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T E O R IA GERAL D O

D I R E I T O PROCESSUAL
I

DIREITO PROCESSUAL:
CONCEITO, DENOMINAÇÃO,
POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA E
EVOLUÇÃO CIENTÍFICA
§ l fi CONCEITO D E DIREITO PROCESSUAL

Ao iniciar o estudo do D ireito Processual Civil, é fundam ental fixar o


conceito de D ireito Processual, visto que este (ou ao m enos um a de suas m a­
nifestações - o D ireito Processual Civil) será o tem a central d esta obra. Parece-
-nos que todo o restan te da obra ficaria sem sen tid o se não se apresentasse,
desde logo, o q u e m e parece a m elhor form a de conceituar esse ram o do D irei­
to a cujo estudo ten h o m e dedicado.
A doutrina, ta n to a nacional com o a estrangeira, diverge ao conceituar o
D ireito Processual. A ssim é que o notável processualista colom biano Hernando
Devis Echandía, considerado por m u ito s um dos m aiores processualistas latino-
-am ericanos de todos os tem pos, define o D ireito Processual com o "o ram o do
D ireito que estu d a o conjunto de norm as e princípios que regulam a função
jurisdicional do Estado em todos os seus aspectos e que, portanto, fixam o
procedim ento que se h á de seguir para obter a atuação do direito positivo nos
casos concretos, e que determ inam as pessoas que devem subm eter-se à ju ris­
dição do Estado e os funcionários encarregados de exercê-la”.1Já o ju rista m e­
xicano Jose Becerra Bautista, em sua obra didática, definiu o D ireito Processual
com base nas lições do processualista italiano Paolo D 'O nofrio, afirm ando ser

1 Hernando Devis Echandía, Teoria general dei proceso, tomo I, p. 6.


6 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

esse “o conjunto de norm as q u e têm por objeto e fim a realização do direito


objetivo através da tu te la do direito subjetivo, m ediante o exercício da função
jurisdicional".2
Tam bém na d o u trin a italiana podem -se encontrar subsídios para se che­
gar ao conceito m ais adequado de D ireito Processual, não sendo dem ais lem ­
brar que a d o u trin a italiana é, no D ireito Processual, com o em outros ram os da
ciência jurídica, a que m ais influência exerce sobre o D ireito brasileiro. A ssim
é que o notável processualista Crisanto Mandrioli define o D ireito Processual
Civil com o “o ram o da ciência jurídica que estu d a a disciplina do processo
civil".3 A inda na d o u trin a italiana encontra-se a lição de Enrico Tullio Liebman,4
para quem o D ireito Processual deve ser entendido com o um "ram o do D ireito
destinado precisam ente à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do or­
denam ento jurídico, in stitu in d o órgãos públicos com a incum bência de atuar
essa garantia e disciplinando as m odalidades e form as da sua atividade”.5
A d o u trin a italiana m ais recente tam bém tem dedicado atenção ao tem a.
A ssim , p o r exem plo, afirm a-se - em im p o rtan te obra - que o D ireito Proces­
sual Civil “é o conjunto de norm as que [...] con stitu em a lei reguladora do
processo (civil)".6
Tam bém a d o u trin a brasileira apresenta conceitos de D ireito Processual
Civil, com o se vê, por exem plo, em Moacyr Amaral Santos, para quem o D ireito
Processual “é o sistem a de princípios e leis que disciplinam o processo".7 Já a
mais m oderna d o u trin a sobre a teoria geral do D ireito Processual vê n este "o
com plexo de norm as e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição

2 Jose Becerra Bautista, Introducción al estúdio dei derecho procesal civil, p. 15.
3 Crisanto Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. I, 1995, p. 8. No mesmo sentido
manifesta-se Ferrucio Tomaseo, um dos mais notáveis processualistas italianos da atualidade,
na obra Appunti di diritto processuale civile - nozioni introduttive, p. 9.
4 A influência de Liebman sobre o desenvolvimento do Direito Processual Civil brasileiro é
notável. Discípulo de Chiovenda (considerado o maior processualista de todos os tempos),
Liebman morou no Brasil na época da Segunda Guerra Mundial. Através de sua atuação como
professor na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Liebman foi o responsável por
uma escola de pensamento, a qual Ficaria conhecida como "Escola Processual de São Paulo",
e que hoje constitui-se num a verdadeira escola brasileira de processo. As principais teorias
defendidas por Liebman foram consagradas no Código de Processo Civil brasileiro, o qual re­
sultou de um anteprojeto elaborado pelo mais notável de seus discípulos, o saudoso professor
Alfredo Buzaid. Além disso, Liebman chegou a elaborar obras em português, às quais farei
referência ao longo deste livro.
5 Liebman, Manual de direito processual civil, vol. I, trad. bras. de Cândido Rangel Dinamarco, p. 3.
6 Giovanni Arieta, Francesco de Santis e Luigi Montesano, Corso base di diritto processuale civile,
p. 1.
7 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. I, p. 14.
Direito Processual: Conceito, Denominação, Posição Enciclopédica e Evolução Científica 7

pelo Estado-juiz, da ação pelo dem andante e da defesa pelo dem andado”.8 Em
obra m oderníssim a, im portante processualista brasileiro afirm ou que o D ireito
Processual Civil é "disciplina que se dedica a estudar, a analisar, a sistematizar a
atuação do próprio Estado, do E stado que, p o r razões perdidas no tem po, m ais
ainda válidas até hoje por força das opções políticas feitas pela C onstituição
Federal de 5 de outu b ro de 1988, tem o dever de p restar tu te la estatal de direitos
naqueles casos em que os destinatários das norm as, desde o plano m aterial,
não as acatam devidam ente, não as cum prem e, consequentem ente, frustram
legítim as expectativas das outras pessoas”.9
D essas lições transcritas acima, proferidas por alguns dos m ais im por­
tantes processualistas brasileiros e estrangeiros, pode-se ver que não é fácil
chegar a um conceito preciso de D ireito Processual, sendo certo que m uitas
das definições apresentadas "chovem no m olhado”, definindo o D ireito Pro­
cessual com o o conjunto de norm as que regem o processo. Parece, todavia,
que essas definições não são adequadas, data venia, para que se com preenda
exatam ente n o que consiste esse ram o do D ireito. A m eu juízo, o D ireito Pro­
cessual pode ser definido com o o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta
o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional
Em p rim eiro lugar, há q u e se explicar que, ao falar em ram o da ciência
jurídica q u e estuda e regulamenta, te n h o por objetivo d em o n strar q u e o D ireito
Processual, com o q u alq u er o u tro ram o da ciência jurídica, deve ser exam i­
nado em dois sentidos: com o ciência e com o d ireito positivo. A m eu sentir,
a análise de q u alq u er ram o do D ireito apenas com o d ireito positivo, ou seja,
com o um co njunto de norm as, é insuficiente, assim com o o é a análise de
tais ram os do D ireito apenas com o ciência, e desligados da legislação. Todos
os ram os do d ireito devem ser exam inados em su a in teireza p ara q u e p o s­
sam ser bem com preendidos. A C iência d o D ireito não tem vida p ró p ria se
distanciada das norm as jurídicas, da m esm a form a que a análise das norm as
jurídicas é im possível sem q u e se conheça a ciência. O D ireito Processual é,
pois, ciência e norm a, e assim deve se r estudado.
Deve-se esclarecer, ainda, qu an to ao conceito de D ireito Processual por
m im exposto, que o objeto central dos estudos realizados n esta o b ra é a ju ­
risdição (o que levou boa d o u trin a a sugerir a m udança da denom inação da
disciplina para D ireito Jurisdicional),10 a qual, com o se sabe - e será visto m ais
adiante em detalhes - , é um a das funções exercidas pelo E stado com o m anifes­
tação do seu Poder Soberano. A jurisdição, porém , para ser exercida depende
de um a série de o u tro s in stitu to s a ela ligados, com o a ação, o processo, a sen­

8 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria
geral do processo, p. 40.
9 Cássio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1, p. 9.
10 Juan Montero Aroca, Evolución y futuro dei derecho procesal, p. 71.
8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

tença, os recursos, a coisa julgada (só para citar alguns). A ssim é q u e se com ­
preendem no universo do D ireito Processual não só a jurisdição, m as tam bém
todos os dem ais in stitu to s jurídicos que a ela se ligam com o fim de viabilizar
seu exercício adequado pelo Estado.
É por essas razões que conceituo o D ireito Processual, com o visto, com o
o ram o da ciência jurídica que estu d a e regulam enta o exercício, pelo Estado,
da função jurisdicional.

§ 2 Q DENO M IN A ÇÃO

A denom inação em pregada n esta obra é a m ais frequentem ente utiliza­


da pelos doutrinadores deste ram o do D ireito. Tal nom enclatura, porém , não
foi sem pre usada, nem é aceita pela unanim idade dos especialistas. De início,
costum ava em pregar a d o u trin a a denom inação "processo civil" (ou, na dou­
trina italiana, procedura civile), com o se vê, por exem plo, nas obras de grandes
ju ristas do século XIX, com o Francisco de Paula Baptista11 e Lodovico Mortara.12
O utros autores antigos preferiam falar em "D ireito Judiciário", com o o
grande ju rista brasileiro João Mendes de Almeida Júnior.13 Essa nom enclatura,
porém , é inadequada, por ter um sentido capaz de abranger tem as q u e não per­
tencem a esse ram o do D ireito, como, p o r exem plo, a organização judiciária.
A denom inação D ireito Processual, com o dissem os, é hoje a m ais utili­
zada, ten d o sido em pregada, por exem plo, por Giuseppe Chiovenda,14 Liebman,15
Mandrioli16 e, en tre os brasileiros, por Moacyr Amaral Santos,17Humberto Theodoro
Júnior18 e Vicente Greco Filho.19 É certo, porém , que essa denom inação possui um

11 Francisco de Paula Baptista, Teoria e prática do processo civil e comerciai Paula Baptista, lente
de Processo Civil na Faculdade de Direito de Pernambuco, lecionou naquela casa entre 1835 e
1881 e pode ser considerado o ancestral de todos os processualistas brasileiros, tendo defendido
posições doutrinárias que só seriam aceitas como verdadeiras na Europa anos (às vezes décadas)
depois.
12 Lodovico Mortara, Istituzioni di procedura civile.
13 João Mendes de Almeida Júnior, Direito judiciário brasileiro.
14 Giuseppe Chiovenda, maior processualista de todos os tempos, foi professor da Universi­
dade de Roma, sendo autor, entre outras obras fundamentais, das Instituições de direito processual
civil, trad. bras. de J. Guimarães Menegale.
15 Manual de direito processual civil.
16 Corso di diritto processuale civile.
17 Primeiras linhas de direito processual civil.
18 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil.
19 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro.
Direito Processual: Conceito, Denominação, Posição Enciclopédica e Evolução Científica 9

grave defeito: o nom e D ireito Processual passa a falsa ideia de que o proces­
so (e não a jurisdição) é o conceito central e m ais im portante d esta ciência,
quando na verdade o processo é m eram ente um m eio de que se vale o Estado
para exercer a função jurisdicional. Por essa razão, com o já m encionado, o
ju rista espanhol Juan Montero Aroca defende a adoção de nova denom inação:
D ireito Jurisdicional.20 Se p o r um lado as razões do notável professor espanhol
parecem convincentes, a sugerir a aceitação de sua sugestão no sentido de se
defender u m a nova denom inação, não se deve deixar de p onderar no sentido
de que a nom enclatura atual, em bora não seja perfeita (como não seria n en h u ­
m a outra), tem um a grande vantagem . Em razão de su a im ensa aceitação, a
denom inação D ireito Processual perm ite que, ao m ero enunciar das palavras
que a form am , todos os que a ouvem pensem em um m esm o ram o do D ireito,
com lim ites m u ito precisos, inexistindo qualquer dúvida possível q u an to ao
alcance da expressão. Por esse m otivo, e aplicando a m áxim a segundo a qual
"em tim e que está ganhando não se m exe”, é que opto aqui p o r utilizar esta
que, apesar das críticas procedentes que lhe são dirigidas, ainda é a m ais aceita
denom inação da disciplina jurídica de que se ocupa este livro.
A ssim é que, em bora utilize com o fonte de denom inação o processo,
m ero in stru m en to posto pelo sistem a a serviço da jurisdição, e não esta úl­
tim a, verdadeiro conceito central e essencial desse ram o da ciência jurídica,
continuarei em pregando, ao longo deste livro, o nom e consagrado: D ireito
Processual. É preciso te r claro, porém , que aqui se trata, apenas, do Direito Pro­
cessual Jurisdicional, e não de o u tro s (como o D ireito Processual A dm inistrativo,
por exem plo), ainda q u e ali tam bém se esteja diante de verdadeiros processos.

§ 3* POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA

É sabido por todos os que se iniciam no estudo do D ireito que os ram os


dessa área do conhecim ento hum ano podem ser divididos em duas grandes fa­
mílias: direito público e direito privado. Tal divisão, em bora seja alvo de m uitas
críticas, ainda é u m m étodo seguro de se estabelecer critérios interpretativos
baseados em princípios com uns aos ram os que com põem cada um a dessas
grandes "famílias jurídicas”. Ao se dizer que um determ inado ram o do D ireito
é público ou privado, estam os estabelecendo um a série de prem issas q u e deve­
rão ser levadas em conta q u ando d a interpretação das norm as que o com põem ,
com o, por exem plo, a posição de coordenação en tre os sujeitos da relação ju ­
rídica (no direito privado), ou a posição de suprem acia de um dos sujeitos (o
Estado) em relação aos dem ais (no direito público).

