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GARCÍA, Ofelia. The sociopolitics of bilingualism. In: _____.

Bilingual
education in the XXI century: a global perspective. West Sussex: Wiley-Blackwell,
2009. p. 73-91.

Ofelia García é professora em programas de doutorado em Educação Urbana


e Culturas Americanas, Ibéricas e Latinas no Graduate Center of the City University
of New York. Foi professora de educação bilíngue na Columbia University’s
Teachers College, reitora no campus Brooklyn da Escola de Educação da Long
Island University e professora de educação em The City College of New York. 1
Possui premiações nas áreas de educação e linguística.
Outras obras:
FISHMAN, Joshua Aaron; GARCÍA, Ofelia (Ed.). Handbook of language and
ethnic identity: disciplinary and regional perspectives. Oxford: Oxford University
Press, 2010. v. 1.
FISHMAN, Joshua Aaron; GARCÍA, Ofelia (Ed.). Handbook of language and
ethnic identity: the success-failure continuum in language and ethnic identity.
Oxford: Oxford University Press, 2011. v. 2.
GARCÍA, Ofelia; Li Wei. Translanguaging: language, bilingualism and
education. London: Palgrave Macmillan Pivot, 2014.

Este capítulo da obra de García define conceitos que dizem respeito às


repercussões sociais de haver comunidades que vivem a situação de bilinguismo
dentro do contexto atual de globalização. É colocada em pauta a questão do
bilinguismo quando se há um grupo minoritário inserido dentro de um contexto
linguístico e cultural dominante. A autora apresenta a perspectiva do bilinguismo
social como um produto político e social; algo maior do que o indivíduo, mas que
também o afeta. A forma como o grupo majoritário trata o bilinguismo é muito
reveladora de seus valores sociais e culturais, e é de máxima importância que o
educador bilíngue entenda o contexto de bilinguismo em que se insere, assim como
tenha um panorama do bilinguismo internacionalmente.

