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Interpretação da paisagem: uma tarefa interdisciplinar

Interpretación del paisaje: una tarea interdisciplinaria

Interpreting the landscape: an interdisciplinary task

Henrique Fürstenau Togashi*


Pontificia Universidade Católica - Rio de Janeiro, Brasil

Resumo Resumen Abstract

O conceito de paisagem foi utilizado El concepto de paisaje ha sido utilizado The landscape concept has been used
por diversas disciplinas e com múltiplas por diversas disciplinas y con múltiples by several disciplines and has been
conotações, e muitas vezes não há connotaciones, y muchas veces no hay given multiple connotations, hence
acordos sobre seu significado. Este acuerdos sobre su significado. Este there are few agreements on its
trabalho é uma revisão conceitual trabajo es una revisión conceptual meaning. This paper is a conceptual
da paisagem, realizada a partir da del paisaje, realizada a partir de la review of the landscape, made from
integração de elementos tomados de integración de elementos tomados de an integration of elements taken from
diferentes disciplinas da geografia, distintas disciplinas de la geografía, different geographic disciplines, like
como a história ambiental e a ecologia como la historia ambiental y la ecología environmental history and landscape
da paisagem. A partir desta perspectiva del paisaje. Desde esta perspectiva ecology. From this interdisciplinary
interdisciplinar efetua-se um interdisciplinaria se efectúa un approach, a historical assessment
seguimento histórico que compreende seguimiento histórico que abarca desde is performed to cover from the
desde a origem da palavra até suas mais el origen de la palabra hasta sus más origin of the term to its most recent
recentes transformações. O objetivo recientes transformaciones. El objetivo transformation. The main purpose
é desenvolver novas ferramentas es desarrollar nuevas herramientas is to develop new theoretical tools to
teóricas que possibilitem uma melhor teóricas que posibiliten una mejor allow a better understanding of the role
compreensão do papel da presença comprensión del papel de la presencia of human presence as an inseparable
humana como elemento inseparável humana como elemento inseparable element of the environment when
do meio na formação da estrutura e del entorno en la conformación de la configuring ecosystems’ structure and
funcionamento dos ecossistemas, em estructura y funcionamiento de los functioning, especially those of forests
especial, os dos bosques que sofrem a ecosistemas, en especial, los de los that endure urban pressure.
pressão urbana. bosques que sufren la presión urbana.
Palavras chave: paisagem, dicotomia Palabras clave: paisaje, dicotomía Keywords: landscape, human/nature
humano/natureza, geografia, história humano/naturaleza, geografía, historia dichotomy, geography, environmental
ambiental, ecologia da paisagem. ambiental, ecología del paisaje. history, landscape ecology.

RECIBIDO: 21 DE JULIO DEL 2009. ACEPTADO: 26 DE OCTUBRE DEL 2009.


Artículo de reflexión crítica sobre la interpretación del paisaje como una tarea de carácter interdisciplinario.

* Dirección postal: Rua General Goes Monteiro 8 D2402 cep22290-080. Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil.
Correo electrónico: henriquetogashi@yahoo.com.br

CUADERNOS DE GEOGRAFÍA | REVISTA COLOMBIANA DE GEOGRAFÍA | n.º 18, 2009 | ISSN: 0121-215X | BOGOTÁ, COLOMBIA | PP. 71-81
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Introdução tras possibilidades para resolver os cimento da geografia como ciência


