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LIVIA BATINI ARAUJO

JORNADA 12X36: A INFLUÊNCIA NA SAÚDE DO EMPREGADO E A


RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

LONDRINA - PR
2023
LIVIA BATINI ARAUJO

JORNADA 12X36: A INFLUÊNCIA NA SAÚDE DO EMPREGADO E A


RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia -
UniFil, como requisito parcial à obtenção do título
de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Thiago Cesar Giazzi

LONDRINA - PR
2023
LIVIA BATINI ARAUJO

JORNADA 12X36: A INFLUÊNCIA NA SAÚDE DO EMPREGADO E A


RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia -
UniFil, como requisito parcial à obtenção do título
de Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Orientador: Professor Mestre Thiago César Giazzi
- Centro Universitário Filadélfia - UniFil

________________________________________
Professora Flávia Fernandes Alfaro Curti
Componente da Banca - Centro Universitário
Filadélfia - UniFil

________________________________________
Dr. Juliano César Diniz Noronha – Componente da
Banca – Centro Universitário Filadélfia - UNIFIL

Londrina, 13 de setembro de 2023.


Dedico este trabalho primeiramente a
Deus, por ser essencial na minha vida. A
toda minha família, amigos e professores
ao longo do curso de Direito.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar minha profunda gratidão às pessoas que estiveram


ao meu lado durante esta jornada, tornando possível a conclusão deste trabalho.
Suas contribuições e apoio foram fundamentais para o meu sucesso.
Primeiramente, quero expressar minha eterna gratidão a Deus, pois até
aqui me sustentou, foi bom comigo e me sustentou nos momentos de dificuldade.
Aos meus pais, que sempre me incentivaram a perseguir meus sonhos e
a me dedicar aos estudos. Sua inabalável confiança em mim foi a força motriz por
trás de cada passo que dei nesta trajetória acadêmica.
A meu irmão, agradeço por ser meu companheiro constante, oferecendo
palavras de encorajamento nos momentos de desafio e compartilhando comigo a
alegria de cada conquista alcançada.
Aos meus avós, que são fonte de sabedoria e amor incondicional,
expresso minha sincera gratidão. Seus conselhos e histórias inspiradoras me
lembraram constantemente das minhas raízes e da importância de persistir com
determinação.
Não posso deixar de agradecer ao meu chefe, cujo apoio flexível e
compreensão permitiram que eu equilibrasse minhas responsabilidades profissionais
e acadêmicas de maneira eficaz. Sua confiança em mim impulsionou minha
capacidade de enfrentar desafios simultâneos.
Por último, mas não menos importante, meu orientador merece um
agradecimento especial. Suas orientações sábias, expertise acadêmica e dedicação
incansável moldaram este trabalho desde o início. Sua disposição em compartilhar
conhecimentos e fornecer feedback construtivo foi inestimável para o
desenvolvimento deste TCC.
A todos vocês, meus pais, irmão, avós, chefe e orientador, meu mais
profundo reconhecimento. Esta conquista não teria sido possível sem a presença de
cada um de vocês em minha vida. Que estes agradecimentos expressem a gratidão
que sinto em meu coração.
Enfim, a todos que colaboraram de alguma maneira para a realização
deste trabalho. MUITO OBRIGADA.
ARAUJO, Livia Batini. Jornada 12x36: a influência na saúde do empregado e a
responsabilidade do empregador. 2023. 59 páginas. Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário Filadélfia - UniFil, Londrina, 2023.

RESUMO

O presente estudo visa analisar o reflexo na saúde dos empregados que realizam a
modalidade de jornada 12x36, bem como a responsabilidade do empregador frente
aos danos causados aos empregados. Busca-se demonstrar, com a utilização de
método dedutivo e abordagem que passa pela análise de revisão bibliográfica, a
evolução da jornada de trabalho até chegar na jornada padrão de 8 horas diárias e
44 horas semanais, bem como de que forma esse aspecto se relaciona ao direito
fundamental ao trabalho e à saúde. A respeito do direito fundamental à saúde,
analisa-se a legislação trabalhista e a proteção à saúde do empregado garantida
constitucionalmente e na legislação infraconstitucional. Por fim, busca-se demonstrar
como longas jornadas de trabalho refletem diretamente na ocorrência de diversas
doenças e no aumento na recorrência de acidentes de trabalho, haja vista a fadiga
ocasionada pela falta de descanso.

Palavras-chave: Jornada 12x36. Saúde do empregado. Responsabilidade do


empregador.
6

ARAUJO, Livia Batini. Workday 12x36: the influence on employee health and the
employer's responsibility. 2023. 59 sheets. Completion of course work (Bachelor of
Law) – Centro Universitário Filadélfia - UniFil, Londrina, 2023.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the impact on the health of employees who create
the 12x36 workday modality, as well as the employer's responsibility for damages
caused to employees. It seeks to demonstrate, with the use of a deductive method
and an approach that goes through the analysis of a bibliographical review, the
evolution of the working day until reaching the standard workday of 8 temporary
hours and 44 hours a week, as well as how this aspect is related to the fundamental
right to work and health. Regarding the fundamental right to health, the labor
legislation and the protection of the employee's health fulfilled constitutionally and in
the infraconstitutional legislation are analyzed. Finally, we seek to demonstrate how
long working hours directly reflect the occurrence of various diseases and the
increase in the recurrence of accidents at work, given the fatigue caused by the lack
of rest.

Keywords: Journey 12x36. Employee health. Employer's responsibility.


7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................9

2 TUTELA DO TRABALHO E A JORNADA...................................................11


2.1 Direito Fundamental ao Trabalho..............................................................11
2.2 Relação de trabalho e relação de emprego..............................................19
2.3 Jornada de trabalho – aspectos fundamentais........................................24

3 PROTEÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR...........................................32


3.1 Direito Fundamental à saúde.....................................................................32
3.2 Normas de Segurança e Saúde no Trabalho............................................37
3.3 Doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.......................................41

4 IMPACTOS A SAÚDE DO TRABALHADOR NA JORNADA 12X36.........43


4.1 Conceito e Previsão Normativa.................................................................43
4.2 Impactos na saúde do trabalhador em jornada 12x36.............................47
4.3 Responsabilidade do empregador pelos danos à saúde........................51

5 CONCLUSÃO...............................................................................................56

REFERÊNCIAS.............................................................................................58
8

1 INTRODUÇÃO

No contexto contemporâneo das relações laborais, a busca por eficiência,


produtividade e adaptação às demandas de uma sociedade em constante
transformação tem levado as organizações a adotarem diferentes modelos de
jornada de trabalho. Entre esses modelos, a jornada 12x36 tem se destacado como
uma alternativa que visa otimizar a distribuição do tempo laboral, permitindo maior
flexibilidade e continuidade nas operações. No entanto, essa configuração específica
de jornada não está isenta de questionamentos quanto aos impactos que pode
acarretar na saúde dos trabalhadores que a ela se submetem.
Este trabalho de conclusão de curso se propõe a explorar a relação entre a
jornada 12x36 e suas implicações na saúde dos trabalhadores. Para tanto, serão
abordados aspectos jurídicos e sociais que envolvem tanto a jornada de trabalho em
si quanto o direito fundamental à saúde dos indivíduos inseridos no mercado de
trabalho.
O primeiro capítulo aborda os fundamentos da tutela do trabalho e da
jornada laboral, compreendendo a jornada de trabalho como uma componente
central da vida profissional, e examinando o direito fundamental ao trabalho, as
nuances entre relação de trabalho e relação de emprego, bem como os aspectos
fundamentais da jornada de trabalho.
O segundo capítulo se concentra na proteção da saúde do trabalhador,
explorando o direito fundamental à saúde e a importância das normas de Segurança
e Saúde no Trabalho (SST) na preservação do bem-estar dos profissionais. Além
disso, são abordadas as doenças relacionadas ao ambiente laboral e suas
implicações legais e sociais.
O terceiro capítulo analisa os impactos da jornada 12x36 na saúde do
trabalhador, começando pela definição e previsão normativa dessa modalidade de
jornada. Serão investigados os efeitos dessa jornada específica na saúde física,
mental e emocional dos trabalhadores, considerando os aspectos positivos e
preocupações potenciais. Adicionalmente, discute-se a responsabilidade do
empregador perante possíveis danos à saúde dos empregados submetidos a essa
jornada.
9

A compreensão aprofundada das interconexões entre a jornada de trabalho


12x36 e a saúde do trabalhador é fundamental para embasar discussões acerca das
regulamentações laborais e políticas públicas que possam promover um ambiente
de trabalho mais seguro e saudável. Ao final desta pesquisa, espera-se contribuir
para a ampliação do entendimento sobre as implicações dessa jornada específica,
proporcionando subsídios para a tomada de decisões informadas por parte de
legisladores, empregadores e demais atores envolvidos na esfera laboral.
O método de pesquisa adotado foi o indutivo, tendo seu início pela revisão
de literatura. Foi realizado através de pesquisa bibliográfica compreendendo oito
fases distintas: escolha do tema; elaboração de plano de trabalho; identificação;
localização; compilação; fichamento; análise e interpretação e redação.
Após a compilação dos dados obtidos por meio da revisão de literatura serão
elaborados os pressupostos teóricos que sustentam os resultados e discussões do
estudo.
Assim sendo, a metodologia usada neste trabalho será a Pesquisa
Bibliográfica, ou seja, feito a partir do levantamento de referências teóricas já
analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos
científicos, páginas de web sites, que permitirá conhecer o que já se estudou sobre o
assunto.
A problemática central do presente estudo gira em torno do seguinte
questionamento: quais os efeitos na saúde dos empregados que laboram na jornada
12x36?
É com essa procura de respostas para o problema levantado acima que se
busca a fomentação da pesquisa científica em forma de contribuição para o Direito.
10

2 TUTELA DO TRABALHO E A JORNADA

A jornada de trabalho é um tema relevante e complexo que tem sido objeto


de discussões e pesquisas por muitos anos. É um aspecto importante da vida
profissional de milhões de trabalhadores em todo o mundo e afeta diretamente a
saúde, bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos. Devido à sua importância,
muitos estudiosos têm se dedicado a analisar os diversos aspectos da jornada de
trabalho, desde sua duração até seus efeitos sobre a saúde e o desempenho
produtivo dos trabalhadores.
Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia (Garcia, 2015, p.892), a jornada de
trabalho é definida como o montante de horas em um dia de labor.
No Brasil, a jornada de trabalho é regulamentada, prioritariamente, pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que estabelece a duração máxima da
jornada de trabalho em 8 horas diárias ou 44 horas semanais. No entanto, a CLT
não define o conceito de jornada de trabalho, o que pode gerar dúvidas e
divergências na interpretação da lei.
Nesse contexto, uma vez que a jornada de trabalho pressupõe a existência
de um contrato de trabalho e, com isso as relações fáticas regulamentadas pela
legislação trabalhista, é importante distinguir a relação de emprego da relação de
trabalho, já que a jornada de trabalho é um elemento presente apenas na relação de
emprego.

2.1 Direito Fundamental ao Trabalho

Antes de adentrar a questão da jornada de trabalho, a qual existe apenas


nas relações de emprego, conforme informado anteriormente, ressalta-se que a
Constituição Federal garantiu ao trabalho um status de direito fundamental,
integrando a segunda dimensão dos direitos fundamentais.
A primeira dimensão dos direitos fundamentais é a dimensão individual ou
liberal, que se originou no contexto histórico do liberalismo. Essa dimensão é
centrada na proteção dos direitos civis e políticos, que são entendidos como
garantias do indivíduo frente ao Estado. Segundo Flávia Piovesan:
11

Os direitos civis e políticos são aqueles que têm por objetivo garantir a
liberdade individual, a igualdade perante a lei e a participação efetiva dos
cidadãos na vida política e na tomada de decisões. Incluem direitos como a
liberdade de expressão, o direito de associação, o direito ao devido
processo legal, o direito de votar e ser votado, entre outros (PIOVESAN,
2018, p. 66).

A segunda dimensão dos direitos fundamentais é a dimensão social, que


emergiu no contexto do Estado Social de Direito. Essa dimensão é centrada na
proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais, que visam garantir a igualdade
material entre os indivíduos. Segundo Fábio Konder Comparato:

Os direitos sociais, econômicos e culturais são direitos fundamentais que


buscam assegurar a dignidade humana e a promoção do bem-estar da
população, garantindo-lhes o acesso a condições mínimas de vida digna,
como saúde, educação, trabalho e moradia (SARLET, 2012, p. 321).

A terceira dimensão dos direitos fundamentais é a dimensão coletiva ou


solidária, que surge no contexto da globalização e das transformações sociais e
tecnológicas contemporâneas. Essa dimensão é centrada na proteção dos direitos
difusos e coletivos, que visam garantir a proteção do meio ambiente, dos
consumidores, dos grupos vulneráveis e das minorias. O Código do Consumidor (Lei
8.078 de 11 de setembro de 1.990 ), no seu art. 81 pacificou a matéria concernente
aos direitos difusos, coletivos e individuais coletivos, estabelecendo os seguintes
conceitos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo
único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que
seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum. (BRASIL, 1990).