20 Montero Aroca, ob. e loc. cit.


10 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

N ão há nenhum a dúvida na d o utrina especializada quanto à inclusão do


D ireito Processual den tro da "família" do direito público. É certo, porém , que
durante m uito tem po as norm as processuais (em especial as processuais civis)
foram consideradas de direito privado. Isso se deu, porém , antes da afirmação
da autonom ia científica do D ireito Processual, o que ocorreu, com o se verá
adiante, em m eados do século XIX. A té essa época, as norm as processuais eram
consideradas um m ero apêndice do D ireito Civil, o qual, indubitavelm ente, in­
tegra o direito privado. A afirmação da autonom ia científica do D ireito Proces­
sual, porém , com a certeza de que nas relações jurídicas por ele estudadas um
dos sujeitos é o Estado, que ali se põe em posição de suprem acia, exercendo seu
poder soberano, to m a inquestionável a natureza pública desse ram o da ciência
jurídica.
A ssim sendo, o D ireito Processual deve ser sem pre in terp retad o com o
um ram o do D ireito em que h á um predom ínio do Estado, o qual tem um a
das m anifestações de seu poder por ele estudadas, o que aproxim a o D ireito
Processual, em m u ito s aspectos, do D ireito C onstitucional (onde encontra,
obviam ente, os seus princípios norteadores, com o o devido processo legal e
o contraditório) e do D ireito A dm inistrativo (com o qual m antém , aliás, um a
área de interseção, o processo adm inistrativo, que contém elem entos desses
dois ram os do D ireito). Tal proxim idade tem com o conseqüência a consciência
- que hoje tem o processualista - de que as sem elhanças en tre as diversas fun­
ções do E stado são m uito m ais im p o rtan tes do que suas diferenças, m áxim e
porque, en tre tais sem elhanças, u m a é essencial: q u alquer que seja a função do
E stado que esteja sendo exercida, o que se tem é um a m anifestação do poder
estatal soberano, o qual, com o notório, é uno e indivisível.

§ 4 e EVOLUÇÃO CIENTÍFICA D O DIREITO PROCESSUAL

O D ireito Processual tem sua evolução científica dividida em três fases


m uito nítidas: a fase im anentista, a fase científica e a fase instrum entalista.
Diga-se desde logo que, nesse quadro, não se leva em consideração a evolução
do processo civil rom ano, por exemplo, pois sigo aqui a orientação de Montero
Aroca, para quem o estudo da evolução do D ireito Processual não precisa re tro ­
ceder a "Adão e Eva, ou ao macaco pelado, segundo se prefira”.21
A prim eira fase, cham ada im anentista, é a an terior à afirm ação da au to ­
nom ia científica do D ireito Processual. D urante essa fase do desenvolvim ento
do D ireito Processual (na verdade, nessa fase não se pode falar propriam ente
em D ireito Processual, o que se faz por m era com odidade), o processo era m ero

21 Montero Aroca, p. 5.
Direito Processual: Conceito, Denominação, Posição Enciclopédica e Evolução Científica 11

apêndice do direito m aterial. Dizia-se, então, que o direito m aterial (como o


direito civil, por exem plo), sendo essencial, era verdadeiro direito substantivo,
enquanto o processo, m ero conjunto de form alidades para a atuação prática
daquele, era um direito adjetivo. Essas denom inações, hoje inteiram ente ul­
trapassadas, e equivocadas do p o n to de vista científico, devendo ser repudia­
das diante do grau de desenvolvim ento alcançado pelos estudos processuais,
continuam - infelizm ente - a ser em pregadas por alguns au to res e, princi­
palm ente, p o r m uitos operadores do D ireito, com o advogados e m agistrados.
Tal linguagem , porém , deve ser banida, por ser absolutam ente divorciada da
precisão científica já alcançada.
A fase im anentista, que com o se viu é caracterizada pela negação à au­
tonom ia científica do D ireito Processual, tem com o lum inares os praxistas,
ou procedimentalistas, ju ristas que concentraram seus esforços na análise das
form as processuais, e q u e viam no processo, p o rtan to , m era seqüência de atos
e form alidades. M uitos dos praxistas, aliás, eram ju ristas que sem pre estu d a­
ram o D ireito Civil, m as q u e analisavam tam bém as norm as processuais, por
serem essas, com o dito, consideradas um apêndice daquele im p o rtan te ram o
do D ireito.
Em 1868, ano da publicação da obra do ju rista alem ão Oskar von Bülow,
denom inada Die Lehre von den Processeireden und die Processvoraussetzungen (A Teo­
ria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais), com a qual se inicia o de­
senvolvim ento d a teoria do processo com o relação jurídica, o D ireito Processual
passa a ser considerado ram o autônom o do Direito, passando a integrar, com o
já afirmado, o direito público. Inicia-se, com a publicação do referido livro do
ju rista alemão, a fase científica do D ireito Processual, assim denom inada por
ter sido u m a fase em que predom inaram os estudos voltados para a fixação dos
conceitos essenciais que com põem a ciência processual, tais com o os de ação,
processo e coisa julgada. É nessa fase que surgem os m aiores nom es do D ireito
Processual de todos os tem pos. N om es com o os de Giuseppe Chiovenda, Francesco
Camelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman, na Itália; de A dolf Wach, Leo
Rosenberg e James Goldschmidt, na Alem anha; Jaime Guasp, na Espanha; Alfredo
Buzaid, Lopes da Costa e Moacyr Amaral Santos, no Brasil, enriqueceram a ciên­
cia processual desenvolvendo teorias essenciais para a afirm ação da autonom ia
científica desse ram o do Direito.
A p artir do m om ento em que não se pôde m ais pôr em dúvida a au to n o ­
m ia científica do D ireito Processual, e estando assentados os m ais im portantes
conceitos da m atéria (apesar de se m an ter im enso o núm ero de polêm icas dou­
trinárias - todas extrem am ente saudáveis para o desenvolvim ento científico),
passou-se à fase que vive hoje o D ireito Processual: a fase instrum entalista.
Trata-se de um m om ento em que o processualista dedica seus esforços no sen­
tido de descobrir m eios de m elhorar o exercício da prestação jurisdicional, tor­
nando tal prestação m ais segura e, na m edida do possível, m ais célere, te n tan ­
12 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

do aproxim ar a tu tela jurisdicional, o m ais possível, do q u e possa ser cham ado


de justiça. O processo deixa de ser visto com o m ero in stru m en to de atuação do
direito m aterial e passa a ser encarado com o um in stru m en to de que se serve o
E stado a fim de alcançar seus escopos sociais, jurídicos e políticos. Além disso,
passa-se a privilegiar o consum idor do serviço prestado pelo Estado quando
do exercício da função jurisdicional, buscando-se m eios de adm inistração da
justiça que sejam capazes de assegurar ao titu lar de um a posição jurídica de
vantagem um a tu tela jurisdicional adequada e efetiva. Os grandes nom es dessa
fase do desenvolvim ento do D ireito Processual nada deixam a dever aos lum i­
nares da fase anterior, podendo ser citados aqui, por todos, os nom es de Mauro
Cappelletti, professor italiano, o m aior nom e da ciência processual do fim do
século XX, além dos notáveis ju ristas brasileiros José Carlos Barbosa Moreira e
Cândido Rangel Dinamarco.
Deve-se afirm ar que a evolução legislativa do D ireito Processual tem
acom panhado a evolução científica. A ssim é que os Códigos de Processo Ci­
vil brasileiros foram elaborados à luz dos critérios e conceitos predom inantes
na fase científica (tanto o CPC de 1939, elaborado à luz das teorias de Chio­
venda, com o o de 1973, verdadeiro "m on u m en to em hom enagem a Liebman,f,
enquadram -se nessa fase da evolução do D ireito Processual). O Código de
Processo Civil vigente (o de 1973) foi, todavia, reform ado por um a série de leis
que alteraram diversos preceitos e princípios ali contidos e que geraram um a
verdadeira revolução em nosso sistem a processual, tendo sido tal reform a re­
alizada já sob a influência dos princípios norteadores da fase in stru m en talista
do processo.22
Ao afirm ar que as recentes reform as da legislação processual brasileira
foram realizadas à luz dos m ais m odernos princípios defendidos pela d o u trin a
processual, e ao asseverar que en tre os grandes nom es da m oderna ciência p ro ­
cessual encontram -se au to res brasileiros (e não apenas os dois anteriorm ente
citados, m as m uitos outros m ais), ten h o a intenção de d em o n strar que o Bra­
sil ocupa hoje um a posição de liderança no cenário da ciência processual em
nível m undial, sendo certo que diversos processualistas estrangeiros buscam
na d o u trin a e n a legislação brasileiras subsídios para fundam entar as opiniões
que m anifestam .23

22 Sobre a primeira etapa da reforma do Código de Processo Civil, consulte-se Alexandre Frei­
tas Câmara, Lineamentos do novo processo civil.
23 Dentre os mais importantes processualistas estrangeiros que embasam algumas de suas afir­
mações nas lições dos autores brasileiros podem ser citados o argentino Augusto Mario Morello
e o italiano Elio Fazzalari.
II

A EXISTÊNCIA DE UMA
TEORIA GERAL DO DIREITO
PROCESSUAL
C ostum a-se dividir o D ireito Processual em pelo m enos dois grandes
ram os, o D ireito Processual Civil e o D ireito Processual Penal. Além desses,
outros ram os podem ser identificados, com o o D ireito Processual do Trabalho,
o D ireito Processual Eleitoral e o D ireito Processual A dm inistrativo. Tal divi­
são, porém , se faz com o fim de atender a critérios exclusivam ente didáticos e
de facilitação da atividade legislativa. N a verdade, o D ireito Processual é único,
não com portando verdadeiras divisões. Essa afirm ação resu lta na adm issão da
existência de um a teoria geral do D ireito Processual, o u seja, um a parte geral
da ciência, aplicável a todos os "ram os” que a integrem .
N ão é pacífica em sede doutrinária a existência de um a teoria geral do
D ireito Processual. A resistência inicial à existência de tal teoria, porém , foi
sendo gradualm ente vencida, até que tal teoria chegasse m esm o a ser apresen­
tada com o cadeira autônom a nos cursos de graduação em D ireito de inúm eras
faculdades de nosso país.
N ão parece possível o oferecim ento de qualquer contestação à existência
da teoria geral do D ireito Processual. É inegável o im enso n ú m ero de in stitu ­
tos afins a todos os ram os do D ireito Processual, podendo servir com o exem ­
plo do que acaba de ser afirm ado o fato de que todos os citados "ram os” têm
um a base com um , form ada pela "trilogia estru tu ral do D ireito Processual”, a
qual é form ada pela jurisdição, pela ação e pelo processo.
A lém desses três conceitos, porém , o u tro s há, com uns a todos os ram os
do D ireito Processual, com o os conceitos de preclusão, ato processual, ônus
16 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

processual, coisa julgada, recursos. A existência de todos esses (e m u ito s o u ­


tros) in stitu to s com uns perm ite afirmar, com Waldemar Mariz de Oliveira Júnior,
que a diferença en tre os diversos ram os do D ireito Processual é tão som ente
de grau, não de qualidade ou de n atu re za.1 Em verdade, não h á qualquer dife­
rença ontológica en tre o D ireito Processual Civil e o D ireito Processual Penal
(ou entre esses e quaisquer o u tro s ram os do D ireito Processual). Isso porque
todos esses ram os têm um a finalidade com um , qual seja, estu d ar e regula­
m en tar o exercício da função jurisdicional. Ora, em sendo essa função estatal
u n a e indivisível,2 com o se verá com m ais calm a adiante, não pode ser aceita
um a verdadeira divisão en tre ram os do D ireito que têm a m esm a finalidade e
o m esm o objeto.
Por essa razão, crendo firm em ente na existência de u m a teoria geral do
D ireito Processual (e, com o visto, na sua unidade ontológica), é que dedico a
prim eira parte deste volum e ao estudo daquela teoria. Sendo, porém , um livro
sobre o D ireito Processual Civil (um daqueles "ram os” do D ireito Processual a
que se fez referência e cuja finalidade é estu d ar e regulam entar o exercício da
“jurisdição civil”, um a das “espécies” de jurisdição que costum am ser apresen­
tadas pela d o u trin a com aquela finalidade didática e de facilitação da atividade
legislativa a que se fez referência anteriorm ente, e que serão a seguir explicita­
das), os in stitu to s centrais do D ireito Processual, com ponentes da teo ria geral
do D ireito Processual, serão encarados sob um a ótica processual civil, sendo
certo que raram ente se fará referência, aqui, à aplicação desses conceitos e
in stitu to s nos dem ais ram os do D ireito Processual.
Foi dito an terio rm en te que a divisão em ram os do D ireito Processual
tem duas finalidades essenciais: um a didática, a o u tra de facilitar a ativida­
de legislativa. Deve-se explicar essa assertiva. A divisão do D ireito Processual
em ram os, sem n en h u m a dúvida, facilita a com preensão das peculiaridades de
cada hipótese. Basta im aginar quão m ais com plexo seria para aquele que se
lança, pela prim eira vez, ao estudo do D ireito en ten d er com o tem as aparente­
m en te tão d istin to s com o a “ação de consignação em pagam ento” e a execução
penal pudessem p ertencer ao m esm o ram o da ciência jurídica. Por o u tro lado,
fica bem m ais fácil para os legisladores elaborar leis que digam respeito exclu­
sivam ente ao D ireito Processual Civil ou ao D ireito Processual Penal, com o
sejam os Códigos referentes a cada um desses ram os do D ireito Processual. H á
que se recordar que a função legislativa é exercida, m u itas vezes, por pessoas
sem form ação jurídica, deputados e senadores que não estão acostum ados aos
m istérios e às belezas da ciência jurídica e que, apesar de assessorados p o r es­
pecialistas, podem não ter a exata dim ensão da unidade conceptual existente
en tre os diversos ram os da ciência processual. Por essa razão, é m uito m ais

1 Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Teoria geral do processo civil, p. 13.