1
Conforme o original: Ofelia García is Professor in the Ph.D. programs of Urban Education and of
Latin American, Iberian, and Latino Cultures (LAILAC) at the Graduate Center of the City University
of New York. She has been Professor of Bilingual Education at Columbia University’s Teachers
College, Dean of the School of Education at the Brooklyn Campus of Long Island University, and
Professor of Education at The City College of New York. Disponível em: <https://ofeliagarcia.org/>.
Acesso em: 29 mar. 2019.
O trecho da obra de García aponta-nos, por meio dos conceitos que surgiram
para definir a noção de bilinguismo, a ideologia por trás da existência de uma
comunidade minoritária que se vê inserida em outro contexto linguístico e cultural.
Primeiramente, por meio dos estudos de Fishman da diglossia, é apontado que o
bilinguismo era entendido como relevante apenas quando cada língua ocupava uma
função social (o que claramente atribui status diferente a cada língua). Esse modelo
era criticado por não enfatizar o conflito por trás da situação das línguas. Romaine
sugere “bilinguismo social” como um termo melhor.
Há conceitos posteriores que buscam definir a situação de sociedades
bilíngues, como o multilinguismo. Há ainda o modelo gravitacional de bilinguismo,
que pretende colocar as linguagens adotadas em contextos bilíngues em situação
de igualdade. A abordagem ecológica traz a noção de que as línguas ajustam-se ao
ambiente e perpetuam-se pelo contato linguístico, não pelo isolamento. A
transglossia prevê o relacionamento entre mais de uma língua de forma harmônica,
sem sobreposição entre elas.
Em comunidades bilíngues, manutenção ou mudança de linguagem podem
ocorrer, desde que haja diferenciação entre as línguas que implique em maior poder
de uma sobre a outra, sendo este social, político ou econômico. Neste contexto, há
programas de educação bilíngue que objetivam manutenção ou mudança por parte
dos falantes da língua minoritária. Entretanto, como os grupos minoritários sofrem
muita pressão para apropriar-se da língua majoritária (assimilação linguística), a
mudança é muito mais frequente do que a manutenção linguística. Línguas
minoritárias estão, inclusive, ameaçadas por esse fenômeno.
Os termos revitalização linguística ou reversão da mudança linguística foram
cunhados por Fishman, que criou a Graded Intergenerational Disruption Scale
(GIDS), escala essa que quantifica o nível de ameaça à língua. Contudo, tal trabalho
tem foco principal em línguas europeias sob ameaça ou línguas europeias na
América, não contemplando, por exemplo, as línguas de comunidades indígenas.
Segundo García, a língua tem função retórica, que constrói identidade e
solidariedade. Ainda conforme os estudos da autora, a noção de ideologia linguística
envolve ideias culturais relacionadas à língua, sociedade, política e moral. Língua
também significa resistência e poder, já que é real a imposição dos valores
dominantes. O estudo de ideologias linguísticas deve ter como foco, então, as
condições sócio-históricas, sócio-políticas e sócio-econômicas que afetam a
produção de sentido em relação a linguagem e ao discurso.
Toda a educação bilíngue é uma prática de política linguística na educação,
uma vez que se trata de um produto que envolve gerenciamento de língua, práticas
e crenças linguísticas ou ideológicas. Possui as dimensões de planejamento de
corpus, de status e de aquisição da língua. Fishman aponta que o planejamento
linguístico sempre revolve em torno de um superfator de independência vs.
interdependência, que denota o cunho social pretendido com tal educação.
Somente a partir da década de 1990 os direitos linguísticos tornaram-se um
campo de estudo importante, pois então o direito de usar e aprender a língua
materna foi reconhecido como direito humano básico. Há ainda os direitos
individuais (direito de cada um de identificar-se com a língua materna e ser
respeitado por sua identificação) e os direitos comunitários (o direito de grupos
minoritários existirem). Skutnabb-Kangas propõe que há dois tipos de direitos
humanos linguísticos: os expressivos ou não instrumentais, que contemplam que as
pessoas devem ser capazes de desfrutar de um ambiente linguístico seguro para o
uso de sua língua materna e ter uma chance justa de reproduzir sua cultura, e os
direitos instrumentais, que asseguram que a língua não será um obstáculo para a
participação significativa em processos democráticos e instituições públicas e em
oportunidades sociais e econômicas.
O texto ainda aborda a questão do imperialismo linguístico. Há autores que
afirmam que o inglês vem consumir as outras línguas, assim como há os que
apontam o inglês como sendo usado como língua franca, preservando as línguas
locais. Há quem diga que mais políticas linguísticas são necessárias para resguardar
as línguas do avanço do inglês, centrado na Anglo-Americanização.
Em seu estudo, García baseia-se nos trabalhos de diversos pesquisadores
para apresentar conceitos, críticas aos termos surgidos destes conceitos e exemplos
de situações de bilinguismo, com o propósito de trazer ao leitor um quadro do
bilinguismo que considera seu aspecto sócio-político. Em sua conclusão, em que
