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4% A concepgiio hobbesiana do Estado assenta em trés conceitos bésicos: estado de natureza™, *contrato_social“"* (pacto) © “sociedade civil”, que embora jd existentes em muitos dos seus antecessores, assumem com ele, um = significado radical, mais forte do que tinham nos predecessores. O “estado de natureza” enquanto “jus naturale", ndo é para Hobbes, um facto histérico, mas ‘apenas um axioma ou postulado: € «a liberdade que cada homem possui de usar seu préprio poder, da maneira que quiser, para a preservacio da sua prépria vida. Isto é, a liberdade que cada homem possui de fazer tudo aquilo que seu préprio 5 julgamento e razio Ihe indiquem como meios adequados a esse fim. Ora no “estado de ", porque os bens siio escassos e todos sdo livres; imbuldos de um egoismo homens vivem numa situagio que faz de cada um deles, homo homini_lupus», e a inseguranca ¢ tal que este estado de coisas dé inevitavelmente lugar 4 «bellum omnium contra omnes». - Nesse estado pré-politico chamado “estado de nafureza’, os individuos cem com direitos iguais, por isso predominam os interesses egoistas, que = tornam cada um lobo do outro. E para evitar de sofrer 0 ataque de outrem, cada um procura defender-se atacando antecipadamente'"®, dando precisamente lugar a uma guerra de todos contra todos. Por isso a uma dada altura, usando da sua raz#o, . que € aquilo que o distingue dos outros seres, 0 homem toma consciéncia de que .-, enquanto perdurar esse estado de coisas, ndo haveré seguranga nem paz alguma, - - porque «a situagiio dos homens deixados a si préprios é uma anarquia geradora de inseguranca, angistia e medo». Como os homens, na sua ferocidade, vivem uma E. inseguranca permanente, a_sua razio dita-lhes que nio podem permanecer por muito tempo nesse estado, sob pena de se devorarem uns € outros. E porque nO. =. *estado de natureza” o individuo vive sob ameaca permanente de ser morto,é do — ~ imteresse de todos e de cada um, sair dessa condictio incémoda e pouco . confortdvel. E a um dado momento da sua vida, o homem reconhece a necessidade de «renunciar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se em relaciio aos outros homens, com a liberdade que eles permitem em relacdo a si mesmos». livres de flosofi, Lishoa, EdigBes 70, 2001, p. 62. Segundo Hobbes “xo destinado a clarificar 0s limites da obrigacdo politica. Mas uma ve que no . necessirio para evitar a existéncia em tal condigo». FO contrato social ¢ «a celebragdio de um pacto cntre sujcitos livres ¢ igmais», que seyudo Hobbes. & «0 Gnico de erigir um poder cSmum, capaz de defender das afrontas uns dos outros ¢ delegar todo o seu poder ¢ forca a um s6 homem, ou uma assembicia de homens, que pode reduzir as vontades de todos, devido A pluralidade das opinides, a uma sb vontade» "'s sociedade civ! € para os contratnalistas, o mesmo que 0 Estado: uma conunidade politica que detém ¢ exeres © poder politico. WEY Bronowski ¢ Brice Mazlisch; op.cit. p.218, silo de parcoer que por so ter sentido desenraizado por cla, 08 ‘acontecimentos da guerra civil levaram Hobbes a emer a natureza anirquica ¢ ini do homen¢ tinh por isso a plor | como for, para Hobbes, num «estado de naturcza onde o homer é lobo do outro 1odos", no haveria indistria on cultura cm tais condigOes, por isso a ora c morta». 