2 Araújo Cintra et al. Teoria geral do processo, p. 141.
A Existência de uma Teoria Geral do Direito Processual 17

sim ples, sem som bra de dúvida, a elaboração de leis q u e regem cada um desses
ram os do D ireito Processual separadam ente. É certo que alguns poucos países
tentaram um a experiência diversa, elaborando Códigos que reunissem os pre­
ceitos de D ireito Processual Civil e Penal, com o se fez, por exem plo, na Suécia.
Essa experiência, porém , não foi levada adiante n a m aioria dos países, sendo
bastan te m ais freqüente a existência de Códigos separados, com o no Brasil, em
que há um Código de Processo Civil e um Código de Processo Penal.
A consciência, p o r p arte d o estudioso do D ireito Processual, de que exis­
te um a teoria geral desse ram o do conhecim ento jurídico é essencial para a
adequada com preensão dos m eandros e detalhes que o com põem . A quele que
conhece bem a teoria geral do D ireito Processual pode, sem n en h u m a dúvida,
"navegar” pelo D ireito Processual (civil ou penal) sem grandes dificuldades,
sendo certo, de o u tro lado, que aquele que ignora os conceitos genéricos da
disciplina terá im ensa dificuldade em bem apreender o D ireito Processual Civil
(ou qualquer o u tro ram o do D ireito Processual).
III

FONTES, INTERPRETAÇÃO
E APLICAÇÃO NO ESPAÇO
E N O TEMPO DO DIREITO
PROCESSUAL CIVIL
§ l fi FO NTES D O DIREITO PROCESSUAL CIVIL

É p o r certo m u ito difícil conceituar as fontes do D ireito. Sendo fonte o


lugar de onde provém algum a coisa, a expressão “fonte do direito” não pode
ser entendida senão com o o lugar de onde são oriundos os preceitos ju rídi­
cos.1 O estudo das fontes do direito é extrem am ente im p o rtan te para a exata
delim itação do que é e do q u e não pode ser considerado D ireito. A ssim é que
o D ireito Processual só o é enqu an to provém de u m a das fontes do D ireito
Processual.
H á que se explicitar o que vem de ser dito, o que se faz com um exem plo.
As leis m unicipais não são, no ordenam ento brasileiro, fontes do D ireito Pro­
cessual. A ssim sendo, eventual lei m unicipal que versasse sobre m atéria p ro ­
cessual não seria ap ta a in teg rar o sistem a que se denom ina D ireito Processual,
sendo certo que aquela no rm a seria inconstitucional (um a vez que o M unicípio
estaria legislando sobre m atéria para a qual a C onstituição da República não
lhe dera com petência legislativa - inconstitucionalidade form al), não podendo
ser aplicada por n en h u m órgão jurisdicional.
As fontes do D ireito Processual Civil, portanto, são os lugares de onde
provém esse ram o do D ireito, e se classificam tais fontes em form ais e m ate­

1 Rubens Limongi França, Hermenêutica jurídica, p. 84.


20 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

riais. Fontes form ais são aquelas que possuem força vinculante, sendo, por­
tanto, obrigatórias para todos. São as responsáveis pela criação do direito p o ­
sitivo. Já as fontes m ateriais não têm força vinculante, servindo apenas para
esclarecer o verdadeiro sentido das fontes form ais.
Fonte form al do D ireito Processual Civil é a lei. Fala-se aqui, porém , em
lei lato sensu, a significar no rm a jurídica. Diversas são as form as de expressão
da norm a jurídica que podem originar preceitos de D ireito Processual: a C ons­
tituição Federal, a lei federal ordinária, a lei estadual, os tratad o s internacio­
nais e os regim entos in tern o s dos Tribunais.
A ssim é que, antes de qualquer outra, a C onstituição da República é
fonte formal do D ireito Processual Civil, ali sendo encontradas regras das m ais
relevantes en tre as que com põem esse ram o do D ireito. As norm as contidas na
C onstituição e que dizem respeito ao D ireito Processual podem ser divididas
em dois grupos: o D ireito C onstitucional Processual e o D ireito Processual
Constitucional.
A ntes de m ais nada, h á que se afirm ar que estes não são dois novos
ram os do D ireito Processual, m as tão som ente conjuntos de norm as jurídicas
sem autonom ia científica (e aqui lem bro o q u e já foi afirm ado anteriorm ente:
qualquer ram o do D ireito só tem auto n o m ia se p u d er ser visto ao m esm o tem ­
po com o conjunto de norm as positivas e com o ciência).
O D ireito C onstitucional Processual é o conjunto de norm as de índole
constitucional cuja finalidade é garantir o processo, assegurando que este seja,
tan to quan to possível, um processo justo. C om põem o D ireito C onstitucional
Processual os cham ados "princípios gerais do D ireito Processual”, que serão
alvo de atenção m ais adiante, en tre os quais se incluem o princípio do devido
processo legal, o do contraditório e o da isonom ia.
Já o D ireito Processual C onstitucional é o conjunto de norm as de índole
processual que se encontram n a C onstituição com o fim de garantir a aplicação
e a suprem acia hierárquica da C arta Magna. Aqui são encontradas as norm as
que regulam , en tre o utros, o m andado de segurança, o recurso extraordinário
e o m andado de injunção.
A lém (e abaixo, de acordo com a "pirâm ide da hierarquia das norm as
jurídicas”) da C onstituição da República, outras form as de expressão das nor­
m as jurídicas tam bém são fontes form ais do D ireito Processual Civil. Entre
elas destaca-se, sem dúvida, a lei ordinária federal. Basta dizer que o Código
de Processo Civil, a m ais im portante das leis processuais brasileiras, é um a lei
ordinária federal, a Lei n Q5.869/1973.
H á que se frisar, porém , que apenas a lei ordinária, e não a lei com ple­
m entar, é fonte formal do D ireito Processual. Com o se sabe, a lei com plem entar
só é adequada às hipóteses em que for expressam ente exigida pela C onstituição
da República. N o mais, a lei ordinária é que se faz adequada à regulam entação
de preceitos jurídicos.
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 21

C onsiderando que em n en h u m m o m en to a C arta M agna exige a elabora­


ção de lei com plem entar para a regulam entação de q u alquer in stitu to de índole
processual, esta não pode ser tid a com o fonte do D ireito Processual Civil.
Quid. iuris, se o C ongresso Nacional aprovasse um a lei com plem entar que,
por exem plo, alterasse o Código de Processo Civil? E se essa lei com plem entar
viesse a ser depois contrariada por lei ordinária? A solução dessas questões
depende, em prim eiro lugar, da afirmação de que en tre lei com plem entar e lei
ordinária inexiste qualquer suprem acia hierárquica, m as tão som ente cam pos
diversos de incidência.2
A ssim sendo, deve-se passar a considerar as duas questões que foram
postas anteriorm ente. Em prim eiro lugar, quais as conseqüências de um a lei
com plem entar regular m atéria processual? Poder-se-ia sim plesm ente afirm ar
que tal lei com plem entar seria inconstitucional, por estar invadindo cam po de
atuação que não é o seu. O corre que, com o se viu, a lei com plem entar encon­
tra-se n o m esm o nível hierárquico da lei ordinária e, além disso, por exigir um
quorum m ais elevado para a su a aprovação (seguindo, no m ais, o m esm o p ro ­
cesso legislativo) do que a lei ordinária, parece que a lei com plem entar nesse
caso deveria ser tida com o constitucional, em bora devendo ser vista com o um a
lei com plem entar "com força de ordinária”, isto é, com o um a lei form alm ente
com plem entar, m as substancialm ente ordinária. A ssim sendo, a lei que ora se
im agina seria perfeitam ente com patível com o o rdenam ento constitucional.
A ceita essa prim eira afirmação, chega-se facilm ente à solução da seguin­
te questão: quais as conseqüências de u m a lei ordinária que, posteriorm ente
à lei com plem entar m encionada acima, tratasse inteiram ente da m esm a m até­
ria? Ora, considerando-se que no exem plo dado a lei com plem entar é su b stan­
cialm ente ordinária, e aplicando-se a regra segundo a qual lei p o sterio r revoga
lei anterio r quando trata inteiram ente da m esm a m atéria, fica fácil concluir
que a lei ordinária posterior revogaria, nessa hipótese, a lei com plem entar com
força de ordinária anterior.
A lém da C onstituição e da lei ordinária federal, tam bém é fonte formal
do D ireito Processual Civil a lei estadual. Essa afirm ação depende, para sua
exata com preensão, de um a rápida excursão pela evolução histórica e co n stitu­
cional do D ireito brasileiro na fase republicana.
C om o é sabido, com o advento da República, o Brasil tornou-se um Es­
tado federal, o que perm anece até os dias de hoje. O corre que, p o r força da
C onstituição de 1891, era dos E stados a com petência privativa para legislar
sobre D ireito Processual, o que fez com que cada E stado-m em bro da U nião
elaborasse seu próprio Código de Processo Civil. Essa situação perm aneceu até
a C onstituição de 1934, quando então passou tal com petência para a União.
C onseqüência dessa m udança foi a edição, em 1939, do prim eiro Código de
Processo Civil nacional.

2 Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, p. 308.


22 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Esse sistem a foi m antido até os dias de hoje, dispondo a C onstituição


vigente, a de 1988, que é da com petência privativa da U nião legislar sobre
D ireito Processual (art. 2 2 , 1, CR). O corre que a C onstituição de 1988 inovou
ao d ispor que a U nião, os E stados e o D istrito Federal possuem com petência
concorrente para legislar sobre "procedim entos em m atéria processual” (art.
24, XI, CR). Tal regra é de difícil interpretação, não só em razão da tradicional­
m en te difícil questão acerca da diferença en tre processo e procedim ento (que
será exam inada adiante), m as tam bém por força do disposto nos parágrafos
do referido art. 24 da C onstituição, segundo os quais a com petência da União,
nesse caso, é apenas para editar norm as gerais, devendo tais norm as ser suple­
m entadas pelos Estados. Fica então o u tra questão de difícil solução: precisar o
que é norm a geral e o que não é em tem a de procedim entos em m atéria p ro ­
cessual. A duza-se, ainda, que os E stados e o D istrito Federal têm com petência
concorrente com a U nião para legislar sobre processo nos juizados de peque­
nas causas (art. 24, X, CR).
Parece que a única form a de solucionar a aparente contradição en tre o
art. 2 2 , 1, e o art. 24, XI, am bos da C onstituição (contradição que existiria na
m edida em que a regulam entação dos procedim entos pertence ao D ireito Pro­
cessual), é afirmar, com apoio em Vicente Greco Filho, que por "procedim entos
em m atéria processual” devem -se en ten d er os procedim entos adm inistrativos
de apoio ao processo, e não o procedim ento judicial, já que este é indissociável
do processo.3
A ssim sendo, com pete exclusivam ente à U nião legislar sobre D ireito
Processual, podendo o Estado expedir tão som ente (com base no art. 24, XI, da
CR) norm as jurídicas suplem entares das gerais - as quais são de com petência
da U nião - sobre procedim entos adm inistrativos de apoio ao processo, como,
por exem plo, o procedim ento adm inistrativo para arquivam ento e desarqui-
vam ento dos autos de u m processo, ou o procedim ento adm inistrativo para
rem essa à Im prensa Oficial das notícias dos atos processuais que deverão ser
publicadas por aquele órgão.
N ão se pode esquecer, porém , que, no que se refere aos juizados de pe­
quenas causas (art. 24, X, da C R ),4 têm os E stados e o D istrito Federal com pe­
tência (concorrente com a U nião) para legislar sobre processo e, nessa h ip óte­
se, não h á com o se negar à lei estadual o caráter de fonte do D ireito Processual

3 Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. I, p. 71.


4 A Constituição prevê, no art. 24, X, um órgão jurisdicional denominado “juizado de peque­
nas causas”, e no art. 9 8 ,1, outro órgão, chamado “juizado especial cível”. Embora sejam órgãos
ontologicamente distintos, o primeiro com competência para causas de pequeno valor econô­
mico e o segundo competente para causas cíveis pouco complexas (ainda que de grande valor),
o legislador ordinário os reuniu em um só órgão, batizado de “juizado especial cível”, regido
pela Lei n° 9.099/95, e que é competente tanto para causas de pequeno valor como para causas
pouco complexas.
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 23

propriam ente dito. Podem os E stados legislar sobre processo nos juizados de
pequenas causas, in stitu in d o , por exem plo, regras quan to à assistência ju d i­
ciária pela D efensoria Pública, ou a form as de se realizar a execução perante
aqueles órgãos, desde que não sejam tais norm as contrárias às gerais, editadas
pela U nião e que, com o notório, encontram -se reunidas n a Lei n ô 9 .0 9 9 /1 995.5
Ao lado da lei federal ordinária e da lei estadual, tam bém podem ser
incluídos en tre as fontes form ais do D ireito Processual os tratados in tern a­
cionais. Aqui, porém , h á que se analisar um problem a de grande im portância,
qual seja, o conflito que possa existir en tre um tratad o internacional e um a lei
in tern a que tratem do m esm o tem a. Exem plifiquem os com a hipótese do art.
90 do CPC, segundo o qual a existência de dem anda p en d en te diante de juízo
estrangeiro não im pede a pro p ositu ra de dem anda idêntica no Brasil, o que se
põe em confronto com o disposto no art. 394 do Código de B ustam ante, trata­
do internacional de que o Brasil é um dos Estados contratantes. É certo que a
boa d outrin a considera que, n a hipótese do exem plo apresentado, deve incidir
o tratad o se a dem anda estiver pendente perante juízo estrangeiro de país que
tam bém seja co n tratan te do Código de B ustam ante, incidindo o CPC apenas
em relação aos países que não sejam partes daquele tratad o .6 Parece, porém ,
preferível en ten d er que o tratad o internacional e a lei interna encontram -se em
paridade hierárquica, e assim sendo a lei in tern a p o sterio r é capaz de revogar
o tratad o anterior, prevalecendo assim a m ais recente expressão de vontade do
legislador.7 A ssim sendo, deve-se en ten d er que o disposto no art. 90 do CPC
prevalece sobre o art. 394 do Código de B ustam ante, já que a lei federal é, no
caso, posterior ao tratado internacional.
E videntem ente, esse raciocínio não se aplica aos tratados internacionais
que, por força do disposto no art. 5Q, § 3Q, da C onstituição da República, ali
incluído pela E m enda C onstitucional n° 4 5/2004, têm status de em enda cons­
titucional, o que os põe em posição hierárquica superior à da lei. N em todo
tratado internacional, porém , tem aquele status.
Por fim, são fontes form ais do D ireito Processual os regim entos internos
dos tribunais. Estes são conjuntos de norm as que regem o funcionam ento
interno do tribunal, dispondo, por exem plo, sobre sua com posição. Tais regi­
m entos, porém , podem conter (e efetivam ente contêm ) norm as processuais,
com o, por exem plo, as regras contidas nos regim entos internos do Suprem o

