver Boyer (1978), Boyer & Mistral (1983); Cora, 1979, e Bertrand (1983) Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 sar no Pés-Guerra, da espacialidade urbana fordista (sua producao material e sua regulago) e das convengées salariais fordistas permitiu a ampliacao dos mercados de bens durdveis e uma relativa estabilizago do regime de acumu lacdo fordista. Assim, 0 regime utbano fordista, ao instituir novos critérios de localizacdo e formas residenciais, permitiu a mercantilizagao das relacbes da vida cotidiana e da acumulagdo familiar de bens de consumo duraveis, o que, sem duivida, conduziu a ampliagdo do mercado de bens "standardizados". Entretanto o "regime urbano" dos tecnopélos parece ser comandado nao por um problema de realizacao da producao, mas, sobretudo, pelos problemas ligados a esfera da produgao. A crise na forma de organizagao taylorista, que ‘se manifesta principalmente na queda da produtividade do trabalho'® e na igidez-standardizagao" da oferta (produto e processo), vis-a-vis a uma de- manda cada vez mais flexivel, ¢ um dos principals elementos de erosao do regime de acumulagdo fordista (CORIAT, 1990). Assim, a emergéncia dos tecnopélos estaria vinculada & redefinicao dos critérios fordistas de organi- ago industrial, em particular 0 de integrago vertical. As nogGes de just-in- -time, flexibilidade e economias de aglomeragéo ganham importancia em relacdo & concepeao tradicional dos ganhos de escala, A busca constante de inovagées e de diferenciaco de produtos aproxima e articula os processos de concepgao (pesquisa ¢ desenvolvimento) e de produgao. Do ponto de vista espacial, essa aproximacao se manifestaria em um novo regime urbano: 0s tecnopélos. A funcionalidade urbana desses tecnopélos e sua regulagao tenderiam a ser explicadas pelos efeitos espaciais (sinergias, culturas tec- nolégicas comuns e acumulativas, etc.) dos novos ertérios de organizagéo do processo de produc. Nesse sentido, enquanto a funcionalidade do regime "5 ho contro da cise de 1929, a crise do foreismo seria caracterizada como uma crise de lucratividade:"(.) fa erisis du madéle de developement forden s'annonce avant tout ‘comme une cise du cbt de Toffe a cise dun made organisation du travail qui, parce ‘que deshumanisant pour le saiai, fini par ne plus etre effsent méme du point de vue de Femployeus" (LIPIETZ, 1989, p 30) (°C) ‘erisls' co modelo do desenvolvimento forasta Se anuncia antes de tudo como uma rise do lado da oferta: a case de um modo de organizagto do trabalho, que, porque ‘desumanizante para 0 assalariado, termina por ndo ser mais efiente ncusive do ponto de vista do empregador") Para um exame do comportamento das varvels macroeconémicas na cise do fordismo, vver Boyer (1979, 1988) e Jullard (1988) 548 Ensalos FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1995 urbano fordista era definida a partir de um problema de realizagao dinamica da produgdo, a funcionalidade dos tecnopélos seria explicada pelos fatores ligados & organizagao da produgdo capitalista Da mesma maneira, parece claro que a forma de regulagao dos tecnopélos difere, de modo significativo, da forma de regulagdo das metrépoles interna- cionais, pois, nestas ultimas, a regulago urbana seria comandada, em grande parte, pelo principio de "prestigio mundial", capaz de induzir & instalagéo de sedes de grandes firmas intemacionais e/ou & transformagéo dessas ‘metrépoles em mercados financeiros planetérios. Portanto, podemos concluir que, apesar de a nogdo de flexibilidade comandar uma parte significativa dos processos de reestruturagéo econémico-socials, o momento que atravessamos ainda se constitui em um periodo de transi¢&o. Nesse sentido, a observagdo de Lipietz de que néo teriamos um tinico modelo (ou regime de acumuulagéio) de saida da