não são mencionados outros autores, ela ressalta a importância de que o educador
que trabalha com o bilinguismo entenda o contexto que o estimula e o reprime –
contexto este que o leitor consegue construir com mais repertório a partir da leitura
do capítulo em questão.
Pode-se depreender que em comunidades em que o bilinguismo faz-se
presente, a educação bilíngue vem atender a uma necessidade social de inserção
de um grupo minoritário dentro de um contexto linguístico e identitário diverso.
Dependendo de quais valores o grupo majoritário pretende pôr em prática dentro da
comunidade minoritária, a educação bilíngue pode exercer um papel importante na
aquisição, mudança, manutenção e revitalização linguísticas. É preciso afirmar,
entretanto, que a mudança é um fenômeno mais estudado do que a manutenção,
porque acontece com muito mais frequência do que a última. Neste capítulo,
apreende-se que o mundo globalizado abstém-se de valorizar as culturas
minoritárias ao não priorizar manutenção em vez de mudança linguística, reconhecer
apenas recentemente a língua como direito humano, ou trazer consigo o avanço de
uma língua franca que talvez prejudique línguas locais.
No que tange a esse tópico, conforme nos afirma Megale (2005 apud
FISHMAN; LOVAS, 1970), ocorre um bilinguismo subtrativo, no sentido de que as
políticas bilíngues pretendem que, com a aquisição da L2, haja prejuízo da L1.
Haveria uma tendência generalizada para o bilinguismo dominante (especificamente
de que a L2 seria a língua em que o aprendiz teria domínio maior). Em termos de
identidade cultural, já que a língua materna é suprimida, existe uma disposição ao
bilinguismo privilegiando a identidade relacionada à L2. É feita a diferenciação entre
o que seria uma língua de maior e outra de menor importância, uma
institucionalizada e outra não (MEGALE, 2005 apud FISHMAN; LOVAS, 1970);
portanto, com a atribuição de distinção de valor econômico, social e político.
Assim, pode-se entender que existe uma tendência a preferir que as minorias
sejam tragadas pela língua e valores majoritários a que se integrem à comunidade
majoritária de maneira harmônica, com a preservação da identidade linguística.
Dado que língua também está ligada aos conceitos de solidariedade, poder e,
principalmente, resistência, percebe-se que ainda existe, muito expressivamente, o
movimento de tentativa de obliteração identitária dos grupos minoritários – já visto
na época das grandes navegações e que se pretende minimizar na criação de
identidades híbridas nas sociedades pós-coloniais.
A educação bilíngue, inserida neste contexto, é a realização da ideologia da
comunidade dominante acerca de como se dará a integração social da comunidade
minoritária. Há a possibilidade de que se coloque em prática uma educação
integradora, assim como pode-se intencionar suprimir qualquer valor que não
condiza com o expressado pelo grupo dominante. Na esteira dos estudos de Mello
(2010, p. 130), o objetivo de tal política linguística é “o monolinguismo na língua
majoritária”.
Os termos revitalização linguística ou reversão da mudança linguística,
cunhados num estudo para a reversão da situação de ameaça em que muitas
línguas encontram-se, apesar de inicialmente promissores, não parecem contemplar
a todos. Isso porque foram cunhados pensando em línguas europeias, não
aplicando-se às indígenas, por exemplo, grandemente ameaçadas na atualidade.
Independentemente dos movimentos migratórios contemporâneos, que não são
menos importantes, a criação do mundo globalizado fundou-se sobre a supressão
da identidade e da língua de povos nativos. Só nas Américas, pensando no contexto
brasileiro ao analisar este capítulo de García, diversos povos sofreram perdas
insuperáveis em termos de população, identidade, cultura e língua. Ainda assim, um
estudo inicial na tentativa de reverter a ameaça a línguas minoritárias não os
contempla.
É muito recente ainda a garantia do uso da língua materna como direito
humano, o que aponta que, como sociedade, demoramos a reconhecer a
importância cultural alheia. Entretanto, o fato de ela ter sido reconhecida
formalmente (ainda que de forma tardia) leva a crer que o movimento pela
valorização de culturas minoritárias tem agora maior reconhecimento e fundamento
social, o que pode leva-lo a ser mais amplamente implementado na forma de
políticas sociais integradoras em comunidades bilíngues.

Resenhado por Monize Muniz Duarte Floriano, aluna do curso de Pós-


graduação “Educação Bilíngue: Desafios e Possibilidades”, na disciplina Bilinguismo
e Educação Bilíngue: Conceitos e Modalidades. Instituto Singularidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEGALE, Antonieta Heyden. Bilingüismo e educação bilíngue – discutindo
conceitos. Revista virtual de estudos da linguagem – ReVEL, [S.l], v. 3, n. 5, p. ,
ago. 2005. Paginação irregular. Disponível em:
<http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_5_bilinguismo_e_educacao_bilingue.pdf>.
Acesso em: 13 abr. 2019.
MELLO, Heloísa. Educação bilíngue: uma breve discussão. Horizontes de
linguística aplicada, [Brasília, DF], v.9, n.1, p. 118-140, 2010.

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