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ANGELOLOGIA e

DEMONOLOGIA
A DOUTRINA DOS
ANJOS E DEMÔNIOS

Este material compõe uma das apostilas do curso Teologia Descomplicada, e é de uso exclusivo e pessoal
de seus alunos, não podendo ser distribuído, compartilhado ou vendido em qualquer circunstância. Como
material apostilar, baseia-se na transcrição adaptada das aulas, com adições de referências bíblicas e
bibliográficas, possuindo colagens, desenvolvimentos e paráfrases de várias teologias sistemáticas
disponíveis, assim como comentários autorais. Sempre que possível, as fontes são citadas no corpo do texto,
constando as referências completas ao fim do documento.

Autoria: Yago Martins e Matheus Fernandes

Transcrição: Matheus Fernandes

Revisão: Igor Mota Medeiros


Aula 1 - O que são os anjos?

“São seres espirituais criados, dotados de juízo moral e alta inteligência, mas desprovidos
de corpos físicos” (GRUDEM, 1999, p. 323). Sabemos que os seres espirituais são assim
porque não possuem fisicalidade como nós, humanos. Anjos não são vistos porque são
espirituais. Não existe um registro deles possuindo corpo físico. Quando eles aparecem
no AT “como homens”, existe um nível de encarnação dos anjos. Eles se manifestam por
meio de uma figura “humana”. Eles são seres dotados de julgamento moral, conseguindo
julgar o certo e o errado, e possuem alta inteligência. Eles são tratados como figuras que
conhecem a realidade, o mundo, o cosmos, o mundo espiritual, a doutrina e as verdades
acerca de Deus.

Anjos foram criados (Sl 148.2,5; Cl 1.16). Eles não existem desde sempre, mas foram
formados pelo próprio Senhor. Chafer diz que são uma “companhia inumerável de seres...
que possuem personalidade e são capazes de grande inteligência e responsabilidade
moral” (CHAFER, 1974, p. 151). A definição dele traz algo a mais. Anjos possuem uma
autoconsciência e têm personalidade. As pessoas podem interagir com eles quando
aparecem (ou pelo menos quando apareciam). Poderemos interagir com eles no futuro,
muito provavelmente, quando estivermos diante deles no mundo espiritual, quando eles
se manifestarem a nós de alguma forma. E eles são uma “companhia inumerável”. Nós
não sabemos quantos anjos existem, mas sempre que aparecem dentro das realidades
espirituais, são tratados como incontáveis. Não são poucos. Existe uma quantidade
incontável de anjos diante de Deus.

Williams (2011) afirma que anjos são “por definição mensageiros”. É justamente o que a
palavra anjo significa. Eles existem para trazer mensagens do Senhor. Muitas vezes, no
AT, quando o Senhor aparece, essa linguagem pode estar se referindo a um anjo
aparecendo. Quando o mensageiro é enviado pelo rei, o mensageiro representa a própria
presença do rei. Ofender o mensageiro é ofender o próprio rei. Por isso, anjos são, por
definição, mensageiros e “servem de várias maneiras, como seres sobre-humanos, para
cumprir os interesses providenciais de Deus em relação ao mundo e ao homem”
(WILLIAMS, 2011, p. 146). Os anjos servem aos homens das mais variadas formas,
protegendo-nos, ajudando-nos, mas sabemos que eles estão lá a nosso serviço e para
cumprir a vontade de Deus.
Anjos são seres criados (Sl 148.2,5; Cl 1.16), mas sem especificação quanto à ocasião
específica. Podemos saber, com algum grau de segurança, que não foram criados antes
da criação dos céus e terra descrita em Gênesis, já que ali Deus criou todas as coisas. Em
algum momento posterior a isso, os anjos começaram a surgir. Se foram criados antes ou
depois do homem, não sabemos. O que sabemos é que, até a queda, Satanás já existia.
Então, a criação dos anjos e o surgimento dos demônios se dá em algum momento antes
de Gênesis 3, mas certamente depois de Gênesis 1.1

Sabemos que os anjos são seres espirituais e incorpóreos. As passagens a seguir


comprovam isso: Mt 8.16; 12.45; Lc 7.21; 8.2; 11.26; At 19.12; Ef 6.12; Hb 1.14. Esses
textos consideram que as aparições de anjos em forma corpórea podem ter sido apenas
aparentes. Bavinck (2012) também concorda com isso. Ele fala de uma espécie de corpo
etéreo que limita os anjos no tempo e no espaço. Isto é, ainda que possam se deslocar de
um canto para outro muito rapidamente, eles não podem estar em dois cantos ao mesmo
tempo. Então, existiria uma espécie de contenção etérea de onde eles estariam, mas eles
não teriam um corpo físico como nós.

