Você está na página 1de 14
ACAO ANTROPOGENICA COMO AGENTE NOS PROCESSOS GEOMORFOLOGICOS Angelita Tomazetti Scalamato Mestranda do Programa de Pés-Graduacto em Geografia da UFSM/RS Email:angelitascalamato@gmal.com Medianeira dos Santos Garcia Douttoranda do Programa de Pés-Graduacio em Geografia da UFSM/RS Email:garciamedi@gmail.com Roberta Breaner Ochulacki Doutoranda do Programa de Pés-Graduacio em Geografia da UFSM/RS Email:ochulacki@yahoo.com.br Tassia Farencena Pereira Mestranda do Programa de Pés-Graduacto em Geoaraiia da UFSMRS Emailtassiafarencena@hotmail.com Bemardo Sayao Pens e Souza Professor Doutor do Programa de Pés-Gracuacao em Geografia da UFSM/RS. Email: bernardasps@yahoo.com.br REStMO © estudo da Geomorfologia possibilta que o sujeito entenda a alteragao da paisagem, pois, sendo essa uma cincia integradora, permite uma visio sistémica da ordenacdo ambiental, a qual éreflexo da estrutura social. O presente artigo tem, como objetivo, discutir acerca das alteragdes da paisagem no periodo conhecido como Quinério ou Tecaogénico contemplando, também, o homem como wn importante agente influenciador dos processos geombrficos. No antigo, st0 abordados temas como a alteragdo da paisagem pelo homem a partir da modemizagao dos meios tecnol6gicos © a perspectiva sistémica da paisagem como um conjunto de elementos inter-relacionados do qual o ser mano participa, em que suas ag6es sfo reflexos da percepgie que ele tem acerca do ambiente natural. Dessa forma, a Geomorfologia aplicada auxilia a compreensio da organizagio social. Todavia, a falta de conbecimento cientifico, por parte da ppoptlacao, contribui para agdes que eatsam o desequilibrio ambiental Palavras-chave: Geomorfologia;Influenciador; Perspectiva sistémica; Tecnogeno INTRODUCAO presente artigo tem como objetivo discutir as alteragdes da paisagem no periodo geolbgico conhecido como Quinério ou Tecnogénico, bem como analisar a percepgao do sujeito numa perspeetiva sistémica, uma vez que o homem, nesse periodo, constitui-se em um importante agente influenciador dos processos geomérficos no presente. A opgdo por realizar uma reflexdo acerea da agdo antropogénica € dos processos geomorfolégicos se deu devido 4 necessidade de conhecer os aspectos fisicos, bem como as inter-relagdes desses com os aspectos humanos na configuragio das paisagens. O texto se apresenta dividido em trés partes distintas, quais sejam: as alteragdes da paisagem como reflexo da ago antrépica, Geomorfologia do Quindrio e Teendgeno; a paisagem no Quinario, através da visio sistémica da Geomorfologia. Ao longo da discussio teériea, os principais, conceitos envolvidos serdo abordados sucintamente, de forma integrada com o intuito de que possa ser demonstrada a correlagdo entre eles. Por titimo sfo apresentadas as consideragdes finais e a lista dos autores consultados. BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) A IMPORTANCIA DA GEOMORFOLOGIA EM ESTUDOS DA PAISAGEM Podem ser destacadas duas comentes de formacio do pensamento em Geomorfologia, ‘uma pautada nas ideias de William Morris Davis, chamada de escola Anglo-Americana de Geomorfologia ¢ outra, pautada nas ideias de Walther Penek, conhecida como escola alema de geomorfologia (Abreu, 2003). Segundo Abreu (2003), a proposta de Davis foi baseada no ciclo geogrifico, a partir de observagies “panordimicas da paisagem geomorfoldgiea”, na qual o relevo é revelado “como uma fungio da estrutura geolégica dos processos operantes e do tempo” (Abreu, 2003, p.54), com 0 tempo, como o responsavel pelas alteragdes do modelado terrestre em fases sucessivas, do nascimento até seu rejuvenescimento e retomada do ciclo. ‘A teoria Davisiana ¢ primeiso modelo evoluive foram deseuvolvides com base nas dreas temperadas timidas e, considerando que na vida dos seres organizados ha fungdes © aspectos que se sucedem invariavelmente, do nascimento até a morte, a sequéncia das fases sucessivas pelas quais passa o modelado recebeu as designacées antropomérficas de Jjuventude, maturidade e senilidade (Christofoletti, 1980, p.160) Segundo Abreu (2003), a observacdo realizada por Davis dedicou pouca atengao aos processos em operagio, levando em consideragio a estrutura ¢ os agentes erosivos de um determinado lugar, sem que fosse feita relagio com outros elementos que compdem a paisagem. Seu aspecto finalista, direcionado ao ciclo de erosio em areas