mesmos problemas. social só aconteceu na década de
Este trabalho busca integrar os A definição do conceito de pai- 70. Técnicas de matemática, física,
conhecimentos da geografia, ecolo- sagem desenvolvida a seguir, entre estatística e métodos quantitativos
gia de paisagens e história ambien- tantos possíveis, buscará as origens passaram a dominar os estudos da
tal através da revisão conceitual de de sua base epistemológica na ge- superfície terrestre. A geografia
bibliografia relacionada. Ainda que ografia e o surgimento da palavra. quantitativa dominou o pensamen-
estas disciplinas tenham um cará- Será analisada a evolução das dis- to geográfico e para converter-se
ter interdisciplinar com interseção cussões em torno do tema, com a em uma ciência moderna deveria
em muitos temas, o arcabouço teó- destacada colaboração da geografia abandonar seu caráter idiográfico
rico-metodológico é bastante varia- cultural. O nascimento das discipli- e adotar o conhecimento nomoté-
do. Convergir estes saberes cons- nas “história ambiental” e “ecologia tico. A racionalidade instrumental
titui um grande desafio. Discutir da paisagem” acrescenta ainda mui- colocou em xeque a racionalidade
o conceito de paisagem, recorte de tos elementos ao debate que não historicista da geografia. Geógrafos
comum interesse nas três discipli- esgota-se. como Sauer —que considerava pri-
nas, torna-se uma importante con- mordialmente tempo, clima e rela-
tribuição para atingir tal objetivo. O surgimento do ções espaciais como produtores da
A relação indissociável do ser combate à dicotomia paisagem— e Davis —que incluía
humano com o ambiente tem sido ser humano-natureza presença humana como elemento
abordada com grande frequência estrutural e tempo como principal
pela ciência, estando presente em O reconhecimento da ação hu- formador da paisagem— foram
todos os autores consultados neste mana na transformação da paisa- considerados demasiadamente fi-
trabalho. Este é um tema de gran- gem, influenciando decisivamente losóficos. O racionalismo e o em-
de relevância e interesse. Sua dis- na formação de sua estrutura e fun- pirismo dominaram este período
cussão é complexa e muitas vezes cionamento, já estava presente na (Gómez 1980; Spedding 2007; Cos-
a tentativa de estudar homem e obra de Sauer, no começo do sécu- grove 1998).
“natureza” integradamente falhou. lo XX. (Spedding 2007). O geógrafo A partir da década de 70, os es-
(Solórzano et al. 2009) alemão Carl Troll, primeiro a utili- tudos da paisagem com uma con-
Ainda não existe uma melhor zar o termo ecologia da paisagem cepção mais holística ganharam
solução definitiva para trabalhar em 1939, também percebeu a im- força novamente. Inicialmente,
esta questão. A paisagem, um re- portância da presença humana na pelos países com processo de in-
corte do espaço, possui diversos produção da paisagem. Apesar de dustrialização mais avançado que,
conceitos e talvez cada pesquisador observar a importância da questão, entre outros fatores, constataram a
deva encontrar uma definição que nem Troll com suas pesquisas em magnitude da influência antrópica
preencha suas necessidades. Um ecologia da paisagem durante o sé- no planeta. A conferência de Esto-
ponto de partida é resgatar a histó- culo XX (Sansolo 2007; Troll 1963), colmo em 1972 foi um marco neste
ria da construção do termo paisa- nem tampouco Sauer, conseguiram sentido. (Gómez 1980; Dean 1996;
gem. Não há aqui, pretensão de es- encontrar uma forma de trabalhar Diegues 1998). Ao mesmo tempo,
gotar ou de conceber um conceito com seres humanos e “natureza” diversas áreas do saber caminha-
final de paisagem, apenas construir sendo uma só esfera, indissociável. vam na mesma direção, sendo des-
ou apropriar-se de um que sirva “Ainda que Sauer sentisse que a ge- taque a crítica ao positivismo e ne-
para ajudar a compreender os pro- ografia não estava completa sem opositivismo vigente. Em trabalhos
cessos envolvidos na ação antrópi- incluir humanos, ele admitia a dis- na década de 1970, Claval chama a
ca como formadora de estruturas e tinção entre paisagens naturais e atenção para a falha de fundamen-
funcionalidades em ambientes flo- culturais” (Spedding 2007, 290). tar uma geografia social sem refe-
restais, em especial florestas sub- Na metade do século XX, a ge- rências explicativas do âmbito das
metidas às pressões urbanas. Este ografia física “científica” foi com- ciências sociais (Gómez 1984). No-
conceito também não esgotará ou- pletamente separada das ciências vas questões passaram a existir, in-
sociais-na prática, pois o reconhe- clusive pela evolução da tecnologia,