Anjos são seres racionais, morais e imortais (2 Pe 2.11; Ef 3.10; Mt 24.36; 2 Sm 14.20).
Por mais que não sejam oniscientes como Deus, são superiores aos homens em
inteligência (Mt 24.36) e sua inteligência é crescente, como afirma Bancroft: “é assumido
que um anjo de Deus é sábio e dotado com conhecimento superior. Eles foram, sem
dúvida, espíritos inteligentes criados, seu conhecimento começando com sua existência.
Porém, podemos concluir seguramente que ela está crescendo desde então. Sua
oportunidade de observação e muitas experiências que tiveram em conexão com
revelação direta de Deus deve ter acrescentado ao seu depósito de inteligência original”
(1975 p. 285). São seres que podem ser considerados santos (Mt 25.31; Mc 8.38; Lc 9.26;
At 10.22; Ap 14.10) ou mentirosos e pecadores (Jo 8.44; 1 Jo 3.8-10) (falando-se de anjos
maus, no caso, os demônios). Os anjos bons são descritos como anjos eleitos (1 Tm 5.21).
Segundo Berkhof, “além da graça com a qual todos os anjos foram dotados, e que era
suficiente para capacitá-los a reter sua posição, uma graça especial de perseverança, pela
qual foram confirmados em sua posição” (2007, p. 134). A ideia de que existem anjos
eleitos traz por inferência a ideia de que podem existir anjos não-eleitos, que seriam
exatamente os anjos que caíram em pecado e que se tornaram os demônios, segundo a
interpretação cristã majoritária. Os anjos maus são descritos em Jd 6, 2 Pe 2.4 e Jo 8.44.
O fato de ambos seres espirituais, sejam bons ou maus, serem tratados como anjos seria
um indicativo de que demônios já foram anjos em algum momento.

Aula 2 - Anjos no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, anjos são descritos como seres espirituais cujo nome em hebraico
significa mensageiro (‫)מַ לְ אָ ך‬. O termo mensageiro também refere-se a seres humanos,
portanto uma análise contextual é necessária para se fazer a devida distinção. O termo em
hebraico “pode representar oficialmente aquele que o enviou, ou realizar uma ou outra
tarefa específica” (BOWLING apud FERREIRA, 2007 p. 361). Então, temos que
entender se o texto fala de alguém que foi enviado em nível humano ou daqueles que são
os enviados por Deus em nível espiritual, os anjos. Acerca deles, nós lemos:

• São portadores da mensagem de Deus (Gn 19.1-22). Anjos possuem verdade e


revelação acerca do Senhor. Eles apareciam no AT com o objetivo de comunicar
algo da vontade divina ao seu povo.

• Acompanharam o povo de Israel (Ex 23.20; 32.34; 33.2; Sl 78.49; Nm 20.16).


Deus havia enviado os anjos para estarem próximos de seu povo a fim de proteger
e cuidar deles. Os anjos acampavam ao redor do povo de Israel e iam na frente
cuidando do povo. Eles são colocados em proximidade a nós.

• Executaram os inimigos de Deus, protegendo o povo de Deus (2 Rs 6.16-17; 2 Cr


32.21-22).

• São descritos com “santos” (Sl 89.5,7): uma vez que eles não possuem pecado,
eles não caíram no pecado – pelo menos referindo-se aos anjos bons que estão
com o Senhor. São descritos como sentinela (Dn 4.13, 17, 23), aqueles que
guardam e vigiam os crentes. E são descritos como assembleia (Sl 89.5,7), ou seja,
existe uma grande comunidade de anjos.

• Daniel viu um anjo que o fez desmaiar porque irradiava glória de Deus (Dn 8.16-
19). Então, sabemos que anjos podem ser feitos visíveis, de acordo com a vontade
de Deus. Eles podem aparecer e se revelar aos seus filhos e essa manifestação
visível dos anjos irradia glória. Ela reflete algo da glória do Senhor ao ponto de o
homem desmaiar diante do vislumbre da gloria de Deus. Isso nos mostra que anjos
não são autossuficientes e que sua glória não é própria, mas que eles refletem a
glória de outro. Eles refletem a majestade do próprio Senhor.

• Anjos têm poderes limitados. Um anjo enfrentou o “príncipe do reino da Pérsia”


durante 21 dias. Ou seja, havia também uma outra entidade que lutou contra esse
anjo específico em uma batalha espiritual – o príncipe do reino da Pérsia. Temos
aqui um principado, uma autoridade demoníaca, que estaria sobre o reino da
Pérsia. Ou seja, forças do mal dominando, regendo e possuindo autoridade sobre
um reino e uma conjunção civil, porque Satanás possui poder de influência e
domínio sobre os reinos desse mundo. Nesse momento surge Miguel, chamado
“um dos primeiros príncipes” (Dn 10.13) para ajudar o anjo em questão. Ele surge
como um anjo mais forte para lutar contra um demônio mais forte. Diante disso,
é possível afirmar que existe realmente uma escala de guerra espiritual que se
manifesta fora das nossas visões a fim de derrotar aquele anjo mau em questão.

• Miguel também estará envolvido no dia da ressurreição, como previu Daniel (Dn
12.1). Ou seja, esses anjos vão durar. Eles parecem ter uma vida que perpassa toda
a história dos seres humanos. Batalha espiritual é uma coisa que realmente existe
num nível invisível. Anjos e demônios estão em guerra constantemente. Os anjos
em guerra ao nosso favor e os demônios contra nós.

• Isaías viu Serafins ao redor do trono de Deus (Is 6.1-7). Ao redor do trono de
majestade de Deus existem seres angelicais para engradecer o nome de Deus.
Deus está rodeado de anjos, os quais prestam adoração ao Senhor.