temperadas e timidas, levou a Geomorfologia norte-americana ao isolamento, uma vez que nao se articulava com outras areas do conhecimento geogrifico nem com diferentes tipos de paisagem (Abreu, 2003, p.54). Em oposigdo 4 teoria de Davis, na corrente de pensamento geomorfoldgico, apresentam- se as ideias de Walter Penck, que se baseou no empirismo sustentado em trabalhios de campo, percorrendo vastos trechos da América e Eurasia, contribuindo para o estudo da Geologia e da Geomorfologia (Ross, 1990, p.23). De acordo com a teoria de Penck, nao havia estabilidade no ciclo de erosiio do relevo, ja que esse seria um sistema inacabado, onde constantemente ocorreriam inicios de novos ciclos de forma “[...] cada vez mais recentes e originados pelo movimento ascensional ripido que afetava a regio” (Christofoletti, 1980, p. 163). De acordo com Abreu, (2003), a escola alema assume uma postura de integragio, a0 contririo da anglo-americana com uma pritica mais isolante, Tal corrente de pensamento passa a fazer uma “{...] anilise mais global das formas de relevo, integrando-a em uma visio geogrifica da paisagem e de um novo método de trabalho, baseado na cartografia geomorfologica” (Abreu, 2003, p58) A cartografia geomorfoldgica, na escola alem®, foi de grande contribuigao no que se refere a0 método. Um de seus aspectos positives “[..] é sem diivida alguma, sua integragio 154 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) bastante estreita em um quadro de referéncias claramente geogrificas, através da geoecologia e da ordenacdo ambiental” (Abreu, 2003, p.62). AS ALTERAGOES DA PAISAGEM COMO REFLEXO DA AGAO ANTROPICA A paisagem deve ser analisada levando-se em consideragao todos os elementos que a constituem, sendo eles concretos ou abstratos, conjuntamente com o tempo, e que resultam nas transformagies fisicas perceptiveis, Estudos do relevo, quando se apropriam do conceito de paisagem, direcionam-se para a abordagem sistémica, [...]. Quando 0 relevo é considerado como uma parte integrante da paisagem, deixa-se de lado o aspecto puramente fisiondmico e passa-se a traballiar com “as trocas de matéria e energia dentro do sistema (complexo fisico-quimico e biético)” (GUERRA E MARCAL, 2006, p. 108), Assim, quando se fala em deixar de lado o aspecto puramente fisionémico, parte-se do principio de que a paisagem nao é estética, mas sim um sistema formado por inter-relagdes, as quais se estabelecem entre os elementos que a compdem. Logo, [1] el paisaje es el unico componente del terrtério realmente integral. Através de configuraciones perceptibles (Sobre todo por médio de la vista) o imagenes, el paisaie refleia el estado o situacién del teritdrio en um momento determinado, a si como el lugar que ocupan y la forma como participan em él cada uno de los componentes ambientales, el tipo de relaciones existentes entre ellos y el peso de la intervencién de cada uno em los processos que son claves para el funciouamiento del territérie. (ROMERO Y JIMENEZ, 2002, p. 13), Verdum (2012. p. 10), considera que ao “[...] estudar a relagdo natureza e sociedade na perspectiva da andlise da paisagem ¢ possivel compreender, em parte, a complexidade do espago geogrifico [...]”. Mesmo que a paisagem seja uma parcela desse todo, por vezes, ela refletira certa homogeneidade do espaco geogritico. espago referido resulta da interag3o do homem e da natureza, em que ele faz uso dos recursos naturais, transformando a paisagem. Nesse sentido, [...]o homem, como ser social, interfere criando novas situagdes a0 constmnir e reosdenar 08 espacos fisicos com a implantagio de cidades, estradas, atividades agricolas, instalagées de barragens, retificagdes de canais duviais, entre intimeras outras. Todas essas modificagdes inseridas pelo homem no ambiente natural alteram 0 equilfbrio de uma natureza que ndo & estatica, mas que apresenta quase sempre um dinamismo harmonioso em evolucio estivel & continua, quando nao afetada pelos homens (ROSS, 2012, p. 12). Dessa forma, a atividade econémica se apropria da natureza, fazendo uso dela através do “[..] saque sobre algum bem ambiental: a terra, os minérios, a vegetagao, 0 ar, as Aguas, os “LJ so devolvidos a0 mesmo meio ambiente, sob a forma de residuos de producdo sélidos, liquidos ou animais”. Essa apropriagio produz dejetos, os quais, ao longo do processo produtiv _gas0sos, tais como gases, particulas, restilos, borras