94 Quer dizer que em demanda de uma paz interesseira e estdvel, os homens abandonam o “estado de natureza”, renunciam ao seu “di al" de fazer $6 o que hes apetece e, por meio do contrato, ontrato, Fundam «é pela arte que se funda o grande Leviatt, chamado comunidade ou Estado (civitas, em \atim), que nfo é seniio um homem artificial, ainda que de ‘maior estatura e grandeza do que o natural, ‘para cuja protecciio foi ‘pensado»"®. Em outras’ palavras, porque & do interesse de todos viver em paz e seguranca, os homens prescindem dos seus direitos naturais e mediante um contrato, que nada mais é do que um pacto, «é celebrada uma nova ordem, em que todos abdicam da sua vontade em favor de uma entidade eg individuo ou grupo de individuos),* ‘como representante de suas contrariamente a Platiio, Aristételes e Stio Tomds de Aquino, para levam a fundar o Estado social e a autoridade politica, ‘abdicando dos seus direitos em favor do soberano'”?, ‘ Fortemente influenciado pela situaciio politica da Inglaterra da sua época, Hobbes sustenta que os homens ao sair do estado de natureza, sé podem alcangar paz que procuram, atribuindo ao Estado um poder ilimitado € absoluto, visto que a transmissdo do poder dos individuos ao soberano deve ser total. Porque o homem ao sair do “estado de natureza" para fundar uma “sociedade civil", por meio do contrato, abdica da sua liberdade dando plenos poderes ao Estado, a fim deste — proteger a sua vida e garantir a propriedade individual, j4 que como dird depois Locke, o «Estado deve garantir que o que é meu me pertenca exclusivamentes_ gear vase otha gig ist tot = 9 dj eorty ‘Pam se matarem uns a0s outros ¢ estando, por isso. cm condigiio de ‘a lei a ordem. O que s6 poderiaealizar-se por um convénio mito. 'dos oviras, a comnnidade absoluta para thes dizer 0 que deviam 95 .Néo hd, segundo Hobbes, abuso de poder por parte do soberano’”!, jé que o é ilimitado: 0 Estado nao pode ser contestado porque é absolute e indivisivel, éum Leviatd, isto é, um monstro crue! que defende os pequenos peixes contra os grandes!2%Q soberano niio tem de responder perante quem o escolheu, excepto para garantir a paz, porque ndo hd contrato entre ele.e.os outros, mas 0 Unico contrato é entre individuos. E de realcar que Hobbes:vé o’homem como um individuo com liberdade le natural e preexistente ao Estado, jd que 0 “estado de natureza” é um estado pré-politico de liberdade absolute. Pela sua natureza racional, todo o individuo é igual aos outros e é apenas nessa condicdo natural de liberdade e igualdade de uns e outros, que se celebra 0 pacto (contrato social), para garantir os direitos dos individuos, sua es Embora porém fruto do pacto entre homens livres € bbesiang é absolito e omnipatente: o mais totalitiirio de todos c Estados, cujo ~ poder se estende a todas as esferas da vida (politica, espiritual, ética e religiosa). Mesmo se inicialmente Hobbes reconhece que o poder do Estado tem origem no povo, no entanto afirma que 0 povo que alienou por virtude do pacto ou contrato social, a sua soberania (como *jus in omnia”), no pode mais reavé-la: «é como se um ponto, que tivesse gerado uma linha, no pudesse racionalmente voltar a Ser ponto mas permanecesse eternamente linhas.* Observa ainda Hobbes que no momento em que o povo aliena a sua soberania, poderd irensmitia a um rei ou 4 wea assembleia de magnates, porém uma vez prescinde do seu poder, no pode Famca mais reavé-lo. Em contraste portanto com os advogados constifucionais que _ pretendiam limitar 0 poder dos reis, Hobbes confiara todo 0 poder ao governante: para reforcar a unidade e a obediéncia. "2" Nigel Warburton; op. cit.. pp 64-65, «Seja cle individuo on uma assembleia, o soberano € uma pessoa artificial, que passa a scr a personificagio viva do Fstado. depois de todas as vontades terem sido unidas por meio do ‘contrato social. © soberano deve scr soficientemente poderoso para fazer respeitar as promessas dadas porque aliangas sem espada no passam de palavras © nao tém poder soquer para garantir a seguranga a um home». Segundo Hobbes portanto, 0 pader do sobcrano asscgura que o povo aja da forma que se