• Querubins estão ao redor trono de Deus e foram vistos por Ezequiel, parecendo
ser distintos dos serafins (Ez 1, 10.1; Is 37.16; Sl 80.1; 99.1)

• A Bíblia também fala de anjos maus no Antigo Testamento. Estes eram anjos bons
que caíram. Isto é, Deus não criou os demônios no estado de anjos maus, mas
criou anjos bons. Alguns se rebelaram contra Deus e outros preservaram seu
estado. Satanás tentou Eva no Éden e a enganou (Gn 3.1-6). Satanás tomou tudo
de Jó: suas riquezas, filhos e saúde (Jó 1.16-20; 2.7). Sabemos que Satanás tem
acesso a Deus. Ele vive de rodear a terra. Ele pode tocar nos filhos de Deus quando
Deus o permite. Porém, seu poder sempre é limitado pela graça e boa vontade de
Deus (Jó 1.12; 2.6). Ele só pode tocar em Jó até onde Deus permitiu. Então,
Satanás não é uma força igual a Deus, mas é inferior à força de Deus. Ele só pode
nos afetar no limite do que Deus permite. O “príncipe do reino da Pérsia” (Dn
10.13) parece ser um demônio que fez oposição a um anjo, o qual precisou da
ajuda de Miguel para vencê-lo. O poder do mal é sempre limitado pelo poder
muito maior que provém de Deus.

Aula 3 - Anjos no Novo Testamento

No Novo Testamento, a palavra para anjo é ἄγγελος – angelos – e tem o mesmo


significado que a palavra do Antigo Testamento: “mensageiro”.

• A atividade angelical já começa nos primeiros relatos dos evangelhos. O


nascimento de João Batista e de Jesus são anunciados por anjos (Lc 1.19, 26-38),
o que faz todo sentindo acerca do nome dessas entidades: eles são mensageiros
que vieram anunciar a chegada de João Batista e de Jesus. José também é visitado
por Gabriel, um anjo que lhe avisa sobre a gravidez de Maria pelo Espírito Santo
(Mt 1.20).

• Anjos serviram a Jesus depois de ele jejuar por 40 dias e resistir à tentação (Mt
4.11). Nessa situação do deserto, também entendemos que os anjos malignos são
tentadores que se esforçam para nos levar ao caminho do pecado.

• A ressurreição de Jesus também é anunciada por anjos (Mt 28.2-4)

• Anjos estão envolvidos com a segunda vinda de Jesus. Eles separarão os ímpios
dos crentes (Mt 13.39; 16.27; 24.31). Deus vai usá-los como instrumento para
distinguir entre aquele que é realmente salvo daquele que não é.

• Eles também estiveram presentes na atividade apostólica. Anjos libertaram os


apóstolos que foram presos (At 5.17-20; 12.7-9). Um anjo falou com Filipe e lhe
deu instruções (At 8.26-27). Cornélio recebeu a visita de um anjo para entregar-
lhe a mensagem de que suas orações foram atendidas e para prepará-lo para a
visita de Pedro (At 10.1-7). Anjos surgem como servos e mensageiros. Eles
comunicam mensagens e agem para o bem do povo de Deus.
• Paulo foi tranquilizado por um anjo com a notícia de que ninguém morreria se
ficasse no navio (At 27.23).

• Anjos podem ter assumido forma corpórea e visitado pessoas sem que essas
soubessem (Hebreus 13.2). Essa passagem pode estar falando do AT, mas também
pode estar falando de uma realidade presente às pessoas do NT. Não existe nada
que possa nos comprovar que anjos não aparecem hoje em nível físico e não
sabermos que estamos lidando com anjos.

• A grandeza de anjos levou erroneamente ao seu culto, mas isso foi condenado por
Paulo (Cl 2.18) e nem mesmo anjos aceitam louvor (Ap 22.8-9). Nos primeiros
capítulos de Hebreus lemos que Jesus é muito maior que anjos e por isso adoramos
a Jesus e não os anjos. Os próprios anjos adoram a Cristo. Existe uma consonância
muito grande entre a revelação do AT e do NT sobre a figura dos anjos, quem são,
o que fazem e como nos relacionamos com eles.

• Anjos maus também aparecem no Novo Testamento. Satanás tentou Jesus no


deserto (Mt 4.1-11; Mc 1.12-13; Lc 4.1-13). Satanás opõe-se à pregação do
Evangelho (Lc 8.12) e é o pai dos que são inimigos de Jesus (8.44). Assim como
somos filhos do Deus vivo, os homens ímpios são filhos do diabo. E é ele quem
põe aqueles que são confundidos com os cristãos no mundo (Mt 13.39). Os falsos
cristãos também são filhos do diabo. Ele também possuiu Judas para trair Jesus
(Jo 13.2). Também podem possuir todo aquele que não é crente (Lc 8.26-34), mas
não os que são crentes. Quando o Espírito Santo não mora dentro do indivíduo,
Satanás pode morar lá (Lc 8.26-34). Homens sem Deus, quando são exorcizados
da posse do diabo, podem voltar a receber espíritos demoníacos se o Espírito
Santo não fizer morada nele (Lc 11.24-26). A morada do Espírito impede a
morada de demônios.

• Paulo adverte os cristãos a tomarem a armadura de Deus contra as armadilhas do


Diabo (Ef 6.11) e Pedro diz que ele é como um leão pronto para devorar (1 Pd
5.8). O poder de Satanás é comparável ao de Miguel e este precisou recorrer ao
Senhor para repreendê-lo. Satanás é poderoso, as forças do mal são poderosas.