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criando uma necessidade de um alemã, mais antiga, tinha seu con- sente uma intencionalidade mesmo
crescente conhecimento interdisci- teúdo mais abrangente e complexo que indireta. O papel do geógrafo é
plinar. O surgimento de disciplinas que a francesa. Em um primeiro ultrapassar a superfície do visível
como a história ambiental, ecologia momento paysage estava associada e captar a “verdade” da paisagem.
da paisagem e no caso da geogra- ao sentido renascentista de “espa- (Besse 2006).
fia a ascensão da geografia cultural ço que se observa de um golpe de No início do século XX, não en-
(Sansolo 2007) e a revalorização do vista”, uma abordagem exclusiva- trando na questão das diferenças
conceito de paisagem pela geogra- mente estética (Holzer 1999). Na de seus pensamentos, La Blache
fia (Gomes 1996), são um reflexo época renascentista, apesar de não com a noção de fisionomia, Rat-
da busca ocidental pela otimização constituir um gênero ou escola de zel e Brunhes passam a encarar a
do ambiente em que “natural” e ar- pintura (Sansolo 2007), a paisagem atividade humana como fatos ge-
tificial são integrantes e não partes torna-se uma da formas mais es- ográficos. “Os traços, as impres-
separadas. senciais da arte de pintar. Este fato sões da atividade humana, mais
foi possível graças ao advento do genericamente da vida, que passa
A origem do termo uso da perspectiva criando a noção sobre o solo, deixa suas marcas”
paisagem de profundidade sem recorrer às li- (Besse 2006, 67). Estas discussões
nhas retas de fuga (Claval 2004). acabaram por relegar o conceito
Sansolo (2007) busca a origem Posteriormente, a geografia de paisagem a um segundo plano
linguística do termo paisagem refe- francesa destitui este sentido re- e a uma maior utilização de outros
rindo-se a pagos, que remete à pa- nascentista e aplica o valor mais conceitos como o de espaço (Besse
lavra grega peghé que significa vila, amplo. Vale mencionar que paesag- 2006; Gómez 1984).
lugar ou ainda o habitante de um gio surge na Itália do século XVII, Como já foi mencionado, a pai-
lugar. O significado do termo indica paisaje na Espanha em 1708 e paisa- sagem é re-valorizada como con-
uma escala espacial não determina- gem em Portugal em 1608. Nos Es- ceito nas últimas décadas do século
da. Província seria uma unidade de tados Unidos o equivalente foi lan- XX (Gomes 1996). Em um dos deba-
espaço mais ampla. Os camponeses dscape, sendo Carl Sauer, um dos tes sobre a paisagem, Claval (2004)
eram chamados de paganos (pagãos) principais responsáveis pela difu- mostra que mais do que captar a
e nas cidades viviam os cristãos. são do sentido de uma associação “verdade”, o olhar geográfico deve
Desta forma, relações sociais e uni- de formas físicas e culturais (Hol- dar conta das múltiplas dimensões
dades territoriais estariam embuti- zer 1999; Fernández 2006). existentes. O impacto da fenome-
dos na significação de pagos. A paisagem além da estética nologia influencia fortemente este
Claval (2004) defende o sur- começou como uma reflexão con- período: a percepção está contida
gimento do termo paisagem nos ceitual da geografia seguindo a na paisagem. O mundo não é só o
Países Baixos durante o século XV, tradição de Humboldt e outros na- estético e a representação produz
sob a forma de landskip, ou seja, turalistas românticos. Humboldt, a paisagem. A nova geografia, a
uma forma de enquadramento em descritivista como os geógrafos da geografia cultural e a geografia da
que os personagens têm um papel primeira metade do século XIX, já paisagem emergem. O ser humano
secundário. O isolamento desta ja- demonstrava em suas narrativas e o meio ambiente não podem ser
nela, deste quadro, institui o pays, a heterogeneidade das formas de reconhecidos separadamente. (Gó-
que significa região, pátria, lugar ocupação das paisagens. “A pai- mez 1980; Fernández 2006).
de nascimento ou ainda, habitan- sagem resultava da reconstrução
te e território simultaneamente. sistemática daquilo que pontos de A geografia cultural
Holzer (1999) e Fernández (2006), vista sucessivos haviam permitido e a paisagem
assim como Claval, indicam a descobrir” (Claval citado em Rosen-
transmutação de pays na palavra dahl e Corrêa 2004, 23) Já no inicio A paisagem como marca e ma-
alemã Landschaft. do século XX, o ponto de partida foi triz constituem uma questão que
Paysage surge na França em o seguinte: mesmo sendo a paisa- está no centro da geografia cul-
1551. Ao considerar o tratamento gem uma dimensão do visível, é re- tural. “A paisagem é marca, pois
do termo pelos geógrafos, palavra sultado de uma produção. Está pre- expressa uma civilização, mas é

