Alguns professores têm vocação para gerenciar pessoas e os problemas advindos da interação entre elas no ambiente de trabalho, assim como entre ele mesmo e seus pacientes, equipe ou residentes. Para aqueles que não têm esta virtude a boa notícia é que as competências relacionais podem ser adquiridas e aprimoradas. As habilidades de comunicação assumem, como vimos em outros momentos do nosso curso, papel decisivo em qualquer tipo de relação interpessoal. Afinal, é através da comunicação, verbal e não verbal, que os seres humanos interagem, partilhando não apenas conhecimentos, mas percepções, sentimentos e significados. Na relação professor-aluno e entre alunos a comunicação assume contornos muito particulares, podendo influenciar o aprendizado. A relação professor-aluno tradicionalmente caracterizada pelo poder centralizado no professor, tem dado lugar, paulatinamente, ao modelo de ensino-aprendizagem centrado no aluno, que envolve colaboração, maior simetria nas relações e compartilhamento de decisões. Neste contexto, as habilidades de comunicação e de relação interpessoal adquirem um papel central e têm merecido especial atenção. Na formação dos profissionais da área da saúde foi adotado, em vários países, um consenso sobre o ensino e a avaliação das habilidades de comunicação. Como consequência, o desenvolvimento dessas habilidades passou a fazer parte do currículo de grande parte das escolas médicas do mundo. Nos Estados Unidos e Canadá as habilidades de comunicação e relação interpessoal, introduzidas nos currículos no início da década de 1990, fazem parte dos critérios de avaliação e acreditação das escolas médicas pelo LCME (Liaison Committee on Medical Education – o órgão acreditador oficial das escolas médicas destes dois países), juntamente com conhecimentos teóricos e habilidades práticas. PRECEP No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Medicina (2001, 2014) incluíram as habilidades de comunicação entre as competências do médico. No caso do professor estas habilidades são particularmente importantes por que: Ele é modelo de comportamento; Cabe a ele observar e avaliar estes comportamentos e atitudes dos estudantes e dar feedback; ·Ele frequentemente exerce a função de mediador de conflitos. A mediação de conflitos é uma atividade de natureza multidisciplinar que envolve áreas como Psicologia, Comunicação Social, Sociologia, Administração e Direito. As técnicas de mediação originadas da contribuição de todas essas áreas podem ser diferentes dependendo do tema, do contexto e da formação de cada mediador. Mas, em todos os casos, é necessária a compreensão de seus vários elementos e um planejamento adequado. Vamos ver agora que elementos são esses. O mediador é um terceiro elemento, um intermediador, que pode ser alguém neutro (o modelo de mediação mais comum) ou pode ser alguém que faz parte da situação em questão. Vamos explorar mais adiante essas duas modalidades. Qualquer que seja o caso ele tem que ser aceito e reconhecido por todas as partes para poder facilitar a discussão. Ele deve moderá-la não permitindo agressões ou intimidações, ajudando a manter o foco nas questões a serem resolvidas e não em ataques pessoais. Para isso precisa utilizar plenamente suas habilidades de comunicação: Saber ouvir; Falar clara e objetivamente; Ter postura ética e respeitosa; Colocar-se no lugar do outr; Evitar que seus preconceitos e crenças pessoais interfiram. PRECEP A preparação num caso de mediação de conflito requer, em primeiro lugar, que haja uma legitimação do mediador e um consentimento de todos em participar do processo de mediação. Os participantes precisam querer resolver a questão e não fazer prevalecer o seu ponto de vista e ganhar a qualquer custo. Para isso, pode ser necessário que o mediador se reúna separadamente com as diferentes partes previamente ao encontro entre todos para garantir a disposição conciliatória e a possibilidade de diferentes resultados do processo. Também faz parte da preparação garantir um local, tempo e condições favoráveis ao entendimento. Por exemplo, alguns minutos em pé no corredor, uma discussão na frente de um paciente, falta de privacidade, não são condições favoráveis para a busca de um entendimento. O encontro pode se dar de muitas maneiras, mas algumas etapas são comuns: Estabelecimento de regras de funcionamento da discussão; As partes dão suas versões da questão; Identificação das questões-chave a serem discutidas; Esclarecimento de pontos de vista, interesses e objetivos de cada um; Levantamento de possibilidades de encaminhamento com critérios objetivos; Discussão e análise das opções; Ajustes e adequações das soluções propostas; Fechamento de um acordo; Registro escrito dos termos do acordo e encaminhamentos necessários. Para alcançar uma solução favorável numa situação conflituosa algumas técnicas são bastante utilizadas pelos mediadores: Escuta ativa: o mediador presta muita atenção tanto à linguagem verbal como não verbal