Especificamente a respeito do direito fundamental ao trabalho, o mesmo é


reconhecido como um dos pilares da proteção social e da dignidade humana. É um
direito fundamental previsto em diversos documentos internacionais e na maioria
das constituições do mundo.
12

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações


Unidas, "toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego" (Artigo
23). O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das
Nações Unidas também reconhece o direito ao trabalho como um direito humano
fundamental.
O direito fundamental ao trabalho está intimamente ligado à dignidade da
pessoa humana, Evaristo de Moraes afirma:

Sendo o trabalho um prolongamento da própria personalidade, que se


projeta no grupo em que vive o indivíduo, vinculando-o, pela própria divisão
do trabalho social, aos demais que a compõem, representa esse direito, por
si só, a raiz da própria existência do homem, pelo que lhe proporciona ou
lhe pode proporcionar de subsistência de liberdade, de auto-afirmação e de
dignidade. O direito ao trabalho é a possibilidade de vir a participar cada um
da produção de todos, recebendo em troca, a remuneração que lhe é devida
(MORAES, 201, p.674).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia


Geral das Nações Unidas em 1948, estabelece em seu Preâmbulo que o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
No contexto constitucional brasileiro, a dignidade da pessoa humana é
consagrada como princípio fundamental na Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 1º, inciso III. O artigo 6º da Constituição também estabelece que o trabalho é
um direito social, assegurando a todos "condições dignas de trabalho" como um dos
objetivos fundamentais da República.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão, são direitos que exigem não
apenas a abstenção do Estado, mas também ações positivas por parte do poder
público para sua efetivação. Nesse sentido, a responsabilidade do Estado na
implementação desses direitos é fundamental para garantir a promoção da justiça
social e da igualdade.
Essa responsabilidade do Estado foi reconhecida em diversas normas
internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais das Nações Unidas, que estabelece que os Estados Partes devem tomar
medidas progressivas para a realização plena dos direitos econômicos, sociais e
culturais.
13

Além disso, a Constituição Federal Brasileira reconhece a responsabilidade


do Estado na efetivação dos direitos sociais em seu artigo 6º, que estabelece que
"são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a
assistência aos desamparados".
Os conflitos entre direitos fundamentais podem surgir quando o exercício de
um direito fundamental afeta o exercício de outro direito fundamental. Em tais casos,
é importante encontrar um equilíbrio entre os direitos envolvidos, a fim de garantir a
proteção de todos os direitos fundamentais em questão.
Em muitos casos, é possível encontrar soluções que permitam a proteção de
ambos os direitos fundamentais envolvidos. Como afirmado pelo Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos, "a Convenção Europeia de Direitos Humanos não estabelece
uma hierarquia entre os direitos fundamentais, mas exige que se busque uma
solução que permita a proteção de todos os direitos envolvidos, sempre que
possível" (caso S.A.S. v. França).
Ademais, devido à importância de proteger a dignidade da pessoa humana
frente ao direito fundamental ao trabalho, é essencial apresentar uma lista de
características dos direitos fundamentais que são necessárias para sua identificação
e abrangência.
(i) Historicidade: essa característica está relacionada à natureza histórica da
construção dos direitos fundamentais, sua importância e papel na evolução histórica.
Conforme observado por Piovesan (2015, p. 92), os direitos fundamentais não se
equiparam aos direitos naturais, pois estes últimos são inatos, não dependentes de
aspectos históricos como lutas, conquistas e reconhecimento. Os direitos
fundamentais são frutos de fatores objetivos e subjetivos da sociedade, moldados
por questionamentos e demandas em relação ao status quo vivendi. A historicidade
é infinita e acompanha a humanidade, permitindo sempre a expansão e
incorporação de novos direitos.
A historicidade do direito fundamental ao trabalho reflete-se na sua
construção gradual, impulsionada por lutas, movimentos sociais e reconhecimentos
ao longo da história. No contexto do trabalho, pode-se observar avanços
significativos na proteção dos trabalhadores, como a jornada de trabalho limitada, a
proibição do trabalho infantil e a garantia de condições seguras e saudáveis no
ambiente de trabalho.
14

Ao longo dos séculos, foram estabelecidos marcos importantes que


contribuíram para a consolidação e expansão do direito fundamental ao trabalho.
Dentre esses marcos históricos, podemos citar a Revolução Industrial, que expôs as
condições precárias de trabalho e deu origem ao movimento operário em busca de
direitos trabalhistas; a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em
1919, que estabeleceu padrões internacionais para proteção dos direitos
trabalhistas; e a promulgação de legislações trabalhistas em diversos países,
visando à garantia de direitos básicos e à promoção de relações de trabalho justas.
No contexto brasileiro, a historicidade do direito fundamental ao trabalho é
evidenciada pela promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em
1943, que trouxe um conjunto abrangente de normas trabalhistas para proteger os
trabalhadores. Além disso, a Constituição Federal de 1988 reafirmou a importância
do trabalho como direito fundamental, estabelecendo diretrizes e garantias para os
trabalhadores, como a jornada de trabalho limitada, o salário mínimo, a proteção
contra demissões arbitrárias e a organização sindical.
(ii) Universalidade: a universalidade dos direitos fundamentais varia de
acordo com os indivíduos que coexistem no espaço e no tempo em que esses
direitos estão em vigor. No contexto dos direitos humanos, que possuem caráter
supranacional, a universalidade é plena e abrange todos os sujeitos globais. No
entanto, como mencionado por Alves (2013, p. 253), a fruição efetiva desses direitos
frequentemente se mostra restrita, apesar do reconhecimento formal de sua
universalidade.
A positivação constitucional desses direitos permite que mesmo os não
nacionais do Estado tenham direito ao seu exercício, uma vez que, como destacado
por Brito e Leão Júnior (2010, p. 7661), os seres humanos possuem necessidades
básicas peculiares à sua condição de seres vivos, algumas das quais podem ser
consideradas universais e aplicáveis a todas as formas de vida.
O direito fundamental ao trabalho é universal na medida em que se aplica a
todos os seres humanos, independentemente de sua localização geográfica ou
contexto socioeconômico. Essa universalidade é estabelecida em instrumentos
internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que
afirma em seu artigo 23 que "toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, à justa remuneração e a condições de trabalho justas e favoráveis".
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No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a universalidade


do direito fundamental ao trabalho é promovida por meio da adoção de convenções
e recomendações que estabelecem padrões mínimos e princípios fundamentais no
mundo do trabalho. A Convenção nº 29, por exemplo, proíbe o trabalho forçado ou
obrigatório, enquanto a Convenção nº 87 reconhece a liberdade sindical e a
proteção do direito de organização dos trabalhadores.
No Brasil, a universalidade do direito fundamental ao trabalho é reforçada
pela Constituição Federal de 1988, que garante a todos os cidadãos o direito ao
trabalho digno e à proteção social. Ela estabelece diretrizes e princípios
fundamentais, como a igualdade de oportunidades, a proibição de discriminação no
ambiente de trabalho e a garantia de salário mínimo.
(iii) Inexauribilidade: os direitos fundamentais possuem um conteúdo
inesgotável e passível de expansão. No Brasil, um exemplo disso é a determinação
constitucional de internalizar tratados internacionais sobre direitos humanos como
equivalentes aos textos constitucionais, demonstrando a possibilidade de sua
expansão sem que sejam limitados a uma lista exaustiva (Piovesan, 2015, p. 92).
No que diz respeito ao direito fundamental ao trabalho, a inexauribilidade é
evidente nas constantes transformações do mundo do trabalho e nas demandas em
evolução da sociedade. As condições de trabalho, as relações laborais e as
necessidades dos trabalhadores podem mudar devido a fatores econômicos,
tecnológicos, sociais e políticos. Portanto, é essencial que os direitos trabalhistas
sejam flexíveis e capazes de se adaptar a essas mudanças para garantir a proteção
efetiva dos trabalhadores.
No Brasil, a inexauribilidade do direito fundamental ao trabalho pode ser
observada no processo contínuo de elaboração e aprimoramento da legislação
trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, tem
passado por alterações ao longo dos anos para se adequar às novas realidades do
mundo do trabalho e às demandas da sociedade. Além disso, a jurisprudência dos
tribunais trabalhistas também desempenha um papel fundamental na interpretação e
atualização dos direitos trabalhistas, permitindo que eles acompanhem as mudanças
e os avanços sociais.
A inexauribilidade dos direitos humanos, incluindo o direito fundamental ao
trabalho, é reforçada pelo reconhecimento de que as conquistas e os avanços
alcançados até o momento não são finais. Novos desafios e demandas surgem
16

continuamente, exigindo respostas e proteções adicionais. Portanto, é essencial que


haja uma abordagem dinâmica e aberta na compreensão e promoção dos direitos
humanos no contexto do trabalho.
(iv) Essencialidade: os direitos fundamentais são essenciais para alcançar a
qualidade de vida humana e são fundamentais para o conceito moderno de Estado
de Direito. Em termos materiais, eles estão ligados à dignidade da pessoa humana,
e em termos formais, ocupam uma posição de destaque no conteúdo constitucional
positivo (Piovesan, 2015, p. 92).
No contexto do trabalho, a essencialidade dos direitos humanos é refletida
na necessidade de proteger os trabalhadores contra a exploração, a discriminação,
as condições de trabalho degradantes e quaisquer formas de violação de seus
direitos fundamentais. Isso envolve garantir o direito à remuneração justa, à saúde e
segurança no trabalho, à liberdade sindical, à igualdade de oportunidades e ao não
trabalho forçado ou escravo.
No Brasil, a essencialidade do direito fundamental ao trabalho é reconhecida
e respaldada pela Constituição Federal de 1988. O artigo 1º da Constituição
estabelece como fundamentos do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana
e o valor social do trabalho. Além disso, o artigo 7º da Constituição elenca diversos
direitos trabalhistas que são essenciais para a proteção e a promoção dos direitos
dos trabalhadores.
(v) Inalienabilidade: com base na raiz kantiana da dignidade, que substitui a
ideia de precificação de todas as coisas e medição pelo poder, os direitos
relacionados à dignidade da pessoa humana são inalienáveis. Isso significa que
nenhuma pessoa pode ser utilizada como instrumento da vontade de outra, tornando
impossível a transferência de sua titularidade a qualquer preço, devido à
intangibilidade e imaterialidade inerentes ao valor intrínseco humano (Piovesan,
2015, p. 92).
No que se refere ao direito fundamental ao trabalho, a inalienabilidade está
enraizada na compreensão de que cada ser humano possui uma dignidade
intrínseca que não pode ser subjugada ou explorada. O trabalho é uma dimensão
essencial da vida humana, e todos os indivíduos têm o direito de se engajar em
atividades laborais livres e dignas, sem serem reduzidos à condição de mera
mercadoria.
17

A inalienabilidade dos direitos humanos, incluindo o direito ao trabalho, é


reconhecida em documentos internacionais, como a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. O artigo 4º da Declaração afirma que "ninguém será mantido em
escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em
todas as suas formas". Esse princípio enfatiza que o trabalho forçado, a servidão e a
exploração são violações fundamentais dos direitos humanos e não podem ser
aceitos ou tolerados.
No contexto nacional, a inalienabilidade do direito fundamental ao trabalho é
reconhecida e protegida pela legislação trabalhista de cada país, que estabelece
salvaguardas para garantir que os trabalhadores não sejam privados de seus
direitos e não sejam explorados. No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) e outras legislações trabalhistas proíbem práticas como trabalho escravo,
trabalho infantil e discriminação no emprego, reforçando assim a inalienabilidade do
direito fundamental ao trabalho.
(v) Irrenunciabilidade: os direitos fundamentais não podem ser renunciados
nem pelo titular desses direitos, nem pelo Estado. Eles possuem uma característica
intrínseca ao sujeito. Embora a autonomia privada tenha limitações quanto à
disposição dos direitos fundamentais, devendo sempre atender à dignidade da
pessoa humana, esse valor é virtualmente absoluto no sistema jurídico de um
Estado Democrático de Direito.
A irrenunciabilidade é uma característica fundamental dos direitos
fundamentais que implica que eles não podem ser renunciados pelo titular, nem
mesmo por meio de acordos ou contratos. Isso significa que os direitos humanos
são inalienáveis, ou seja, não podem ser vendidos ou transferidos a outra pessoa.
No que se refere ao direito fundamental ao trabalho, a irrenunciabilidade é
especialmente relevante porque evita que os trabalhadores sejam pressionados a
renunciar aos seus direitos em troca de um emprego ou outras vantagens
econômicas. A irrenunciabilidade também serve para proteger os trabalhadores de
situações de exploração ou abuso por parte dos empregadores.
Portanto, tendo em vista a proteção garantida constitucionalmente ao
trabalho, convém adentrar em um aspecto importante ao presente estudo, ou seja, a
jornada de trabalho, para isso, é necessário diferenciar relação de trabalho e relação
de emprego, uma vez que a jornada de trabalho está presente apenas na relação de
emprego, conforme abordado anteriormente.
18

2.2 Relação de Trabalho e Relação de Emprego

O recorte temático do presente trabalho está associado à jornada de


trabalho e, por sua vez, às considerações presentes apenas na relação de emprego.
Nesse sentido, é de suma importância diferenciar esses dois institutos.
A relação de emprego e a relação de trabalho são dois conceitos que
frequentemente geram confusão e são utilizados de forma intercambiável. No
entanto, esses termos possuem significados distintos e são regulamentados por
diferentes leis e normas.
A relação de emprego é definida pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) como toda relação de trabalho protegida pela legislação trabalhista,
ou seja, é o vínculo estabelecido entre o empregado e o empregador, que possui
caráter subordinado e remunerado. Nessa relação, o empregado trabalha em
benefício do empregador, seguindo suas ordens e diretrizes e, em troca, recebe uma
remuneração de salário
Por outro lado, a relação de trabalho é um conceito mais amplo, que engloba
todas as formas de trabalho humano, independentemente de sua natureza e do
vínculo empregatício. Ela é definida como "qualquer pacto laboral entre duas partes,
com ou sem subordinação jurídica", ou seja, abrange tanto as relações de emprego
quanto as relações de trabalho autônomo, eventual, temporário, entre outras.
Assim, é possível afirmar que toda relação de emprego é uma relação de
trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. A relação de
trabalho é um termo mais amplo e abrangente, enquanto a relação de emprego
possui características específicas e é regulamentada por normas trabalhistas
específicas.
Segundo Alice Monteiro de Barros:

O reconhecimento da relação de emprego é a peça-chave do Direito do


Trabalho, pois é a partir daí que surgem os direitos fundamentais dos
trabalhadores, os direitos sociais dos trabalhadores e os princípios
específicos que norteiam toda a estrutura do Direito do Trabalho (BARROS,
2019, p. 45).