comprometeu a fazer. E sem a figura poderosa que imponba o respeito dos contratos, ninguém teria qualquer incentivo para respeitar uma prpmessa efectuada (nr) J Bronowski e Bruce Mazlisch: op. cit, p. 21. «Hlobbes nega a conviogo de Arist6teles de que o homem é um animal social”, afirmando wo cxistis sociedade oa comeniiaic asics de um coménio de sabsiss3o (pacto). [Estando assim 4 cstabelecer man aetoridade shsoleta, fiboaa de qaaiqear resisiSo contanl on dc kei materale x op. cit. p. 173 a. Um direito refere algo que os individuos tém a liberdade de fazer se assim 0 desejarem, mas que niio so obrigados a fazer. Ora no estado de natureza, todos - 0s individuos tém um direito natural a kutar pela preservaciio individual e continuam a ter este direito mesmo depois de ter desistido de outros direitos no dmbito do contrato social'**. Porque «a moral e a justica sto cricgdes de sociedades -especificas, certo, errado, justica e injustica sto valores determinados pelos ‘poderes soberanos no contexto de um Estado e niio concebides ou (_) descobertos @ preexistentes no mundo». Sendo portanto o Estado uma sociedade de «individuos em lita pela sobrevivéncia num mundo de recursos limtados», niio hd nogies de certo ou erredo, uma vez que, niio havendo um poder supremo para as impor, nfo existiriam reqras: Nao haveria fambém qualquer propriedore: a todes os individuos seria permitido’ possuir tudo aquilo que consequissem odquirir e defender. a Tal qual o Estado, Hobbes deduziu também o direito dos principios da razio, afirmando que «tudo o que tem a face Juridica hé de estar necessariamente ao servigo das vontades individuais que procuram afirmar-se em concorréncia umas com as outres nos seus conflitos de interessess, sendo o egoismo o facto elementar que judo explica”Na sua concepcio politica do Estado, Hobbes vé o direito como «o ditame da recta razio acerca daquelas coisas que o homem deve praticar, ou abster-se de praticar, para a io mais duradoira possfvel da sua vida e da dos outros membros da sociedade'»70 direito enquanto lei éum ditome | raziio, por fazer parte da prépria natureza racional do homem © as. leis naturais sto principios aos_quais se encontra vinculado qualquer individuo. nacional. No estado de natureza, todes as pessoas tém o direito de fazer tudo. Por isso néio respettar os nossos deveres para com os outros é, segundo Hobbes, atentar contra a conservagiio da vida dos individuos, e respeitdé-los estabelecendo Com, os outros a paz, constitul o primeiro pressuposto do direito natural. Depois de fundado o Estado, o tnico direito natural a que estio submetidos os cidadéos assim como o soberano, é 0 direito da arte-conservaciio: Gos cidadaas exige-se 0 dever de respeifar os contratos, a vida ea propriedade dos outros, impossiveis de existirem no “estado de natureza", enquanto ao soberano exige-se Por sua vez o dever de evitar a dissoluciio do Estado, defendendo os seus direitos, na plenitude de uma soberania absoluta ¢ ilimitada, como tnico meio de garantir a POZf Et) Nee Be "sa Wt sum Leabbeete 5 tele Ag den, dee bn ieae: Biss fee Aisa fete piste ; Be wtnna? 2 dane por imdividhens mo estado de otercra para prescimdircam das sos 9 Sipnificando Gee. om dada alters ma histiria dh cals stain, todos os ra compensadne sastar cacrsia a Infor © que fr mais semtido 97 a = 4_soberania ¢ de entender em Hobbes como uma “jus in omnia", que jé possufam os individuos no “estado de natureza”, mas transferido para o soberano, por meio do contrato social, que fundow @ Cidade e constituiu sefitiomerte a cutoridade absoluta do imperante. Néo hé_outro direito senio/o direito p promulgado pelo Estado e niio hd também distincdio entre Estado retiree oat = «0 Estado do pode consentir que ‘seus sibditos siriam outro senhor ou désobedecam ds suas ordens. A Tgreja deve estar submetida ao Estado, que aliés, se sonata com efa?”», x Jf Podemos concluir que Hobbes tem uma concepefio p positivista do direito, que apresenta d duas notas tipicas: o formalismo, que consiste em conceber 6 direito ndo — na perspectiva do seu contetide (relagies (relagdes externas, inter-subjectivas, etc) ou da sua finalidade (0 bem comum, a paz, a justica), mas com base na_autoridade que . _ institui a norma. E o imperativismo, que leva Hobbes a considerar o direito como um comando,Fisto é, um conjunto de normas emanadas pelo Estado e destinadas a_ dirigir o comportamento dos stibditos. Resumem-se portanto a duas as ideias hobbesianas bdsicas, relatives ao direito e a politica: Hobbes aplica 0 método matemdtico e das ciéncias naturais ds questdes do direito e do Estado e constréi -_ uma concepgio de soberania que conduz & monarquia absohitae ao mais despético . dos totalitarismos politicos, FE de certa forma inevitével uma comparacio entre © modelo aristotélico- 4 = tomista de Estado e o modelo hobbesiano, comecando por contrapor a relagao que ambos estabelecem entre individuo e_sociedade: “Enquanto © modelo aristotélico- tomista é fundamentalmente constituide por dois elementos: familia e Estado: no -~ 7 modelo hobbesiano sto elementos fundamentais, o “estado de natureza” (sociedade. pré-politica) e a “sociedade civil” (sociedade politica)*No modelo aristotélico- - tomista precede a sociedade, cujo estado pré-polftico ¢ a famflia (entendida no sentido mais lato de organizactio da casa), com predominio de relacdes de desigualdade, como as decorrentes entre pai e filho ou entre senhor e escravo; depois vem o individuo, que deve comportar-se em conformidade com a lei da sociedade (comunidade ou familia), na qual esté integrado. = Em contrapartida, no modelo hobbessiano, primeiro esté o individua cujo estado pré-politico é o “estado de natureza”, um estado de liberdade natural e _ _igualdade ou independéncia reciproca, onde os individuos vivem isolados uns dos outros e fora de qualquer organizagao social. Usando da sua razio e por meio do contrato os individuos criam o Leviaté, Estado ou sociedade civil. = asaogponi ivr 98 ® Se portanto no modelo aristotélico sto naturais as relacdes de dependéncia.e desigualdacte, no modelo hobbesiano stio naturais os direitos individuais, a partir dos quais € constituida a sociedade civil ou Estado. Podemos dizer em outras Palavras que no modelo aristotélico-tomista a comunidad. é anterior ao individuo, com sua lei, aparecendo depois o homem, que por sua natureza racional, s6 pode obedecer a esta lei da comunidade, da Pélis."Ao posso que noodelo hobbesiano Prumeine esté o homem com sua liberdade natural e sé depois vem a sociedade, que come «porgdo de individuos iguais», cria a lei para regular as relagdes entre os —Sujeitos, isto é, para regular a liberdade e propriedade dos membros da comunidade. Se para Aristételes e Sdo Tomds de Aquino, iro se dé a Jei para depois se pér o problema do agir segundo a mesma lei, isto , Se primeiro pée-se a {e: para depois surgir o individuo com o seu poder de agir: jé no modelo hobbesiano, influenciado pelo humanismo renascentista, em primeiro lugar esté o individuo, como ser racional com todos os seus problemas e todas as suas exigéncias, noturalmente capaz de pensar e agir por si; e da sua autoconsciéncia vai resultar a lei. Outra diferenca de vulto entre os modelos aristotélico e hobbesiano de x sociedade, assenta no entendimento da_razio. Para os aristotélico-tomistas, a- fraztid] é esséncia do homem, aquilo que.o distingue dos demais sere: para: “08 racionalistas, a raZiq' é a capacidade natural do homem conhecer