• O culto a ídolos e deuses na verdade é um culto a demônios (1 Co 10.20). Eles


ensinam falsas doutrinas para corromper as pessoas (1 Timóteo 4.1-3) e podem
realizar sinais milagrosos para enganá-las (Ap 16.14). João Calvino dizia que
Satanás também tem seus milagres e obras miraculosas não deveriam nos
impressionar.

• O destino de Satanás é a condenação eterna (Mt 25.41; Ap 20.10) e eles não têm
poder de separar o cristão do amor de Deus (Rom 8.38-39). Podemos ter confiança
de que, uma vez que estamos em Jesus, Satanás não pode tomar posse de nós, de
que ele não pode nos tirar desse amor e de que Satanás será condenado para
sempre segundo a revelação de Deus no livro do Apocalipse. Imaginamos que o
inferno e o lago de fogo são a morada onde Satanás vai torturar as pessoas para
sempre, porém Satanás será punido para sempre junto com os ímpios pelo Deus
justo e santo.

Aula 4 - Classificação dos anjos

A Escritura não nos dá uma sistematização sobre categorias de anjos. A Bíblia não está
muito interessada nisso, então é importante que também não estejamos. Até mesmo
angelologia e demonologia são doutrinas pouquíssimo tratadas na Escritura. Aquilo que
nos é revelado sobre os anjos diz respeito ao que são e o que fazem, mas nada muito além
disso. Os esforços de sistematização acabam tendo de tratar com pouquíssima evidência
textual. Por isso, os teólogos discordam muito acerca dessas classificações de anjos.

Por mais que alguns digam que não há diferenças entre anjos, ou só duas ou só três,
aqueles que creem em um número maior de tipos de seres angelicais falam de seis
classificações. Quem faz isso, por exemplo, é o sistemático Norman Geisler. Ele afirma:

1. Os arcanjos. É a classe à qual pertence Miguel (Dn 10.20; 12.1; 1 Ts 4.16;


Jd 9; Ap 12.7). O arcanjo seria o maior, o primeiro dos anjos. Por causa
de Dn 10.13 (“um dos chefes supremos”) e Dn 10.21 (“chefe de vocês”),
Geisler entende que Miguel é o chefe desses chefes supremos. Assim,
esses chefes supremos seriam uma classe, ainda que não especificada
claramente. Alguns acham que isso é uma forma de falar dos arcanjos ou
dos anjos de forma geral.
2. São criaturas gloriosas que proclamam e protegem a glória de Deus. Eles
guardam o jardim do Éden (Gn 3.24) e estão em volta do trono de Deus
(Sl 99.1; Ez 10.1). São os seres descritos em Ap 4.7-8 possuidores de 6
asas e uma face. Alguns argumentam que esses seres viventes são serafins
ou quem sabe os arcanjos ou outras classes de anjos. “Seres viventes”
poderia ser qualquer uma das figuras angelicais.

3. São proclamadores da santidade de Deus. Foram vistos pelo profeta Isaias


(Is 6.2-3). Eles também tinham três pares de asas: com duas voavam, com
duas cobriam o rosto e com duas cobriam seus pés.

4. A designação mais comum das criaturas espirituais de Deus. Nessa classe


estão também os demônios. Estes também são descritos como “poderes”,
“autoridades”, “domínios” e “espíritos” (Rom 8.38; Ef 1.21; 3.10; 6.12;
Col 1.16; 1 Pe 3.22; Jd 8-9). Alguns dizem que anjo é um termo genérico
que descreve todas essas figuras espirituais: serafins, querubins, seres
viventes, arcanjos etc.

Franklin Ferreira concorda pelo menos com a classificação de arcanjos, serafins,


querubins e anjos (FERREIRA, 2007, p. 368). Grudem fala da existência de querubins,
serafins e seres viventes (GRUDEM, 2010, p. 324). Berkhof classifica que, além dos
anjos, existem: (1) querubins; (2) serafins; (3) principados, potestades, tronos e domínios
e (4) Gabriel e Miguel (BERKHOF, 2007, p. 135-136).

No fim das contas, não temos como falar com muita certeza porque a Escritura não está
disposta a saciar a nossa curiosidade acerca de classificações de seres espirituais. Perder
tempo demais com isso e criar teologia em cima disso sempre vai nos levar para um
caminho de erro.

Aula 5 - Três polêmicas sobre os anjos

• Miguel e Jesus

Alguns consideram que Miguel é uma manifestação de Jesus no Antigo Testamento.


Porém, essa posição não se sustenta. Miguel é designado como arcanjo (Jd 9) e sobre ele
é dito que é “um dos primeiros príncipes”, esse título “que indica grande poder, mas
também indica que ele foi criado” (FERREIRA, 2007, p. 368). O fato de ele ser um dos
principais príncipes não quer dizer que Jesus não estraria acima dele. Usar isso como
argumento para relacionar Miguel a Jesus é uma posição que não se sustenta. O texto de
Daniel declara que Miguel é Jesus. Isso é uma relação muito infeliz advinda de algumas
doutrinas.