É importante destacar que a distinção entre relação de emprego e relação


de trabalho não é meramente teórica, pois implica em diferentes direitos e
obrigações para as partes envolvidas. Na relação de emprego, por exemplo, o
19

empregado possui direitos como salário mínimo, jornada de trabalho limitada, férias
remuneradas, entre outros, enquanto o empregador possui obrigações como o
recolhimento de encargos sociais e trabalhistas, conforme prevê artigo 7°, 58 e 129
da CLT. (BRASIL, 1943, CLT).
No Brasil, a relação de emprego e a relação de trabalho são regulamentadas
por diversas leis e normas trabalhistas. Segundo Mauricio Godinho Delgado, a
relação de emprego pode ser definida como "o vínculo jurídico que se estabelece
entre o trabalhador e o empregador, em que este último exerce sobre aquele o
poder diretivo e disciplinar do trabalho" (DELGADO, 2020, p. 79).
Ainda, segundo Sérgio Pinto Martins (2021, p.37): “A relação de emprego é
aquela em que há uma conexão jurídica entre o empregado e o empregador, em que
este último possui o poder de direção e disciplina sobre o trabalho desenvolvido pelo
primeiro".
A Constituição Federal de 1988 estabelece diversos direitos trabalhistas em
seu artigo 7º, como salário mínimo, jornada de trabalho limitada, férias remuneradas,
entre outros. Já a relação de emprego é regulamentada pela Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), que estabelece os requisitos para o reconhecimento do vínculo
empregatício, como a subordinação, a onerosidade, a pessoalidade e a não
eventualidade.
A subordinação refere-se à relação hierárquica em que o empregado se
submete às ordens e direções do empregador no desempenho de suas atividades
laborais. Segundo Amauri Mascaro Nascimento: "a subordinação é o poder de
comando e controle do empregador sobre o trabalho do empregado, envolvendo
direção, fiscalização, coordenação, organização e disciplina" (NASCIMENTO, 2021,
p. 144).
Já a onerosidade significa que o trabalho realizado pelo empregado é
remunerado pelo empregador. Como afirma Alice Monteiro de Barros, "a
onerosidade consiste no fato de que o trabalho do empregado deve ser
recompensado por uma contraprestação econômica" (BARROS, 2020, p. 50).
A pessoalidade refere-se à prestação do trabalho pelo próprio empregado,
sem a possibilidade de substituição por terceiros. De acordo com Mauricio Godinho
Delgado, "a pessoalidade implica que o trabalho seja realizado pelo próprio
empregado, sem a interposição de outra pessoa, salvo nos casos previstos em lei"
(DELGADO, 2020, p. 83).
20

Por último, a não eventualidade significa que o trabalho do empregado não é


esporádico, eventual ou ocasional, mas sim regular e contínuo. Segundo Sergio
Pinto Martins, "a não eventualidade é a continuidade da prestação de serviços,
caracterizando-se pelo trabalho realizado de forma permanente, habitual ou
frequente" (MARTINS, 2020, p. 50).
Além disso, a CLT estabelece diversos direitos e deveres para o empregado
e para o empregador, como a obrigação do empregador de recolher encargos
sociais e trabalhistas, a garantia de estabilidade em determinadas situações, o
direito à remuneração pelo trabalho prestado, entre outros. Como afirma Sergio
Pinto Martins, "a CLT é a lei que rege o direito do trabalho no Brasil, estabelecendo
as normas mínimas que devem ser observadas pelas empresas e pelos
empregados, garantindo, assim, a proteção social dos trabalhadores" (MARTINS,
2021, p. 5).
Por sua vez, a relação de trabalho abrange todas as formas de trabalho
humano, independentemente do vínculo empregatício. Isso inclui as relações de
trabalho autônomo, eventual, temporário, entre outras. Embora essas formas de
trabalho não sejam regulamentadas pela CLT, elas também possuem direitos e
deveres previstos em outras normas, como a Lei nº 13.467/2017, conhecida como
Reforma Trabalhista.1
Antes da EC n° 45/2004, os trabalhadores que não cumpriam os requisitos
mencionados anteriormente a respeito da concretização da relação de emprego
estavam excluídos da competência da Justiça do Trabalho, descaracterizando o
vínculo empregatício, não sendo amparado pela CLT, portanto, era considerado
qualquer outro tipo de contrato, menos contrato de trabalho em sentido estrito, ou
seja, não era relação de emprego. Nesse sentido leciona Maurício Godinho Delgado,
veja-se:

1
São exemplos de normas que regulamentam outras formas de trabalho: Lei Complementar nº
150/2015: Regulamenta o trabalho doméstico, estabelecendo direitos e deveres tanto para os
empregadores quanto para os empregados domésticos; Lei nº 5.889/1973: Define as normas
regulamentadoras do trabalho rural, estabelecendo direitos e condições específicas para os
trabalhadores do setor agrícola; Norma Regulamentadora nº 22 (NR-22): Estabelece as condições de
segurança e saúde no trabalho em minas de qualquer natureza; Norma Regulamentadora nº 35 (NR-
35): Dispõe sobre os requisitos mínimos para trabalho em altura, estabelecendo medidas de proteção
e prevenção de acidentes; Lei nº 12.815/2013: Regulamenta a exploração direta e indireta das
atividades de portos organizados e de instalações portuárias, estabelecendo normas específicas para
os trabalhadores portuários, etc.
21

[...] a prestação de trabalho pode emergir como uma obrigação de fazer


pessoal, mas sem subordinação (trabalho autônomo em geral); como uma
obrigação de fazer sem pessoalidade nem subordinação (também trabalho
autônomo): como uma obrigação de fazer pessoal e subordinada, mas
episódica e esporádica (trabalho eventual). Em todos esses casus. não se
configura uma relação de emprego (ou. se quiser. um contrato de
emprego).Todos esses casos, portanto, consubstanciam relações jurídicas
que não se encontrem sob a égide da legislação trabalhista (CLT e leis
trabalhistas esparsas) e nem sob o manto jurisdicional próprio (competência
própria) da Justiça do Trabalho (DELGADO, 2005, p. 287).

Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, houve uma significativa alteração


na interpretação e aplicação dos conceitos relação de trabalho e na relação de
emprego no Brasil. A referida emenda incluiu a competência da Justiça do Trabalho
para julgar ações decorrentes da relação de trabalho 2, o que ampliou o âmbito de
atuação da Justiça trabalhista.
Antes da EC n° 45/2004 a Justiça do Trabalho era responsável apenas
por julgar processos decorrentes da relação de emprego, ou seja, aqueles casos em
que havia um vínculo empregatício formal entre trabalhador e empregador ou em
que se discutia a existência deste vínculo. Com a mudança, a Justiça do Trabalho
passou a ter competência para julgar também as relações de trabalho em sentido
amplo, que abrangem não apenas o vínculo empregatício, mas todas as formas de
trabalho humano.
Segundo Alice Monteiro de Barros: “a emenda constitucional trouxe uma
importante mudança na jurisdição trabalhista, na medida em que ampliou o campo
de atuação da Justiça do Trabalho, que passou a ter competência para julgar todas
as controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (BARROS, 2019, p. 34).
Com essa mudança, a Justiça do Trabalho passou a ter um papel mais
contundente na garantia dos direitos trabalhistas no Brasil, uma vez que passou a
ser responsável por julgar, respeitando o arcabouço principiológico do direito
processual do trabalho3, não apenas os casos de vínculo empregatício, mas também
outras formas de trabalho que antes não eram abarcadas pela competência
trabalhista.

2
Como será tratado adiante no trabalho, são exemplos de relação de trabalho julgadas pela Justiça
do Trabalho: responsabilidade de tomadores de serviço em contratos de terceirização, empregados
públicos, etc.
3
Principalmente a estrutura formada pelo princípio da proteção do trabalhador,segundo Amauri
Mascaro Nascimento: "A Justiça do Trabalho se orienta pelo princípio da proteção, que se traduz na
busca de uma tutela especializada e efetiva aos trabalhadores, visando à concretização dos direitos
fundamentais laborais e à promoção da igualdade material no mundo do trabalho" (SÜSSEKIND,
2019, p. 30).
22

As relações atuais de emprego e trabalho são marcadas por transformações


significativas em todo o mundo, impulsionadas pelo avanço tecnológico e pelas
mudanças na economia global. Essas transformações afetam não apenas o
mercado de trabalho, mas também as relações de poder entre trabalhadores e
empregadores, bem como a proteção dos direitos trabalhistas.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT): “as mudanças
tecnológicas estão transformando rapidamente o mundo do trabalho, gerando novas
oportunidades e desafios. Ao mesmo tempo, o aumento da precarização do
emprego, a informalidade e a desigualdade estão se tornando cada vez mais
proeminentes" (OIT, 2021).
Uma das principais mudanças nas relações de trabalho é a crescente
precarização do emprego, que se manifesta na informalidade, no trabalho
intermitente e na terceirização. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em 2020, o número de trabalhadores informais no Brasil chegou
a 38,8 milhões, representando 39,6% da população ocupada (IBGE, 2021).
Além disso, a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais essa situação, com
milhões de trabalhadores perdendo seus empregos ou sendo obrigados a trabalhar
em condições precárias.
Outra mudança significativa é a transformação do trabalho em si,
impulsionada pela tecnologia. Com a automação e a inteligência artificial, muitas
profissões estão sendo substituídas por máquinas, o que pode levar à perda de
empregos e à necessidade de requalificação profissional.
No entanto, também há oportunidades de trabalho em novas áreas, como
tecnologia da informação, inteligência artificial e sustentabilidade. Como afirmou o
diretor-geral da OIT, Guy Ryder, "o futuro do trabalho não é pré-determinado, mas
sim moldado pelas escolhas que fazemos" (OIT, 2021).
É importante destacar que, diante dessas mudanças, é fundamental garantir
a proteção dos direitos trabalhistas. Como afirmou o ex-presidente da OIT, Juan
Somavia, "a proteção social é a chave para enfrentar as mudanças no mundo do
trabalho e garantir que ninguém fique para trás" (OIT, 2018).
Portanto, tendo em vista a diferenciação entre relação de trabalho e relação
de emprego e a proteção social que deve ser garantida aos dois institutos, convém
destacar a proteção constitucional assegurada ao trabalho.
23

2.3 Jornada de Trabalho: Aspectos Fundamentais.

A restrição da duração do trabalho, através da implementação de


regulamentações jurídicas pelo Estado, atende a uma necessidade fundamental de
preservar a integridade e a harmonia física, psíquica e psicológica do trabalhador.
Essa medida desempenha um papel essencial na realização do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana, tratado anteriormente.
Nesse sentido, a história demonstra uma longa evolução para se alcançar o
atual sistema de proteção ao trabalho, inclusive com relação à própria jornada de
trabalho, o que coaduna com a característica da historicidade tratada anteriormente.
No início do século XIX, durante o começo da revolução industrial, a jornada
de trabalho era marcada por longas e exaustivas horas de trabalho, sem proteções
legais e com condições precárias. Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia: “No
início da Revolução Industrial, os trabalhadores eram expostos a jornada de trabalho
extenuantes, com precárias condições no meio ambiente de trabalho, prejudicando à
saúde, segurança e a própria vida dos trabalhadores” (Garcia, 2015, p.890).
Nesse contexto, ainda segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2015,
p.890), a jornada de trabalho era extremamente extensa, chegando a alcançar 12 a
16 horas por dia. Os trabalhadores, incluindo crianças, eram explorados de maneira
desumana pelas fábricas e indústrias em prol do aumento da produtividade e do
lucro.
Em protesto às péssimas condições de trabalho, ocorreram diversas
reivindicações dos trabalhadores, o que originou o movimento sindical, refletindo em
leis estabelecidas pelo Estado, como forma de atender às manifestações. Segundo
Sérgio Pinto Martins:

Houve movimentos reivindicatórios visando à diminuição da jornada de


trabalho, principalmente da instituição da jornada de oito horas. Nos países
de língua inglesa, havia uma canção de protesto em que se pretendia a
jornada de oito horas, contendo o seguinte estribilho: eight hours to work4;

4
Oito horas de trabalho;
24

eight hours to play5; eight hours to sleep6; eight shillings a day7. (MARTINS,
2015, p.561).