crise (p6s-fordismo ou acumulagao flexivel), mas projetos concorrentes que dispu- tam 0 lugar de modelo hegeménico deixado vago com a crise do fordismo, poderia ser aplicada aos regimes urbanos. Assim, poderiamos, inclusive, ter a convivéncia de regimes urbanos diferentes, que se articulariam e se com- plementariam na configuraco de uma territorialidade nacional e/ou regional. Mas, para tal, a dindmica da concorrénoia urbana deve ser neutralizada, Um exemplo de neutralizagdo desse mecanismo pela ago coordenadora do Estado parece ter sido 0 caso do Japao, que procurou estimular a vocagéo de metrépole intemacional de Téquio, assim como da cidade industrial de Kawasaki, ao mesmo tempo em que desenvolvia os tecnopélos de Ovita e Nagaoka (FURUKI, 1991). Esse exemplo parece-nos interessante, pois con- tradiz, em parte, a tendéncia do liberalismo urbano, que insiste em decretar ‘a morte do planejamento urbano e regional. Concluséo 'Na primeira parte do texto, procuramos apresentar algumas teses sobre @ relacao entre o que, grosso modo, poderiamos chamar de os dois processos sinalizadores da modemidade capitalista: a industrializagao e a urbanizacao. De uma forma breve e sumaria, teriamos trés grandes "vers6es" interpretativas dessa relacdo: Ensaios FEE, Porto Alegre, (16)2:510-555, 1985 540 a) a visao classica, onde a industrializagao é identificada com a revolugao industrial. Segundo essa interpretagdo, as condigbes necessarias para a industrializacdo capitalista, em particular 0 proceso de expropriagéo (rura)-proletarizagdo (urbano), conduziram a formagao de "multidées" nas cidades. Esse movimento de redefinigéio do uso dos espacos rural e urbano e de alocacdo das familias no espaco, associado a um proceso de “transi¢&o demogréiica", em que as taxas de crescimento vegetativo da populagao apresentam um crescimento signiticativo, de- finiria 0 proceso de urbanizagao; b)a viséo nuancada, que também apresenta uma forte influéncia da matriz demografica e se distingue da anterior, pois procura caracterizar © processo de urbanizagéo sem industializacdo. Os estudos que se filiam a essa visto tém, em geral, como objeto de andlise os processos de urbanizagao acelerados ocorridos nos tiltimos 20 anos, no continente afticano. Esses autores tendem a substituir a relaco causal da indus- trializagao por fatores sécio-econdmicos e culturals que levariam a desagregagao da estrutura tribal e portanto, a um fluxo populacional em diregdo aos nticleos urbanos; ©) visdo estruturalista latino-americana, que procura enfatizar os efeitos de um processo de industrializago no qual teriamos uma estru- tura produtiva capitalizada e, assim, incapaz de absorver a méo-de-obra que estaria sendo "expropriada” pelas novas relagdes de troca. Com isso, segundo essa interpretagao, teriamos uma massa de “marginal zados" da estrutura formal de emprego que, dada a estrutura “arcaica’ do campo latifundiario, no poderia ser absorvida pelo espaco rural Desse modo, 0 cardter especitico do proceso de industrializagdo latino-americano produziria uma urbanizagdo particular, uma urbani- zacao com *marginalidade" — a dualidade modemo-tradicional que, a rigor, deveria exprimir os "mundos" urbano-industrial e rurab-latifundiario introjetados no interior do urbano, a partir da nogao de marginalidade, ou seja, do surgimento de um mercado informal de emprego. Na segunda parte do trabalho, procuramos apresentar uma visdo alterna- tiva as trés interpretagdes acima. Essa quarta "Vis8o" da relagao industriali- zagéo-urbanizagao poderia ser denominada regulacionista, no sentido de que ela procura estabelecer os contomos gerais de sua formulagdo a partir dos autores identiticados com 0 que se convencionou chamar de "escola francesa

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