• Anjo do Senhor

Outra polêmica envolvendo a questão de Jesus e dos anjos é a ideia de que o “anjo do
Senhor”, no Antigo Testamento, seria Jesus Cristo. No AT, o termo aparece algumas
vezes (Gn 16.7-14; 18; 22.11, 14, 15; 24.7, 40; 32.24-30; 48.15,16; Êx 3.2; 14.19; 23.20-
23; 32.34-33.17; Jz 2.1,4; 5.23; 6.11-24; 13.3 etc.) e pode causar certa confusão.
Lembrando que o termo “anjo” significa “mensageiro”, este mensageiro seria Jesus em
uma forma pré-encarnada ou seria um anjo no sentido geral? Erickon afirma que há 3
interpretações possíveis: “1) Ele é apenas um anjo com uma missão especial; 2) ele é o
próprio Deus temporariamente visível em forma semelhante à humana; 3) ele é o Logos,
uma visitação pré-encarnada temporária da segunda pessoa da Trindade. ” (ERICKSON,
2015, p. 438). Ele afirma que as interpretações 2 e 3 são possíveis, sendo necessário
analisar a quem se refere no contexto, pois há passagens em que ele se identifica como “o
Deus de teu pai” (Êx 3.2, 6) e outras em que ele fala do Senhor como outra pessoa como
“o Senhor ouviu tua aflição” (Êx 23.20).

Mas é importante lembrarmos que o anjo representa aquele que o enviou. O mensageiro
representa aquele que mandou a mensagem. Em um dos Evangelhos é dito que o centurião
estava lá (Mt 8.5-13), no outro diz que o servo do centurião estava lá (Lc 7.1-10). Isso
não é uma contradição, porque o servo do centurião, enquanto mensageiro, é o próprio
centurião representado. Quando lemos que Jacó lutou com um anjo, ele recebe o nome de
alguém que lutou com Deus, porque o anjo representa o próprio Deus. A identificação do
anjo com o Senhor no AT representa quem o enviou e não quem é o próprio anjo. Achar
que, por causa dessas correlações, o anjo do Senhor no AT é o próprio Jesus seria uma
leitura errada do que ser um anjo realmente significa como mensageiro enviado de Deus.
Resumindo, não temos base para afirmar que existe ali um Jesus pré-encarnado no Anjo
do Senhor no AT.

• Anjo da Guarda
É do entendimento de alguns que cada pessoa tem um anjo que o protege individualmente,
seu anjo da guarda. Essa doutrina é baseada na interpretação das passagens de Mt 18.10
e At 12.15. Porém, Erickson comenta acerca da passagem do Evangelho que: “a
referência que Jesus faz aos anjos dos pequeninos especifica que eles estão na presença
do Pai Isso sugere que estes são anjos que adoram na presença de Deus e não anjos que
cuidam de seres humanos individuais neste mundo” (ERICKSON, 2015, p. 440). Já
quando fala da passagem de Atos, ele diz: “A resposta a Rode reflete a tradição judaica
de que o anjo da guarda se assemelha à pessoa a quem é designado, mas um relato
indicando que alguns discípulos criam em anjos da guarda não reveste de autoridade essa
crença” (p. 440). Ou seja, essa é a descrição daquilo em que alguns dos discípulos criam
devido à tradição judaica. Não quer dizer que isso seja uma doutrina válida para o
cristianismo.

Entretanto, sabemos que anjos são guardiões. Então, todos nós somos guardados por
anjos? Todos os anjos são anjos da guarda e protetores, porém não existe nenhuma base
bíblica que nos permita afirmar que cada pessoa tem um anjo específico. Temos anjos
que nos guardam, mas não temos um anjo especial designado por Deus para cuidar de
nós. Pelo menos não existe nenhuma revelação Bíblica que nos dá essa ideia de anjo
protetor ou anjo da guarda. Melhor do que isso, temos os anjos acampados ao nosso redor.
Temos os anjos, da parte de Deus, nos servindo e nos protegendo.

Aula 6 - Os anjos caídos

Deus não criou Satanás nem os demônios como anjos maus. Ele os criou como anjos
bons, pois sua avaliação divina da criação é que ela era muito boa (Gn 1.31). Não existe
espaço para qualquer coisa má dentro do processo criacional de Deus.

Os demônios são anjos criados por Deus e, assim, eram originalmente bons. Eles, porém,
pecaram e, consequentemente, tornaram-se maus. Não sabemos o momento exato em que
ocorreu essa rebelião, mas deve ter acontecido entre o momento em que Deus concluiu a
Criação e disse que tudo era ‘muito bom’ e a tentação e a Queda dos seres humanos (Gn
3) (Erickson, 2015, p. 442).
Em algum momento entre Gênesis 1 e Gênesis 3, essa rebelião acontece. Tudo aquilo que
era muito bom passa a conter algum nível de maldade. O pecado manifesta-se na esfera
cósmica e em Gênesis 3 ele entra na criação terrena. Não existe uma descrição em Gênesis
1-3 da queda dos demônios, porque não é do interesse de Deus que gastemos tempo
demais pensando acerca dessa realidade do mundo espiritual. Grudem concorda dizendo
que “em algum momento entre os eventos de Gênesis 1.31 e Gênesis 3.1 deve ter havido
uma rebelião no mundo angélico, na qual muitos anjos se voltaram contra Deus e se
tornaram maus” (GRUDEM, 2015, p. 335).