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também uma matriz porque par- paisagem que também segue um como as diferentes coletividades e
ticipa dos esquemas de percepção, padrão cultural (além de econômi- relações sociais transformam a pai-
de concepção e de ação —ou seja, co/político) influenciando na dis- sagem; em observar as escalas espa-
da cultura” (Berque 1998, 84-85). posição destes mesmos elementos ciais estudando desde o conceito de
A paisagem não está livre de uma na estrutura. Fazendas com casas globalização, até escalas locais e os
intencionalidade social. Ela possui de empregados e proprietários, ce- indivíduos; e contemplar também
a marca de uma cultura e simulta- leiros, campos, praças nas cidades as escalas temporais dos processos
neamente a influencia. Ao mesmo e igrejas possuem sua fisionomia culturais de longa e curta duração,
tempo em que a paisagem é vista totalmente dependente de proces- obrigatoriamente modificadores da
por um olhar, ela determina essa sos culturais passados, modelando paisagem (Fernández 2006).
experiência. Isso significa que ser a paisagem do presente. Raízes cul-
“plurimodal (passiva, ativa, poten- turais podem ser a divisão entre se- Paisagem e poder
cial)” é uma de suas características nhores e escravos, as necessidades
como também do sujeito para o dos modos de produção ou até uma Cultura e ser humano são inse-
qual ela existe. “A paisagem e o su- dominação pela imponência celes- paráveis, e sua forma de organiza-
jeito são co-integrados em um con- tial (Cosgrove 1998; Claval 2004). ção é através da sociedade. Divisões
junto unitário que se autoproduz Portanto, a cultura é determi- possíveis são as classes, castas,
e se autoreproduz —e portanto se nada e determinante das práticas sexo, idade ou etnias. Esta forma
transforma” (Berque 1998, 86). Esta humanas. “Qualquer intervenção de organização deriva da divisão
transformação faz parte da cultura humana na natureza envolve sua social do trabalho. Sua origem está
e seu sujeito é a sociedade, ou seja, transformação em cultura (Cos- nos primeiros humanos a viverem
um sujeito coletivo que condiciona grove 1998, 102)”. Uma forma de em conjunto e foi se complexifi-
as percepções individuais. captar, de compreender a cultura cando até os dias atuais. Posições
Outra dimensão indissociável, é o conhecimento da linguagem e diferentes na sociedade significam
pois na verdade todas são simultâ- simbologia empregada nesta. Uma culturas diferentes. Disputas en-
neas e inseparáveis, é o espaço vi- cruz em uma edificação geralmente tre culturas como católicos e pro-
vido. A paisagem não deve ser ape- significa que esta é uma igreja. Di- testantes na Irlanda do norte são
nas interpretada intelectualmente, ferentes cruzes em outros estilos uma luta pelo poder. Cada um dos
mas na forma de vivência do coti- de edificações apontam para tipos grupos possui simbolismos e va-
diano das pessoas. A paisagem re- específicos de Igreja (como institui- lores próprios e procura garantir a
presenta a inserção do homem no ção). Códigos de conduta de como sobrevivência e/ou a reprodução da
mundo e sua relação com os outros, atuar em um enterro, em uma fes- sua cultura. Esse é um jogo entre
base de sua existência possível so- ta, em um jogo de futebol ou ao dominantes versus dominados e
cialmente (Schier 2003). Acrescen- visitar uma vila de pescadores são transborda qualquer tipo de fron-
tando, “a paisagem é um depósito instintivamente incorporados por teira, estando presente no sentido
de história, um produto da prática aqueles que estão inseridos ou são político, econômico e mesmo na
entre indivíduos e da realidade ma- conhecedores da cultura local (Cos- questão de sexo, idade e etnicida-
terial com a qual nos confrontamos grove 1998; Claval 2004). de. As representações culturais são
(Holzer 1999)”. A geografia cultural não estu- assim dependentes das relações de
A paisagem associada à cultura da apenas os aspectos culturais do poder da sociedade (Cosgrove 1998;
considera transformações mate- espaço, e mesmo do recorte da pai- Simmons 2007; Morin 2007).
riais exercidas pelo uso do fogo, sagem, mas também o espaço visto “Um grupo dominante procu-
agricultura, domesticação de ani- sob o prisma das culturas. A ótica rará impor sua própria experiência
mais, domínio da hidráulica; e tam- cultural mantém unidos os objetos do mundo (Cosgrove 1998, 104)”
bém da cultura não material, como de estudo: componentes naturais e criando uma hegemonia cultural.
religião, política, legislação, lingua- sociais. A paisagem é produto des- Isso se concretiza na medida em
gem e simbolismo. Estes elementos tas interações antrópicas e ambien- que suposições culturais dos do-
humanos modificam a paisagem tais. A geografia cultural não pode minadores parecem simplesmente
concomitantemente à produção da deixar de preocupar-se com a forma senso comum. Harvey (1989, 198)

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o chama de “mito realizado”. A cia e suas implicações para as pes- - meio ambiente. Portanto, além
classe dominante detém o controle soas da terra” (Worster citado em da geografia, são valiosas contri-
dos meios de produção e capital en- Freitas 2005, 207). buições da antropologia, arqueo-
quanto que os dominados possuem logia, história, ecologia, etnologia,
a força de trabalho. O controle dos História ambiental biologia, citando apenas algumas
meios de produção dita as regras e o e paisagem áreas do conhecimento relevantes
excedente concentrado socialmen- na contribuição para estes estudos.
te reflete na concentração espacial. A história ambiental como dis- (Cronon 1990; Pawson e Dovers
Sua capacidade de projetar e comu- ciplina começou a ganhar forma no 2003; Erickson 2003).
nicar aloca os recursos da forma final da década de 1960. Apesar de Fato fundamental para estudos
mais conveniente, determinando ser difícil precisar quando surgiu o em história ambiental na América
assim a construção da espacialida- termo história ambiental, Roderick do Sul é considerar que a ação hu-
de, e logo da paisagem (Cosgrove Nash reivindica o posto de primeiro mana nas suas florestas começou
1998; Simmons 2007). a utilizá-lo, em sua obra “American no início do período holocênico,
Esta hegemonia social e cultu- Environmental History”, de 1970. há mais de 10 mil anos. Os traços
ral não é uma questão simples e Esta disciplina foi fortemente in- não são apenas de caráter biológi-
muito menos inquestionável. Pai- fluenciada pela geografia cultural e co ou físico, mas incluem também
sagens alternativas surgem com histórica. Constituem interesses da mitos transmitidos oralmente ao
culturas dominadas contestando história ambiental, questões inter- passar das gerações e registros es-
e oferecendo resistência ao poder disciplinares que buscam estudar a critos, muitas vezes quando exis-
do dominador. A “emancipação” relação indissociável entre ser hu- tente, bem fragmentados (Sim-
da mulher na segunda metade mano e ambiente: (1) Examinar as mons 2007).
do século XX foi um movimento mudanças produzidas por modos Um marco na transformação
contrário ao domínio masculino de produção, ferramentas de tra- da paisagem foi o controle do fogo
da sociedade. Outro exemplo que balho, relações sociais e decisões por caçadores nômades que o uti-
alteraria tudo de forma mais pro- ambientais; como já mencionado lizavam como forma de maximi-
funda: durante os anos seguintes à anteriormente. (2) Compreender zar o número de presas caçadas. A
revolução francesa, o domínio dos as interações não materiais de per- agricultura de subsistência estabe-
proprietários rurais ingleses seria cepções, valores, mitos e outras es- lecida entre 7 mil e 5 mil anos a.C.
colocado em risco com a “contami- truturas de significação. Em outras promoveu uma maior repetição de
nação” dos trabalhadores agrícolas palavras, buscar na história e na queimadas na mesma área pois fi-
pelo “espírito revolucionário de li- cultura, explicações para uma leitu- xou o ser humano à terra. Apesar
berdade, igualdade e fraternidade” ra mais completa de uma paisagem. da grande diferença no tamanho
(Cosgrove 1998, 112). Os quilombos A história ambiental busca ainda do impacto, esse controle do fogo
no período colonial brasileiro eram (3) o entendimento da “natureza” pelas populações indígenas foi a
uma forma de resistência escrava e não construída pelo homem —seus origem do manejo de terras. Atu-
podemos verificar sua herança na aspectos físicos e biológicos (Frei- almente não existem mais matas
paisagem dos dias atuais na pre- tas 2005; Williams 1994). virgens, somente em processo de
sença de populações quilombolas Todos estes três níveis são pas- sucessão secundária (Garcia 2002;
espalhadas pelo Brasil. síveis de aproveitamento em uma Simmons 2007).
Torna-se então importante união da disciplina com a geografia. Tais rastros humanos permi-
também conhecer o passado para A interdisciplinaridade desta agen- tem-nos derrubar de vez a crença
compreender a transformação da da desenvolvida por Donald Wors- de que as florestas sulamericanas
paisagem até o presente. Este ní- ter desde a década de 1980, citada permaneceram inalteradas até sua
vel de domínio socioeconômico por Freitas (2005) e também por conquista pelos europeus. No en-
interessa à história ambiental que Cronon (1990), surge na necessida- tanto, a presença do europeu pode
“se dedica justamente a examinar de de compreender a cultura, fator ser considerada como marco mais
essas mudanças voluntarias ou determinante da transformação da significativo no aumento da mag-
forçadas, nos modos de subsistên- paisagem pela relação ser humano nitude das transformações. São