Nesse sentido, na Inglaterra, em 1847, a jornada de trabalho foi limitada a 10


horas diárias, enquanto na França, no ano seguinte, houve fixação em 10 horas e 11
horas em Paris (MARTINS, 2015, p.561-563).
A Igreja Católica também apresentou preocupação com relação ao tema, de
modo que visavam que o trabalho não fosse prolongado por um tempo superior ao
que as forças do homem permitissem. Prevê a Encíclica Rerum Novarum, de 1891,
que: “O número de horas de trabalho diário não pode exceder a força dos
trabalhadores, e a quantidade de repouso deve ser proporcional à qualidade do
trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos
operários” (Papa Leão XIII, 1891. Rerum Novarum).
Isso também causou influência em diversos países do continente Europeu,
alguns dos quais passaram a limitar a jornada de trabalho em oito horas por dia, o
que em 1915, foi generalizado pela maioria deles, após diversos movimentos dos
trabalhadores, inclusive greves. De acordo com Sérgio Pinto Martins:

Houve certa influência dessa Encíclica, tanto que alguns países começaram
a limitar a jornada de trabalho em oito horas. Na Austrália, em 1901, foi
especificada a jornada de oito horas. A partir de 1915, foi se generalizando
a jornada de oito horas na maioria dos países. Em 1907, foram feitas greves
gerais em que haviam reivindicação de jornada de oito horas. (MARTINS,
2015, p.562).

No plano internacional, a Convenção 1 da OIT, de 1919, versa justamente


sobre a duração do trabalho, fixando-o em oito horas diárias e quarenta e oito horas
semanais. A Convenção 30 da OIT, de 1930, fixou a jornada de trabalho em oito
horas para trabalhadores no comércio e em escritórios, explicitando considera-se
jornada de trabalho o tempo à disposição do empregador.
Por sua vez, a Convenção 3 da OIT, de 1931, estabelece a jornada de
trabalho de sete horas e 45 minutos aos trabalhadores das minas de carvão. Como
observa Arnaldi Sussekind: “Em 1935, porque o desemprego atingiria dimensões
preocupantes e que o progresso técnico justificava a redução do tempo de trabalho,
5
Oito horas de lazer;
6
Oito horas de sono;
7
"Eight shillings a day" significa "oito xelins por dia". O xelim era uma antiga unidade monetária
utilizada em alguns países, principalmente no Reino Unido, antes da adoção da libra esterlina.
25

resolveu a OIT aprovar a Convenção n° 47 sobre o tema de 40 horas.” (Sussekind,


2000, p.380).
De acordo com Sérgio Pinto Martins, a Convenção 67 de 1939, prevê a
jornada de 48 horas para trabalhadores das empresas de transporte rodoviário
(MARTINS, 2006, p.477).
Por fim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo XXXIV,
assim prevê: “Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação
razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”. (ONU, 1948).
Já no Brasil, no início da década de 30, observa-se a criação de leis que
limitam a jornada de trabalho, de modo mais específico para certas categorias
profissionais, como por exemplo, o Decreto 21.186/1932 (para o comércio) e o
Decreto 21.364/1932 (para a indústria), fixando o limite de oito horas por dia.
A Constituição Federal de 1934, no artigo 121, parágrafo 1, c, previa:
“trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos
casos previstos em lei”. (BRASIL, 1934).
Já a Constituição Federal de 1937, por sua vez, no artigo 137, i, estabeleceu
preceito quanto ao “dia de trabalho não excedente a oito horas, que poderá ser
reduzido, e somente suscetível de aumento nos casos previstos em lei.” (BRASIL,
1937).
A Constituição Federal de 1946, da mesma forma, fixava o período de
“duração diária do trabalho não excedente a oito horas, exceto nos casos e
condições previstas em lei.” (artigo 157, inciso V). (BRASIL, 1946).
Na Constituição de 1967, o artigo 158, inciso VI, preveu: “duração diária do
trabalho não excedente de oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos
especialmente previstos.” O referido mandamento foi praticamente repetido na
redação determinada pela Emenda Constitucional 1/1969, no artigo 165, Inciso VI.
(BRASIL, 1967).
Por seguinte, a Constituição Federal vigente, ou seja, a de 1988, em seu
artigo 7°, inciso XIII, apresenta a seguinte previsão: “Duração do trabalho normal
não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção
coletiva de trabalho." (BRASIL, 1988).
26

O inciso XVI ,também do artigo 7°, estabelece que: “ jornada de seis horas
para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação
coletiva." (BRASIL, 1988).
O trabalho em regime de escala de revezamento refere-se a uma forma de
organização da jornada de trabalho em que os funcionários alternam seus horários
de trabalho em diferentes turnos, geralmente diurno e noturno. Nesse sistema, os
trabalhadores se revezam para cobrir as demandas de trabalho em diferentes
períodos do dia ou da semana.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira aborda esse tema,
estabelecendo regras específicas para o trabalho em regime de escala de
revezamento. O artigo 7º, inciso XIV, da CLT prevê o direito dos trabalhadores que
atuam em "turnos ininterruptos de revezamento" a um intervalo mínimo de 11 horas
consecutivas para descanso entre jornadas. (BRASIL, 1943).
Na linha do acima exposto, a respeito de caracterização do turno ininterrupto
de revezamento, é relevante destacar a Orientação Jurisprudencial 360 da SBDI-1
do TST:

Faz jus à jornada especial prevista no art. 7º, XIV, da CF/88 o trabalhador
que exerce suas atividades em sistema de alternância de turnos, ainda que
em dois turnos de trabalho, que compreendam, no todo ou em parte, o
horário diurno e o noturno, pois submetido à alternância de horário
prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade da empresa se
desenvolva de forma ininterrupta.(BRASIL, TST).

A CLT em seu artigo 58-A também estabelece a jornada em tempo parcial, a


qual é caracterizada por uma carga horária reduzida em relação à jornada regular de
trabalho, veja-se:

Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja


duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas
suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte
e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas
suplementares semanais (BRASIL, 1943).

No Brasil, a CLT estabelece que a jornada de trabalho em tempo parcial não


pode exceder 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas extras, ou 26 horas
semanais, com a possibilidade de até 6 horas extras (CLT, artigo 58-A). Gustavo
Filipe Barbosa Garcia estabelece:
27

O trabalho em regime de tempo parcial, na realidade, sempre foi possivel de


ser objeto de avença na contratação do empregado, estabelecendo-se
jornada de trabalho reduzida, com o pagamento do salário na proporção
correspondente. (GARCIA, 2015, p.910).

Nesse sentido, autorizando o pagamento de piso salarial ou salário mínimo


proporcional ao tempo trabalhado, cabe destacar a Orientação Jurisprudencial 358
da SBDI-I do TST:

I-Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à


previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais,
é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao
tempo trabalhado. (BRASIL, TST).

No contexto da jornada de trabalho, é importante mencionar a modalidade


conhecida como jornada 12x36, alvo do presente trabalho, que consiste em
trabalhar por 12 horas, seguidas por 36 horas de descanso, conforme preve o artigo
59-A da CLT. Essa modalidade é amplamente utilizada em setores como saúde,
segurança e outros que necessitam de cobertura ininterrupta.
Ademais, a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), estabelece limites e
direitos relacionados ao tempo de trabalho dos empregados, buscando proteger
seus interesses e garantir condições justas de trabalho.
Um dos aspectos importantes da jornada de trabalho prevista na CLT é a já
mencionada jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com a possibilidade de
horas extras. A CLT estabelece que, salvo algumas exceções, a duração normal do
trabalho não deve exceder esse limite. De acordo com o artigo 58 da CLT: "Art. 58.
A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada,
não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente
outro limite." (BRASIL, 1943).
Além disso, a CLT também prevê a possibilidade de compensação de
horários e a realização de horas extras, desde que observadas as normas
estabelecidas. O artigo 59 da CLT dispõe sobre as horas extras: "Art. 59. A duração
diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente
de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante
contrato coletivo de trabalho." (BRASIL, 1943).
Essas horas extras devem ser remuneradas com acréscimo mínimo de 50%
sobre o valor da hora normal de trabalho, como estabelecido pelo artigo 7º, inciso
XVI, da Constituição Federal.
28

A respeito da classificação da jornada de trabalho, ensina Sérgio Pinto


Martins que a mesma pode ser classificada quando a duração, período, profissão e
flexibilidade (MARTINS, 2015, p.565).
Quanto à duração, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2015, p.894) afirma que a
jornada pode ser normal (8 horas diárias, respeitando o limite de 44 horas semanais)
e extraordinária/suplementar (horas de trabalho acima do horário normal).
Em relação ao período, o autor afirma que a jornada pode ser diurna
(trabalho urbano que ocorre das 5 até às 22 horas) ou noturna (quando o labor
urbano vai das 22 horas até às 5 horas).
Em relação à profissão, Sergio Pinto Martins afirma:

Quanto à profissão, nossa lei também distingue o trabalhador em relação a


sua jornada de trabalho; por exemplo, o bancário tem jornada de seis horas
(artigo 224 da CLT); a telefonista tem jornada de seis horas ou 36 horas
semanais (artigo 227 da CLT); os jornalistas têm jornada de cinco horas
(artigo 303 da CLT) (MARTINS, 2015, p.566).

Maurício Godinho Delgado, em sua obra "Curso de Direito do Trabalho",


atesta que são critérios principais de cálculo da extensão da jornada de trabalho: o
tempo efetivamente laborado e o tempo à disposição no centro de trabalho.
Ademais, também afirma que ao lado desses critérios mais gerais, há ainda dois
outros de caráter especial, aventados por normas específicas de certas categorias
profissionais brasileiras: horas de prontidão e o tempo de sobreaviso (GODINHO,
2015, p.933).
O instituto da prontidão refere-se à condição de estar pronto e disponível
para cumprir tarefas profissionais imediatamente quando necessário. Envolve a
prontidão para responder a chamados ou realizar atividades laborais adicionais fora
do horário de trabalho regular. Embora a CLT brasileira não faça uma definição
específica para o termo "prontidão", o artigo 4º da CLT estabelece que: "Considera-
se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do
empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial
expressamente consignada."
Já o sobreaviso refere-se à situação em que um trabalhador é colocado em
disponibilidade para atender a chamados do empregador fora do horário de trabalho
regular, submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou
informatizados (Súmula nº 428 do TST). Durante o período de sobreaviso, o
29

funcionário não está executando suas atividades profissionais, mas deve estar
pronto para responder a qualquer necessidade laboral emergencial. De acordo com
a CLT, o artigo 244, parágrafo 2º, define que: "o empregado em regime de
sobreaviso, quando chamado para o serviço, será remunerado com o valor
correspondente ao tempo efetivamente trabalhado, acrescido do adicional de
sobreaviso."
Por fim, frisa-se que todos os aspectos mencionados anteriormente fazem
parte da jornada de trabalho, a qual pode refletir diretamente saúde do trabalhador.
30

3 PROTEÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR

A proteção à saúde do trabalhador é um tema de extrema relevância e


interesse no contexto das relações laborais. Desde os primórdios da Revolução
Industrial, quando o trabalho assalariado ganhou força e se tornou uma
característica marcante da sociedade moderna, a saúde e segurança dos
trabalhadores têm sido uma preocupação constante. Nesse cenário, a saúde do
trabalhador é vista como um direito fundamental, estando diretamente relacionada
ao bem-estar físico, mental e social dos indivíduos no ambiente laboral.
O desenvolvimento da indústria e o avanço tecnológico trouxeram consigo
novas formas de produção e, consequentemente, novos riscos e desafios para a
saúde dos trabalhadores. A exposição a agentes nocivos, a carga horária extensa, a
pressão por produtividade e as más condições de trabalho são apenas algumas das
questões que permeiam o tema da saúde do trabalhador.
Nesse contexto, diversos instrumentos legais e normativos foram criados ao
longo do tempo com o objetivo de proteger a saúde dos trabalhadores e garantir um
ambiente laboral seguro. Desde convenções internacionais da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) até normas e regulamentações nacionais, a
proteção à saúde do trabalhador tem sido objeto de debates e aprimoramentos.
É fundamental ressaltar que a proteção à saúde do trabalhador não se limita
apenas às questões físicas e biológicas, mas também abrange aspectos
psicológicos e sociais. O bem-estar no ambiente laboral não se restringe apenas à
ausência de doenças ou acidentes de trabalho, mas engloba a qualidade de vida no
trabalho e a valorização do ser humano como sujeito ativo no processo produtivo.