5 Sobre o microssistema processual dos Juizados Especiais, seja permitido remeter o leitor a
Alexandre Freitas Câmara, Juizados especiais cíveis estaduais e federais - uma abordagem crítica.
6 Assim pensam, entre outros, Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. I, p. 191, e Celso
Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 245.
7 José Francisco Rezek, Direito internacional público (curso elementar), p. 106. Noticia ainda o
referido autor, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, que o Pretório Excelso adotou esse
entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário n° 80.004.
24 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Ju stiça acerca do procedim ento a


ser observado no recurso de em bargos de divergência (a propósito, consulte-se
o disposto no art. 546 do CPC).
C onhecidas as fontes form ais do D ireito Processual Civil, passa-se à aná­
lise das fontes m ateriais, as quais - com o d ito - não têm força vinculante, não
sendo assim obrigatórias, e têm por finalidade revelar o verdadeiro sentido
do D ireito Processual. Podem ser considerados fontes m ateriais do D ireito
Processual Civil os princípios gerais do D ireito, o costum e, a d o u trin a e a ju ­
risprudência.
E ntende-se por princípios gerais do D ireito aquelas regras que, em bora
não se encontrem escritas, encontram -se p resen tes em todo o sistem a, infor­
m ando-o. É o caso da velha parêm ia segundo a qual "o D ireito não socorre os
que dorm em ”. Em bora tal regra não esteja escrita em n en h u m lugar, é inegável
que in stitu to s com o a prescrição e a decadência no direito m aterial e a preclu-
são tem poral no D ireito Processual com provam q u e aquele se trata de verda­
deiro princípio geral, inform ador do direito objetivo brasileiro.
Vários princípios gerais do D ireito poderiam ser aqui enum erados, mas,
com m edo de cansar o leitor, perm ito-m e referir apenas m ais dois, que com
certeza são conhecidos de tantos quantos estudam a ciência jurídica: nemo alle-
ganspropriam turpitudinem auditur (ninguém que alegue sua própria torpeza pode
ser ouvido) e allegatio et non probatio quasi non allegatio (alegado e não provado é
com o não alegado).
O u tra fonte m aterial do D ireito Processual Civil é o costum e. C ostu­
m e que se pode definir com o a co nduta socialm ente aceita e q u e é realizada
para criar um a "sensação de obrigatoriedade”. N isso, essencialm ente, difere
o costum e do hábito. O costum e é um a conduta que gera um a sensação de
obrigatoriedade para a sua realização, ou seja, realiza-se o costum e p o r haver
a sensação de que, em se agindo de o u tra forma, poderá incidir algum a sanção
ou ocorrer algum prejuízo.
D a m esm a form a que em o u tro s ram os do D ireito, tam bém no D ireito
Processual Civil o costum e contra legem, isto é, contrário à lei, não pode ser
adm itido com o fonte do D ireito. De o u tro lado, os costum es secundum legem
(em conform idade com a lei) e praeter legem (prévios à lei, ou seja, que operam
diante de um a lacuna da lei) podem ser tidos com o fontes de expressão do
D ireito Processual Civil.
N ão é difícil ap resen tar um exem plo de costum e q u e funciona com o fon­
te do D ireito Processual Civil. É certo que, por força do disposto nos arts. 282,
VI, e 300, am bos do Código de Processo Civil, au to r e réu devem anunciar, de
form a específica, na petição inicial e na contestação, as provas que pretendem
produzir n o processo. Há, porém , um hábito de m u ito s advogados de descum -
p rir esse com ando (o qual, a rigor, é de observância praticam ente im possível),
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 25

anunciando apenas que pretendem produzir "todos os m eios de prova adm is­
síveis em direito". Por força disso, surgiu um costum e dos juizes de, após o
encerram ento da fase postulatória, d eterm in ar que as partes especifiquem as
provas que pretendem produzir.8
A doutrina, isto é, o conjunto de lições dos jurisconsultos acerca do Di­
reito Processual Civil, tam bém se constitui em fonte do D ireito Processual
Civil. É certo q u e a própria d o u trin a diverge q u an to a te r ou não essa quali­
dade, havendo autores que negam sua inclusão en tre as fontes do D ireito.9
Parece-me, porém , que as lições doutrinárias são essenciais para que se pos­
sa conhecer, com precisão, o q u e é o D ireito. Todos os que estudam D ireito
conhecem a força de argum entos de autoridade e a im portância que se dá à
fundam entação do u trin ária das opiniões m anifestadas por todos aqueles que
de algum a form a operam o D ireito. Advogados, m agistrados, m em bros do Mi­
nistério Público, professores, todos fazem questão de m o strar que a opinião
que defendem encontra respaldo d o utrinário e, m uitas vezes, buscam m uito
m ais na d o u trin a do que na própria lei a fundam entação para suas afirm ações.
Isso m o stra a necessidade de se incluir a d o u trin a en tre as fontes do D ireito
(não só do Processual Civil).
Por fim, é tam bém fonte m aterial do D ireito Processual Civil a ju risp ru ­
dência. Valem aqui, em princípio, as m esm as afirm ações feitas para justificar
a inclusão da d o u trin a en tre as fontes do D ireito Processual Civil. É inegável a
força das súm ulas da jurisprudência dom inante dos tribunais, principalm ente
dos tribunais superiores.
É certo que, em nosso sistem a, a jurisprudência não tem eficácia vincu-
lante, com o tem , por exem plo, no sistem a da commom law, im perante nos E sta­
dos U nidos da América. A atribuição de eficácia vinculante à ju risprudência te­
ria com o conseqüência incluí-la en tre as fontes form ais do D ireito, o que não é
freqüente nos ordenam entos jurídicos que seguem o sistem a do ius scriptum ou
da civil law, de origem rom ano-germ ânica, e ao qual se filia o D ireito brasileiro.
H á entre nós a intenção, m anifestada de público p o r juristas, m agistrados e
políticos, de atrib u ir eficácia vinculante - em algum as situações, e preenchidos
certos requisitos - à jurisprudência, através de um a m udança no sistem a do
incidente de uniform ização de jurisprudência (CPC, arts. 4 7 6 /4 7 9 ). Sobre tal
projeto, já m e m anifestei an teriorm ente em o u tra o b ra,10 e a ele voltarei q u an ­

8 Esse costume é noticiado também por Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de
Processo Civil, p. 107.
9 Nega à doutrina a qualidade de fonte do Direito, entre outros, Miguel Reale, Lições preliminares
de direito, p. 176. Em sentido contrário - e, portanto, de acordo com o texto -, consulte-se, por
todos, Limongi França, Hermenêutica jurídica, p. 109; José de Albuquerque Rocha, Teoria geral do
processo, p. 34.
10 Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 225.
26 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

do da análise do m encionado incidente, que se inclui no T ítulo do Código de


Processo Civil que regula os processos nos tribunais.
M erece referência o fato de q u e a E m enda C onstitucional n* 4 5 /2 0 0 4
criou, no D ireito brasileiro, a figura da "sú m u la vinculante”. E o que decorre
do disposto n o art. 103-A da C onstituição da República, inserido em seu texto
pela referida Em enda, e q u e assim dispõe: "O Suprem o Tribunal Federal pode­
rá, de ofício ou p o r provocação, m ediante decisão de dois terços dos seus m em ­
bros, após reiteradas decisões sobre m atéria constitucional, aprovar súm ula
que, a p artir de sua publicação na im prensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos dem ais órgãos do Poder Judiciário e à A dm inistração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e m unicipal, bem com o proceder à sua
revisão ou cancelam ento, na form a estabelecida em lei”. O bserve-se, porém ,
que a "súm ula vinculante” (;rectius, enunciado vinculante da Súm ula) só pode
versar sobre m atéria constitucional, não se configurando, pois, com o fonte
do D ireito Processual (a não ser, evidentem ente, quando se tratar de m atéria
constitucional que verse sobre processo - aí incluídos o D ireito C onstitucio­
nal Processual e o D ireito Processual C onstitucional). A "súm ula vinculante”,
registre-se, não deve ser vista com o fonte m aterial do direito (como é a ju ris­
prudência em geral), m as com o fonte formal, estando no m esm o plano das
norm as jurídicas abstratas.
A súm ula vinculante foi regulam entada pela Lei n^ 11.417/2006. Tal di­
plom a legislativo afirma, em seu texto, que o STF aprovará enunciado de súmula,
o qual te rá eficácia vinculante. É preciso to m ar cuidado com esse texto. O que
tem eficácia vinculante é a súmula (isto é, o resum o da jurisprudência dom i­
nante do STF), e não apenas os enunciados que a com põem . A rigor, a sú m u ­
la é com posta pelos enunciados e pelos precedentes que lhes deram origem .
A ssim , deve-se considerar que órgãos jurisdicionais e adm inistrativos estão
vinculados ao que consta dos enunciados, interpretados estes à luz dos prece­
dentes. Isso se to rn a im p o rtan te para que se possa verificar se o caso concreto,
subm etido à apreciação da autoridade estatal, tem algum a peculiaridade que o
diferencie dos casos que deram origem ao enunciado sum ular. Trata-se do que
na tradição jurídica anglo-saxônica se cham a distinguish. Afinal, não se pode
considerar que o m agistrado (ou a autoridade adm inistrativa) ten h a de aplicar
o enunciado da súm ula a um caso que não seja igual àqueles que deram origem
a tal enunciado.
Deve-se dizer, à guisa de conclusão acerca da inclusão da d o u trin a e
da ju rispru d ên cia en tre as fontes do D ireito Processual Civil, que en tre elas
há um a diferença essencial. E nquanto na d o u trin a o dissídio é saudável, e as
polêm icas ex isten tes em razão das diversas corren tes q u e surgem quando da
interpretação de d eterm in ad a no rm a ou in stitu to contribuem de form a in e­
quívoca para o desenvolvim ento da ciência, o dissídio jurisprudencial deve ser
com batido. Isso porque a divergência en tre os tribunais q u ando da aplicação
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 27

de d eterm in ad a no rm a aos casos concretos tem com o conseqüência a diver­


sidade de trata m en to dada aos jurisdicionados, já que para cada um deles
a lei é in terp retad a e aplicada de m odo diverso, o q u e contraria o princípio
constitucional da isonom ia. É m u ito difícil para o leigo en ten d er p o r que ele
não consegue o b te r d eterm in ad a vantagem em juízo se um am igo dele, ou um
parente, que propôs d em an d a para o b ter providência idêntica perante o utro
juízo ou trib u n al conseguiu. Basta lem brar o triste célebre episódio do blo­
queio dos cruzados retidos no "Plano C ollor”, em q u e alguns juízos d eterm i­
navam o desbloqueio do d inheiro retido, en q u an to o u tro s órgãos judiciários
determ inavam exatam ente o inverso, que o d inheiro perm anecesse bloquea­
do. É para com bater esses dissídios que o sistem a cria u m a série de rem édios
destinados à uniform ização da jurisprudência, dos quais três se destacam : o já
m encionado incidente de uniform ização de ju risp ru d ên cia e, ao lado deste, o
recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial (art. 105, III, c, da CR) e
o recurso de em bargos de divergência (art. 546 do CPC).

§ 2 Q INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

In terp retar a lei é fixar seu significado e d elim itar seu alcance. Em outras
palavras, a atividade de interpretação da lei tem por finalidade não só descobrir
o que a lei q u er dizer, m as ainda precisar em q u e casos a lei se aplica, e em
quais não. Trata-se de atividade essencial para o jurista, sendo certo que todas
as norm as jurídicas (e, para dizer a verdade, todos os atos jurídicos) devem ser
interpretadas, até m esm o as m ais claras. A ideia, p o r m u ito tem po consagrada,
de que a clareza da lei dispensa a interpretação é errada, m esm o porque só se
sabe que a lei é clara depois de se interpretá-la.
A interpretação da lei processual, com o não poderia deixar de ser, segue
os m esm os critérios e pode alcançar os m esm os resultados que a interpretação
das leis em geral. É preciso, assim , ap resen tar os m étodos de interpretação da
lei processual e, em seguida, en u m erar os possíveis resultados da atividade
interpretativa.
São cinco os m étodos de interpretação d a lei processual: literal ou gram a­
tical, lógico-sistem ático, histórico, com parativo e teleológico. A ntes de apreciá-
-los separadam ente, é preciso se afirm ar que nenhum deles é suficiente para
determ inar a verdadeira vontade da lei, sendo essencial a utilização de todos.