diversas, entre outros, que sfio despejados, quer nas aguas, quer na atmosfera, quer no solo” (Oliveira & Machado, p. 137, 2012). Importante 155 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) destacar que 0 lixo resultante desse proceso produtivo, em muitos casos, poderia ser reaproveitado a0 invés de ser descartado no meio natural, 0 qual pode ser compreendido como o que possui a minima interferéneia do homem. Assim, a dindmica da paisagem resultard das inter-relagdes dos elementos que a compdem e, nesse sentido, a ago humana pode vir a potencializar o desequilibrio desse sistema GEOMORFOLOGIA DO QUINARIO OU TECNOGENO A compreensio geomorfolégica pressupée novos caminhos e abordagens, que sugerem que estamos vivendo em um novo periodo geolégico, denominado Quinto, que sobrepde-se a0 Quatemniio, no qual, de acordo com Pellogia (1993), a ago modificadora da paisagem pelo homem pode se caracterizar como um novo tempo geolégico, em que as modificagdes do relevo pelas agdes do homem sao poteneializadas pelo uso das técnicas, € resultam em depésitos geolégicos de origem humana (depésitos teenogénicos). Conforme Rodhe 1996, apud Suertegaray (1997, p.26) “[...] 0 Quatemério seria o periodo do aparecimento do homem o Quindrio, © homem sobrepondo-se ativamente em relagio a natureza.”. [...] reconhece-se que 0 que se vé na morfologia do planeta é, em grande parte, resultado hist6rico das intervengdes do homem como agente geomorfolégico e principal predador a pair da tltima era geol6gica, especialmente do periodo quinirio ou tecndgeno, contextualizado nos dltimos cinco mil anos do quaterndrio em que a evolucio da técnica ampliou substancialmente as possibilidades de modificagao nas feigdes terrestres. O periodo Neolitico, enti, apreseata-se como marco inicial desse processo em que as agdes Passaram a aconiccer nuina rapidez superior a0 ritmo natural de trausformagio dos componentes bidticos ¢ abiéticos que formam o Sistema Terra (OLIVEIRA, 2011. p.5). Suertegaray (1997), fazendo referéncia a0 Quinario, entende que, nesse periodo, a agio humana se diferencia da atividade biolégica na modelagem da biosfera e passa a desencadear ages que superam os processos naturais, os quais so conceituados como tecnogénicos. Nesse contexto, faz-se necessirio observar os depdsitos tecnogénicos, uma vez que resultam da atividade humana, tais como aterros de diversas espécies, depdsitos induzidos, corpos aluviares, que podem originar processos erosivos. De acordo com Fanning & Fanning (1989) apud Gomes, et all (2012, p.279), os depésitos construidos apresentam quatro categorias — “[...] depésitos de materiais girbicos, materiais tirbicos, materiais espélicos e materiais dragados”. Os materiais girbicos sio os depésitos ricos em matéria organica, os quais, por vez, produzem considerdvel quantidade de metano, conhecidos como lixdes; jd 0s depositos urbicos sio resultantes de materiais produzidos nas demoligdes e construgdes civis; enquanto que os materiais espélicos se originam de terraplanagem em obras de engenharia e urbanismo e/ou assoreamentos induzidos pela erosio acelerada. Na 156 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) concepgio de Fanning &Fanning (1989 apud Gomes, et. all, 2012, p.279), os “[..] materiais dragados so os que resultam dos sedimentos provenientes de dragagens de curso d’agua & depésitos em areas cercadas por diques em cotas altimétricas inferiores das planicies aluviai: Segundo Machado (2013), 0 entendimento dos materiais tecnogénicos é importante para © planejamento do uso do solo, pois a grande variedade de materiais que compdem esses corpos pode definir a utilizagdo mais apropriada da drea para fins de protegio de areas verdes, cultivo agricola, expansio urbana, entre outras. Na medida em que ocorre o planejamento urbano, é preciso entender que a natureza possui cariter mutavel e, em alguns momentos, desvinculados das necessidades do homem. Em. decorréneia disso, € importante o estudo dos impactos ambientais relacionados ao so a0 crescimento urbano como. também, em areas rurais, j4 que essas resultam na modelagem da paisagem, Na maior parte dos casos, ¢ muito dificultoso © processo de retirada da matéria acrescida ao solo natural. Portanto, toma-se necesséria a compreensio das caracteristicas e da dinimica dos depésitos teenogénicos. Na superficie terrestre, sto encontrados diversos depésitos teenogénicos, em condigdes que merecem atengio, [..] 