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Contratualistas

Este texto é um extrato (com algumas modificações) da Obra de Dalmo de Abreu Dallari
“Elementos de Teoria Geral do Estado”; do artigo “As bases do pensamento democrático
liberal: uma visita às obras de John Locke e Jean-Jacques Rousseau” de Lier Pires
Ferreira e do artigo “Fundamento do estado de natureza e do estado de sociedade civil no
pensamento político de John Locke” de Nilton Marcelo de Camargo.

Thomas Hobbes (1588 – 1679)


A discussão sobre a existência de um Principais Obras: Leviatã;
De Cive;
contrato social (acordo de vontades) aparece
De Corpore;
em Hobbes sistematizada pela primeira vez De Homine.

na obra Leviatã (1651).

Estado de Natureza: permanente


“guerra de todos contra todos”
O homem vive, inicialmente, em um Estado de Natureza que engloba os estágios
mais primitivos da história e também situações de desordem oriundas da falta de
repressão das ações dos homens pela voz da razão ou por instituições políticas.
Os homens, no Estado de Natureza, são egoístas, luxuriosos, inclinados a agredir
os outros e insaciáveis, condenando-se, por isso mesmo, a uma vida solitária, pobre,
repulsiva, animalesca e breve.
Assim, o Estado de Natureza é uma constante situação de desordem, por
consequência é, também, um estado de
Thomas Hobbes (1588-1679), autor do
permanente ameaça de todos contra clássico Leviatã, foi o responsável por
divulgar a célebre frase "O homem é o
todos, já que não há razão ou autoridade
lobo do homem", inserida no seu livro
que possa controlar os desejos dos mais famoso.
A frase original, no entanto, traduzida
homens. Desta forma, o Estado de
para o latim como "homo homini lupus",
Natureza é a permanente “guerra de todos pertence ao dramaturgo romano
Plautus (254-184 a.C.).
contra todos”
A oração, metafórica, quer dizer que o
homem é um animal que ameaça a sua
própria espécie. O que a máxima
Igualdade Natural no Estado de
sublinha é a capacidade destruidora do
Natureza ser humano contra os seus.

O mecanismo dessa guerra tem


como ponto de partida a igualdade natural de todos os homens. Justamente por serem,
em princípio, igualmente dotados, cada um vive constantemente temeroso de que outro
venha tomar-lhe os bens ou causar-lhe algum mal, pois todos são capazes disso. Esse
temor, por sua vez, gera um estado de desconfiança, que leva os homens a tomar a
iniciativa de agredir antes de serem agredidos.

Contrato Social: Mútua transferência de direitos


É neste ponto que interfere a razão humana, levando à celebração do contrato
social. Apesar de suas paixões más, o homem é um ser racional e descobre os princípios
que deve seguir para superar o estado de natureza e estabelecer o "estado social':
Hobbes formula, então, duas leis fundamentais da natureza, que estão na base da vida
social e que são as seguintes: A) cada homem deve esforçar-se pela paz, enquanto tiver
a esperança de alcançá-la ; e, quando não puder obtê-la, deve buscar e utilizar todas as
ajudas e vantagens da guerra; B) cada um deve consentir, se os demais também
concordam, e enquanto se considere necessário para a paz e a defesa de si mesmo, em
renunciar ao seu direito a todas as coisas, e a satisfazer-se, em relação aos demais
homens, com a mesma liberdade que lhe for concedida com respeito a si próprio.
Tornados conscientes dessas leis os homens celebram o contrato, que é a mútua
transferência de direitos. E é por força desse ato puramente racional que se estabelece a
vida em sociedade, cuja preservação, entretanto, depende da existência de um poder
visível, que mantenha os homens dentro dos limites consentidos e os obrigue, por temor
ao castigo, a realizar seus compromissos e à observância das leis da natureza
anteriormente referidas. Esse poder visível é o Estado, um grande e robusto homem
artificial, construído pelo homem natural para sua proteção e defesa.