2.1 M étod o Literal ou G ram atical

C om o o próprio nom e indica, esse m étodo perm ite a interpretação da


norm a através da verificação do sentido literal das palavras e frases. N ão se
28 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

pode negar um a realidade: é im possível qualquer interpretação da lei sem que


a m esm a seja lida e suas palavras entendidas. N ão é, porém , suficiente, e isso
se prova com um sim ples exemplo: o art. 890, § l ô, do CPC afirm a que, "tra­
tando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro o p tar pelo
depósito da q u an tia devida, em estabelecim ento bancário oficial, onde houver,
situado no lugar do pagam ento, em co n ta com correção m onetária, cientifican­
do-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias
para a m anifestação de recusa”. Trata-se de dispositivo que regula o cabim ento
e procedim ento da consignação em pagam ento extrajudicial. A ser in terp reta­
do literalm ente, pareceria que o depósito da q uantia deveria ser realizado em
estabelecim ento bancário oficial, onde houvesse um . N ão havendo estabele­
cim ento bancário oficial, tornar-se-ia im possível a consignação extrajudicial.
E ssa a conclusão a que se chega pela leitu ra da norm a, que fala em depósito
a ser realizado "em estabelecim ento bancário oficial, onde h ouver”. O corre
que houve aí um a m á colocação da vírgula, que deveria estar antes da palavra
"oficial”, o que altera in teiram ente seu significado. D evendo o depósito ser
feito "em estabelecim ento bancário, oficial, onde h o uver”, verifica-se que, não
havendo estabelecim ento bancário oficial, a consignação extrajudicial pode ser
realizada em q u alquer o u tro estabelecim ento bancário.11
Tem-se, assim , d em o n strad a a insuficiência do m étodo literal de in te r­
pretação da lei (insuficiência esta que, com o dito, é com um a todos os m é to ­
dos de interpretação). E m bora seja insuficiente, porém , o m étodo literal é es­
sencial para a adequada in terpretação da norm a, pois que, com o já ressaltado
(e decorre da própria n atu reza das coisas), é im possível ao in té rp rete realizar
sua atividade sem ler a lei, ou lendo-a sem te r conhecim ento do significado
literal das palavras e gram atical das frases que com põem a norm a.

2 .2 M étod o L ógico-S istem ático

O segundo m étodo interpretativo é o cham ado lógico-sistem ático, pelo


qual se in terp reta a norm a inserindo-a em um sistem a lógico, o qual não ad­
m ite contradições ou paradoxos, o ordenam ento jurídico. O in térp rete jam ais
pode se esquecer de que a norm a objeto da atividade in terpretativa não é algo
isolado do restan te do ordenam ento, devendo ser in terp retad a em consonância
com o restan te das norm as jurídicas que com põem o sistem a.
U m bom exem plo de aplicação desse m étodo é o seguinte: nos term os
do disposto no parágrafo único do art. 155 do CPC, o direito de consultar os
autos do processo é restrito às partes e a seus advogados, e terceiros só podem
obter certidões do dispositivo da sentença se dem onstrarem ao juízo que são

11 No sentido do texto, entendendo-se que o verdadeiro sentido da lei é o que se encontra com
a alteração da posição da vírgula, J. E. Carreira Alvim, Código de Processo Civil reformado, p. 274.
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 29

titulares de interesse jurídico que os legitim e a o b ter tais certidões. A leitura


isolada desse dispositivo poderia induzir o in térp rete a achar que essa regra
é aplicável a todo e qualquer processo, o que não é correto. Isso porque o art.
155 afirm a que os processos são públicos, salvo aqueles q u e devem tram itar
em segredo de justiça e, além disso, dispõe o art. 141, V, do CPC, que incum be
ao escrivão fornecer, independentem ente de despacho judicial, certidão dos
atos do processo (observado o disposto no art. 155). Da interpretação siste­
m ática dessas regras só se pode concluir que a restrição im posta pelo parágrafo
único do art. 155 é aplicável, tão som ente, aos processos que tram itam em
segredo de ju stiça.12
Verifica-se, assim , a im portância de se inserir a n o rm a a ser interp retada
no sistem a a que pertence, lem brando-se sem pre que tal sistem a não pode
conter paradoxos ou contradições, sendo im possível a coexistência de duas
norm as nu m m esm o ordenam ento jurídico que regulem o m esm o in stitu to
diferentem ente. E por essa razão, e n en h u m a outra, q u e a Lei de Introdução às
N orm as do D ireito Brasileiro, em seu art. 2C, § I a, dispõe no sentido de q ue a
lei posterior revoga a an terior quando com ela for incom patível.

2 .3 M étod o H istórico

Esse terceiro m étodo de interpretação da lei exige que se analisem as


norm as que regulavam o m esm o in stitu to antes da vigência da atual, cujo sig­
nificado se q u er fixar. Além disso, devem ser analisados textos anteriores da
m esm a lei, se esta eventualm ente sofreu algum a reform a, bem com o os textos
do anteprojeto e do projeto de lei q u e foram elaborados e que deram origem à
lei alvo da atividade interpretativa. A im portância de tal m étodo de in terp re­
tação é com provada pela relevância dada pelos ju ristas ao estu d o da evolução
histórica dos in stitu to s, sendo freqüente que se busque no D ireito rom ano,
ou no velho D ireito lusitano, a fundam entação para algum as teses defendidas
pelos ju ristas m odernos. U m bom exem plo da relevância desse m étodo de
interpretação encontra-se na exegese do art. 296 (e seu parágrafo único) do
CPC. Responsável por regular o recurso cabível co n tra a sentença que inde­
fere lim inarm ente a petição inicial (antes, portanto, de realizada a citação do
réu), dispondo ainda sobre seu procedim ento, o referido artigo nada m enciona
acerca do tratam en to a ser dispensado ao réu-apelado. Isso poderia levar o
intérprete a concluir que o apelado aqui deveria receber o m esm o tratam ento

12 Nesse sentido José Raimundo Gomes da Cruz, Estudos sobre o processo e a Constituição de 1988,
p. 166; Alexandre Freitas Câmara, “Atos processuais", Livro de estudos jurídicos, vol. X, coord. de
James Tbbenchlak e Ricardo Bustamante, p. 18. Contra, entendendo que o parágrafo único do
art. 155 é aplicável a todos os processos, sem exceção, José Carlos Barbosa Moreira, “Processo
civil e direito à preservação da intimidade”, Temas de direito processual, Segunda série, p. 19.
30 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

que nas apelações em geral, sendo com unicado da interposição d o recurso para
que pudesse, no prazo de 15 dias, im pugná-lo. O corre que essa não é a inter­
pretação adequada, sendo certo que, nesse recurso, não h á oportunidade para
m anifestação do recorrido. Tal conclusão decorre do fato de a redação anterior
à vigente do art. 296 (e parágrafos) ser expressa em d eterm in ar a citação do
réu, n a hipótese, para acom panhar o recurso. O fato de te r sido a lei reform ada
para que do novo texto se om itisse a referência à m anifestação do réu leva à
conclusão de que este não deve se m anifestar.13
O m étodo histórico, nunca é dem ais repetir, é insuficiente para perm itir
a adequada interpretação da lei, assim com o o são todos os dem ais m étodos,
sendo im periosa a utilização conjunta de todos eles.

2 .4 M étod o C om parativo

Esse m étodo corresponde à utilização, para fins de interpretação, dos


subsídios de D ireito Com parado, buscando-se nas lições da d o u trin a estran ­
geira e nas norm as contidas nos ordenam entos jurídicos positivos de outros
países fundam entos para se descobrir o verdadeiro significado da lei nacional.
É m uito com um , com o facilm ente se verifica, a citação de au to res estrangeiros
para fundam entar posições defendidas por ju ristas brasileiros.14 Por essa razão,
torna-se desnecessária a apresentação de qualquer exem plo da relevância des­
se m étodo interpretativo. C erto de que pecarei por abundância, porém , apre­
sentarei aqui um exem plo, um a vez que, com o notório, quod abundat non nocet.
A ssim é que se pode fazer referência a um in stitu to introduzido no sistem a
jurídico-processual brasileiro pelas cham adas "reform as do CPC”, a "ação m o ­
nito ria”, na qual qualquer adequada interpretação dos artigos q u e a regulam
(CPC, arts. 1.102-A a 1.102-C) só será possível com a busca de subsídios no
D ireito italiano, do qual se herdou o in stitu to .15
Im portante observar, porém , que m ais relevante do que trata r do direito
comparado é buscar estabelecer um a comparação de direitos. A ênfase deve estar
na comparação, e não no direito. É que m ais im portante do que buscar saber

13 Consulte-se, sobre o tema, Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 49; Dina-
marco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 81. O Supremo Tribunal Federal enfrentou essa
questão, e decidiu no sentido sustentado no texto, no acórdão proferido no AI-AgR 423590/RS,
rei. Min. Marco Aurélio, j. em 29.6.2005.
14 No Direito Processual Civil, destacam-se, pela quantidade, as citações de autores como Giu­
seppe Chiovenda, Enrico Tbllio Liebman e Francesco Carnelutti, entre muitos outros notáveis
juristas que, com suas obras, influenciaram decisivamente a formação do pensamento jurídico
nacional.
15 Sobre as semelhanças entre a “ação monitória” do Direito brasileiro e o procedimento mo-
nitório italiano, consulte-se Humberto Theodoro Júnior, A s inovações no Código de Processo Civil,
p. 74.
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 31

com o é o o u tro ordenam ento é verificar, através da com paração en tre diversos
ordenam entos, quais são as tendências m ais m odernas, buscando-se d eter­
m inar se um dado ordenam ento (aquele de q u e p arte o estudioso) está em
consonância com tais tendências.16

2 .5 M étod o T eleológico

Trata-se de m étodo de interpretação das leis im posto ao in térp rete pelo


art. 5Qda Lei de Introdução às N orm as do D ireito Brasileiro. Ao in terp retar a
norm a jurídica, o in térp rete deve te r sem pre em vista os fins sociais a que a
lei se destina, assim com o o bem com um . Toda lei (ao m enos teoricam ente)
é elaborada tendo em vista um a finalidade social. E certo que existe um a rea­
lidade um pouco diversa da teoria, em que leis são elaboradas para atender a
interesses pessoais dos d eten to res do poder, o que decorre da inegável vocação
do direito positivo para ser um a força a serviço da m anutenção do status quo
im perante em determ inada sociedade em um dado m om ento histórico. A pesar
disso, é inegável que são elaboradas leis q u e têm por fim aten d er a um a fina­
lidade social e, estando o in térp rete diante de duas interpretações razoáveis (e
cientificam ente sustentáveis) de um a m esm a norm a, deverá optar p o r aquela
que, no seu entender, m elhor atenda aos anseios da sociedade.
Após a utilização de todos os m étodos de interpretação, ou seja, encer­
rada a atividade interpretativa, chega-se a u m resultado, o qual pode se reve­
lar com o um dos qu atro seguintes: resultado declarativo, resultado restritivo,
resultado extensivo e resultado ab-rogante. Q ualquer dos quatro resultados
m encionados é possível de ser alcançado e, diga-se desde logo, qualquer deles
é atingido com frequência pelo in térp rete das norm as jurídicas, sendo inúm e­
ros os exem plos de todos eles.

a) Resultado Declarativo

Trata-se do resultado alcançado toda vez que a atividade interpretativa


dem o n strar que a lei significa exatam ente o que está escrito, nada havendo
que altere o sentido literal e gram atical da norm a. Um bom exem plo desse
resultado é o que se tem quando da interpretação do art. 513 do CPC. Dispõe

16 Sobre o ponto, seja-me permitido fazer referência à palestra do processualista alemão Pe-
ter Gilles no XIII Congresso Mundial de Direito Processual, realizado em Salvador, Bahia, em
setembro de 2007, proferida em inglês, de que se publicou uma versão em alemão nos anais
do referido congresso (Peter Gilles, Prozessrechtsvergleichung - Comparative procedural law, in Ada
Pellegrini Grinover e Petrônio Calmon (org.), Direito processual comparado - XIII World congress o f
procedural law, p. 826 e seguintes. Há, também, uma versão em inglês do texto, publicada in Fre-
die Didier Jr. e Eduardo Ferreira Jordão (coord.), Teoria do processo - panorama doutrinário mundial,
p. 809 e seguintes.
32 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

a referida no rm a que "da sentença caberá apelação”. Tal no rm a só pode ser


interpretad a de um a m aneira: proferida um a sentença pelo juiz, o recurso ca­
bível será o de apelação. Em outras palavras, a lei significa exatam ente o que
está escrito.

b) Resultado Restritivo

Esse é o resu ltad o alcançado quando, na exegese da lei, o in térp rete des­
cobre que a lei disse m ais do q u e o seu real significado, tendo, portanto, um
alcance inferior ao que aparenta ter. Diz-se, nessa hipótese, que a lei dixit plus
quaxn voluit. Também não são raros os casos em que o legislador m anifesta sua
im precisão de linguagem , dando à lei um a redação que aparenta um a am pli­
tu d e que, em verdade, não existe. Basta olhar, por exem plo, para o art. 522
do CPC, segundo o qual "das decisões interlocutórias caberá agravo”, o que
levaria o in térp rete desavisado a concluir que o recurso de agravo é cabível
contra toda e qualquer decisão interlocutória que viesse a ser proferida em um
processo, o que não corresponde à verdade. Cite-se, p o r exem plo, o disposto
no art. 519, parágrafo único, do CPC, a fim de se d em o n strar a existência de
decisões interlocutórias irrecorríveis, o que com prova q u e o art. 522 não tem
na verdade um alcance tão am plo q u an to aparenta.

c) Resultado Extensivo

Tem-se aqui um resultado da atividade interpretativa q u e se encontra em


posição antagônica em relação ao q u e acabou de ser apresentado. N a hipótese
ora em consideração, a lei dixit minus quam voluit, ou seja, a norm a disse m enos
do que queria. A hipótese é aquela em que a lei in terp retad a tem um a redação
restritiva, em bora seu real sentido seja m ais am plo do que a sua literalidade
perm ite antever, sendo certo que, nesses casos, a lei possui um alcance m aior
do que aparentem ente se poderia lhe atribuir.
Bom exem plo desse resultado interpretativo é o que se alcança quando
da exegese do art. 10, caput, do CPC, que determ ina o consentim ento do côn­
juge do au to r para a pro p o situ ra de determ inadas dem andas. Faz referência a
lei, tão som ente, ao dem andante casado, exigindo-se assim apenas o consen­
tim ento do cônjuge, m as tal no rm a é aplicável tam bém ao dem andante que
viva em regim e de união estável, um a vez que tam bém aqui há a formação de
um patrim ônio fam iliar que m erece proteção especial do E stado.17 Verifica-se,
assim , que o alcance da norm a jurídica in terp retad a é m aior do que aparenta
sua redação, sendo extensivo o resultado da atividade interpretativa.