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provas de ocupação anterior os res- para avançar na investigação (Gar- manutenção dos escravos, e para
tos de carvão, cerâmica e pólen en- cia 2002; Oliveira 2005; Engemann estes, significava um pequeno grau
contrados nestas florestas. Não há 2009). de independência econômica. Estas
como negar a presença humana, e Oliveira (2009) mostra que atra- significativas transformações dei-
logo a paisagem, está em todo o pla- vés de relatórios trienais a respeito xaram pouca documentação e uma
neta (Garcia 2002; Diegues 1998). das posses do Mosteiro de São Ben- ressalva deve ser feita ao analisá-
Atualmente, mais de 70% da to, no Rio de Janeiro, foi possível las: os registros escritos contam
população brasileira vive em áre- levantar que, para atender o consu- a história do vencedor (senhorio)
as onde já existiu mata atlântica. mo de lenha anual da safra de cana e não do vencido (escravo e índio)
Desde sua colonização por Portu- de açúcar de um engenho (4.200 (Oliveira e Engemann 2009).
gal, o litoral e sua parte continen- m³) abatia-se florestas de 4 a 21 A cultura caiçara, população
tal próxima foram ocupados prio- hectares por ano. Pode-se ter uma autóctone do Sudeste brasileiro, é
ritariamente, exatamente onde idéia então do impacto da ativida- baseada em roças de subsistência
situa-se este ecossistema. Esta foi de açucareira sobre a mata atlântica e pesca. Populações autóctones
a orientação para o desenvolvimen- ao cruzar com outro dado: existiam são identificadas por trabalho fa-
to da maioria dos grandes centros 131 engenhos em funcionamento miliar, visando à subsistência, por
urbanos e pólos industriais, que no início do século XVIII. vezes vinculados aos mercados lo-
correspondem a cerca de 80% do As florestas da mata atlântica, cais e manejo da terra com baixo
PIB nacional. A paisagem da mata foram inicialmente consideradas impacto. As diversidades culturais
atlântica é altamente heterogênea, como recurso inexaurível, como podem produzir resultantes ecoló-
um verdadeiro mosaico de flores- pode-se ver na obra “Cultura e gicos bem diferenciados. O conhe-
tas pluviais, planícies e montanhas Opulência no Brasil por suas Dro- cimento das técnicas e histórico de
costeiras, variabilidade de clima e gas e Minas, do padre André João ocupação, neste caso, é passado de
presença humana que alterou para Antonil, de 1711” (Antonil citado geração para geração, na maiorias
sempre sua estrutura, funciona- em Oliveira e Engemann 2009, 6). das vezes oralmente. Os caiçaras,
mento e espacialização (Oliveira Décadas depois, Oliveira (2009) assim como outros autóctones,
2005; Dean 1996). em consulta à obra “O Fazendeiro utilizam a agricultura itinerante
do Brasil” de Frei José Mariano da de coivara que contorna o proble-
A ação humana Conceição Veloso, de 1798, relata ma de baixa fertilidade do solo com
na mata atlântica o esgotamento da terra na busca queimadas localizadas, a fim de
Para conhecer as perturbações pela modernização brasileira: “As transferir para o solo os nutrien-
ocorridas é preciso levantar seu matas são finitas. Quantos enge- tes da biomassa. O regime de der-
histórico. Os eventos ecológicos e nhos de açúcar não têm deixado de rubada-plantio-pousio, praticado
atividades humanas nem sempre existir pela falta deste combustí- também por pequenos agricultores
estão bem documentados. Quando vel?” (Veloso citado em Oliveira e livres modelaram a maioria dos
disponíveis, documentos manus- Engemann 2009, 6). poucos remanescentes de floresta
critos, mapas e fotos, encontram- A substituição da cultura agrí- secundária da mata atlântica atual
se em arquivos públicos, cartórios, cola indígena pela agricultura per- (Oliveira e Engemann 2009).
igrejas ou associações diversas. manente européia em regime de Ao investigar a estrutura e com-
Quando indisponíveis deve-se monocultura aumentou demasia- posição da floresta, a presença de
recorrer a evidências orais com damente a pressão sobre a floresta. espécies exóticas também pode in-
entrevistas a grupos étnicos e re- A monocultura da cana pecava por dicar uma herança de cultivos pas-
sidentes da área; ou a restos arque- um alto desperdício dos recursos de sados. Outra possibilidade é a ma-
ológicos como presença de carvão terra, floresta e trabalho que eram nutenção de espécies por motivos
vegetal; ou evidencias na estrutura abundantes e baratos. Além do es- culturais, como carisma ou religio-
e composição florestal como a me- paço de cultivo da cana e do café, sidade. Isto é verificado com a co-
dição de serrapilheira. Na verdade, roças de subsistência amenizavam mum presença de figueiras (gênero
na maioria das vezes, é necessário a grave questão social com um cor- Ficus) de grande porte em áreas de
combinar as fontes de informação te nas despesas dos senhores na estágio de sucessão secundário ini-