0 dominio da técnica aliado ao crescimento da populagio e da demanda por recursos naturais amplia areas desmatadas ¢ expande aglomeragdes urbanas que, consequentemente, geram depésitos ou aterros recentes sobre camadas superficiais de periodos ou eras pretritas. o que caracteriza o periodo tecudgeno ou quinsiri, (OLIVEIRA, 2011, p53). No Brasil, em razao de o crescimento populacional concentrar-se nas proximidades do litoral, foram sendo modificadas as paisagens por meio da ago do homem, seja na construgio de aterros para as instalagdes de vias de transporte, seja na expansio urbana, entre outras. “O avango significative da evolugdo contempordnea da paisagem é unidade dialética de dois processos contraditérios: o acréscimo da atividade da estrutura da paisagem e sua convergéncia” Rodriguez, et all (2007, p.159). Para Souza (2001, p.71), “[...] sendo o homem um ser vivo que atua sobre a superficie da Terra, torna-se imprescindivel que a sua atuagio seja investigada [...]”. Assim, na anilise da geomorfologia, o homem deve ser visto como um ser transformador dos sistemas naturais, numa perspectiva completa e coerente, justificando a abordagem da geomorfologia aplicada. Segundo Rodriguez, et all (2007, p.159), “[..] @ anilise da paisagem deve estar conjugada com uma visio histérica, para esclarecer o complexo cariter das atividades humanas sobre esta”. BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) A PAISAGEM ATRAVES DA VISAO SISTEMICA ‘As paisagens so modificas para atender as necessidades das populacdes, mas também acabam transformando essas populagdes, na medida em compreendemos melhor a interagao entre a paisagem e a sociedade, ou seja, (..] construimes o mundo cm que vivemos durante as uossas vidas, Por sue vez, ele também nos constréi ao longo dessa viagem comum. Assim, se vivemios € nos comportamos de um modo que toma insatisfatorio a nossa qualidade de vida, a respousabilidade cabe a nds (MATURANA e VARELA, p.10, 2002) Ainda, de acordo com os autores, “[...] pode-se dizer que construimos © mundo e, a0 mesmo tempo, somos construidos por ele. [..] tal construgio é necessariamente compartilhada” de maneira que no podem ser explicados em separados. (Maturana e Varela, p. 11, 2002). Em fung3o disso, [..] a abordagem holistica sistémica ¢ necessiria para comprecnder como as entidades ambientais fisicas, por exemplo, expressando-se em organizagdes espaciais, se estruturam: e funcionam como diferentes unidades complexas em si mesmas [...] (CHISTOFOLETTI. p.1, 1999) A perspeetiva sistémica permite um estudo de maneira integrada uma vez que, possibilita a compreensio da dindmica de todos os sistemas envolvidos. “[...] Nessa perspectiva os grupos humanos devem compreender as caracteristicas ¢ o funcionamento dos sistemas do meio natural [..]” e, assim, possibilita um conhecimento a sociedade, 0 qual. permita .) evitar introduzir agdes que provoquem rupturas no equilibrio, ocasionando os impactos ambientais que ultrapassem a estabilidade existente” (Christofoletti, p. 2, 1999) Compreender as relagdes entre a sociedade e as paisagens é de suma importineia ao planejamento, seja ele rural ou urbano. En ailos recientes hui llegado a ser cada vez mas obvio que el cuidado y Ia planificacién del paisaje -y por tanto también la Ecologia de Paisajes em los paisajes abiertos y em los ecotonos de las areas rurales y urbanas ~ estin estrechamente entrelazados com todos los demas aspectos multidisciplinarios de la planificacién regional y urbana (NAVEH e LIEBERMAN, 2001, p.12). Portanto, & necessario ter consciéneia de que o meio natural € complexo ¢ sujeito as inter-relagdes sociais. E errado pensar que apenas um ramo do conhecimento bumano é capaz de abarcar toda a complexidade do meio natural; até porque, esse meio natural também estd condicionado e, até certo ponto, determinado pelas relagdes sociais que nele se estabelecem e se desenrolam (Souza, 2015, p.21). E mister que a sociedade entenda sua responsabilidade nas inter-relagdes com a natureza a fim de que possa contribuir para o equilibrio no sistema. BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) GEOMORFOLOGIA APLICADA E A PERCEPGAO HUMANA. A Geomorfologia aplicada compreende o estudo dos resultados das inter-relagdes entre os aspectos fisicos ¢ humanos na configuragao da paisagem. Nisso reside a relevancia para os estudos de Geografia, ou seja, proporcionar o conhecimento do homem com relaglo & sua agio sobre o meio natural. Destaca-se que: [..] 