17 No sentido do texto, José Rubens Costa, "Alterações no processo de conhecimento”, Reforma


do Código de Processo Civil, coord. de Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 306.
Fontes, Interpretação e Aplicação no Espaço e no Tempo do Direito Processual Civil 33

d) Resultado Ab-rogante

A últim a possibilidade de resultado a que se pode chegar n a atividade


interpretativa das norm as jurídicas é o ab-rogante, que se dá quando o exegeta
verifica que a norm a que está sendo in terp retad a não pode ser aplicada (por
ser inconstitucional, p o r exem plo, ou ainda p or te r sido tacitam ente revogada
por lei p osterio r com ela incom patível). Esse o resultado que se alcança, por
exem plo, q u ando se in terp reta o art. 451 do CPC, que d eterm in a que o juiz,
na audiência de instrução e julgam ento, fixe os pontos controvertidos, quando
é certo que tal fixação de pontos ocorre, hoje em dia, na audiência prelim inar
prevista no art. 331 e seu § 2o, tam bém do CPC, com a redação q u e deu a esses
dispositivos a Lei nQ 8.952/1994. Sendo tais disposições de lei incom patíveis
entre si, deve-se considerar revogada a norm a m ais antiga, qual seja, o art. 451,
cuja redação é a que constava do tex to original do Código de Processo Civil,
que en tro u em vigor em 1974.18
Trata-se este, infelizm ente, de resu ltad o m u ito freqüente na atividade
herm enêutica, sendo inegável q u e o legislador brasileiro não só tem elaborado
um núm ero exagerado de norm as inconstitucionais, com o tam bém que são
inúm eros os casos de revogação tácita de norm as, quando é inegável q ue a
revogação expressa é m u ito m ais adequada em term o s de segurança jurídica.

§ 3 fi INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

Fenôm eno que não se confunde com o da interpretação é o da integração


da lei processual. C ham a-se integração à atividade de su p rir lacunas, sendo
certo que ao juiz não é dado exim ir-se de julgar alegando a existência de la­
cunas na lei (art. 126 do CPC). Cabe ao m agistrado, assim , su p rir eventuais
lacunas da lei utilizando, para tal fim, os costum es, os princípios gerais do
direito e a analogia.
Dos costum es e dos princípios gerais do direito, falou-se em parágrafo
anterior, já que são fontes do direito. Resta, assim , tra ta r da analogia. E sta con­
siste em aplicar a um caso para o qual não exista norm a especificam ente apli­
cável um a no rm a jurídica prevista originariam ente para um caso sem elhante.
A ssim , p o r exem plo, é possível ao juiz determ inar a intim ação com h o ra certa,
apesar do silêncio da lei sobre o ponto, já que se pode aplicar, p o r analogia, à
intim ação, o regram ento legal da citação.

18 No mesmo sentido, considerando que a nova sistemática do art. 331 revogou o art. 451
do CPC por ser com ele incompatível, Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 134.
Observe-se que a redação do art. 331 foi, posteriormente, alterada pela Lei n° 10.444/2002, o
que não altera o conteúdo do que se sustenta no texto.
CAPÍT U LO 2

Normas fundamentais
do processo civil
Sumário • 1 . Direito Processual Funda mental - 2. Pri ncípios: 2 . 1 . Princípio do devido processo lega l; 2.1 . 1 .
Considerações gerais; 2.1 .2. Conteúdo; 2.1 .3. Devido processo legal formal e devido processo legal substancial;
2.1 .4. Devido processo legal e relações jurídicas privadas; 2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.3.
Princípio do contraditório: 2.3 . 1 . Generalidades e a regra da proibição de decisão-surpresa; 2.3.2. Dever de o
juiz zelar pelo efetivo contraditório; 2.4. Princípio da ampla defesa; 2.5. Princípio da publicidade; 2.6. Princípio
da duração razoável do processo; 2.7. Princípio da igualdade processual (paridade de a rmas); 2.8. Princípio
da eficiência; 2.9. Princípio da boa-fé processual: 2.9. 1 . General idades; 2.9.2. Fundamento constitucional
do princípio da boa-fé processual; 2.9.3. Destinatário da norma; 2.9.4. Concretização do princípio da boa-fé
processual; 2 . 1 0. Princípio da efetividade; 2.1 1 . Princípio da adequação (legal, jurisdicional e negociai) do
processo: 2.1 1 . 1 . Generalidades; 2.1 1 .2. Critérios de adequação; 2.1 1 .3. Adequação jurisdicional do processo;
2.1 1 .4. Adequação negociai do processo; 2.12. Princípio da cooperação e o modelo do processo civil b rasileiro:
2 . 1 2 . 1 . Nota introdutória; 2.1 2.2. "Princípios" dispositivo e inquisitivo. Modelos tradicionais de organização
do processo: adversarial e inquisitorial; 2.12.3. Processo cooperativo: um terceiro modelo de organização do
processo. Princípios e regras de cooperação. Eficácia do princípio da cooperação; 2.1 2.4. Dever de o juiz zelar
pelo efetivo contraditório, princípio da cooperação e dever de auxílio; 2 . 1 3 . Princípio do respeito ao autorre­
gramento da vontade no processo; 2 . 1 4. Princípio da primazia da decisão de mérito; 2.15. Princípio da prote­
ção da confiança: 2 . 1 5 . 1 . Proteção da confiança e seg u rança jurídica; 2.1 5.2. Pressupostos para a proteção da
confiança; 2.1 5.3. Princípio da proteção da confiança e o direito processual civil - 3. Regras: 3.1 . Regras da
instauração do processo por iniciativa da parte e de desenvolvimento do processo por impulso oficial: 3.1 . 1 .
Instauração d o processo por iniciativa d a parte; 3.1 .2. Desenvolvimento d o processo por impu lso oficial; 3.2.
Regra da obediência à ordem cronológica de conclusão: 3.2. 1 . General idades; 3.2.2. Regras que excetuam o
dever de respeito à ordem cronológica de conclusão; 3.2.3. Calendário processual e dever de observância; da
ordem cronológica de conclusão; 3.2.4. Consequências do descumpri mento da regra; 3.2.5. Extensão da regra
à atuação do escrivão ou chefe de secretaria; 3 .2.6. Direito transitório - 4. Norma fundamental de interpreta­
ção do Código de Processo Civil: o postu lado hermenêutica da unidade do Código.

1 . D I R EITO PROCESSUAL F U N DAMENTAL

H á um conju nto de n o rm as p rocessuais q u e fo rmam o q u e se pode chamar de


D i reito Process ual F u n da m e ntal ou D i reito P rocess ual Gera l .
A norma é fundame ntal, porq u e estrutu ra o modelo d o p rocesso civi l b rasi l e i ro
e serve de n o rte para a co m p reen são d e todas as demais n o rmas j u ríd i cas p roces­
suais civi s .
Essas n o rmas p rocessuais o ra s ã o p ri n cípios (co m o o d evido p rocesso legal)
o ra são regras (como a p ro i b ição d o uso de p rovas i lícitas) . O D i reito P rocess ual
F u n dame ntal n ão é co m p osto some nte por p ri n cípios, é b o m q u e isso fi q u e claro.
A observação é i m po rtante. A d i sti nção e ntre regras e p r i n cípios tem
grande i m portância p rática. São n o rmas com estrutu ras d isti ntas e for­
m as d e apli cação próprias, o r i e n tadas por pad rões d e "arg u m e n tação

61
FREDIE DIOIER JR.

específicos, q ue favo rece m o estabelec i m e nto d e ô n u s argu m e n tati­


vos d ifere ntes e i m pactam d i retamente n a d efi n ição d aq u i l o q u e d eve
ser exigi d o d e forma d efi n itiva", por m e i o d a s o l u ção j u risdici o n al ' .

U m a parte dessas n o rmas fu n da m e ntais d eco rre d i retam ente d a Constit u i ção
Fed e ral - é o q u e se pode chamar d e D i reito P rocessual F u ndame ntal C o n stituc i o n a l .
A outra parte deco rre da legi s l ação i nfraco n stituci o n al, m a i s especifica m e nte
d o Código d e P rocesso Civi l, q u e d e d i ca um capít u l o i ntei ro a essas n o rmas (arts.
10 a 1 2, CPC).
Esse capítulo re p ro d u z algu n s e n u n ciados n o rm ativos constitucionais (art. 3o,
caput, p . ex., que p rati cam ente re p roduz o i n ciso XXXV d o art. so da CF/1 988) - e,
n esse sentido, não i n ova.
Mas o capítulo tam bém traz n ovos e n u n ciados n o r m ativos, sem p revisão ex­
p ressa na Constitu i ção, e m bora todos eles possam e n co n t rar nela algu m f u n da­
m e nto.
O ro l desse capít u l o n ão é, porém, exaustivo.
H á outras n o rmas f u n d a m e ntais do p rocesso civi l b ras i l e i ro q u e n ão estão
con sagradas exp ressa m e nte nos d oze p ri m e i ros artigos do CPC. H á n o rmas fu n da­
m e ntais n a Constit u i ção - devido p rocesso legal, j u i z n atu ral, p ro i b i ção de p rova
i lícita; há n o rm as f u n d a m e ntais espal hadas no p ró p ri o CPC, como o p r i n cípio d e
res peito ao auto rregra m ento da vontade n o p rocesso e o d ever de observância dos
p recedentes j u d iciais (arts. 926-927, CPC). H á, portanto, esq ueci m e ntos i n com p re­
e nsívei s - n ão seria exage ro dizer que os arts. 1 90 e 926 e 927 são p i l ares do n ovo
s i ste m a do p rocesso civi l b rasilei ro -, além de ao m e n o s um exagero: a o bservância
da o rd e m c ro n o lógica d a d ecisão, e m bora real m e nte seja i m portante, n ão m e recia
o sta tus d e entrar n o rol das n o rm as f u n d a m e ntais d o p rocesso civi l . Mas, n o par­
t i c u lar, legem habemus.
É p reciso co m p re e n d e r este capít u l o como se ao seu fi nal h o uvesse
uma cláu s u l a n o r m ativa q u e d i ssesse: "O ro l d e n o rmas fu n d a m e n ­
t a i s p revisto n este capít u l o não exc l u i outras n o rmas fundame ntais
p revi stas n a Constituição d a R e p ú b l i ca, nos tratados i nternaci o n ais,
n este Código o u e m l e i " à semel hança d o que já oco rre com os
-

d i reitos f u n d a m e n tais (art. so, §2o, C F/88) .

H á n o rm as f u n d a m e ntais d o p rocesso civi l q u e são, tam bém, d i reitos fu n da­


m e ntais - e n co n tram -se n o art. so d a CF/1 988. H á, n o e n tanto, n o rm as f u n d a m e ntais
d o p rocesso civi l que n ão poss u e m o sta tus d e n o r m a d e d i reito f u n d a m ental, c o m o
é o caso d as regras deco rre ntes dos arts. 2° e 1 2, C P C .

1. LI MA, Rafael Bellem d e . Re3ras na teoria dos princípios. São Paulo: M a l h e i ros, 2 0 1 4, p. 5 2 .

62
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

Este capít u l o do Curso dedica-se ao estudo d a s n o rmas f u n dame ntais d o p ro­


cesso civi l, sejam elas extraídas d a C o n stit u i ção Federal, sejam elas extraídas d o
Código de P rocesso Civi l .
Algu m as d essas n o rm as, porém, n ã o serão exa m i n adas n este capítu lo; o ptei
p o r exam i n á- las e m capít u l o s outros, que com elas mais p roxi mame nte se re lacio­
n e m . Fiz isso com os p ri n cípios da i n afastabil idade da j u ri s d i ção e d o j u i z natu ral
(capít u l o s o b re j u ri sdição, neste vo l u m e do Curso), do estím u l o da s o l u ção do litígio
p o r autoco m posição (capít u l o sobre mediação e c o n c i l i ação, n este vo l u m e do Cur­
so) e com as regras f u n d a m e ntais d a m otivação da d eci são j u d i cial (capít u l o s o b re
d ecisão j u d icial, n o v. 2 d este Curso) e d a p ro i bição de p rova i l ícita (capít u l o s o b re
p rova, n o v. 2 d este Curso).

2. PRI NCrPIOS

2 . 1 . Princípio do devido processo legal

2. 1 . 1. Considerações gerais

O i n ciso LIV do art. so da Co n stit u i ção Fed e ral p revê q u e " n i nguém será p rivado
d a l i berdade o u d e seus b e n s sem o d evido p rocesso lega l " .
A locução "devi d o p rocesso l egal" corres p o n d e à t rad u ção para o p o rtuguês
d a exp ressão i n gl esa "due process of law" . Law, p o ré m , sign ifica Direito, e n ão lei
("sta tute law") . A observação é i m po rtante: o p rocesso há de estar em confo r m i da·
d e com o Direito com o um todo, e n ão apenas e m conso n â n cia com a l e i . " Legal",
e n tão, é adjetivo que re m ete a " D i reito", e não a Lei .
H á outras trad uções da exp ressão i n glesa. Os portugueses o ptaram
por " p rocesso e q u itativo"; os italianos, por p rocesso 3iusto. Na E u ro­
pa util iza-se m u ito tam bém a expressão fair trial.