Bancroft afirma que, “os anjos que pecaram e caíram, através de sua continua escolha do
mal, se tornaram confirmados em iniquidade e são identificados com todas as mais
flagrantes formas de pecado e rebelião contra Deus” (BANCROFT, 1975, p. 287)

Os anjos que caíram não são redimíveis. Não existe um Cristo enviado para que eles
creiam, se arrependam e então sejam redimidos. Geisler afirma que “anjos não podem
mudar, eles estão fixos em sua natureza; assim, uma vez que um anjo pecou, ele está
condenado para sempre (2 Pe 2.4; Jd 6). Cristo não morreu por anjos, Cristo morreu na
cruz por seres humanos”. Na verdade, na cruz Jesus fez dos demônios um “espetáculo
público, triunfando sobre eles”. (Cl 2.15)

Satanás, o líder dos demônios, tem seu nome derivado do hebraico Satan [‫]שָ טָ ן‬, que
também foi transliterado para o grego Σαταν - Satan. O termo comum para ele é διάβολος
(diabolos - diabo, adversário, acusador). Também há o termo κατηγωρ (acusador – Ap
12.10) e, com menos frequência, Belzebu (Mt 12.24, 27; Mc 3.22; Lc 11.15, 19), inimigo
(Mt 13.39), Maligno (Mt 13.19), Belial (2 Co 6.15), enganador (Ap 12.9), grande dragão
(Ap 12.3), pai da mentira (João 8.44), assassino (Jo 8.44) e pecador (1 Jo 3.8).

Satanás, então, está engajado em se opor a Deus e toda a sua obra. Ele enganou Eva, ele
tentou Jesus (Mt 4.1-11), ele é quem planta o joio (Mt 13.24-30) e esteve envolvido no
pecado de Judas (Lc 22.3). Satanás se disfarça de anjo luz e que seus servos fingem ser
servos da justiça (2 Co 11.14-15) e cegou os incrédulos para que não vejam a luz (2 Co
4.4), os homens sem Deus estão sujeitos à vontade do príncipe da potestade do ar, ele se
opõe aos cristãos e se esforça para impedir seus trabalhos (1 Ts 2.18). Apesar disso, seu
poder é limitado, como vemos nos primeiros capítulos de Jó. Podemos resistir a ele e com
isso ele fugirá (Tg 4.7). Porém, ele não é vencido por nossas forças, mas pelas do ES
(Rom 8.26; Ef 6).

Falamos da queda de Satanás em termos pouco precisos porque a Escritura não dá tanta
informação de como isso aconteceu. Sabemos muitas coisas a partir da cultura: que ele
era músico, que tinha comércio, que pecou por orgulho e que foi 1/3 dos anjos que caíram.
Essas são informações que são tiradas das Escrituras a partir de metodologias um pouco
complicadas. Alguns entendem que Isaias 14.12-21 e Ezequiel 28.11-19 falam da queda
de Satanás (cf Geisler, 2005 p. 476). Esses são os principais textos usados para discutir
isso. A discussão é se os textos falam dos reis terrenos da Babilônia e de Tiro ou de
Satanás. Boa parte do entendimento de que a passagem de Isaías fala da queda de Satanás
advém da tradução da Vulgata, que traduziu “estrela da manhã” para Lucífer. Assim, os
leitores entenderam que Lúcifer se tratava do nome de Satanás e, portanto, a passagem
fala da sua queda. Porém, Lúcifer é simplesmente uma tradução e não um nome próprio.
A passagem de Ezequiel traz elementos mais celestiais e parece se referir à queda de
Satanás. Porém, lembremos que a linguagem de Ezequiel é profundamente metafórica e
cheia de simbolismos. Assim, o referente ainda pode ser o rei de Tiro, ainda que muitos
teólogos pensem de forma diferente. Da mesma forma, não há problema em considerar
que o referente de Isaías não mudou, ainda se tratando do rei da Babilônia. Nesse caso,
cabe a interpretação pessoal de cada um que lê. Para mim, Ezequiel e Isaías não estão
falando de Satanás, mas de reis terrenos. Porém, bons teólogos pensam diferente também.

A Bíblia também fala do destino dos demônios. Há uma guerra descrita em Apocalipse
12 entre Miguel e seus anjos contra Satanás e seus anjos. Em Apocalipse 20, João
descreve que Satanás será preso por mil anos e depois solto por pouco tempo para enfim
ser lançado no lago de fogo, onde permanecerá para sempre. Esse também será o mesmo
destino de seus anjos (Mt 25.41). É por isso que lemos que nós vamos julgar os anjos (1
Co 6.3). Talvez o termo “anjos” esteja se referindo aos anjos maus ou inclua as duas
categorias de seres angelicais. Demônios serão julgados, com certeza, e lançados para
sempre no lago de fogo e enxofre.
Aula 7 - Ainda existe possessão demoníaca?

A Possessão Demoníaca é amplamente descrita na escritura. Ainda que a Bíblia fale bem
pouco acerca das realidades espirituais envolvendo demônios, ela descreve bastante os
seus toques na realidade e fala de muitas pessoas que sofrem na mão do Diabo.