0s sistemas ambientais naturais, face as intervencdes humanas, apresentam maior ow menor fragilidade em fungao de suas caracteristicas genéticas. A principio, salvo algumas regides do plaueta, os ambientes narurais mostram-se ot mostravam-se em estado de equilibrio dinamico, até que as sociedades humanas passaram progressivamente a intervir cada vez mais intensamente na apropriaglo dos recursos uatuais. (ROSS, 1996, p. 291) Com 0 avango da economia, aliado ao desenvolvimento das tecnologias, intensificaram- se as agdes humanas acerca dos recursos naturais, resultando em alteragdes do ambiente natural. Essas alteragdes, por vezes, foram positivas, principalmente no sentido econdmico; por outro lado, muitas vezes, foram negativas no que se refere a questao ambiental, Com a introdugao das técnicas na Revolugdo Industrial, a Natureza passou a ser vista como um recurso a ser explorado até a sua exaustio, e o homem altera © meio de forma mais intensa que a propria capacidade de regeneragio daquela. Segundo Rodriguez, Silva e Cavalcanti [..] etapa contemporinea do desenvolvimento da paisagem, transformada profundamente pelos impactos tecnogénicos, caracterize-se por dois processos simultancos, —porém contraditérios: a racionalidade e utilizacéo consciente da Natureza, e a “sobreutilizagio™, ou “subutilizagao” que leva a degradacao e uso irracional de mmitas paisagens (2007, p.162). Da falta de comprometimento da sociedade, no que se refere ao meio natural, surgiram 0s problemas relacionados com a agdo dessa sociedade sobre os elementos naturais, agravando, com isso, a questio ambiental. Tal problema culminou na necessidade de uma nova viséo das inter relagdes que o homem estabelece com a natureza. E possivel observar, de forma clara, que o homem, por meio da exploracio econémica, interfere na dindmica dos recursos naturais. Nesse sentido, pode-se pontuar que: [J a nogio moderna sobre recursos naturis & dindmica, Os recursos naturais relacionai- Se vom os processos ecoudmice-sociis ¢ a interdepeudéncia eutse cles determina 0 seu cariter relative, Os recursos naturais nfo so eles tormam-se recursos, 4 medida que crescem as necessidades do homem ¢ eles dependem do nivel tecnolégico alcangado para permitir a sua exploracao econdmica (ORELLANA, 1981, p.13). A evolugio tecnologica gerou avangos, nos aspectos econdmicos e sociais, com relagio a0 ambiente natural. O aprimoramento tecnolégico possibilitou que o homem planejasse suas ages de forma mais consciente, Como destaca Orellana, “a sua atuagio depende do seu nivel de organizagao social, das diferencas culturais, do grau de desenvolvimento tecnologico e da vitalidade da economia” (1981, p.4). BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) Esses fatores, por sua vez, influenciam na pervepgio e na maneira como 0 sujeito se relaciona com a natureza. A percepcao do sujeito, aliada 4 perspectiva holistica da paisagem, perfazem 0 estudo da Geomorfologia aplicada. Essa objetiva compreender as configuragdes das paisagens e apresenta, igualmente, um cariter integrador, por se preocupar com questées ambientais, surgidas da relagio homenynatureza, uma vez que o homem sempre intervird na elaboragio da paisagem de forma positiva ou negativa no que tange aos elementos naturais. As ages humanas serio, logo, reflexo da pereepgio de cada individuo, o que significa que: [..] 0 conhecimento que adquirimos através do contato atual, direto e imediato com os objetos e com os seus movimentos, dentro do campo sensorial. Depende do individuo, [.-] variando de um observador para outro, por tanto, é individual, ineomunicavel e isreversivel, €0 que eo agora. (OLIVEIRA E MACHADO, 2012, p. 131). E a partir da percepgdo de mundo carregada pelo sujeito que ele age, transforma e construi o espaco habitado. As agdes e percepcdes sao transacdes causais e intencionais (Searle, 2002). Dessa maneira, muitas consequéncias ambientais da ago humana sao resultado da pereepgao ambiental do sujeito. ‘A percepgio em geral ¢ ambiental em espacial vem exigindo da sociedade reflexes mais profundas e um equacionamento tebrico, pritico e factual, Do ponto de vista pritico 0 que interessa s80 as aplicagdes, pois, atualmente, com 0 desenvolvimento tecnolégico em expansio répida [..] cada vez mais se necessita de pesquisas perceptivas, para atender demanda desta sociedade sOffega, dinmica e veloz de consumo e produgde to atual (OLIVEIRA E MACHADO, 2012, p.130). No pensamento de Oliveira e Machado (2012, p. 132) .