Estado:
Conceito de Estado: "uma pessoa de cujos atos se constitui em autora uma grande
multidão, mediante pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa
possa empregar a força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a
paz e a defesa comuns". O titular dessa pessoa se denomina soberano e se diz que tem
poder soberano, e cada um dos que o rodeiam é seu súdito.
Uma vez estabelecida uma comunidade, ela deve ser preservada a todo custo por
causa da segurança que ela dá aos homens. E afirma, então, que mesmo um mau
governo é melhor do que o estado de natureza. Todo governante tem obrigações
decorrentes de suas funções, mas pode ocorrer que não as cumpra. Entretanto, mesmo
que o governante faça algo moralmente errado, sua vontade não deixa de ser lei e a
desobediência a ela é injusta. Para cumprir seus objetivos, o poder do governo não
deve sofrer limitações, pois, uma vez que estas existam, aquele que as impõe é que
se torna o verdadeiro governante.

Principais Obras:
Jean Jacques Rousseau (1712 – 1678) Do Contrato Social;
Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos
A explicação da existência e a da Desigualdade Entre os Homens;
Discurso Sobre as Ciências e as Artes;
organização da sociedade a partir de um Emílio, ou da Educação;
Os Devaneios de um Caminhante Solitário;
contrato inicial, aparece em Rousseau
As Confissões
especialmente em seu livro "O Contrato
Social" (1762).
O contratualismo de Rousseau,
exerceu influência direta e imediata sobre a Revolução Francesa e, depois disso, sobre
todos os movimentos tendentes à afirmação e à defesa dos direitos naturais da pessoa
humana. Ainda hoje é claramente perceptível a presença das ideias de Rousseau na
afirmação do povo como soberano, no reconhecimento da igualdade como um dos
objetivos fundamentais da sociedade, bem como na consciência de que existem
interesses coletivos distintos dos interesses de cada membro da coletividade.

Estado de Natureza: o homem é naturalmente bom e livre.


Nas obras “Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os
Homens” e “Contrato Social”, Rousseau afirma que no Estado Natural o homem "é
naturalmente bom e que é somente através dessas instituições [as instituições políticas e
sociais] que os homens se tornam maus". Rousseau afirma a bondade inata do ser. O
Estado de natureza é um espaço de liberdade e igualdade, onde o homem se encontra
liberto de qualquer autoridade ou governo que limite ou cerceie suas ações, aqui guiadas
pelos instintos, através dos quais o homem realiza sua existência. Mas se o homem vive
bem no Estado natural, o que estimula ou determina sua superação pelo Estado de
sociedade?
A resposta mais imediata encontra-se no “Discurso sobre o fundamento e a Origem
da Desigualdade entre os homens”, onde Rousseau afirma que "o primeiro homem que,
tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: 'isso é meu', e encontrou pessoas
bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da Sociedade Civil.
Acreditando num Estado de Natureza, precedente ao Estado Social e no qual o
homem, essencialmente bom, só se preocupa com sua própria conservação, escreve
Rousseau:
Suponho os homens terem chegado a um ponto em que os obstáculos que
atentam à sua (auto)conservação no Estado Natural excedem, pela sua
resistência, as forças que cada indivíduo pode empregar para manter-se nesse
estado. Então este estado primitivo não pode subsistir, e o gênero humano
pereceria se não mudasse de modo de ser. (ROUSSEAU, 1997).

Para Rousseau, foi o desenvolvimento das necessidades, cuja primeira é a


autoconservação, derivado do desenvolvimento das artes, das ciências, das técnicas de
produção, das ideologias, etc., que determinou o surgimento da propriedade privada, base
da desigualdade entre os homens.
A crítica radical de Rousseau à propriedade privada é um dos pontos principais
para a compreensão de seu pensamento. A desigualdade na distribuição da propriedade
é radicalmente combatida por Rousseau, que nela antevê não apenas a origem da
desigualdade entre os homens, mas a base da própria degeneração da comunidade
política via a superação da vontade geral por vontades particulares.