Ela é retratada na Bíblia como “ter demônio” ou “estar endemoniado”. Grudem afirma
que

o problema dos termos possessão demoníaca e endemoniado é


que eles sugerem matizes de influência demoníaca que parecem
implicar que a pessoa sob ataque demoníaco não tem escolha
senão se render a ele. Sugerem que a pessoa já não é capaz de
impor a sua vontade, e que está completamente sob domínio do
espírito maligno. Embora isso talvezrealmente se tenha verificado
em casos extremos como o do endemoniado geraseno (Mc 5.1-
20), certamente não ocorre em muitos casos de ataque demoníaco
ou de conflitos com demônios. (2010, p. 345)

Ou seja, existem níveis em que Satanás se apossa ou influencia as pessoas. Todos nós
podemos ser influenciados pelo diabo. Pedro, talvez, já crente, tem a sua boca usada por
Satanás ao repreender Jesus em Mateus 16. Isso significa que ele estava possesso por um
demônio. Alguns homens demonstravam estar endemoniados, mas isso não se
manifestava com a perda da consciência, mas com doenças, por exemplo. Em outros
casos, como do endemoniado geraseno, há um nível de loucura completa e de posse do
indivíduo. Erickson (2015) comenta que “Evidentemente há diferentes graus de aflição,
pois Jesus falou do espírito mau que “vai e leva consigo outros sete espíritos piores que
ele” (Mt 12.45). Em todos os casos, o elemento comum é que a pessoa afetada está sendo
destruída física, emocional ou espiritualmente”.

Algumas pessoas possuem um demônio, outras, sete, outras, uma legião. A pessoa
endemoniada pode ter força descomunal, agir de maneira estranha, adotar um
comportamento autodestrutivo. Podem ter a capacidade de falar pelo possuído e também
podem possuir animais, como é lido no episódio dos porcos.
Demônios podem causar doenças, como mudez (Mc 9.17), mudez e surdez (Mc 9.25),
cegueira e surdez (Mt 12.22), convulsões (Mc 1.26; 9.20; Lc 9.39), paralisia ou
deformidades (At 8.7). Porém, nem toda doença é causada por demônios. Em Mt 17.15-
18, Jesus expulsa o demônio de um epilético, mas em Mt 4.24 os epiléticos e paralíticos
são diferenciados dos endemoniados. Não há menção a possessão na cura da mulher com
hemorragia nem da filha do centurião ou dos dois cegos nem do homem de mão atrofiada
e até mesmo dos casos de lepra. Nem toda cura que Jesus fez foi um exorcismo, porque
nem sempre a doença é causada por demônios.

Jesus não tinha fórmula para expulsar demônios – como fazem muitos líderes religiosos
- mas apenas dava ordem para que saíssem (Mc 1.25; 9.25). A expulsão é atribuída ao
poder do Espírito Santo (Mt 12.28) e ao poder de Deus (Lc 11.20) – não daquele que
expulsa - e inclusive Jesus revestiu os discípulos com essa autoridade (Mt 10.1), mas os
discípulos precisavam de fé para obter sucesso (Mt 17.19-20). A oração é mencionada
como um requisito para a expulsão e, claro, a fé. Em alguns manuscritos o jejum também
aparece como um desses elementos.

A Bíblia não encerra as possessões no passado e devemos estar cientes de que ela pode
acontecer nos dias atuais. É comum em culturas animistas, baixo espiritismo e em outras
comunidades religiosas. Por outro lado, temos que ter cuidado para não atribuir doenças
físicas e psíquicas à possessão demoníaca. E, é claro, crentes não podem ser possuídos,
pois, habitando o ES em nós e sendo ele Deus, não há como um demônio vencer o próprio
Deus para nos possuir, ainda que possa nos influenciar.

O aumento do interesse por demônios tem criado doutrinas erradas, como quebra de
maldição hereditária entre cristãos e a ideia de demônios territoriais. Essas práticas não
encontram respaldo bíblico e são modismos fundamentados em um desconhecimento
bíblico. Tanto é que a prática de quebra de maldições hereditárias mais se parece com
práticas de religiões africanas ou do baixo espiritismo e do espiritismo kardecista do que
com a prática feita por Jesus na expulsão de demônios. Lewis afirma que “nossa raça
pode cair em dois erros igualmente graves, mas diametralmente opostos, quanto aos
demônios. O primeiro é não acreditar na existência deles. O outro é acreditar que eles
existem e sentir um interesse excessivo e doentio por eles”. Franklin Ferreira (2007, pg
378) comenta que
a noção de que uma pessoa regenerada, remida pelo sangue de
Cristo, ainda permaneça sob a maldição do pecado, sendo
controlada por demônios, e que, portanto, precise de um ritual
específico para quebrar esse controle, contradiz o ensino claro das
Escrituras sobre a natureza da regeneração e da identidade fiel em
Cristo.

Portanto, ainda que haja cicatrizes, resquícios de uma vida de pecado, é com a santificação
que isso é curado, não como um ritual mágico e instantâneo, mas um processo pelo qual
somos transformados pelo ES e no qual o poder de Cristo em seu sacrifício já é suficiente
para suplantar toda e qualquer influência demoníaca e assegurar sua vitória sobre o Diabo
e seus anjos maus (Cl 2.13-15). Se você é crente em Cristo Jesus, você já tem tudo o que
precisa para escapar das ciladas do diabo. Você não precisa de novos exorcismos, ou algo
parecido. Isso é profundamente libertador.