dos participantes, procurando decodificar suas mensagens. Quanto maior sua compreensão das posições em jogo, tanto melhor poderá atuar. Além disso, dá a quem está falando a sensação de que está realmente sendo ouvido e compreendido. PRECEP Parafraseamento: semelhante ao espelhamento consiste em reformular as frases sem alterar seu sentido, facilitando a compreensão de todas as partes e o acordo sobre o seu conteúdo. Formulação de perguntas: a forma mais simples e direta de se obter ou ampliar informações sobre o tema em questão. É importante não induzir respostas desejadas, mas deixar que os envolvidos falem livremente. Resumo: o mediador faz, periodicamente, resumos do que foi dito pelas partes e de tudo o que ocorreu na interação entre elas; ao final é importante obter de todos a confirmação de que o resumo é uma expressão fiel do ocorrido. Brainstorming: o mediador incentiva a criatividade quando as partes envolvidas no conflito não conseguem pensar numa nova forma de resolver os problemas, numa saída para o impasse. Teste: elabora-se uma hipótese de solução e o mediador busca uma reflexão de todos os envolvidos no sentido de verificar se a saída proposta atende às necessidades das partes. Eliminar as diferenças e resolver não é a única coisa a fazer numa situação de conflito. Esta é provavelmente a abordagem mais comum, mas é apenas uma das formas possíveis de lidar com o conflito. Podemos diferenciar algumas alternativas de enfrentamento. Vamos pensar primeiro no que é chamado de arbitragem. Isso mesmo, como no futebol. O terceiro elemento aqui, o juiz, não pertence a nenhum dos times e é, supostamente, neutro e imparcial. Quando há um conflito, um desentendimento sobre algo ocorrido, o juiz é quem toma a decisão de como o conflito deve ser resolvido. Ele é quem decide como as regras devem ser aplicadas, e às partes envolvidas resta apenas acatar (ou desacatar, o que em geral não tem bom resultado). Em outras palavras, não há propriamente mediação ou negociação entre as partes, mas exposição das razões de cada um e aplicação das regras pertinentes por um membro externo ao conflito. Um exemplo de situação em que pode ser necessária a arbitragem é aquela PRECEP em que ocorrem comportamentos desrespeitosos entre membros da equipe de saúde ou entre professor e aluno. Independentemente da razão pela qual isso aconteceu (que pode e deve ser investigada), este tipo de comportamento não pode acontecer. Cartão amarelo para os dois. Há outra modalidade de enfrentamento de conflitos que, esta sim, envolve mediação. Trata-se da mediação centrada na solução de problemas, e é a que tem sido praticada com maior frequência. Este modelo usa um intermediário neutro e imparcial, o mediador, que não tem interesses pessoais envolvidos e que auxilia as partes a chegarem a um acordo na sua disputa. O mediador ajuda as partes a descreverem o problema, seus pontos de vista e interesses e os termos de negociação; neste processo tenta-se chegar a uma proposta em que os interesses de todos os lados possam ser atendidos, dentro das normas e regras vigentes. Mas a decisão é das partes envolvidas, e não do mediador. A ênfase aqui é na solução dos problemas, em resolver as coisas. O mediador não define a solução, mas faz todo o esforço possível para que ela seja alcançada. Em algumas situações e culturas os mediadores podem fazer parte da comunidade onde o conflito está ocorrendo. São pessoas que, embora não sejam neutras e estejam conectadas com um dos lados, são respeitadas pelos envolvidos por suas características pessoais e lugar que ocupam na comunidade. São vistas como pessoas equilibradas e maduras, com forte senso de justiça e ademais têm um interesse especial em que seja alcançada uma solução duradoura e justa para todos, uma vez que pertencem à comunidade. Outro modo de lidar com conflitos, menos comum, que tem sido chamado de mediação transformadora ou centrada na relação. O conflito aqui é visto como uma crise de comunicação que precisa ser trabalhada, e não anulada. O mediador, um terceiro elemento neutro, age no sentido de incentivar cada parte envolvida a agir em seu próprio interesse, mas reconhecendo e levando em consideração os interesses legítimos da outra parte. A ação do mediador se dá no sentido de fortalecer: PRECEP Auto percepção dos envolvidos; Percepção do outro; Diálogo; Interação construtiva; Exame crítico das possibilidades; Nova compreensão de si mesmo e do outro; Responsabilidade na tomada de decisão. Neste processo de reconhecimento da relação entre as partes como elemento fundamental da crise, sem o qual não haverá negociação ou solução, é comum que os envolvidos cheguem a uma proposta mutuamente aceitável. A ênfase aqui, portanto, é no desenvolvimento de uma dinâmica de relação transformadora entre as partes, que favoreça a elaboração de propostas de entendimento.
Referência: Tempski P, Martins M e Vanzolini M et al. Programa de
Formação de Preceptores de Residência Médica (2016).