o justo eo injusto, o certo e’9 incerto. Mas ao afastarem-se do paradigma greco-cristiio, que. Supunha possivel a compreenstio do mundo através do estudo de eventos ~significativos da histdéria humana, os racionalistas dos séculos XVI-XVITE atribuem este. popel.2 razfo, considereda como tinico meio de conhecimento do mundo, € cujo uso sistemdtico é fundamento da ciéncia"€ apesar de considerar a Fazio como fonte-autdravica de conhecimento, 95 racionalistas véem nela alguma wulnerabilidgde ¢ falibilidade, devidas a debilidade da natureza humana® Para os racionalistas, @_razdo’ manifesta-se portanto de duas formas: 1) é vista como capacidade do homem abordar de forma sensata e comedida as questées e 2) capacidade do homem conhecer o absurdo e gridiculo, Os racionalistas consideram que a raziio forniece aos individuos um método de representacdo do mundo que permite superar a ideia greco-crista de quea Sociedade e o Estado, enquanto corpos polices fundam-se em algo natural e religioso, ‘thegando assim & conclustio de que dyrazdo é a condictio necesséria para a passagem do estado de natureza a vida societéria. Isto porque a razdo, desde que 3 jada na ciéncia, supera os limites dos sentidos e da meméria, incapazes ecer obrigacgdes morais duradouras e certas. Mas como & do pensamento, ndo faltam criticas 4 doutrina juridico-politica ao Leviat§, sua _obra-prima: Entre as criticas mais obbes, podemos destacar: a) Em primeiro lugar recrimina-se a Hobbes que limitou arbitrariamente a natureza humana ao egoismo, rio vendo o lado altruste do homem: pintou um retrato excessivamente negativo da natureza humana fora da influéncia tivilizadora do Estado, ignorando que «0 altruismo € um traco humano relativamente comum e que a cooperacdo entre individuos é possivel sem ameaca da forga'*®», fe b) Embora seja pouco provdvel o surgimento de um soberano suficientemente poderoso, que fiscalize as aliangas entre Estados, hoje.mais ainda do que nunca, a teoria hobbesiana do estado de natureza, parece descrever mais o tipo de rivalidades e agressdes que se verificam entre paises nas relagies internacionais, do 1 gue entre individuos. ne c) Atendendo que ndéo hd Estado algum capaz de vigiar todas as pessoas em todos os momentos”, uma outtra critica frequente a Hobbes é que ele ndo fornece qualquer razéo para 0 indiyiduo safdo do estado de natureza, caracterizado_por uma “bellum omniym contra omnes", respeitar o contrato social quando pode “quebré-lo impunemente. Mas a critica mais consistente ap_Leviat§ € aquela que “geusa Hobbes de defensor do totalitarismo, porquanto sacrifica a liberdade. individual & exigéncia da ordem € da paz. Mesmo se em resposta a todes: estas criticas, Hobbes puderia argumentar que a comunidade é intolerante © as, consciéncias individuais ndio deve ser levadas a sério. ei Para Hobbes, 0 soberano enquanto reinante é quem deve decidir 0. que esté certo ou errado e 0 individuo néo deveria tentar efectuar tais jufzos: «o poder Soberano ndio é téo prejudicial quanto a sua falta». A isso hi porém quem e que em oposiciio ao Estado Leviatd de Hobbes, alguns individuos optariam.por-UmOa. vida solitéria, pobre, mé, animalesca e curta, em vez de uma verdadeira:... escravatura. No entanto, se a justa razdo, algumas suposigdes de Hobbes podem: ser muito contestadas, a verdade porém é que ele chama a atenciio para o que seria. a vida sem um poder soberano ou se este deixasse de existir'®°. E apesar de todos 0s limites do seu pensamento, @ influéncia de Thomas Hobbes foi tao decisiva € de efeitos indeléveis para o futuro, que sem ele, certamente que nem Locke nem Rousseau seriam possiveis. 