3.1 Direito Fundamental à Saúde.

O Direito à saúde está previsto no artigo 6º da Constituição da República,


veja-se:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
31

Assim como o direito ao trabalho, a saúde possui status de direito


fundamental, gozando das mesmas características e garantias tratadas no capítulo 1
do presente trabalho, encontrando previsão legal no artigo 196 e seguintes da
Constituição Federal.
A saúde é, portanto, considerada direito fundamental que obriga o Estado na
execução de prestações positivas e na formulação de políticas públicas e
econômicas essenciais à sua promoção. A saúde, como direito universal e
igualitário, está vinculada diretamente ao direito à vida e a proteção à dignidade da
pessoa humana (OLIVEIRA, COSTA, 2011).
No contexto do tema abordado, a Lei n. 8.080 de 19 de setembro de 1990, a
Lei Orgânica da Saúde, estabelece a saúde como um direito fundamental do ser
humano, reconhecendo a responsabilidade do Estado em fornecer as condições
essenciais para que esse direito seja plenamente exercido. A legislação brasileira
destaca a importância da saúde como um componente essencial para o bem-estar e
a qualidade de vida da população.
Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS), organismo sanitário
internacional vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) desde sua
fundação em 07 de abril de 1948, oferece uma abrangente definição de saúde.
Segundo a OMS, a saúde não se limita apenas à ausência de doença ou
enfermidade, mas representa um estado de completo bem-estar físico, mental e
social. Essa concepção ampla e holística reconhece a importância de aspectos
físicos, psicológicos e sociais para a saúde integral do indivíduo.
Franco, afirma em seu artigo intitulado “Responsabilidade Civil em relação à
saúde do trabalhador” que com o decorrer do tempo, tornou-se evidente que essa
definição era insuficiente, pois o conceito de saúde precisava ser ampliado para
além do âmbito individual, abrangendo também o aspecto coletivo, o meio ambiente
e as interações sociais. A partir do século XX, o direito à saúde passou a ser
reconhecido como fundamental para todos os seres humanos, englobando não
apenas a ausência de doenças, mas também o bem-estar físico, mental e social de
toda a sociedade (FRANCO et. al., 2019, p.3).
Nesse contexto, o artigo 3º da Lei n. 8.080/90, com a redação dada pela Lei
n. 12.864 de 24 de setembro de 2013, estabelece uma ampla definição para a
saúde, englobando todos os seus aspectos:
32

Art. 3° Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do


País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais. Parágrafo único. Dizem respeito também à
saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a
garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e
social.

Franco, também afirma que o direito à saúde deve representar também um


ambiente de trabalho salubre, veja: “Através do conceito supra, evidencia-se uma
correlação entre o direito à saúde e outros direitos fundamentais juridicamente
protegidos, entre eles, o direito ao meio ambiente do trabalho em condições
salubres.” (FRANCO et. al., 2019, p.3).
A proteção da saúde no trabalho está prevista na Constituição, em outros
dispositivos, como o artigo 7º, inciso XXII, que estabelece a redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança; (BRASIL, 1943).

De acordo com Aidan Luiz Franhan, a mencionada norma constitucional está


inclinada para atender uma das necessidades básicas do trabalhador – a sua saúde
física e mental (FRANHAN, 2021,p.36), citando Martinez:

entre os fundamentos axiológicos da sociedade brasileira estão, na forma


do preâmbulo da Constituição de 1988, a segurança e o bemestar
sociais. Esses valores, compreendidos em sua dimensão mais ampla,
asseguram conclusão no sentido de que a ordem social interna está
comprometida com tais propósitos, sendo recorrentes evidências disso
no campo laboral. Perceba-se que entre os direitos sociais
estampados no art. 6° do texto constitucional estão o trabalho, a
segurança e a saúde, dando relevo à redação do art. 7°, XXII, do
mesmo diploma legal. Não há dúvida, portanto, de que os trabalhadores
têm o direito de ver reduzidos os riscos inerentes ao trabalho por meio de
normas de saúde, higiene e segurança laboral. Esse é um compromisso
não apenas do Estado brasileiro, mas de toda a sua sociedade, que
é confirmado pelo confronto entre os arts. 200, VIII e 225, caput, da
Carta Magna (MARTINEZ, 2016, p. 329).
33

Ademais, a respeito da interação entre saúde e o direito do trabalho, o artigo


200, inciso II e VIII da Constituição Federal 8, estabelece o dever do Sistema Único
de Saúde – SUS – de executar as ações relativas à saúde do trabalhador e de
colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho.
Nas palavras de Nascimento:

A proteção ao meio ambiente do trabalho tem por suporte um conceito: para


que o trabalhador atue em local apropriado, o Direito deve fixar condições
mínimas a serem observadas pelas empresas, quer quanto às instalações
onde as oficinas e demais dependências se situam, quer quanto às
condições de contágio com agentes nocivos à saúde ou de perigo que a
atividade possa oferecer.(NASCIMENTO, 2007, p. 527).

Nesse sentido, Franco, afirma que um ambiente de trabalho adequado é um


direito fundamental, pois seria impossível alcançar qualidade de vida sem ter
qualidade do trabalho. O ambiente laboral é local onde o indivíduo passa a maior
parte de seu tempo e, portanto, influenciará diretamente em sua qualidade de vida.
(FRANCO et. al., 2019, p.5).
Ademais, conforme informado anteriormente, a saúde dos trabalhadores é
um direito humano fundamental que possui dimensões tanto negativas quanto
positivas. Isso requer tanto dos empregadores quanto do Estado não apenas a não
realização de práticas que causem doenças físicas ou mentais aos trabalhadores,
mas também a adoção de medidas preventivas para evitar tais doenças. Esses são
os dois elementos centrais desse direito: a) o direito de se abster de ações
prejudiciais; b) e o direito de receber ações benéficas, que por sua vez incluem o
direito à prevenção e o direito à compensação (SILVA, 2007, p.131).
Assim como o Estado possui obrigações fundamentais para assegurar o
direito à saúde em geral, ele também deve cumprir essas mesmas
responsabilidades no âmbito da saúde dos trabalhadores, uma vez que isso faz
parte da saúde como um todo (SILVA, 2007, p.131). Consequentemente, o Sistema
Único de Saúde (SUS) possui várias atribuições ligadas à saúde ocupacional,
conforme estabelecido no artigo 6º, parágrafo 3º, da Lei nº 8.080/90.

8
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) II -
executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;(...)
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
34

No contexto das responsabilidades essenciais do empregador para


assegurar o direito à saúde do trabalhador, é necessário que ele esteja em
conformidade com todas as diretrizes normativas relacionadas ao assunto. Essas
diretrizes podem estar presentes na Constituição, em leis de menor hierarquia em
relação à Constituição, em regulamentos, em acordos coletivos conhecidos como
normas coletivas, ou mesmo em disposições de natureza internacional, como
tratados, convenções e recomendações. Porém, de acordo com José Antônio de
Oliveira Silva, é necessário identificar as normas aí contidas com os aspectos do
direito à abstenção e a prevenção. (SILVA, 2007, p.131).
Para o autor, quanto ao primeiro aspecto, o trabalhador possui o direito de
expectativa em relação às ações do empregador em relação ao tempo de trabalho.
Isso abrange: a) a não imposição regular de horas extras (conforme definido no
artigo 7º, treze e quatorze, da Constituição Federal); b) a não obrigação de
desempenhar tarefas durante os intervalos entre jornadas e durante pausas ao
longo do dia; c) a não exigência de trabalho nos dias de descanso semanal e
feriados, assim como durante os períodos de férias (conforme especificado no artigo
7º, quinze e dezessete); d) a não imposição de tarefas às mulheres durante o
período de licença-maternidade (conforme indicado no artigo 7º, dezoito); e) a não
designação de trabalho noturno, perigoso ou insalubre para indivíduos com menos
de 18 anos (conforme estipulado no artigo 7º, trigésimo terceiro).(SSILVA, 2007,
p.131).
Além disso, há também o direito de abstenção no que diz respeito à saúde
mental ou psicológica, onde o direito de não prejudicar essa saúde inclui: a) a não
aplicação de tratamentos rigorosos ou humilhantes por meio de ordens e supervisão
no ambiente de trabalho; b) e a não imposição de níveis de produtividade que
excedam as capacidades físicas e mentais do trabalhador.
No que se refere às obrigações que recaem sobre o empregador, trata-se de
um amplo conjunto de normas, que abrange: a) a obrigação de prevenção; b) e a
obrigação de reparação. A segunda implica na responsabilidade do empregador
pelos danos de natureza física ou funcional, incluindo danos mentais, causados ao
empregado em virtude de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais. No
entanto, esse tema excede os limites deste artigo (SILVA, 2007, p.131).
Quanto à prevenção, o Brasil possui uma das legislações mais abrangentes
e avançadas em termos de proteção à saúde dos trabalhadores, principalmente no
35

que diz respeito ao ambiente de trabalho. A principal responsabilidade do Estado


nessa área é fiscalizar a conformidade do empregador com as normas de proteção
estabelecidas.
Dessa forma, visando garantir um ambiente laboral saudável e seguro, a
legislação infraconstitucional estabeleceu diversas normas de prevenção à saúde do
trabalhador, conforme será abordado a seguir.

3.2 Normas de Segurança e Saúde do Trabalhador

As regulamentações relacionadas à proteção da segurança e saúde dos


trabalhadores estão atualmente dispersas em diversos documentos legais,
abrangendo múltiplos campos do Direito, e carecem de uma consolidação
abrangente. Isso cria obstáculos para o entendimento, consulta, aplicação e eficácia
dessas normas. Seria benéfico considerar a criação de uma entidade central
dedicada a esse assunto, conforme sugerido no artigo 15.2 da Convenção n. 155 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) (OLIVEIRA, 2007, p.115).
A principal fonte dessas regulamentações, dentro do escopo das leis
ordinárias, é o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
intitulado "Segurança e Medicina do Trabalho", abrangendo os artigos 154 a 201.
Desde a promulgação da CLT em 1943, esse capítulo passou por duas revisões
completas. A primeira revisão ocorreu por meio do Decreto-lei n. 229, de 28 de
fevereiro de 1967, enquanto a segunda vez foi pela Lei n. 6.514, de 22 de dezembro
de 1977. Nessa última alteração, uma abordagem legislativa diferente foi adotada,
embora nem sempre reconhecida pela doutrina. Em vez de detalhar minuciosamente
os preceitos nos dispositivos legais, optou-se por delegar a competência normativa
ao Ministério do Trabalho, não apenas para regulamentar, mas também para
complementar as normas do capítulo, conforme expressamente indicado no artigo
200 da CLT:

Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições


complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as
peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
I - medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção
individual em obras de construção, demolição ou reparos;
36

II - depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e


explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas;
III - trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo
quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e
soterramentos, eliminação de poeiras, gases, etc. e facilidades de rápida
saída dos empregados;
IV - proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas
adequadas, com exigências ao especial revestimento de portas e paredes,
construção de paredes contra-fogo, diques e outros anteparos, assim como
garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e
protegidas, com suficiente sinalização;
V - proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no
trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável,
alojamento e profilaxia de endemias;
VI - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas,
radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou
pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das
medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos, limites
máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus
efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios,
limites de idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais
exigências que se façam necessárias;
VII - higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências,
instalações sanitárias com separação de sexos, chuveiros, lavatórios,
vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por
ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza
dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos
industriais;
VIII - emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações
de perigo. Parágrafo único - Tratando-se de radiações ionizantes e
explosivos, as normas a que se referem este artigo serão expedidas de
acordo com as resoluções a respeito adotadas pelo órgão técnico