Desse e n u n ciado n o rm ativo extrai-se o princípio do devido processo lesai, q ue


confe re a todo s ujeito d e d i reito, n o B rasil, o direito fundamental a um processo
devido (justo, equita tivo etc.).
P rocesso é m étodo d e exe rcíci o de poder n o r m ativo . As n o rm as j u rídi cas são
p roduzidas após um p rocesso (co n j u nto de atos o rgan izados para a p rod u ção de
um ato final). As leis, após o processo tesisla tivo; as n o r m as ad m i n i strativas, após
um processo administra tivo; as n o rmas i nd ivi d u al izadas j u risdicionais, e nfi m , após
um processo jurisdicional. N e n h u m a n o rma j u rídica pode ser p rod uzida sem a o b ­
servância d o devido p rocesso lega l . Pode-se, e ntão, falar e m devido processo tesa/
tes isla tivo, devido processo lesai admin istra tivo e devido processo tesa/ jurisdicio­
nal. O d evid o p rocesso l egal é u m a garantia contra o exe rcício abusivo d o poder,
q ualq u e r poder.

63
FREDIE DIDIER JR.

Pode-se falar, tam bém, e m n o r m as j u ríd icas parti c u l a res, criadas pe­
los i n d ivíd uos a partir do exe rcício d e seu poder d e autorregram e nto,
d i reito fu n d a m e ntal conteúdo do d i reito à l i berdade. N este sentido,
exi ge-se também o res peito ao devido processo le3al no âmbito das
relações particulares. O tema s e rá exa m i nado com mais vagar adiante.

Este item dedica-se ao estudo do devido processo le3al jurisdicional e de s u as


re p e rcussões n o di reito p rocess ual civi l .

2. 1 .2. Conteúdo

o texto constitucional q u e con sagra o devido processo le3al é u m a cláu s u la


geral (so b re as cláusu las gerais, ve r o capít u l o i ntrod utório neste vo l u m e d o Curso) .
Exatame nte e m razão d i sso, o sign ificado n o rm ativo desse texto foi m o d ificado ao
l o ngo da h i stória.
O texto/fó r m u la/e n u n ciado devido processo le3al (due process of /aw) existe
h á sécu los ( n estes termos, e m i n glês, desde 1 3 54 d. C., a part i r de E d u ardo 1 1 1, rei
da I n glate rra) .
A noção de devido processo le3al como cláu s u l a d e p roteção contra a ti ra n i a é
ai n d a mais antiga: re m o nta ao É dito d e Con rado 1 1 (Decreto Feudal Alemão de 1 03 7
d . C.)', n o q ual pela p ri m e i ra v e z se registra p o r escrito a ideia de q u e até m e s m o
o I m perad o r está s u b m etido à s " l e i s do I m pério".
Esse Decreto i n s p i ro u a Magna Carta de 1 2 1 53, pacto e ntre o Rei J oão e os
barões, q u e con sagrava a s u b m i ssão do rei i n glês a /aw of the /and, exp ressão
e q u ivalente a due process of law, conforme co n h ecida l i ção de Sir Edward Co ke4• A
Magna Carta cost u m a ser tida co m o o mais re m oto docu m e nto normativo h i stórico
d e consagração do devido processo le3al, até m e s m o e m razão da fo rte i nf l u ê n cia
q u e exe rce u na form ação dos D i reitos i n glês e estad u n i de n s e . A o rigem, poré m , é
germân i ca e u m tanto mais l o n gín q ua (a i nfl u ê n cia ge r m â n i ca no desenvo lvi m e nto
do d i reito co m u m i n glês deve-se certame nte à i nvasão n o rmanda d e 1 066 d. C.,
comandada por Wi l l iam, o Co n q u i stad o r, d u q u e da N o r m a n d ia)5•

2. De acordo com p rofu n d a pesqu isa h i stórica de STUBBS, Wi l l i a m . Germany i n t h e Early Middle Ages (476- 1 250).
N ew Yo rk: Lo ngmans, Green, a n d Co., 1 908, p. 1 46- 1 47 . Relaci o n a n d o o decreto de Con rado 1 1 ao devido p roces­
so legal, P E R E I RA, R u ite m be rg N u nes. O princípio do devido processo lesai substan tivo. Rio de j a n e i ro : Renovar,
2005, p. 1 8· 2 7 .
3- STU BBS, W i l l i a m . Germany in the Early Middle Ases (476- 1 2 50), cit., p. 1 47 .
4. COKE, Edward. The second part of the lnstitutes of the law of England. Lon d res: E. and R. Brooke, 1 797, p.
50. D i s p o n ível e m http://books.google.eo m . b r/books?d q =Edward+Coke+ The+Seco n d + PArtl:t pri ntsec= frontcoverl:t­
sig=-i Ez) M RLXQqCdCa 1 6f587 r5PYI BYéte i= n) FLSrXcEov7tgfD U 9 G b D Qétct= res u ltétid =WCgzAAAAIAA)étots= 1 kYi9 YD D 56.
Consulta em o1 .07. 2009, 1 3 h5o.
5. Sobre o tema, com i n ú m e ras refe rê ncias, P E R E I RA, Ruite m b e rg N u nes. O princípio d o devido processo legal
substan tivo, cit., p . 29-45.

64
N o R M A l F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

O bvi a m e nte, o q u e se enten d i a co m o devido n o séc u l o XIV (época de abso l u ­


t i s m o m o n á rq u i co, teocracia etc.) n ão f o i o q u e se e n te n d e u c o m o devido n o i nício
d o século XX (co n solidação d a igualdade fo rmal, se paração e ntre Igreja e Estado,
desenvolvi m e nto ace l e rado da i n d u strialização etc.), não é o q u e se entende como
devido atual m e nte (informatização das relações, sociedade d e massas, g l o balização
etc.) e n e m será o q u e se entenderá c o m o d evid o daq u i a dois sécu los.
H á de ter-se a consciência da h i sto ricidade da noção d e "correttezza p roces­
suale" 6 •
U m bom exe m p l o para d e m o n strar essa historicidade é o d i reito ao
j u iz n at u ral, atu a l m e nte conteúdo do devido p rocesso l ega l . Trata-se
d e " u m a co n q u ista moderna. Res u lto u d e fato i nfrutífera a tentativa
d e re m eter s u as o rigens à M agn a Ch arta, pois esta, e m seus arts.
20, 2 1 , 39, 5 2 e 56, l i m ita-se a estabelecer q u e para a co n d e n ação de
q u a l q u e r cidad ão é n ecessário um ' leJJale iudicium parium suorum',
e m q u e a co n d ição d e q u e os j u rados sejam pares, o u ' h o m e n s p ro­
bos da vizi n h a n ça', i n d ica a p e n as uma q uali dade dos j u ízes, e, no
m áxi mo, u m critério de com petência territorial, m as n ão tem nada
que ver com a proib ição da i n stituição do j u iz post factum . Essa
p roi b i ção se afi rma só no sec. XVI I, contem poraneam e n te às p r i m e i ­
ras m a n ifestações d e i n d e p e n d ê n cia e a o s conflitos j á m e n c i o n ados
e nt re j u ízes e soberanos"7•

H á, porém, i n egave l m e nte, um acú m u l o h i stórico a respeito da co m p reen são


do devido processo legal q u e não pode ser ignorado.
Ao l o n go dos sécu los, i n ú m e ras foram concretizações do devid o p rocesso le­
gal q u e se i n co rporaram ao ro l das garantias míni mas q u e estrutu ram o devido
processo . Não é lícito, por exe m p lo, considerar desnecessário o contraditório ou a
d u ração razoáve l do p rocesso, d i reitos f u n d a m e ntais i n e re n tes ao devido processo
legal. N e m será lícito reti rar ago ra os d i reitos f u n dame ntais já con q u istados; vale,
aq u i , o p r i n cípio de h e r m e n ê utica constitucio n al q u e p roíbe o retrocesso e m te m a
de d i reitos f u n damentais8•
Essas concretizações d o devido processo legal, ve rdad e i ros corolários de s u a
a p l i cação, estão p revistas n a Co n stit u i ção b ras i l e i ra e estabelecem o m o d e l o co n s ­
titucional d o p rocesso b ras i l e i ro9•

6. VIGORITI, Vi ncenzo. Garanzie costituzionali de/ processo civile. M i lão: Giuffre, 1 97 3 , p. 3 5 e 38-39.
7- FERRAJ O L I , Luigi. Direito e razão - teoria seral do saran tismo penal. São Paulo: RT, 2002, p. 472.
8. CANOTI LHO, José Joaq u i m Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6• ed. Coi m b ra: Almedi na,
2002, 339-340; SARLET, l n go Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 1 0• ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogad o, 2009, p . 433 e segs.
9- "Ao i n stitu i r esses eleme ntos, a Constitu ição term i n o u por tornar o b rigató rio aq u i l o q u e poderia ser avaliado
como adeq uado e necessário conforme as circ u n stâncias de cada caso concreto e, com isso, eventual m e nte
afastado. E n q uanto no utros sistemas, como o estad u n i d e n se, os eleme ntos do devido p rocesso legal são

65
FREDIE DIDIER JR.

É p reciso o bservar o con traditório e a ampla defesa (art. so, LV, CF/1 988) e dar
tratame nto paritári o às partes d o p rocesso (art. so, I , CF I 1 988); p roíbe m -se p rovas
i l ícitas (art. so, LVI , CF/ 1 988); o p rocesso há de ser p ú b l i co (art. so, LX, CF/ 1 988);
garante-se o j u iz n atu ral (art. so, XXXV I I e Ll l l , CF/1 988); as decisões h ão d e ser
motivadas (art. 93, IX, CF/1 988); o p rocesso d eve ter uma d u ração razoável (art. so,
LX XVI I I , CF/1 988); o acesso à j ustiça é garantido (art. so, XXXV, CF/1 988) etc. Todas
essas n o rmas ( p ri n cípios e regras) são co n c retizações do d evido p rocesso l egal e
com põem o seu co nteúdo mín i m o .
Co m o se vê, o devido p rocesso l egal é u m d i reito f u n damental de conteúdo
co m p lexo.
Por isso, "tanto se pode refe ri r ao d i reito f u n dame ntal ao p rocesso devi do,
como um d i reito fu n d a m e ntal d otado de um conteúdo co m p l exo, co m o tam bém é
possível refe ri r-se a cada u m a das exigê ncias a n i n h adas nesse conte ú d o com p l exo
c o m o co n stitu i n do um d i reito f u n d a m e ntal . (. .. ) A vantage m e m se i d e n tificar cada
u m a dessas exigê ncias e d e n o m i ná-las i n divi d u a l m e nte é a de facil itar a sua o p e ra­
cional ização pelo i ntérprete, isto é, auxi liá-lo na s o l u ção de q uestões relaci o n adas
com a concretização d e tais val o res". 1 0
Sucede q ue esse conteúdo mínimo do devido processo lesai, co n struído após
séculos d e a p l i cação dessa cláusu la, não é suficiente para a s o l u ção dos p ro b l e mas
conte m p o râneos. Esse l o ngo período h i stórico não esvaz i o u a cláusula seral do de­
vido processo lesai, q ue perman ece úti l e em vigo r.
A construção do processo devido é obra eternamen te em prosresso.
Essa cláusula geral exe rce u e exe rce p l e n a m e nte a sua f u n ção d e permitir a
m o b i l idade e a abert u ra d o siste m a j u ríd ico, co m o u m a "garanzia plastica e fless i b i ­
l e d i giustizia n e l processo" , . É p o r i s s o q u e o texto n o r m ativo perman ece o m e s m o
h á tanto tem po, já te n d o sido i n corporado a o s tratados i nternacionais de d i reitos
h u manos e a i n ú meras constituições. A ge n e rali dade desse texto normativo gara n ­
ti u a sua l o n gevidad e . Trata-se d e u m a proteção contra a ti ra n i a (co ntra a p rod u ção
t i râ n i ca d e n o rmas j u ríd i cas, em níveis legislativo, ad m i n istrativo, j u risdicional e
p rivado). As palavras de Wi n sto n C h u rc h i l l s o b re a Magna Carta aplicam-se inclusive
e principa lmen te ao devido processo lesai: "E q uando, nas i dades s u bseq u e ntes,
o Estado, d i l atado com sua próp ria autoridade, tentou i m po r sua t i ra n i a sobre os

deduzidos, caso a caso, do i d e a l de protetividade de d i reitos, no Brasil vários d e l e s s ã o i m postos p e l a própria


Constituição". ( ÁVI LA, H u m berto. "O que é 'devido processo legal'?". Revis ta de Processo. São Pau lo: RT, 2008,
n. 1 6 3, p . 57.)
1 0 . G U ERRA, M arcelo Lima. Direitos fundamen tais e a proteção do credor na execução civil. São Pau lo: RT, 2003, p. 1 00.
1 1 . VIGORITI, Vi ncenzo. Garanzie costituzionali de/ processo civile, cit., p . 34.