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cial, na mata atlântica. As figueiras Esta é uma definição bem básica anteriores, os campos agrícolas e a
possuem um valor mítico no catoli- das abordagens. Na verdade, assim área queimada seriam a matriz que
cismo e na tradição afrodescenden- como proposto por Metzger (2001), representa uma maior homogenei-
te brasileira (Solórzano et al. 2009). o grande desafio é integrar todo o dade relativa ao fragmento. Já os
conhecimento e otimizá-lo a fim de corredores podem ligar fragmen-
Ecologia da paisagem atingir o objetivo do pesquisador; tos, matrizes ou mesmo paisagens
seja de planejamento, seja de com- oferecendo recursos, proteção e ob-
Como já foi dito anteriormente, preender a paisagem. viamente possibilitando movimen-
o termo foi cunhado por Carl Troll, Forman e Godron (1986, 3) re- tação. Por outro lado, corredores
em 1939, evoluindo para a forma lacionam os princípios da paisa- também podem fragmentar, difi-
de uma disciplina interdisciplinar gem da seguinte forma: “Um ciclo cultando a ”percolação” de espécies,
que une abordagens geográficas de retroalimentação sem fim. A como uma estrada que liga vários
e ecológicas. A ecologia da paisa- funcionalidade passada produziu a pontos, mas ao cortar uma floresta
gem busca, em sua abordagem, estrutura do presente; a estrutura cria um obstáculo à conectividade
enfatizar o estudo da influência do presente produz a funcionali- das espécies (Pickett e Cadenasso
do homem sobre a paisagem e sua dade do presente; a funcionalidade 1995; Forman e Godron 1986).
gestão, além de contemplar a im- do presente produzirá a estrutura Se matriz, fragmentos e corre-
portância do contexto espacial nos do futuro.” A paisagem é uma área dores são estruturas pertencentes
processos ecológicos, através de va- heterogênea composta de conjun- a todas as paisagens, a funcionali-
riadas escalas. A disciplina possui tos em interseção pela interação de dade de diferentes paisagens acon-
um forte foco na investigação da ecossistemas. As formas espaciais tece nos fluxos de espécies, energia
paisagem através de sua estrutura, afetam decisivamente este processo e material, incluindo nutrientes.
processos/funcionalidade e trans- e seu desenvolvimento resulta basi- Estas funcionalidades variam den-
formação ao longo do tempo (Met- camente de três mecanismos atuan- tro e fora dos limites das estrutu-
zger 2001; Forman e Godron 1986; tes nos limites da paisagem: proces- ras, sendo altamente influenciadas
Turner et al. 2001). Assim como a sos geomorfológicos específicos ao por conectividade e efeito de borda.
história ambiental e a geografia, longo do tempo, formas de coloni- Como características únicas, pos-
buscam compreender a evolução zação dos organismos e distúrbios suem a magnitude e distribuição
da paisagem. A integração dos co- em ecossistemas durante curto es- espacial. (Forman e Godron 1986;
nhecimentos aumenta o leque de paço de tempo (Forman e Godron Turner et al. 2001).
opções para buscar o entendimen- 1986; Pickett e Cadenasso 1995). A forma em que estruturas, e
to do tema de comum interesse. As estruturas dividem-se em logo funcionalidades, transforma-
Metzger (2001) aponta para matriz, fragmentos ou corredores se é apontada por Forman (1986)
duas principais abordagens na eco- e compõem os mosaicos da pai- como uma busca pela estabilidade/
logia da paisagem: a geográfica e a sagem. Fragmentos são áreas não homogeneidade. Distúrbios po-
ecológica. A primeira, mais holís- lineares que diferem em aparência dem ser causados por humanos
tica, impulsionada por Troll e pes- do seu entorno e geralmente são ou por eventos naturais incontro-
quisadores da Europa Oriental e produzidos por distúrbio. Variam láveis como tempestades e relâm-
Alemanha, preocupa-se com ques- em tamanho, forma, tipo e carac- pagos. Moderadamente produzem
tões da paisagem cultural —integra terísticas de borda. Estão contidos heterogeneidade. Distúrbios seve-
ciências sociológicas, geofísicas e em uma matriz que possui compo- ros causam aumento da heteroge-
biológicas. A segunda, mais recen- sição e estruturas diferentes. Por neidade ou criam uma nova homo-
te (década de 1980), popularizou- exemplo, um fragmento de floresta geneidade. Eventos crônicos como
se nos Estados Unidos, tentando em vastos campos de fazendas ou furacões no Caribe são distúrbios
adaptar a teoria de biogeografia de ainda um remanescente de flores- que podem imprimir um diferente
ilhas para o planejamento de re- ta, não foi atingido por uma quei- ritmo e estabilidade à estrutura e
servas naturais. Beneficiou-se com mada no seu entorno. Florestas ur- funcionalidade de um ecossistema.
o advento das imagens de satélite banas geralmente são fragmentos Distúrbios crônicos causados pela
e de análises geobioestatísticas. na matriz cidade. Nos exemplos ação humana não produzem adap-