O Capítulo V do Título II da CLT está dividido em 16 seções traçando as


linhas básicas das normas de segurança, medicina e saúde do trabalhador no Brasi.
Sendo que de acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira, Lamentavelmente, os
dispositivos mais conhecidos desse capítulo, nos meios jurídicos, são os que tratam
dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, demonstrando que a pretensão
remuneratória imediata despertou mais interesse do que o propósito de preservação
da vida e da saúde (OLIVEIRA, 2007, p. 117).
Ademais, conforme informado anteriormente, o Ministério do Trabalho possui
competência normativa, nesse sentido, em 1978, a Portaria n. 3.214, emitida pelo
Ministério do Trabalho, ratificou as NRs (Normas Regulamentadoras) vinculadas ao
capítulo de Segurança e Medicina do Trabalho da CLT. Essas normas foram
incorporadas pela nova Constituição. Atualmente, totalizam 38 (trinta e oito) normas
regulamentadoras. No âmbito da prevenção, de acordo com José Antônio Ribeiro de
Oliveira Silva, algumas NRs notáveis merecem destaque (SILVA, 2007, p.132):
37

a) NR-3 – a qual regula o artigo 161 da CLT, trata da possibilidade de


embargo e interdição. Conforme essa norma, quando o Delegado Regional do
Trabalho se depara com um laudo técnico do serviço competente que aponta um
risco grave e iminente para os trabalhadores, ele pode interditar um
estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento. Também pode
embargar uma obra. Na decisão tomada, devem ser indicadas as ações que
precisam ser imediatamente adotadas para evitar acidentes de trabalho e doenças
profissionais. (Brasil, Ministério do Trabalho, 1978).
b) NR-4 - Determina que empresas, tanto públicas quanto privadas, que
tenham funcionários regidos pela CLT, sejam obrigadas a manter Serviços
Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT).
Essa medida tem como objetivo promover a saúde e salvaguardar a integridade dos
trabalhadores no ambiente laboral, conforme a natureza dos riscos associados à
atividade principal da empresa e o número de empregados, conforme detalhado nos
Quadros I e II (Brasil, Ministério do Trabalho, 1978).
c) NR-5 - Estabelece a necessidade de as empresas instituírem e
assegurarem a operacionalidade de uma CIPA - Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes em suas instalações (Brasil, Ministério do Trabalho, 1978).
d) NR-6- Estipula a obrigatoriedade do fornecimento sem custos de
Equipamento de Proteção Individual - EPI, compatível com o risco e em condições
ideais de conservação e funcionamento (Brasil, Ministério do Trabalho, 1978)
e) NR-7 - A referida norma estipula que os empregadores são obrigados a
desenvolver e executar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional -
PCMSO, com o intuito de promover e preservar a saúde de todos os seus
trabalhadores (Brasil, Ministério do Trabalho, 1978)
f) NR-9 - que estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação,
por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como
empregados, do PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, o qual tem
como finalidade a preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através
da antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de
riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo
em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais (Brasil,
Ministério do Trabalho, 1978).
38

g) NR-17 - Uma regulamentação significativa em relação à ergonomia, a


qual definiu diretrizes para viabilizar a adequação das condições laborais às
particularidades psicofisiológicas dos trabalhadores. O propósito é garantir um nível
ótimo de conforto, segurança e eficiência no desempenho. Nesse sentido, essa
regulamentação também aborda aspectos referentes ao manuseio, transporte e
descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições de trabalho
em geral.(Brasil, Ministério do Trabalho, 1978)
h) NR-32 - visa preservar a integridade e segurança dos profissionais que
desempenham funções no setor da saúde. Esta norma desempenha um papel
essencial na contenção de despesas que repercutem nos benefícios previdenciários.
No que diz respeito às medidas de proteção, os empregadores no âmbito da saúde
devem priorizar a criação de um ambiente propício para que seus colaboradores
possam manejar produtos químicos de maneira adequada e segura. A única
exceção recai sobre a preparação de medicamentos com prescrição imediata, sendo
essa tarefa responsabilidade de profissionais qualificados.(Brasil, Ministério do
Trabalho, 2022).
Portanto, tendo em vista que o direito à saúde é um direito fundamental,
tem-se buscado uma maior proteção por meio de edição de normas que protejam
esse direito do trabalhador, no entanto, nem sempre as normas impedem a
ocorrência de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.

3.3 Doenças Ocupacionais e Acidentes de Trabalho.

A Lei n. 8.213/91 (BRASIL, 1991) conceitua o acidente do trabalho, primeiro


no sentido restrito, depois, no sentido amplo ou por extensão.
Do acidente-tipo, ou também chamado de macrotrauma, cuida a lei no art.
19 (BRASIL, 1991) e basicamente define como acidente do trabalho aquele que
ocorre pelo exercício do trabalho provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução da capacidade permanente ou
temporária para o trabalho. Ou seja, trata-se de um evento único, subitâneo,
imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente
imediatas. Não é de sua essência a violência. Infortúnios laborais há que, sem
provocarem alarde ou impacto, redundam em danos graves e até fatais meses ou
39

anos depois de sua ocorrência. O que se exige é o nexo de causalidade e a


lesividade.(MONTEIRO, 2023, p.61-62).
Veja-se o artigo 19 da mencionada Lei:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a


serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do
trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a
perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho. (BRASIL, 1991).

Já doenças ocupacionais são doenças relacionadas ao trabalho, a lei


subdivide em doenças ocupacionais e doenças do trabalho.
Silva e Dias em suas matérias da revista “rumos da pesquisa em ciências
empresariais, ciências do estado e tecnologia” defendem que diante das diversas
possibilidades de doenças relacionadas ao trabalho, o legislador não conseguiu
elaborar um conceito que abrangesse todas as hipóteses, o que levou-o a definir na
legislação apenas o conceito de acidente de trabalho em sentido estrito, também
denominada acidente típico, já abordado anteriormente. Contudo, elencou hipóteses
que são equiparadas ao acidente típico para os fins legais (SILVA e DIAS, 2017,
p.34), veja-se o artigo 20 da Lei 8213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior,


as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da
respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Pr,evidência
Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se
relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
(BRASIL, 1991).

Conforme evidenciado anteriormente, as doenças ocupacionais podem ser


divididas em doenças profissionais e doenças do trabalho. Para Monteiro (2023, p.
64), as doenças profissionais também são conhecidas como “ergopatias”,
“tecnopatias” ou “doenças profissionais típicas”, são as produzidas ou
desencadeadas pelo exercício profissional peculiar a determinada atividade. Dada a
sua tipicidade, prescindem de comprovação do nexo de causalidade com o trabalho.
Há uma presunção legal nesse sentido. Decorrem de microtraumas que
cotidianamente agridem e vulneram as defesas orgânicas, e que, por efeito
40

cumulativo, terminam por vencê-las, deflagrando o processo mórbido. Por exemplo,


os trabalhadores da mineração, sabe-se de há muito que estão sujeitos à exposição
do pó de sílica, e, portanto, com chances de contrair a silicose, sendo, pois, esta
considerada uma doença profissional (MONTEIRO, 2023, p. 62-63).
Já as doenças do trabalho, nas palavras do autor:

Por sua vez, as doenças do trabalho, também chamadas de “mesopatias”,


ou “moléstias profissionais atípicas”, são aquelas desencadeadas em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se
relacionem diretamente. Decorrem igualmente de microtraumatismos
acumulados. Contudo, por serem atípicas, exigem a comprovação do nexo
de causalidade com o trabalho, via de regra por meio de vistoria no
ambiente laboral (art. 20, II) (MONTEIRO, 2023, p.64-65).

Portanto, enquanto as doenças profissionais resultam de risco específico


direto (característica do ramo de atividade), as do trabalho têm como causa ou
concausa o risco específico indireto. Assim, por exemplo, uma bronquite asmática
normalmente provém de um risco genérico e pode acometer qualquer pessoa. Mas,
se o trabalhador exercer sua atividade sob condições especiais, o risco genérico
transforma-se em risco específico indireto (MONTEIRO, 2023, p.64-65).
Ademais, O § 1º do art. 20 da lei exclui do conceito de doença ocupacional:
a) doença degenerativa. É a doença que tem como causa o desgaste normal do
corpo humano. Mas pode ocorrer um agravamento por condições especiais do
trabalho, ou até um agravamento pós--traumático (ex.: hérnia de disco, artroses
etc.). Neste último caso, é reconhecida como doença do trabalho; b) doença inerente
ao grupo etário. Não podemos esquecer, contudo, a concausalidade já estudada.
Ex.: disacusia-PAIR; c) doença que não produz incapacidade. É a incapacidade
funcional que é protegida, não a doença em si; d) doença endêmica, entendendo-se
aquela que existe em determinado lugar ou região de forma constante. Contudo,
será considerada ocupacional se resultar da exposição ou do contato direto em
razão da peculiaridade do trabalho. Ex.: a malária é endêmica em certas regiões do
Brasil. Não é considerada doença ocupacional. Mas, se um pesquisador contrair a
malária porque teve que pesquisar trabalhadores acometidos da doença, para ele é
considerada ocupacional.
Por fim, frisa-se que a existência de doenças relacionadas ao trabalho e
acidentes profissionais pode ser agravada em jornadas de trabalho extensas, como
a jornada 12x36, o que será tratado a seguir.
41

4 IMPACTOS A SAÚDE DO TRABALHADOR NA JORNADA 12X36

A jornada de trabalho 12x36, na qual o trabalhador exerce suas atividades


por 12 horas seguidas, seguidas por 36 horas de descanso, tem se tornado uma
alternativa popular em diversos setores. No entanto, essa modalidade de trabalho
pode gerar impactos significativos na saúde do trabalhador. A exposição prolongada
ao ambiente laboral, bem como a extensão da jornada, podem afetar a saúde física
e mental dos empregados.
Neste capítulo, serão abordados os potenciais impactos à saúde do
trabalhador relacionados à jornada 12x36, buscando analisar as consequências
dessa modalidade de trabalho na vida dos empregados, bem como a
responsabilidade civil do empregador com a referida pactuação.

4.1 Conceito e Previsão Normativa

A jornada de trabalho 12x36 refere-se a uma modalidade de organização do


tempo laboral, na qual o trabalhador cumpre suas atividades por 12 horas
consecutivas, seguidas de um intervalo de 36 horas de descanso. Esse modelo tem
sido amplamente adotado em setores que requerem trabalho contínuo e ininterrupto,
como hospitais, serviços de emergência, segurança e outros.
De acordo com Adriana Calvo:

“O regime de jornada de trabalho 12X36 é um regime de compensação de


jornada de trabalho, no qual um empregado trabalha mais horas num dia
(12 horas) para poder descansar mais tempo que o trabalhador norma (36
horas de descanso). Nesse tipo de jornada, o empregado trabalha 12 horas
e descansa 36, perfazendo, em duas semanas, a média de 42 horas
semanais. Nas demais duas semanas, trabalha em média 48 horas
semanais.”(CALVO, 2022, p.1283-1284).

O regime de trabalho 12x36 é oriundo da negociação coletiva. O referido


regime de trabalho era previsto em algumas convenções coletivas, como a categoria
dos vigilantes e dos enfermeiros, seguindo o seguinte fundamento constitucional
(Calvo, 2022, p. 1283-1284):
42

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
(Vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

Até a Reforma trabalhista (Lei n° 13.467/2017) não havia regulamentação


legal para o mencionado regime de trabalho, somente previsão em lei especial para
categoria dos bombeiros (Lei n° 11.901/2009) e dos domésticos (LC 150/2015)
(CALVO, 2022, p.1284).
Até 2017, a jurisprudência vinha permitido a referida modalidade de trabalho
somente quando houvesse previsão por negociação coletiva, conforme o julgado do
Tribunal Superior do trabalho a seguir:
HORAS EXTRAS. JORNADA 12 POR 36 HORAS. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. 1 . Nos termos da
jurisprudência pacífica desta Corte superior, consagrada na Súmula n.º 444,
admite-se, excepcionalmente, a jornada 12x36 somente se adotada
mediante norma coletiva ou prevista em lei. Inválida, por conseguinte, no
caso concreto, a referida jornada, porquanto firmada mediante ajuste tácito.
2. De outro lado, esta Corte superior vem decidindo no sentido da
inaplicabilidade do entendimento consagrado na Súmula n.º 85 do Tribunal
Superior do Trabalho aos casos em que descaracterizada a validade da
adoção do regime de trabalho em escalas de 12 horas de trabalho por 36
horas de descanso, por não se tratar o referido regime propriamente de um
sistema de compensação de horários. Precedentes da SBDI-I. 3 . Em tais
circunstâncias, são consideradas horas extras as excedentes do limite de
oito diárias e quarenta e quatro semanais, em face da invalidade do regime
12x36 horas. 4 . Agravo de instrumento a que se nega provimento.
JORNADA DE TRABALHO 12 POR 36 HORAS. INTERVALO
INTRAJORNADA SUPRIMIDO. SÚMULA N.º 437, I, DO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO . É devido, como labor extraordinário, o tempo
integral destinado ao intervalo intrajornada, se não concedido ou usufruído
de forma parcial, no período posterior à vigência da Lei n.º 8.923/1994.
Nesse sentido firmou-se o entendimento desta Corte superior, consagrado
no item I da Súmula n.º 437. A finalidade da referida norma, destinada a
assegurar a efetividade de disposição legal relativa à segurança do
empregado e à higiene do ambiente de trabalho, respalda o entendimento
predominante nesta Corte uniformizadora, razão suficiente para se exigir a
concessão do intervalo intrajornada, ainda que submetido o trabalhador à
jornada de trabalho de 12x36. Precedentes deste Tribunal Superior. Agravo
de instrumento a que se nega provimento. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
"Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários
advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura
e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por
sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário
inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica
que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da
respectiva família" . Hipótese de incidência da Súmula n.º 219, item I, do
Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega
provimento.(TST - AIRR: 5533520115060013, Relator: Lelio Bentes Correa,
43

Data de Julgamento: 22/04/2015, 1ª Turma, Data de Publicação:


24/04/2015)9

Portanto, antes de 2017, as empresas somente poderiam contratar


empregados nesse regime de trabalho se houvesse concordância do Sindicato.
Nesse sentido versa a súmula 444 do TST:

SÚMULA N.º 444 - JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA. LEI.


ESCALA DE 12 POR 36. VALIDADE.
É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por
trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente
mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho,
assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O
empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor
prestado na décima primeira e décima segunda horas.Res. 185/2012, DEJT
divulgado em 25-9-2012 (BRASIL, TST).

No entanto, a reforma trabalhista, conforme informado anteriormente,


acrescentou o artigo 59-A na CLT, para disciplinar e positivar a jornada 12x36:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é


facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva
ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze
horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso,
observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.
(BRASIL, 1943).