-] para a percepedlo ambiental, © que é mais importante é 0 mundo visual [...]” e, nesse mundo visual, é refletido como a sociedade percebe a natureza A estrutura da civilizagio esté se tornando cada vez mais complexa, uma vez que ela esti deixando a0s poucos os alicerces do mundo natural, rumo a um mundo cada vez mais planejado, contralado e manufaturado. Conforme aumenta essa complexidade, mais nos distanciamos de nossas raizes na Terra ¢ perdemos nosso sentimento de integraglo com 0 restante da natureza, Tornou-se fil demais encarar a Terra como um conjunto de recursos, cujo valor intrinseco nao é maior que sua wtilidade no momento [...]. A perspectiva holistica resgatou a visio de conjunto, a compreensio de como as diversas partes da natureza interagem em padrdes que teudem a0 equilibrio ¢ persistem ao longo do tempo. Deatro dessa perspectiva nao pode mais encarar a Terra como dissociada da civilizacao humana: somos parte do todo, ¢ olhar para ele significa, em tltima andlise, olhar para nos mesmos, (OLIVEIRA E MACHADO, 2012, p.138). Nota-se uma mudanga na percepgdo ambiental da sociedade contemporanea frente a maneira de encarar a natureza, a qual deixa de fazer parte da vida das pessoas apenas como uma mera peca de um sistema econdmico, no papel de fornecedora dos recursos naturais, passando a ser entendida como um organismo vivo, dentro de um sistema maior, isto é, o planeta Terza 160 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) A INFLUENCIA DA PERCEPGAO HUMANA NAS TRANSFORMACOES DO RELEVO A alteragio do relevo causada pela agao Imimana decorre das necessidades de a populacao buscar melhor qualidade de vida, tendo em vista a percep de cada sujeito a respeito do meio natural em que vive. Para esse, ages como aterrar para edificar ou para evitar inundagdes, utilizando materiais tirbicos e/ou materiais espélicos, sio medidas consideradas como melhorias. Entretanto, essas agdes potencializam o desequilibrio ambiental, porque alteram a dindmica natural do sistema (CHRISTOFOLETTI, 1999).A titulo de demonstragio, da interago do homem com o meio, destacam-se as alteragdes que ocorreram no Bairro Lorenzi, no municipio de Santa Maria URS, no ano de 2016 (Figura 1), MAPA DE LOCALIZACAO DO BAIRRO LORENZI, SANTA MARIA, RS 5 550W S50 Sa ‘RC: SIRGAS 2000 - Naa Dita IBGE 2000 2010 - Responsive Tio: Mauro Rat tao: Angela Scrat - rent: Bart Se Soza = Sofware: QS 2.12.3 7 oy Figura 1: Mapa de Loealizacio do Bairro Lorenzi, Santa Maria, RS (SCALAMATO. 2017, p.18). Importante destacar © mapa dos condicionantes ocupacao do baitro Lorenzi, Santa Maria/RS (Figura 2), o qual identifica as areas favoréveis ou nao A edificagdo. Duas ocupagdes dentro dessas areas tidas como impréprias, denomidadas Portelinha ¢ Sol Poente, sio exemplos de fireas modificadas pela ago humana com o propésito de realizar “melhorias” nas condigdes do ambiente, visando mitigar os possiveis problemas de adaptagio das moradias 4 dinamica geomorfologica. De acordo com Maciel Filho (1990), apud Sealamato (2017), sito areas desfavoraveis a construgdo de moradias por se tratar da planicie de inundac3o do Arroio Cadena. 161 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) Figura 2: Condicionantes a ocupagio do Baitro Lorenzi, Santa Maria, RS (SCALAMATO, 2017, p.62) Com a intengio de solucionar os problemas dos alagamentos, os moradores passaram a utilizar material trbico (Figura 3) e, ainda, algumas téenicas que resultaram em alteragdes no relevo, com 0 objetivo de minimizer os impactos ocasionados pelos alagamentos nos periodos de chuvas intensas. Na planicie de inundago do Arroio Cadena, foi construido um aterro com os materiais disponiveis nas adjacéncias de uma olaria com a finalidade de conter os alagamentos que dificultavam a comercializagao da produgao. No local em que havia a olaria, hoje. existe uma area de ocupagio imegular, e os moradores wtilizaram o aterro para construir suas residéncias (Figura 4) 162 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) Figura 3: Depésitos de materias para aterro (SCALAMATO, 2017, p.72) Figura 4: Area de aterto com ocupasiojé consolidada (SCALAMATO, 