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tação do ecossistema e sim, dese- vertical, aumentando as possibili- (Forman e Godron 1986; Bertrand
quilíbrio. A estabilidade de uma dades de estudos com escala (Cla- 1982; Turner et al. 2001)
paisagem aumenta quando o pro- val 2004). O desenvolvimento das Mas o estudo da paisagem com-
cesso sucessional avança, quando técnicas de informação espacial plica ainda mais a questão da es-
há uma rápida recuperação ao dis- como as imagens de satélite, per- cala. Muitas vezes a escala denota
túrbio ou alta resistência. mitiram posteriormente, a partir a existência de uma hierarquia.
da segunda metade do século XX, “Num sistema, as propriedades
Escala e paisagem um grande salto e o surgimento de de um nível hierárquico N depen-
novas possibilidades na utilização dem das interações ou associações
Para entender heterogeneidade da escala (Turner et al. 2001; Sim- existentes no nível N-1 e são con-
e homogeneidade é imprescindível mons 2007). dicionadas (limitadas) pelo nível
discutir escala. A escala é um con- Ao analisar o papel do poder na N+1 (Metzger 2001, 5)”. Verificar a
ceito fundamental para a ecologia construção da paisagem, uma mu- decomposição de biomassa vegetal
da paisagem e para a geografia e dança de escala pode promover uma (N), em uma escala bem local, re-
está presente em todas as ques- cultura dominada à dominante. Em quer o entendimento do microcli-
tões levantadas até aqui, como por uma escala bem aproximada, local, ma e variações no ambiente como
exemplo na geografia cultural e na um quilombo ocupa toda extensão distúrbios humanos (N+1), além
origem do termo paisagem. A escala de determinada área, assim como de características da serrapilheira
espacial é definida pelo observador os escravos que organizavam rodas como quantidade de lignina das fo-
podendo ser em níveis mais amplos de capoeira em uma senzala. Claro lhas. (Turner et al. 2001).
ou mais aproximados. Há aqui uma que ao analisar em uma escala não A escolha da escala espacial e
confusão de terminologia na qual muito mais ampla, verifica-se que temporal correta dependerá do ob-
escala ampla significa pequena, em esta cultura continua submetida ou jeto de estudo escolhido. Estudos
ecologia de paisagem e cartografia é uma resistência à cultura hegemô- de mortalidade de sementes de
respectivamente e assim a escala nica (Claval 2004; Oliveira 2005). carvalho em uma escala local nos
aproximada corresponde à grande, A heterogeneidade e homoge- Estados Unidos, mostraram que a
cartograficamente falando. Há ain- neidade funcionam de forma pa- mortalidade diminuiu com o au-
da a escala temporal com aspectos recida. Se o objeto de um estudo é mento da precipitação, enquanto
de duração e frequência (Metzger uma espécie em que seu habitat não que em uma escala mais ampla, a
2001; Turner et al. 2001). extrapola as bordas de um fragmen- mortalidade diminuiu nas latitudes
Desde os primórdios da geo- to, este fragmento será homogêneo mais secas. Turner et al. (2001) usa
grafia descritivista, a escala está para o estudo de tal espécie. Não outro exemplo:
presente. Humboldt já observa- haverá base de comparação com [...] quando a relação entre pro-
va isso: “os Andes só apresentam a matriz ou outros fragmentos. A dução de algas e biomassa do zo-
o aspecto de uma cadeia quando menor unidade de escala consti- oplâncton foram examinadas em
os vemos de longe, das bordas do tui um geótopo, que será sempre intervalos de 3 dias, uma correlação
Grande Oceano ou das savanas que homogêneo ao ser analisado sepa- negativa foi observada. Entretanto,
estendem-se até o sopé de sua en- radamente. Em uma escala mais quando intervalos de 6 dias foram
costa oriental.” E depois completa: ampla, a ocupação de uma favela, usados, a dinâmica de nutrientes
“quanto maior é a massa das Cor- mais fragmentos florestais urbanos tornou-se mais importante e a cor-
dilheiras, mais difícil é perceber o em diferentes estágios sucessionais relação foi positiva. (Turner et al.
conjunto de sua estrutura e de sua formam um mosaico heterogêneo. 2001, 37)
forma. (Humboldt citado em Cla- Um recorte em certa escala, em
val 2004, 105)”. Este olhar oscilava uma área urbana do Rio de Janeiro A transmutação ou extrapola-
horizontalmente, obliquamente pode levantar as perguntas: o que ção das relações entre padrões e
à paisagem. A posterior utiliza- predomina, cidade ou floresta? O processos obtidos em escalas pe-
ção de fotografias aéreas, além de que seria matriz e o que constitui- quenas para escalas grandes, e vice-
mapas especiais que são os planos riam os fragmentos? A resposta vai versa, é um dos maiores desafios a
cadastrais, desenvolveu o olhar depender da escala de observação. se vencer. Existem domínios de es-