4 100 C.2 O ILUMINISMO DO SEC XVIII ismo constitui a emancipaggo do homem da sua menoridade, emancipagéio da incapacidade do homem se servir do Seu intelecto sem a orientagtio de um outro, € fax parte da atitude de pensar por si préprio, de questionar o que é transmitido; “a liberdade de usar publicamente a sua razio em todas as suas partes"»!. Nenhum outro perfodo na histéria do espirito europeu foi mais agitade de ideias, mais rico de tendéncias contrdrias e mais revolucionérias do que o « representaciio racional do “contrato social”, dos grandes racionalistas, permanece; mas o século XVIII pensa muito simplesmente que, pelo contrato social, nem todos os direitos origindrios dos individuos foram renunciades pelo -pacto fuldador em beneficio do Estado, ficando alguns desses em poder deies, como o direito de liberdade de consciéncia, liberdade juridica, econémica e pessoal. Outra convicgiio + prépria do “Lluminismo” é que ninguém estd acima da lei, mas sim a lei esté acima de todos, reis e siibdites, como expressiio da verdadeira soberania da Raziio e Como mais alfa funcfio do Estado e do poder politico: é a defesa da cléssica teoria dos «direitos individuais naturais e origindrios™%». ba ; Ge 06-5040 C.3Iohn LOCKE usszim4) eed fs Locke foi um ponto de chegada, atris do qual esti uma revolucdo religiosa (0. calvinismo) © uma rewolicfie politica (0 parlamentorismo britinico de 1688). Filosoficament, John Locke é um empiristn e como tal, levanta-se contra a ™ — explicaciio a priori e metafisica da razio e dos seus principios. Segundo a sua ‘ Teoria do conhecimento, € 0 espirito do homem que elabora as suas préprias também ele parte da teoria do conhecimento, onde distingue em fungéio das quais o homem pode ajuizar da rectiddo ou acoées, para fundamentar a sua doutrina juridico-politica: a lef divind: ‘ei promulgada por Deus para os homens, por meio de kuz trés tipos de regras, SE rae oer eae! pelo seu Criador com certos Re ee ee da Felicidade; sempre que um governo destréi estes fins, © povo temo direito deo mudar ou abolir»"*. Compreender o poder politico-é portanto derivi-lo, segundo Locke, da sua origem e reconsiruir pela andlise abstractd-a formaciio da sociedade, a partir do estado natural do homem, antes de tal poder existir**. * Locke faz assentar a sua doutrina juridico-politica sobre os trés conceitos bdsicos, jd presentes em Hobbes: o “estado de natureza” que, contrariamente ao de Hobbes, e embora tenha muitos inconvenientes, derivados sobretudo das paixdes humanas, é um estado de perfeita liberdade de os homens dirigirem as suas accées e disporem dos seus bens como entenderem, observando apenas oS Jimites da lei natural, que thes preceitua a sua conservactio e a dos outros. O “contrat social” é 0 pacto ou acorde pelo qual se funda o Estado ou governo civil, pondo termo ao estado de natureza Isto é, 0 contrato € o meio pelo qual os homens concordam mufuamente em se unir numa comunidade e formar um corpo politico. “© 0 contrato social é para Locke, a tinica forma de os individuos desistirem de algumas des suas liberdades no estado de natureza e através de um pacto, conceder 0 seu consentimento” Este pacto pode porém segundo Locke, ser um _ “acordo expresso", quando é realizado de forma livre e explicita, ou “acordo técito", *, quando esté apenas implicito no comportamento mas no é explicitamente acordado. Mesmo se na realidade nunca damos o-ffosso consentimento consciente & realizacio' do: pacto fundante; a verdade para Locke é que «qualquer pessoa que beneficie da protecctio da sua personalidade numa sociedade civil ou que desfrute de outros beneficios que tal organizacéo implica, estabelece por essa raziio um contrato tacito para prescindir de alguns direitos naturais™”, embora isto no Signifique submeter-se aos ditames de um soberano. a 2) 2 A “sociedade