2017, p83) Os moradores dessa regido consideraram que estariam realizando melhorias no lugar. Todavia, a alteragio realizada na drea pode ocasionar desiquilibrio, gerando danos ambientais, em decorréneia da contaminagio destes materiais que sto depositados no solo, A area pesquisada na planicie de inundago do Arroio Cadena pode ser considerada um caso degradagao do meio natural. BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) CONSIDERAGOES FINAIS © Quinario vem sendo aceito como novo periodo geolégico para, entio, compreender- se melhor a configuragio atual da paisagem geomorfolbgica. O homem, enquanto agente geomorfologico, desencadeia processos tecnogénicos, depositando materiais que vio modificar o espago geogrifico, formando sedimentos recentes, 05 quais fazem parte de um sistema inacabado. A partir da compreensio da dinamica dos sistemas do meio natural, 0 homem pode adotar medidas para interfer no espago geogrifieo, de forma a nio provoear 0 desequilibrio ambiental, entretanto vale salientar que o conhecimento técnico cientifico ¢ de fundamental importancia para que tais alteragdes no se configurem derivagdes antropogénicas negativas, ou seja, que tais intervengdes nio se constituam interferéncias de feed back positive no sistema ambiental ocupado, ‘As reas de ocupagdes denominadas Sol Poente e Portelinha, localizadas na vila Lorenzi, Santa Maria/RS, mencionadas neste estudo, foram impactadas pela ago humana, Alguns moradores, buscando resolver o problema dos alagamentos nos terrenos de suas residéncias, empregaram materiais trbicos para aterré-los. Como consequéneia, esses aterros acabaram alterando a paisagem e causando um desequilibrio ambiental, porquanto interferem na dindmica do escoamento superficial, ocasionando, ora alagamentos, ora processos erosivos acelerados. Portanto, a paisagem precisa ser entendida como uma entidade global, constituida por elementos formados em diferentes momentos, os quais, hoje, atuam nela de forma integrada. Da mesma forma, a Geomorfologia social, ou aplicada, entendida a partir das inter-relagdes dos aspectos fisicos e humanos, possibilita, com seus estudos, a promogao do conhecimento do homem, com relag&o a sua agao sobre o meio natural. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ABREU, Adilson Avansi de. A Teoria Geomorfolégica ¢ sua Edificagao: Anilise Critica, Revista Brasileira de Geomorfologia, Ano 4, n°2 (2008) 51-67, SCALAMATO, Angelita Tomazetti, A pereepeao dos moradores na configuracio da paisagem da Vila Lorenzi, Santa Mari/RS: Estudo mas ocupacoes Portelinha ¢ Sol Poente. Dissertagio de Mestrado do Programa de Pos- Graduacao em Geografia da Universidade Federal de Santa MariaRS, 2017. CHRISTOFOLETTI, Antonio. Modelagem de Sistemas Ambientais.I'edicio. Editora: Edgarde Bucher LTDA. Sto Paulo, 1998. MACIEL FILHO, C.L. Carta geotéenica de Santa Maria, Santa Maris: UFSM, 1990, GOMES, Tania Cristina; RIFFEL, Eduardo Samuel; PITTELKOW. Greciele Carls © PAUL, Carlos Rudo. Caracterizagao © Espacializagao dos Depésitos Tecnogénicos no Bairto Camobi: Subsidio ao Planejamento Urbano do ‘Municipio da Santa Maria -RS. In; Revista GEONORTE, Edicao Especial, V.2, N.4, p. 276 ~ 288, 2012, Disponivel em: [revistas npr. br abequa/article view/34521]. Acesso em: 06 de novembro de 2016. GUERRA, Antonio José Teixeira e MARCAL, Monica dos Santos. Geomorfologia Ambiental. Rio de Janciro: Editora Bertrand Brasil, 2012. MACHADO, Carlos Augusto. A Pesquisa de Depésitos Tecnogéntcos no Brasil ¢ no Mundo. Revista Tocantinense de Geografia, Ano O1, n° 02, (2013) 164 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) MATURANA, R Humberto. VARELA, Francisco J. A Arvore do Conhecimento: as bases biologicas da compreensio humana, Traduc3o: HUMBERTO Mariotti e Lia Diskin. Editora Palas Athena, Sto Paulo, 2001 NAVEH, Zev y LIEBERMAN, Arthur S. Ecologia de Paisajes. Teoria y Aplicacion. Buenos Aires: Editorial Facultad de Agronomia, Universidad de Buenos Aires (UBA), 2001. OLIVEIRA, Manos! Alves. Formagio de Bacia Hidrografica Antropica no sistema fluvial do Rio Gaviio no sudoeste da Bahia a partir da perenizacto do seu fluxo de agua. 2011. Disponivel em: [btip:/www revistas.una.ac.cr/index php/geografica/article view/273 1/2611] Acesso em: 16 de junho de 2016. OLIVEIRA, Livia de: MACHADO, Lucy Marion Calderini Philadelpho. Percepeao, Cogni¢ao, dimensto Ambiental ¢ desenvolvimento com Sustentabilidade. In: VITTE, Antonio Carlos & GUERRA, Antonio José Teixeira (Orgs) Reflexdes sobre a Geografia Fisica no Brasil. 