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Interpretação da paisagem: uma tarefa interdisciplinar
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calas em que estas relações são váli- Dentre todos estes conceitos, a produto e ao mesmo tempo criado-
das, mas muitas vezes elas mudam paisagem destaca-se eficientemen- res. Corresponde a dizer que o ser
de forma não previsível (Metzger te no entendimento de questões humano influencia decisivamente,
2001; Turner et al. 2001). referentes à função (funcionalida- direta ou indiretamente, nas estru-
de) e forma (estrutura). Neste mo- turas e funcionalidades dos ecossis-
Considerações finais mento, as análises trabalhadas até temas; e estes o modelam exigindo
aqui, permitiram construir uma adaptações ao longo do tempo. A
A proposta interdisciplinar da definição que pretende ser útil para paisagem sempre é humana.
geografia, integrando questões compreender problemas relativos à Todas as implicações e desdo-
do ambiente físico e da sociedade, inseparabilidade do ser humano e bramentos dos termos presentes
confere-lhe um papel de destaque ambiente físico. A intenção é que a neste resumo bastante condensa-
na incorporação da base teórico- base de conhecimentos desenvolvi- do não podem deixar de levar em
metodológica da história ambiental da torne possível solucioná-los. consideração a forma como foram
e da ecologia da paisagem. O pio- Paisagem é um recorte no espa- construídos e desenvolvidos no
neirismo na análise dos fenômenos ço, que para fins de análise, pode decorrer deste trabalho. Surgirão
sociais e físicos permitiu um grande ser considerado multidimensional, objetos de estudo que demandarão
desenvolvimento de conceitos es- mas na prática todas essas cama- modificações e/ou inclusões nesta
paciais, entre eles a paisagem (So- das são simultâneas, integrantes e conceituação. O objetivo aqui é ape-
lórzano et al. 2009). indissociáveis de um mesmo todo. nas dar o primeiro passo para a uti-
Conceitos como o espaço, terri- Para existir paisagem evoca-se uma lização integrada dos conhecimen-
tório, região e paisagem são amplos condição social, impregnada de cul- tos da geografia, história ambiental
e suas imprecisões constituem sua tura e relações de poder. Isto reflete e ecologia da paisagem, buscando
riqueza pois permitem o enfrenta- na percepção que os seres humanos contribuições de cada uma das dis-
mento das mais diversas questões. têm dela, transformando-os em ciplinas para otimizar resultados.

Henrique Fürstenau Togashi


Mestrando em geografia pela Pontifícia Universidade Católica, bolsista CA-
PES (Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior), pós-
graduado em Análise e avaliação ambiental (“lato sensu”) pela Pontifícia
Universidade Católica, integrante do projeto “As águas estão acabando” fi-
nanciado pelo CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico), integrante do grupo de pesquisas no maciço da Pedra Branca na
linha “transformações da paisagem” da Pontifícia Universidade Católica.

Agradecimentos
Agradeço ao professor Dr. João Rua, assim como os colegas do grupo de
Paisagem, espaço e sustentabilidade pelas discussões que levaram ao ama-
durecimento das idéias neste texto.

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