O artigo 59-A além de legalizar a jornada 12x36, permitiu que a sua


negociação fosse de forma individual, ou seja, por meio de acordo direto entre
empregado e empregador. A Medida Provisória n° 808/2017 havia alterado tal
redação de forma a exigir a celebração somente por negociação coletiva, com
exceção ao setor da saúde. No entanto, a vigência da referida medida ocorreu até
23/04/2018. Nas palavras de Matheus Ferreira Leite:

Por conseguinte, a Medida Provisória 808 de 2017 não foi votada pelo
Congresso, e perdeu sua vigência, voltando a valer o texto integral da lei, o
que para estudiosos do Direito do Trabalho, trouxe insegurança jurídica
quanto às garantias individuais previstas na Constituição Federal, como o
direito à saúde, ao lazer, e à integridade psíquica (LEITE et al, 2018, p.71).

Assim, atualmente, vigora a redação original do artigo 59-A da CLT, a qual


autoriza a pactuação por acordo individual com o empregador. Frisa-se que a
9
link da jurisprudência: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/931530354. Acesso em
27/07/2023 às 18:59
44

manutenção do acordo individual para a pactuação da referida jornada foi mantida


pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 5994, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
(CNTS).
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve regra
da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que permite a adoção da jornada de
trabalho de 12 horas, com 36 horas ininterruptas de descanso, por meio de acordo
individual escrito entre o empregador e o trabalhador, observados ou indenizados os
intervalos para repouso e alimentação.10
No julgamento, prevaleceu o entendimento do ministro Gilmar Mendes, que
ressaltou que a jornada de trabalho 12x36 já era aceita pacificamente na
jurisprudência trabalhista e que o próprio STF havia considerado constitucional essa
forma de trabalho para os bombeiros civis durante a análise da ADI 484211
O ministro relator frisou que a Constituição não proíbe essa modalidade de
jornada, mas sim permite a flexibilização do tempo de trabalho de oito horas diárias
ou 44 horas semanais por meio de compensação, desde que estabelecida por
acordo ou negociação coletiva. Essa compensação pode ocorrer na forma 12x36,
em que as quatro horas adicionais trabalhadas são compensadas por 36 horas
consecutivas de descanso. Para ele, o acordo individual faz parte da liberdade do
trabalhador, um dos princípios fundamentais da Reforma Trabalhista.

10
link: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=510176&ori=1. Acesso em
28/07/2023 às 14:43

11
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo
Procurador-Geral da República, em que se questiona o art. 5º da Lei 11.901/2009. Destaco o teor do
dispositivo impugnado, verbis: “Art. 5º A jornada do Bombeiro Civil é de 12 (doze) horas de trabalho
por 36 (trinta e seis) horas de descanso, num total de 36 (trinta e seis) horas semanais”. O requerente
sustenta, em síntese, que o dispositivo questionado afronta os arts. 7º, XXII, e 196, ambos da
Constituição Federal. Devido à relevância da matéria e o seu especial significado para a ordem social
e a segurança jurídica, adoto o procedimento abreviado previsto no art. 12 da Lei 9.868/1999.
Solicitem-se informações. Após, ouça-se, sucessivamente, a Advocacia-Geral da União e a
Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 13 de setembro de 2012.Ministro RICARDO
LEWANDOWSKI- Relator -(STF - ADI: 4842 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de
Julgamento: 13/09/2012, Data de Publicação: DJe-183 DIVULG 17/09/2012 PUBLIC 18/09/2012) A
cesso em 02/08/2023, às 22:20, por meio do link:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/22392156
45

Portanto, atualmente, as partes podem estabelecer a jornada 12x36 por


meio de acordo coletivo ou individual.

4.2 Impactos na Saúde do Trabalhador em Jornada 12x36.

A questão da implicação da jornada 12x36 na saúde do empregado tem sido


objeto de análise e discussão entre os juristas, especialmente em relação à Lei n.
13.467 de 2017, Reforma Trabalhista, que, ao contrário do passado, possibilita
agora a adoção desse modelo de jornada de trabalho por meio de acordo individual .
Conforme evidenciado anteriormente, a nova lei permite que a jornada 12x36 seja
ajustada por meio de acordo coletivo ou individual, sem a necessidade de prévia
autorização do Ministério do Trabalho.
A MP n. 808 de 2017, que fora revogada, previa que a jornada 12x36 só
poderia ser pactuada pelos profissionais da área da saúde, pois os referidos
profissionais que já laboravam sob esse modelo desde admissão do regime de
compensação autorizado na Constituição Federal de 1988 (Leite et al, 2018, p.74).
Leite at al ao tratar deste ponto faz um breve paralelo à categoria dos
Bombeiros Civis, que laboram de acordo com a Jornada 12x36, prevista no art. 5º da
Lei 11.901 de 2009, em suas palavras:

sua atuação dar-se-á nos casos de eventuais sinistros, ficando assim certo
tempo inativo (BRASIL, 2009). Situação diferente de uma enfermeira
plantonista, que a quase todo momento tem de prestar assistência ao
médico, e prestar serviços emergenciais. (LEITE et al, 2018, p.74).

Para os autores, partindo do ponto de vista anterior, a intensidade com que


se dá o desenvolvimento da atividade, afeta o físico e psicológico do trabalhador,
contribuindo para o surgimento de diversas doenças. (LEITE et. al., 2018, p.74).
A revista Ekonomista, destaca em um artigo as consequências mais comuns
relacionadas ao excesso de trabalho. São elas (LEITE et. al., 2018, p.74):
ANSIEDADE E STRESS CRÔNICO (Tipo de perturbação psicológica. Um em cada
cinco trabalhadores sofre desse mal); DEPRESSÃO (Caracteriza-se pela tristeza,
desânimo, incapacidade de realizar tarefas, etc. O excesso de trabalho também
pode conduzir a esta anomalia); PARASSONIAS (Perturbações do sono, ou
46

incapacidade de adormecer); RISCOS CARDIOVASCULARES (O stress e o


trabalho a mais contribuem para o risco de AVC); DORES DE CABEÇA (O mais
comum entre os danos. No trabalho ataca mais os usuários de computadores);
POSTURAS INCORRETAS (Podem trazer problemas à estrutura óssea do
trabalhador, exposto a uma grande jornada de trabalho); ISOLAMENTO SOCIAL (O
tempo com a família e amigos passar a ser cada vez menor).
Outrossim, segundo um estudo conduzido por Magdalena Echeverría e
Diego López (AVELINO, 2015, p. 139), realizado em 2004 em várias empresas
chilenas, foram analisadas questões relacionadas à aplicação prática da
flexibilização do trabalho, com foco nos aspectos humanos envolvidos nessas
práticas empresariais. De maneira geral, os resultados indicaram que a flexibilidade
atua principalmente como um paliativo para deficiências organizacionais (Avelino,
2019, p.108).
Ainda, nas palavras de José Araújo Avelino:

“Os autores identificaram na vida real dos trabalhadores submetidos a


jornadas extensas, uma série de situação que levam a reconsiderar a
verdadeira validade dos tempos de descanso: o trabalhador, no tempo de
descanso diário entre uma jornada e a seguinte, veem-se limitados, nas
suas possibilidades de recuperação, por situações como as horas extras, o
tempo dedicado para as trocas de roupas, espera de meios de transporte,
tempo de viagem entre o lar e o local de trabalho, a sua participação em
treinamentos, reuniões de informações, dentre outras. Este somatório de
fatores causa que o tempo livre, do qual dispõe efetivamente o trabalhador
para o descanso, é ínfimo em relação ao tempo disponível entre uma
jornada e a seguinte. Portanto, perante jornadas extensas, deve-se
considerar se os tempos alocados para o descanso correspondem, na
realidade, a atividades de recuperação”. (AVELINO, 2019, p.108).

Ademais, com relação ao impacto da jornada 12x36 na saúde do


trabalhador, Aidan Luiz Franhan afirma que a duração da jornada de trabalho é um
dos motivos que está diametralmente ligado ao acontecimento de acidentes de
trabalho, dado que após um certo tempo de trabalho, a atenção e agilidade do
trabalhador tende a cair (FRANHAN, 2021, p.39).
Franhan ao citar Martins afirma que:

Segundo Martins (2018, p. 786), a limitação da jornada tem como


imprescindível fundamento humano a diminuição de acidentes de trabalho,
visto que quando o trabalhador presta serviços exausto ou quando faz horas
extras, dá-se maior índice de acidentes de trabalho, especialmente em
razão da fadiga. Além disso, para receber um salário maior devido ao
acréscimo de horas extras, o trabalhador subordina-se a mais horas de
47

trabalho, ultrapassando as suas condições físicas e mentais de trabalhar. É


devido ao esforço extremo que podem acontecer acidentes de trabalho.
(Apud FRANHAN, 2021, p.39)

Sobre a ocorrência de acidentes de trabalho gerados por fadiga oriunda de


extensa jornada de trabalho, como a 12x36, Avelino afirma que existe uma estreita
relação entre saúde ocupacional e segurança, dado que os estudos comprovam que
a jornada laboral extensa gera acumulado e fadiga; está última, na sua vez, constitui
um fato de risco para os acidentes de trabalho (AVELINO, 2015, p.147).
Franhan ao citar Ayres (apud FRANHAN, 2021, p.40) afirma que de acordo
com os dados apresentados pela OIT, o número total de óbitos anuais resultantes de
acidentes de trabalho é superior ao número de óbitos causados por acidentes de
trânsito (cerca de 900 mil), violência (aproximadamente 560 mil) ou AIDS (que
afetam aproximadamente 312 mil pessoas). Além disso, o estudo destaca que 25%
dessas mortes decorrem da exposição dos trabalhadores a substâncias perigosas
que podem causar doenças fatais, como câncer, ou incapacitar o indivíduo para
atividades laborais, incluindo distúrbios cardiovasculares, respiratórios e do sistema
nervoso (AYRES, 2017, p. 6).
Além disso, segundo Ayres (1999, p.235-236) a jornada de trabalho em
horas extraordinárias é uma das causas que contribuem para os acidentes de
trabalho no país, reforçando a potencialidade danosa da jornada 12x36.
Avelino afirma que para evitar que os referidos acidentes de trabalho
ocorram, é imprescindível contar com descansos dentro da jornada laboral e dar
preferência aos turnos de oito horas, os quais tem demonstrado apresentar menor
quantidade de acidentes e erros na realização de tarefas laborais quando
comparados com as jornadas extensas, como a 12x36 (AVELINO, 2019, p.109).
Ademais, de acordo com novas estimativas da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), longas jornadas de
trabalho levaram a 745.000 mortes por doença isquêmica do coração e derrame em
2016, um aumento de 29 por cento desde 2000.
Vera Paquete-Perdigão, diretora do Departamento de Governança e
Tripartismo da OIT afirmou que: “Trabalhar muitas horas pode provocar numerosos
48

efeitos mentais, físicos e sociais. Os governos deveriam levar este assunto muito a
sério."12
Além disso, Franhan afirma que as primeiras manifestações grevistas que
buscavam a redução da jornada de trabalho no Brasil, ocorridas no início do século
XX - ressaltavam de forma enfática a necessidade urgente de atentar à justificativa
dos militantes do movimento operário. Eles buscavam evidenciar que a extensão
das jornadas de trabalho estava intimamente relacionada à ocorrência de acidentes
e doenças entre os trabalhadores. Naquela época, a excessiva duração do trabalho
já tinha um impacto direto na saúde dos trabalhadores (FRANHAN, 2021, p.44).
O autor, citando mascarenhas Brandão (2009), afirma que existe uma
relação essencial entre jornada de trabalho e saúde do trabalhador, pois desde a
primeiras normas de saúde do trabalhador, sempre foi incluso nas jornadas a
questão da fixação dos limites à jornada de trabalho. (apud FRANHAN, 2019, p.44).
Outrossim, a respeito do intervalo intrajornada, o artigo 59-A da CLT retirou
sua obrigatoriedade de concessão, afirmando que o referido intervalo pode ser
concedido ou indenizado.
Antes da reforma trabalhista, mesmo já existindo a jornada 12x36 para
algumas categorias profissionais, a jurisprudência era favorável à concessão do
intervalo intrajornada, veja-se:

VIGILANTE – REGIME DE JORNADA DE 12X36 – INTERVALO


INTRAJORNADA – A adoção da jornada de trabalho em regime de 12x36
horas não traduz obstáculo para aplicação do art. 71 da CLT. O fato de as
normas coletivas se referirem ao “horário corrido” não implica a supressão
do intervalo intrajornada, já que não é dado ao sindicato transacionar acerca
de direitos indisponíveis, notadamente em se tratando de direito que vise a
amenizar o desgaste físico e mental resultante do trabalho contínuo. Dessa
forma, o trabalho realizado no período destinado ao descanso e refeição
deve ser remunerado como hora extra, na forma do art. 71, § 4º, da CLT. No
mesmo sentido foi editada a súmula 05 deste tribunal, confi rmada pela
orientação jurisprudencial nº 307 da sdi-1 do TST (TRT 3ª R. – RO
00557.2004.071.03.00.3 – 3ª T. – Rel. Juiz Jose Eduardo de R. Chaves
Junior – DJMG 20.11.2004 – p. 04) (BRASIL, 2004).