civil” € para Locke, uma sociedade politica. Com este conceito pretende mostrar de que forma o Estado ou comunidade tem origem e de que modos 0s membros de tal sociedade beneficiam a 5 sud existéncia."A scotia ~ civil surge da necessidade de protecciio da vida, liberdade,e em especial, _— propriedade dos individuos. Pora garantir uma vida pacifiea des individues, - preciso passar“do estado natural para uma sociedade organizada, o que implica que 08 individuos prescindem de alguns dos direitos que possuem no estado de natureza e por miituo acordo, decidem renunciar ao seu direito de aplicar o castigo pela transgressiio da lei natural, por causa de uma maior seguranca de que F beneficiariam, depositando o poder de fazer e elaborar as leis nas méos de um ~ individuo ou grupo de pessoas incumbidas de agir para o bem comum'=*. ¥:Aos conceitos bésicos de Hobbes, Locke acrescenta a “propriedade”, um dos direitos fundamentais dos individuos no estado de naturéza. Um termo que refere mais do que o sentido actual que a palavra deixa entender e que significa algo mais do que posse material de _bens, jd que em Locke 0 conceito de propriedade € ~ extensive a vida e aos direitos naturais inaliendveis: «cada individuo tem posse si mesmo e tem o direito de fazer o que quiser, desde que nao prejudique os outros endo _atente contra a prépria vide>*O home ¢ naturalmente proprietdrio da ‘sua prépria vida, (..) pelo trabalho, desliga da posse comunitéria o elemento que assimila a sua pessoa: «a tudo 0 que ele retira do estado que a Natureza instituira, - eem que 0 deixara, ele misturou 0 seu esforco, juntou algo que Ihe pertence de direito, e dele faz sua propriedade. Mas a partir do momento em que o dinheiro se — torna d*equivalente dos bens de consumo a propriedade modifica-se e sai dos limites prescritos pela ordem natural°*O conceito de propriedade €. muito... importante para Locke, porque na sua visto de sociedade, é com ela que surgemas. — desigualdades sociais entre os individuos. J j — Gpondo-se @ doutrina do “direito divino dos reis”, teorizada por Sir Robert. = Filmer, Locke fundamenta juridico-politicamente a sua reflexdo, procurando responder a pergunta: “quem deve exercer o poder politico? Isto €, “quais sie a origem e os limites da autoridade politica legitima"? Em outras palavras, “porque devem as pessoas obedecer aos governantes e em que circunstancia se justifica oporem-se a quem as governa”?"* A tal interrogacdo, Locke comega por responder que, «fazendo o homem a experiéncia da sua liberdade, pode descobrir, na ordem racional das suas ideias, a regra universal do bem. (Porque) a felicidade apenas existe para o homem consciente da sua liberdade, prosseguindo na sua accdo a realizacio de uma lei da Natureza que se revela d reflextio sobre a experiéncia»'**,_ Se 6h)UC (Cll *Para Locke, os homens, como criaturas da mesma espécie, tém todos a mesma relacdo com as vantagens da Natureza e usam as mesmas faculdades; o que implica a quséncia_ de subordinacdo de um em relacio a outro. A:vida de todo o individuo, na ordem natural, é um bem préprio, que importa conservar e av relagdes entre os homens encontram-se regidas por um principio de autonomia. Todo o homem tem, de facto, 0 poder executivo correspondente.