Contrato Social:
O que Rousseau pretende estabelecer no Contrato Social são as condições
de possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem
perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil. No processo de
legitimação do pacto social, o fundamental é a condição de igualdade das partes
contratantes. As cláusulas do Contrato, quando bem compreendidas, reduzem-se a uma
só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda.
Rousseau afirma que na impossibilidade de ser aumentada a força de cada
indivíduo, o homem, consciente de que a liberdade e a força constituem os instrumentos
fundamentais de sua conservação, pensa num modo de combiná-los. Segundo
Rousseau, essa dificuldade pode ser assim enunciada: "encontrar uma forma de
associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado, de qualquer
força comum; e pela qual cada um unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si
mesmo, ficando, assim, tão livre como dantes". E conclui Rousseau: "Tal é o problema
fundamental que o Contrato Social soluciona”. É então que ocorre a alienação total de
cada associado, com todos os seus direitos a favor de toda a comunidade. Nesse
instante, o ato de associação produz um corpo moral e coletivo, que é o Estado (executor
de decisões), e sendo chamado de soberano quando exercita um poder de decisão. O
soberano, portanto, continua a ser o conjunto das pessoas associadas, mesmo depois de
criado o Estado, sendo a soberania inalienável e indivisível.
No Estado de Natureza existe, como vimos, liberdade e igualdade e o Contrato
Social longe de aniquilar isto, deve proteger tais direitos. O Contrato Social procede a
uma correção, suprindo as deficiências resultantes de desigualdade física e fazendo com
que os homens, podendo ser desiguais em força ou engenho, se tomem iguais por
convenção e de direito. Por isso ele próprio formula a conclusão de que, se indagarmos
em que consiste precisamente o maior bem de todos (Possível somente através do
Contrato Social) e que deve ser o fim de toda legislação, encontraremos dois objetos
principais: Liberdade e Igualdade.

Vontade Geral e Vontade de Todos:


Essa associação dos indivíduos que passa a atuar soberanamente, sempre no
interesse do todo que engloba o interesse de cada componente, tem uma vontade
própria, que é a Vontade Geral. Esta não se confunde com uma simples soma das
vontades individuais, mas é uma síntese delas. Cada indivíduo pode ter uma vontade
própria, contrária, inclusive à Vontade Geral. Entretanto, por ser a síntese das Vontades
de Todos a Vontade Geral tende constantemente à utilidade pública. Entretanto, adverte
Rousseau: "Há, às vezes, diferença entre a Vontade de Todos e a Vontade Geral: esta
atende só ao interesse comum, enquanto que a outra olha o interesse privado e não é
senão uma soma das vontades particulares.

John Locke (1632 – 1704)


Principais obras:
Adversário ferrenho do Dois tratados sobre o governo;
Ensaios sobre o entendimento humano;
absolutismo monárquico, Locke foi Algumas reflexões sobre a educação;
Cartas sobre a tolerância, vol. I, II e III;
obrigado a exilar-se na França em A razoabilidade do cristianismo, conforme
1657, após uma tentativa frustrada de apresentado nas Escrituras

golpe contra Carlos II. Após a


derradeira vitória do Parlamento na
Revolução Gloriosa, em 1688, Locke retornou à Inglaterra onde escreveu suas principais
obras.
Durante toda a vida, Locke participou das lutas pela ascensão da burguesia às
esferas dominantes do poder político na Inglaterra. Tal empenho concretiza-se na luta
contra a teocracia anglicana e suas bases legitimadoras: a ideia de que o poder
monárquico era absoluto e que diria respeito tanto ao plano religioso quanto ao temporal.
Estado de Natureza: Homens livres e iguais em direitos.
Os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político,
caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado Estado de natureza.
Tal Estado (de Natureza) era uma situação real e historicamente determinada pela qual
passara, ainda que em épocas diversas, a maior parte da humanidade, e na qual se
encontravam ainda alguns povos, como as tribos norte-americanas Neste Estado de
Natureza governado pela razão, onde todos eram livres e iguais em direitos, ninguém
deveria molestar seu semelhante quanto à vida, liberdade ou bens possuídos. Cada
indivíduo teria como dever preservar sua vida e suas posses, bem como proteger o resto
da humanidade.
No pensamento Lockeano há duas acepções gerais acerca da propriedade. A) A
primeira refere-se à posse dos direitos naturais imateriais. Neste conjunto, todo homem
tem direito à liberdade, à vida, à felicidade, ou seja, a um elenco de bens não materiais.
B) A segunda categoria refere-se mais especificamente a posse de bens materiais, quer
sejam bens móveis ou imóveis. Para Locke, a propriedade particular, tal como entendida
presentemente, já existia no Estado Natural.

embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens,


cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem
qualquer direito senão ele mesmo. [...] De tudo isso, é evidente que, embora a
natureza tudo nos ofereça em comum, o homem, sendo senhor de si próprio e
proprietário de sua pessoa e das ações ou do trabalho que executa, teria ainda em
si mesmo a base da propriedade; e aquilo que compôs a maior parte do que ele
mesmo aplicou ao sustento ou conforto do próprio ser, quando as invenções e as
artes aperfeiçoaram os confortos materiais da vida, era perfeitamente seu, não
pertencendo em comum a outros. (LOCKE, 1991)