Oliveira et. al., afirmam a possibilidade de indenização do intervalo


intrajornada é prejudicial ao trabalhador que já executa uma extensa jornada de
trabalho, pois na referida jornada, demanda-se muito esforço, o que após certo

12
https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_792828/langpt/index.htm#:~:text=Sa%C3%BAde
%20ocupacional,Longas%20jornadas%20de%20trabalho%20podem%20aumentar%20as%20mortes
%20por%20doen%C3%A7as,a%20OIT%20e%20a%20OMS. Acesso em 03/08/2023 às 15:22
49

período de tempo, leva o trabalhador a apresentar cansaço físico e mental,


incorrendo na falta de atenção ao exercício da atividade. (Oliveira, 2018, p.73).
Ademais, os autores também afirmam que as categorias que mais adotam
esse tipo de jornada é a dos vigilantes e profissionais da saúde, sendo que não é
raro que as referidas categorias tenham 2 empregos cumulados, tendo em vista a
busca por complementação de renda e condições mais dignas para si e para sua
família. Nas palavras dos autores: “Neste ponto, tal acúmulo acarreta problemas
como doenças ocupacionais, afastamento, isso sem falar quanto à prestação de
serviço, que por vezes é ineficiente, provocada pela exaustão, podendo ainda
culminar em acidentes de trabalho” (OLIVEIRA, 2018, p.76).
Portanto, é evidente que o princípio protetivo 13, que deveria vigorar nas
relações de trabalho, é abrandado quando se propicia o implemento da jornada
12x36, pois a referida jornada pode levar a problemas relacionados à saúde do
empregado, bem como à ocorrência de acidentes de trabalho (FRANHAN, 2021,
p.43).
Assim, Avelino atesta que a doutrina não desconhece a relação entre a
jornada excessiva e a afetação da saúde e do rendimento do trabalhador,
evidenciando que deve haver responsabilização do empregador nesses casos.
(Avelino, 2019, p.110).
Desta forma, resta salientar que a saúde do empregado está atrelada às
atividades que realiza durante seu labor, uma vez que dispõe de alta carga horária
junto às atividades produtivas, em prol de lucratividade salarial e lucratividade para o
processo produtivo.

4.3 Responsabilidade pelos Danos à Saúde do Trabalhador

A responsabilidade civil é o dever de indenizar os danos causados a


terceiros por aquele que violou uma norma jurídica (Silva, 2010, p. 68).
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2013, p. 1):

[...] O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual


alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de

13
O Princípio da Proteção é a direção que norteia todo o sentido da criação do Direito do Trabalho, no sentido
de proteger a parte mais frágil na relação e visa, portanto, nivelar as desigualdades no âmbito da relação de
trabalho.
50

um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana,
portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da
responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que
regem a obrigação de indenizar (2013, p. 1).

Para Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é a aplicação de medidas


que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros,
em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde. Por
alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal (Diniz, 2002, p.34).
Ademais, o Código de Processo Civil em seu artigo 186 traz a seguinte
disposição a respeito da responsabilidade civil: “Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Dentro do contexto da ação e omissão, como previsto no artigo 186 do
Código Civil, mencionado anteriormente, o fato gerador do dano é uma conduta
humana, que pode ser dividida em duas formas resultando em uma ação. Essa
conduta pode ser classificada como positiva, quando o agente age de forma ativa,
ou negativa, quando o agente deixa de agir e o dano ocorre. No caso da conduta
negativa do agente, se ele não fosse omisso e agisse de forma a evitar o dano, fica
claro que o dano não teria acontecido, conforme destacado por Tartuce (2019, p.
518).
Assim, nas palavras de Paulo Emilio Vilhena da Silva:

Sob o prisma conceitual, é possível alinhavar que a responsabilidade civil se


fundamenta na ação ou omissão voluntária pelo descumprimento de um
contrato (responsabilidade contratual) ou de um dever geral de conduta
(responsabilidade extracontratual ou aquiliana) e na necessária ocorrência
de um dano material ou moral e o nexo de causalidade entre a ação ou
omissão do agente. (Silva, 2010, p. 69)

Silva ao citar Maria Helena Diniz (2002, p. 42), afirma que há duas vertentes
conceituais emanadas do instituto da Responsabilidade Civil, cujo fundamento da
reparação se alicerça tanto na culpabilidade do agente (responsabilidade subjetiva),
como no risco da atividade desenvolvida (responsabilidade objetiva), sem que uma
exclua o outra (apud Silva, 2010, p.70).
Nas palavras de Tartuce (2019, p.537):

“Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa


genérica ou lato sensu, que inclui o dolo e a culpa estrita (artigo 186 do CC).
51

Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela


conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou
pela atividade de risco (artigo 927, parágrafo único, do CC).”

Após a leitura do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição de 1988 14, observa-
se que, em geral, o ordenamento jurídico adotou a responsabilização subjetiva. Esse
artigo atribui a responsabilidade ao empregador somente quando houver culpa ou
dolo, sendo necessário comprovar essa condição. Entende-se que essa
responsabilidade deve ser interpretada de forma ampla, não admitindo a subdivisão
em níveis ou graus, conforme ensina Gonçalves (2019, p. 330).

“Qualquer que seja, portanto, o grau de culpa, terá o empregador de


suportar o dever indenizatório, segundo as regras do Direito Civil, sem
qualquer compensação com a reparação concedida pela Previdência Social.
Somente a ausência total de culpa do patrão (em hipóteses de caso fortuito
ou força maior, ou de culpa exclusiva de vítima ou de terceiros) é que o
isentará da responsabilidade civil concomitante à reparação previdenciária.”

Assim, diante do exposto, nas palavras de Juliano Peruchi Pandolfi, em seu


trabalho de conclusão de curso:

“Diante do exposto, a responsabilidade subjetiva é caracterizada devido a


ação do agente ter ocorrido de forma culposa ou dolosa. Visto que, na
modalidade culposa, o agente não quis o resultado, sua conduta
inicialmente é considerada lícita, porém por descuido ou falta de atenção ao
cumprimento de prerrogativas normativas, por consequência o resultado
torna ilícito, este é geralmente identificado pela conduta por imperícia,
negligência ou imprudência. Cabe de fato diante do dano causado por sua
conduta ser devidamente comprovada, cabendo o ônus da prova a quem
alega (Pandolfi, 2020, p.47)”

Conforme já mencionado neste trabalho, existe também no ordenamento


jurídico a presença da responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco.
Inicialmente, essa abordagem foi rejeitada e gerou muitas divergências em debates,
mas ao longo dos anos e através de estudos realizados por doutrinadores e
jurisprudência, passou a ser aceita.(Pandolfi, 2020, p. 48).
Usando como parâmetro a teoria do risco, a responsabilidade objetiva
caracteriza-se por atribuir ao empregador a responsabilidade pelos danos causados
ao trabalhador de forma objetiva, não sendo necessário comprovar culpa, mas sim a
14
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: [...] XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; [...]
52

existência da ação e do dano, estabelecendo um nexo de causalidade. O artigo 927,


parágrafo único do Código Civil, traz as características que efetivam a
responsabilidade objetiva:

Artigo 927 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, é obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem.

Diante do exposto, podemos observar que o ordenamento jurídico brasileiro


recepcionou as duas formas de responsabilidade: a objetiva, conforme mencionado
anteriormente pela teoria do risco, e a subjetiva, que requer a comprovação de culpa
ou dolo por parte do agente, seguindo a regra geral. Cada caso exige uma análise
de suas particularidades para determinar o que foi efetivamente preponderante para
o resultado.
Decisões jurisprudenciais de grande importância têm atribuído a
responsabilidade objetiva ao empregador nos casos de acidentes de trabalho, os
quais, conforme visto no tópico anterior, podem ser oriundos da fadiga relacionada a
carga horária da jornada 12x36, principalmente quando a natureza da função
executada expõe diretamente o empregado a riscos, conforme julgados a seguir:

ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.


Desenvolvendo atividades com risco de forma rotineira, a responsabilidade
por danos decorrentes de acidentes de trabalho é objetiva, nos termos do
artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.(TRT-2
10006166420205020231 SP, Relator: ROSANA DE ALMEIDA BUONO, 3ª
Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 13/10/2021)
RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. CONSTRUÇÃO
CIVIL. SERVENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR.
TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAL E MATERIAL. "QUANTUM" INDENIZATÓRIO. 1. Trata-se de
hipótese na qual o Tribunal Regional do Trabalho, valorando fatos e provas,
concluiu pela existência de nexo causal entre o acidente de trabalho e a
lesão meniscal no joelho esquerdo e condromalácia do autor, razão pela
qual reconheceu a responsabilidade civil objetiva da empregadora pelos
danos moral e material causados ao autor, vítima de acidente de trabalho
em atividade desempenhada na construção civil. 2. A jurisprudência deste
Tribunal Superior vem reconhecendo que, nas atividades vinculadas à
construção civil, como na hipótese, por apresentarem alto grau de risco,
aplica-se a responsabilidade objetiva do empregador com apoio na teoria do
risco profissional. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece.
(TST - RR: 2904220115110052, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de
Julgamento: 10/04/2019, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2019)
53

Ademais, há decisões jurisprudenciais que também reconhecem a


responsabilidade objetiva em casos de doenças ocupacionais, veja-se julgado do
TST a seguir:

I - AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE REGIDO


PELA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA.
DANO MORAL E MATERIAL. DOENÇA OCUPACIONAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. Constatado
equívoco na decisão que examinou o recurso de revista da reclamada no
tema relativo aos danos morais e materiais, é de se prover o agravo. Agravo
provido. II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA REGIDO PELA LEI
13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. DANO
MORAL E MATERIAL. DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. Embora, em regra, a responsabilidade civil
do empregador pelos danos sofridos pelo empregado seja subjetiva,
exigindo a caracterização do dolo e culpa, nos termos dos artigos 186, 187
e 927, do Código Civil e do art. 7.º, XXVIII, da Constituição Federal, a
jurisprudência desta Corte Superior tem admitido a aplicação da
responsabilidade objetiva, com fundamento no art. 927 do CC,
especialmente quando a atividade desenvolvida pelo empregador for
considerada como atividade de risco, com maior probabilidade de acidentes
ou doenças do trabalho. Recurso de revista não conhecido.(TST - Ag:
214106820165040406, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de
Julgamento: 28/06/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 04/07/2022)

No contexto trabalhista, a principal responsabilidade do empregador é


assegurar um ambiente equilibrado em termos de segurança e saúde no local de
trabalho. Isso envolve garantir que os perigos e riscos sejam devidamente
controlados para evitar danos à saúde, tanto física quanto mental,
independentemente do setor de atividade ou da natureza do trabalho realizado. É
um direito fundamental de todos os trabalhadores terem um ambiente seguro para
exercer suas atividades, com medidas de controle para prevenir acidentes e
doenças ocupacionais (Paldonfi, 2020, p.50).

Portanto, as doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho que


eventualmente forem causados em decorrência de longas jornadas de trabalho
podem gerar responsabilidade do empregador, seja na modalidade objetiva ou
subjetiva, dependendo da análise do caso em concreto.
54

5 CONCLUSÃO

Em suma, a pesquisa examinou de maneira abrangente a influência das


jornadas de trabalho no formato 12x36 na saúde dos empregados, bem como a
responsabilidade que recai sobre os empregadores nesse contexto. Ao longo deste
trabalho, foi possível constatar que a adoção desse tipo de jornada pode
desencadear uma série de impactos na saúde física, mental e emocional dos
trabalhadores. Os resultados revelaram desafios relacionados à privação de sono,
desequilíbrio na vida pessoal e dificuldades na conciliação de atividades cotidianas,
além da possibilidade de gerar diversas doenças aos trabalhadores, bem como
55

facilitar a ocorrência de acidentes de trabalho, o que é pode ser proveniente da


própria fadiga oriunda da falta de descanso.
Além disso, a análise das responsabilidades do empregador trouxe à tona a
importância de uma abordagem abrangente na gestão do bem-estar dos
colaboradores. Ficou evidente que os empregadores têm a responsabilidade ética e
legal de adotar medidas que minimizem os riscos à saúde dos trabalhadores,
garantindo um ambiente de trabalho seguro, saudável e equilibrado, sendo que na
ocorrência de dano à saúde do empregado, podem ter responsabilidade subjetiva ou
objetiva dependendo da análise do caso concreto.
Portanto, diante das conclusões desta pesquisa, torna-se imperativo que as
organizações reconheçam os potenciais impactos adversos das jornadas 12x36 na
saúde dos empregados e adotem medidas proativas para atenuar esses efeitos. Ao
fazer isso, não apenas demonstram sua responsabilidade social, mas também
promovem um ambiente de trabalho mais produtivo, saudável e sustentável, no qual
os colaboradores podem alcançar seu pleno potencial sem comprometer sua saúde
e bem-estar.

REFERÊNCIAS

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trabalhador. Revista Interfaces científicas, São Paulo, v.7, n.2, abr./jun. 2019.

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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr,
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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr,
2019.
56

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:


fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009.

BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural, Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB,
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BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador.


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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de Inconstitucionalidade: ADI


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