&: ordem moral: baseada na lei da Natureza'*?, zg ¥ O estado de natureza sé se concebe segundo Locke, enquanto governado por _uma lei da raziio: é a raziio que «ensina toda a humanidede, por muito pouco que a Tenha consultado, que sendo todos iguais e independentes, ninguém deve prejudicar outrem na sua vida, satide, liberdade, posses». Mas como a lei natural legitima a propriedade ligando-a & pessoa do possuidor? Para Locke, o homem é naturalmente broprietdrio de.sua prépria pessoa: pelo trabalho, ele desliga da posse comunitéria is © elemento material que assimila & sua pessoa: «a tudo que ele retina do estado que a Natureza instituira, e em que o deixara, ele misturou 0 seu esforgo, juntou algo que lhe pertence de direito, e dele faz sua propriedade»™**Tal como Hobbes, também Locke tem uma concepeio individualista do homem e a sua percepciio do direito e do Estado, assenta como basé,*io “estado de natureza", que é um estadg pré-politico. E para constituir a sociedade civil e tornar legitimo o poder do Estado, os homens uniram-se mediante um pacto (contrato). ‘4 Mas se aqui tgmbém nos é permitide comparar Habbes a Locke, em matéria juridico-politica, a’ primeira grande diferenca entre ambos € qué™para Locke, 0 estado de_natureze néio é um reino de «guerra de todos contra todes, onde o homem é lobo do outro», nem é reino de egoismo. Mas um estado de paz, cujo «inconveniente é a falta de um juiz imparcial para julgar as controvérsias que nascem entre os individuos que participam da sociedade»™®; visto que neste estado de natureza, o homem possui o poder «(..) de fazer tudo o que considera apropriado a sua prépria conservagtio ed do resto da humanidadex-e cada um é juiz em causa _prépria. Ora como os riscos das paixdes e da parcialidade stio muito grandes, € podem desestabilizar as relacSes entre os homens, para defender sua propriedade (vida, posses e direitos naturais), os individuos constituem, por um Meat 0, 0 poder politico, consentindo a criagiio da sociedade civil. E prerrogativa de interpretar e aplicar a lei da natureza, sr de tudo fazer, a uma comunidade, para que seja reguiado i le, tanto quanto a preservaciio de si préprio e dos 105 * Uma outra notivel diferenca entre Locke e Hobbes é que, enquonto com 0 Ultimo, uma vez 0S cidaddos abdicam dos seus direitos, rio poderdio munca mais we-I ‘tornande-se 0 Estado um soberano com poder absoluto e ilimitado: para depois de celebrado o contrato que permitiu realizar a passagem do estado de natureza para_a_sociedade civil, os direitos naturais dos homens nio desapareceram, mas subsistem para limitar 0 poder do soberano“*”. = 4 Uma terceira diferenca entre Locke ellobbes é que ao contrério de Hobbes, Locke € a favor da resisténcia contra o Estado, porque o Estado civil 6lerigido para _garantir’ ¢ proteger os direitos naturais (liberdade € igualdade), que correriam “grande perigo no estado de nafureza, por se encontrarem desprotegides. Segundo Locke, deve observar-se o principio de bilateralidade ou reciprocidade da obrigactio politica, quer dizer que «na impossibilidade de os magistrados, cuja autoridade se fundamenta na proteccéo dos direitos naturais, respeitarem a lei natural, aquele que exceda com a sua autoridade o poder que lhe foi dado pela lei e faca uso da forca que possui sob seu comando para fazer, com relaciio aos suibditos, 0 que a lei néio permite, deixa de ser magistrado e como delibera sem Justifica « oposiciio que se the faca». +¢ E também de observar que em Locke, sociedade civil e sociedade politica stio uma e mesma coisa e a propriedade ¢ stenter_no_sentide mais anblo, Se pee ee ular a propriedade, que pode ameacar a paz social». a yo S de Almmcids. op. cit. p27. Scemmdo Locke. . Locke, a soberania reside no povo, de modo que o «governo -leaftima. um governo formads por consentiments>. Ao governo ou governante é conferida uma posiciio de confianca e quando esta confianca é traida, qualquer obrigaco por parte do povo € anulada. Ao deixar de agir para o bem paiblico o governo ou governante peadem o direito ao poder que o povo Ihes atribuiu com o estabelecimento do pacto social. 2 Nesta ordem de ideia, Locke afirma que

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