6° edici0, Rio de Janeiro: Bertrand: Brasil, 2012. PELOGGIA, Alex Ubiratan Goossens. Delineacao ¢ Aprofundamento Temitico da Geologia do Tecnégeno do Municipio de Sao Paulo, Tese de Doutorado, Sao Paulo SP: Universidade de Sa0 Paulo, 1997, RODRIGUEZ, José Manuel Mateo: SILVA, Edson Vicente da; CAVALCANTI, Agostino Paula Brito. Geoecologia das Paisagens — Uma visio geossistémica da analise ambiental, 2 ediglo. UFC edigdes. Fortaleza. 2007. ROSS, Jurandyr Luciano Sauches. Geomorfologia Ambiente ¢ Planejamento: O relevo no quadro ambiental. Cartografia geomorfologica. Diagnosticos ambientals. 9 edicio, Sto Paulo: Contexto, 2012 \CALAMATO, Angelita Tomazetti. A Influéneia da Percepcao dos Moradores na Configuragio da Paisagem da ila Lorenzi, Santa Maria/ RS. 2017. 112 p. Dissettacdo (Mestrado em Geografia) - Universidade de Santa Maria, ‘Santa Maria, RS, 201 SEARLE, John R. Intenciowalidade, Tradug%o Julio Fischer. TomAs Rosa Bueno. 2* edigio. Sto Paulo: Martins Fontes, 2002. SOUZA, Bernardo Say’o Penna. A Qualidade da Agua de Santa Maria/RS: uma anélise ambiental das sub bacias hidrograficas dos rios Ibicui Mirim e Vacacai Mirim, Universidade de Sio Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Cigneias Humanas, Departamento de Geografia. Sto Paulo, 2001 SOUZA, Bemardo Sayto Penna. A Geografia ea Andlise da Natureza. Revista GeoAmazinia ~ Belém, v. 03, 2.05, p.18-34, jan.jun, 2005 SUERTEGARAY, Diree Maria Antunes. Geomorfologia: Novos Conceltos ¢ Abordagens. In: VII SIMPOSIO DE GEOGRAFIA FISICA APLICADA E I FORUM LATINO-AMERICANO DE GEOGRAFIA FISICA APLICADA. 1997, Curitiba. Anais do VII Simpésio de Geografia Fisica Aplicada. Séo Paulo: TEC ART Editora Limitada, 1997, VERDUM, Roberto. [et al]. Paisage 2012. leituras, significados, transformagdes, Porto Alegre: Editora da UFRGS, ANTHROPOGENIC ACTION AS AN AGENT IN GEOMORPHOLOGICAL PROCESSES ABSTRACT The study of Geomorphology allows the subject to understand the alteration of the landscape. as this is an integrative science, allowing a systemic view of the environmental order, which is a reflection of the social structure, This article aims to discuss about landscape changes in the period known as Quinary or Technogenic, also contemplating man as an ‘important influencing agent of geomorphic processes, The article discusses topics such as the alteration of the landsca by man from the modernization of technological means and the systemic perspective of the landscape as a set of interrelated elements in which the human being participates, in which his actions are reflections of the perception that hhe has about the natural environment. Thus, applied geomorphology helps the understanding of social organization. However, the lack of scientific knowledge on the part of the population contributes to actions that cause environmental imbalance. Keywords: Geomorphology ; Influencer; Systemic perspective; Technogenic. BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019) ACCION ANTROPOGENICA COMO AGENTE EN PROCESOS GEOMORFOLOGICOS RESUMEN El estudio de la geomorfologia permite al sujeto comprender fa alteracién del paisaje, ya que esta es una ciencia integradora, que permite una visién sistémica del orden ambiental, que es un reflejo de la estructura social. Este articulo tiene como objetivo discutir sobre los cambios en el paisaje en el periodo conocido como Quinary o Technogenic. también contemplando al hombre como un importante agente influyente de los procesos geomérficos. El articulo aborda temas como la alteracién del paisaje por parte del hombre a partir de la modemnizacién de los medios tecnoligicas y la perspectiva sistémica del paisaje como un conjunto de elementos interrelacionados en los que participa el ser mano, en el que sus acciones son reflejos de la percepcién de que él tiene sobre el ambiente natural. Por lo tanto, la geomorfologia aplicada ayuda a la comprensién de In organizacién social. Sin embargo, la falta de conocimiento cientifico por parte de la poblacién contribuye a acciones que causan un desequilibrio ambiental Palabras-clave: Geomorfologia; Influenciador; Perspectiva sistémica; Technogen Recebimento: 22/11/2017 Aceito: 27/08/2019 166 BGG, v. 45, n° 1/2, 2018 (2019)

Você também pode gostar