Assim, os indivíduos são titulares de direitos naturais somente pelo fato de serem
indivíduos, independentemente de pertencerem ou não a uma sociedade civil. O indivíduo
pode ordenar ações, regular posses e pessoas conforme sua conveniência. CONTUDO,
Nenhum indivíduo tem o poder arbitrário para destruir a vida, a liberdade ou a propriedade
alheia, visto que todos os indivíduos se encontram providos de iguais faculdades e, no
Estado de Natureza, compartilham da mesma lei natural. Por corolário, a lei natural impõe
limites, condicionando os indivíduos a praticar atos de conservação e proibindo-os de
praticar atos de destruição, salvo se necessários à preservação do seu direito natural.
John Locke coloca o estado de natureza como um estado de convivência humana
pacífica e tolerável, se todos os atos dos indivíduos forem dirigidos pela razão. Entretanto,
nem todos os indivíduos no estado de natureza seguirão a razão em todas as coisas
dadas por Deus. No estado de natureza a inclinação humana para as paixões muitas
vezes suprime a ética e os atos de violência, arbitrariedade ou de transgressão da lei,
praticados por um indivíduo contra outro ou contra a coletividade, culminam na sua
violação.
São estas violações da lei natural que podem levar ao que Locke chama de estado
de guerra no Estado de Natureza.
Desta forma o Estado de natureza, conquanto benéfico à existência humana, não
constitui uma garantia ótima contra a violação da propriedade - quer material ou não -
bem como não possibilita a maximização das ações coletivas. Foi para superar estas
limitações que os homens celebraram o contrato que estabeleceu a sociedade civil.

Contrato Social/Pacto Social:


O contrato social é um contrato de consentimento e um contrato maximizador. "Os
homens sendo por natureza todos livres e iguais [...] nenhum deles pode ser expulso
deste Estado e sujeitado aos poderes políticos de outros homens, sem o seu próprio
consentimento. A única maneira pela qual uma pessoa qualquer se priva de sua liberdade
natural e aceita as obrigações da Sociedade civil é mediante acordo feito com outros
homens com o fim de formarem por união uma Comunidade, para o gozo e conforto de
suas vidas em comum, desfrutando com segurança suas Propriedades, e com uma
segurança ainda maior contra qualquer estranho que não pertença essa comunidade."
No contrato/pacto social Lockeano, os indivíduos devem conservar os direitos
naturais (vida, liberdade e propriedade) também no estado civil. Nenhuma lei positiva
poderá afrontá-los. Consequentemente, a teoria do consentimento para formação da
sociedade civil impõe três condicionantes: (1) a lei natural é fundamento para todas as leis
positivas; (2) nenhuma lei positiva poderá atentar contra os direitos naturais; (3) qualquer
lei que violar os direitos naturais, legitimará o direito de resistência.
Em suma, para Locke o livre consentimento dos indivíduos, iguais em direitos e em
vistas aos seus próprios interesses, estabeleceu a sociedade civil, cuja função principal e
inexorável é proteger as propriedades particulares, quer de ordem material ou não, e
maximizar as ações individuais no interesse de todos e de cada um. A comunidade
política, por meio da votação majoritária, definirá tanto a forma quanto o sistema de
governo, estando garantidos os direitos das minorias circunstanciais, como forma de
preservação da diversidade natural de interesses e das propriedades entre grupos e
pessoas. O controle do governo pela sociedade, o controle das esferas executivas pelos
círculos de representação social, o controle do Rei pelo Parlamento, fundamentam o
governo civil em Locke.

Bibliografia

CAMARGO, Nilton Marcelo. Fundamento do Estado de Natureza e do Estado de


Sociedade Civil no Pensamento Político de John Locke. In: Seara Filosófica. Vol.17,
Verão, 2018, pp. 01-19.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva,
2011.

FERREIRA, Lier Pires. As Bases do Pensamento Democrático Liberal: uma visita às


obras de John Locke e Jean-Jacques Rousseau. In: Perspectiva Sociológica. Ano 2, nº
3, mai.- out. 2009.

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