Aula 8 - A questão da angelofania

Angelofania é o termo que se refere à aparição de anjos. No AT, há relatos de que anjos
apareceram a seres humanos (Gn 18.2, 16, 22; 19.1, 5, 10, 12, 15, 16; Jz 13.6). É curioso
notar que em momento nenhum das Escrituras é dito que anjos aparecem na forma
feminina, ainda que haja uma discussão em um texto dos profetas menores. Sobre as
aparições, Bavinck comenta que “elas sempre ocorreram em forma corpórea, assim como
as aparições simbólicas também mostram os anjos em forma visível. Mas isso tampouco
tem qualquer implicação sobre sua corporalidade” (BAVINCK, 2012, p. 465). Os anjos
não são como nós. Sabemos que eles não se casam e não se dão em casamento, o que
pode nos fazer pensar que não possuam órgãos genitais nem um sexo definido, como nós.

Porém, como resolver a questão da limitação espaço-temporal dos anjos? Eles estão em
todos os lugares ao mesmo tempo já que não tem corpo? Anjos não podem estar em dois
locais ao mesmo tempo, pois não são onipresentes como Deus, ainda que possam
percorrer grandes distâncias muito rapidamente. Bavinck (2012) comenta:

A prova mais forte em favor da corporalidade dos anjos, como


antes afirmado, é derivada da filosofia. Mas, a esse respeito, uma
variedade de más interpretações tem seu papel. Se a corporalidade
só significa que os anjos são limitados no tempo e no espaço, e
não são simples como Deus, em que todos os atributos são
idênticos à sua essência, então certo tipo de corporalidade tem de
ser atribuído aos anjos. Mas, geralmente, a corporalidade,
acarreta certa materialidade, mesmo que seja de uma natureza
mais refinada que as dos seres humanos e dos animais. Nesse
sentido, não pode e não deve ser atribuído um corpo aos anjos.
Matéria e espírito são mutuamente excludentes (Lc 24.39).

Se eles são espírito, não são matéria. Nós somos seres espirituais, mas temos carne. Eles
não são espirituais no sentido em que o homem é, mas são espírito. A Escritura sempre
sustenta a distinção entre céu e terra, anjos e seres humanos, espiritual e material, coisas
viventes e invisíveis (Cl 1.16). Se, então, os anjos devem ser concebidos como espíritos,
eles se relacionam diferentemente – mais livremente – com o tempo e o espaço em relação
aos seres humanos. Por um lado, eles não transcendem todo o tempo e o espaço como
Deus, pois são criaturas e, portanto, finitos e limitados. Eles não enchem completamente
o espaço e não são onipresentes nem eternos. Eles também não oucupam um espaço
circunscrito como nosso corpo, pois os anjos são espíritos e, portanto, não têm dimensões
de comprimento e largura nem, assim, extensão ou difusão através do espaço. Costumava-
se falar, por isso, que eles tinham um espaço definido, isto é, como seres finitos e
limitados, estão sempre em algum lugar. Eles não podem estar em dois lugares ao mesmo
tempo. Sua presença não é extensiva, mas pontual, e eles não podem ser obstruídos por
objetos materiais. Seu deslocamento é imediato. É claro que essa velocidade de
movimento e essa liberdade temporal e espacial que, no entanto, é atemporal e não-
espacial, é inconcebível para nós. No entanto, a Escritura claramente refere-se a isso e,
na velocidade do pensamento e da imaginação, da luz e da eletricidade, temos analogias
que não devem ser desprezadas”.

Ou seja, temos um problema filosófico de compreensão séria. Anjos não possuem corpo,
mas não são ilimitados no espaço. Eles não possuem uma materialidade, mas têm uma
presença pontual no espaço físico. Como isso funciona? Boa pergunta. A Escritura não
revela, mas é tudo o que sabemos. Porém, acerca de anjos poderem assumir corpos,
mesmo que temporariamente, temos que lembrar de Hebreus 13.2. O fato de alguns
hospedarem anjos parece indicar que anjos podem assumir corpos, mesmo que
temporariamente e mesmo que não precisem assumir sua identidade. Várias vezes isso
ocorre no AT. Quanto à questão se isso ainda pode acontecer hoje em dia, a Bíblia não
nega nem afirma. Não obstante, se isso acontece, deve ser semelhantemente ao descrito
no versículo em que não tomaremos conhecimento se é anjo ou não. O foco da passagem
é discutir hospitalidade, não discutir aparição de anjos. Williams (2011) comenta que

Houve, de fato, visitas em tempos bíblicos e com certeza podem


ocorrer novamente em nosso tempo. Mas nas Escrituras a ênfase
para o crente repousa principalmente na presença contínua dos
anjos[...] A ênfase é colocada em lugar errado quando focaliza a
visitação angelical;

Ou seja, nossa preocupação está em sermos hospitaleiros e não ficar caçando anjos. Aliás,
ansiar, buscar ou esperar tais visitas não é incentivado em nenhuma parte da Palavra de
Deus. Antes, devemos orar e esperar, especialmente em nossos dias, uma visitação maior
do Espírito Santo (aí está a ação!). E, no que diz respeito a anjos, podemos nos alegrar
em sua presença invisível, mas sempre providencial. Não podemos viver nessa busca
incessante por anjos porque sabemos que eles estão sempre aqui para o nosso bem.

Bibliografia utilizada

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

LEWIS, C.S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. Rio de Janeiro: Thomas Nelson
Brasil, 2017.

WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. São


Paulo: Editora Vida, 2011.

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