66
N O RMAS F U N DA M E N T A I S D O PROCESSO C I V I l

d i reitos o u l i b e rdades dos s ú d itos, f o i a essa doutri n a q u e vezes e vezes se d i rigi­


ram apelos, n u nca até h oj e sem res u ltados"12•
O princípio do devido processo le3al tem a "fu n ção d e criar os e l e m e ntos n e ­
cessários à p ro m o ção d o ideal d e p rotetividade " ' 3 dos d i reitos, i ntegra n d o o siste­
m a j u rídico eventual m e nte lacu noso. Trata-se d a função in te3ra tiva dos p ri n cípios,
exa m i nada n o capít u l o i nt rod utório d este vo l u m e d o Curso. Desse p ri n cípio cons­
titucional extrae m -se, e n tão, outras normas ( p r i n cípios e regras), além d e d i reitos
fu n dame ntais ai n d a sem o respectivo texto co n stitucional.
Assi m , além de público, paritário, tempestivo etc., adjetivos que co rres p o n ­
d e m às n o rmas constitucionais exp ressamente con sagradas (citadas aci m a), o p ro ­
cesso, para ser d evido, h á d e ter outros atri butos. U m p rocesso, para ser devido,
p recisa ser adequado, leal e efetivo.
Cada n ovo atri buto co rres p o n d e a um p ri n cípio constitucional do p rocesso,
q ue, e m b o ra i m p lícito, é d e grande relevância. S u rgem, e n tão, o s p ri n cípios da ade­
quação, da boa-fé processual e da efetividade. Esses três p ri n cípios, corolários do
d evid o p rocesso legal, serão exa m i nados e m ite n s es pecíficos m ais adiante.
H u m b e rto Ávila d efe nd e q ue os p ri ncípios estrutu rantes, aq ueles q u e
p rescrevem o âm b ito e o m o d o da atu ação estatal, n ã o podem ser
afastados n o caso concreto, após u m j uízo de p o n d e ração, em razão
da colisão com o ut ro p ri n cípio. "Toda atuação estatal, e n ão apenas
u m a parte dela, e m todas as situações, n ão apenas e m u m a parte
d elas", deve observar os p ri n cípios d o Estado de D i reito, da separa­
ção de poderes, do pacto fede rativo, d o sistema d e m o c rático e do
regi m e rep u b l icano etc.'4 Tais princípios funcionam como "co n d ição
estrutu ral" da atuação estatal .
O p ri n cípio do devido p rocesso l egal é u m desses p r i n cípios.

2. 1 .3. Devido processo legal formal e devido processo legal substancial

O devido processo le3al é d i reito f u n da m e ntal q ue pode ser com p re e n d i d o e m


d uas d i m e n sões.
Há o devido processo le3al formal o u procedimental, cujo conte ú d o é com pos­
to pelas garantias p rocess uais q u e vi m o s n o item p recede nte: d i reito ao contraditó­
rio, ao j u iz n atu ral, a um p rocesso com d u ração razoável etc. Trata-se d a d i m e n são
mais co n h ecida d o devido processo le3al.

1 2. C H U RC H I LL, Winston S. História dos povos de lín3ua in3fesa. Ayda n o Arruda (trad .). São Paulo: ! B RASA, 1 960, v.
1 (o be rço da I n glaterra), p . 2 2 5 .
1 3. ÁVI LA, H u m be rto. "O q u e é 'devido processo legal'?", c i t . , p. 5 7 ·
1 4 . ÁVI LA, H u m berto. Teoria dos p r i n cípios. 1 2• ed. S ã o Pau l o : M a l h e i ros, 201 1 , p . 1 26.

67
FREDIE DIDIER JR.

N o s EUA, desenvo lve u-se a d i m e n são substancia l d o devido p rocesso lega l ' s .
U m p rocesso d evido n ão é ape n as aq uele e m q u e se observam exigê ncias fo rmais:
d evi do é o p rocesso que gera decisões jurídicas s u bstan cialm ente devi das.
A experi ên cia j u ríd i ca bras i l e i ra assi m i l o u a d i m e n são su bstancial do devido
processo le3al de u m m o d o bem pec u liar, co n s i d e ran d o - l h e o f u n d a m e nto cons­
titucional das máximas da proporciona lidade (postu lad o ' 6, p ri n cípio'7 o u regra da
p ro p o rci o n a l i dade'8, conforme sej a o pensame nto do utri nário que se adotar) e da
razoab i l i dade . A j u ri s p ru d ê n cia do S u p re m o Tri b u nal Federal extrai da cláus u l a geral
d o d evi d o p rocesso legal os deve res de p ro p o rci o n a l i dade o u razoa b i l idade. Convém
transcreve r trecho da deci são p rofe ri da pelo M i n . Celso de M e l lo, no R E n . 3 7 4 . 9 8 1 ,
e m 28.03 . 2005 , p u b l icada n o I nfo rmativo d o STF n . 3 8 1 :
" N ão se pode perder de perspectiva, n este ponto, em face do co n ­
teúdo evi d e n t e m e nte arbitrário d a exi g ê n c i a estatal o ra q u estio n ada
n a p resente sede rec u rsal, o fato d e q u e, especial m e nte q u ando se
t ratar de m atéria t ri b utária, i m põe-se, ao Estado, n o p rocesso de e la­
bo ração das leis, a observânc i a do n ecessário coefi c i e n te de razoa­
b i l idade, pois, como se sabe, todas as n o r m as e m a n adas do Poder
Pú blico deve m aj u star-se à cláusula que consagra, e m s u a d i m e n são
material, o p ri n cípio do 'substan tive due process of law' (CF, art. so,
LIV), eis q u e, no tema em q u estão, o post u lado da proporci o n a l i dade
q u alifi ca-se como parâmetro de afe rição da p ró p ri a c o n stituci o n a l i da­
de m aterial dos atos estatais, consoante tem proclamado a j u ri s p r u ·
d ê n cia do S u p re m o Tri b u nal Federal (RTJ 1 60/ 1 40- 1 4 1 - RTJ 1 78/2 2- 24,
v.3.) : 'O Estado n ão pode l egislar a b u sivamente. A ativi dade legis­
l ativa está n ecessariame nte sujeita à rígida observân cia de d i retriz
f u n dame ntal, q u e, e n co n t rando s u p o rte teórico n o p ri n cípio da p ro­
porc i o n ali dade, veda os excessos n o r m ativos e as p rescrições i rrazo­
áveis do Poder P ú b l i co. O p ri n cípio da proporci o n a l i dade - que extrai
a sua j u stifi cação dogmática de dive rsas cláusu las con stit u c i o n ais,
n otadamente daq ue l a que vei c u l a a garantia do substan tive due pro­
cess of /aw - acha-se vocaci o n ado a i n i bi r e a n e utralizar os abu sos
do Poder P ú b lico n o exercício de suas f u n ções, q u alificando-se como
parâmetro d e afe ri ção da própria c o n stit u c i o n a l i dade m aterial dos
atos estatais. A n o rma estatal, que n ão vei c u l a q u a l q u e r conteúdo d e

1 5 . Sobre essa evo l u ção, a m p l a m ente, MATTOS, Sérgio Luís Wetze l d e . Devido processo legal e proteção d e direitos.
Po rto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 29-90.
1 6. ÁVI LA, H u m berto. Teoria dos princípios. 5' ed., cit., p. 1 48 e segs.
1 7 . BO NAV I D ES, Pau l o . Curso de Direito Cons titucional. 7' ed. São Paulo: M a l h e i ros Ed., 1 998; G U ERRA F I LHO, Wi l l i s
Santiago. " P r i n cípios da i s o n o m i a e da p ro p o rcional idade e p rivilégios p rocessuais da Fazenda P ú blica". Revis­
ta de Processo. São Pa u l o : RT, 1 996, n. 82; GÓ ES, Gisele. O Princípio da Proporciona lidade no Processo Civil. São
Paulo: Sa raiva, 2004.
1 8. SI LVA, Virgílio Afo nso da. Direitos fundamentais - con teúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: M a l h e i ros
Ed., 2009, p . 1 68 - 1 69.

68
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

i r razoab i l idade, p resta o bséq u i o a o postulado da p ro p o rcionalidade,


aj ustando-se à cláusula que con sagra, e m s u a d i m e n são mate rial,
o p ri n cípio do substan tive due process of law (CF, art. 5°, LIV). Essa
c l á u s u l a tute lar, ao i n i bi r os efeitos prej u diciais decorrentes do abuso
d e poder legislativo, enfatiza a noção d e que a p re rrogativa de legis­
lar outorgada ao Estado constitui atri b u i ção j u ríd ica essen cial m e nte
l i m itada, ai n d a que o m o m e nto de abstrata i n stau ração normativa
possa re pousar em j u ízo m e rame nte po lítico o u d i scricion ário do le­
gislador' (RTJ 1 76/578-580, Re i . M i n . CELSO D E M ELLO, Pleno)."

Fala-se, então, e m um devido processo le3al substan tivo ou substancia/'9•


" Essa semel h an ça e ntre p ro po rcionalidade e devi do p rocesso l egal
s u bstan cial é, a n osso ver, m u ito interessante para a n ossa análise,
por vários m otivo s : a) como adia ntado aci m a, aj u d a a esclarecer o
conteúdo do devido p rocesso l egal s u bstancial, q u e, abstrata m e nte
considerado, é vago e i m p reciso; b) aj uda a desfazer a ideia e q u i ­
vocada de q u e a acepção s u bstancial do d u e process o f l a w n ão
seria a p l i cável e m países do sistema ro mano-ge r m â n i co, com m e n o r
l i b e rdade para o j u lgado r do q u e os do tip o jud3e makes l a w. . . ; c )
refo rça a i d e i a de e q u ilíbrio q u e p e r m e i a todo o p rocesso civil, c o m o
n o clássico d i l e m a e ntre celeridade e segu ran ça"'0•

Sérgio M attos d e m o n stra q ue a co ncretização do d evid o p rocesso legal s u bs-


tancial pela j u ris prudência d o STF é bem am p l a e vaga:
"segu n d o a j u ri s p rudência do STF, devi do p rocesso s u bstantivo pode
s ign ificar desde a p ro i bição de 'leis que se apresentem d e tal forma
abe rrantes da razão', passando pela exigê n c i a 'de q u e as leis de­
vem ser elaboradas com j u stiça, deve m ser dotadas d e razoab i l i da­
d e (' reaso n a b l e n ess') e d e racionalidade ('rationality'), d evem guar­
dar, segu n d o W. H o l mes, u m real e su bstancial n exo com o o bjetivo
q u e se q u e r ati n gi r', até a n ecessidade d e ' p e rq u i ri r-se (. .. ) se, em
face do confl ito entre dois b e n s constituc io nais contrapostos, o ato

1 9. M E N D ES, G i l m a r Ferrei ra. Direitos fundamen tais e con trole de constitucionalidade. 3' ed. São Pau lo: Saraiva,
2004, p . 46 e segs.; CASTRO, Carlos Roberto S i q u e i ra. O devido processo leg a l e os princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade. Rio de janeiro : Forense, 2005, passim; LI MA, Maria Rosynete Olive i ra. Devido Processo
Legal. Po rto Alegre: Sérgio Anto n i o Fabris, 1 999, p. 274; F E R RAZ )r., Té rcio Sampaio. "Do amálgama entre razoa­
b i lidade e p roporcional idade n a doutrina e n a j u ri s p rudência b rasi l e i ras e seu f u ndamento n o devido p rocesso
legal s u bstantivo". Direito constitucional. Barueri: Maneie, 2007, p . 37-46; LUCON, Pau lo H e n r i q u e dos Santos.
" D evido p rocesso legal su bstan cial". Leituras complementares de processo civil. Fredie D i d i e r ) r. (org.) 7' ed.
Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, p. 382; ASSIS, Carlos Augusto de. An tecipação da tutela. São Paulo: M a l h e i ­
r o s , 200 1 , p . 63; BRAGA, Pau la S a r n o . Aplicação do Devido Processo Legal nas Relações Privadas. Salvador: j u s
Podivm, 2008, p. 1 88 segs.; FERNAN DES, D a n i e l A n d ré. Os princípios d a razoabilidade e d a ampla defesa. R i o
de Janeiro: Editora L u m e n j u ris, 2003, p . 4 1 - 4 2 ; BARROS, Suzana de To ledo. O princípio da proporciona lidade e
o controle de constitucionalidade das leis res tritivas de direitos fundamen tais. 3' ed. B rasíl ia: B rasíl ia j u rídi ca,
2003, p. 9 1 - 1 00.
20. ASSIS, Carlos Augusto de. A n tecipação da tu tela, cit., p. 64-65.

69
FREDIE DIDIER JR.

i m p u gnado afigu ra-se adeq uado (isto é , apto a p roduzi r o res u ltado
desej ado), n ecessário (i sto é, i n s u b stituíve l por outro meio m e n o s
gravoso e igu a l m ente efi caz) e pro p o rci o n a l e m s e n t i d o estrito (ou
seja, se estabelece u m a relação ponderada e ntre o grau d e rest rição
d e um pri n cípio e o grau de realização do princípio contraposto)"' " .

É certo que h á o u t ros e n u n ciados n o rm ativos co n stitucionais dos q uais po­


d e m ser extraídas a p ro p o rc i o n al i dade e a razoabi l i dade: Estad o d e D i reito22, i s o n o ­
m i a'3 o u l i be rdade'4• É possível , i n c l u sive, q u e s e j a mais fác i l defe n d e r a existê n ­
c i a dessas n o rmas c o n stitucio n ai s a part i r d o dese nvolvi m e nto desses p ri n cípios
m e n ci o n ados. As c o n stitui ções b rasi l e i ras anteri o res a 1 988 n ão conti n h am texto
n o rm ativo s o b re o devido processo legal, n e m p o r isso deixaram de s e r a p l i ca­
das a p ro p o rc i o n a l i dade e a razoabi l i dade'5• A Lei F u n d a m e ntal a l e m ã tam b é m
não contém p revisão exp ressa d o devido processo legal, mas a s "exigê ncias d e
p ro p o rc i o n a l idade e razo a b i l idade s ã o i ntensame nte a p l i cadas pela j u ri s p ru d ê n c i a
daq u e l e país"'6•
Mas t u d o isso n ão pode servi r como argu m e nto para deslegiti mar essa cons­
tru ção teó rica n aci o nal, c o m o p rete n d e H u m berto Ávila. A part i r de u m a experi ê n cia
j u ríd i ca s i n g u lar (co nfo r m e posto n o capít u l o i ntrodutório d este vo l u m e d o Curso),
a j u ri s p rudência bras i l e i ra concretizou o p ri n cípio d o devido p rocesso d e um modo
tam bém peculiar, é verdade, m as n ão por isso e q u ivocado . Dados cu ltu rais contri­
buíram para isso, s o b retudo a formação teórica dos nossos aplicado res do D i reito.
C o m o j á se d i sse no capít u l o 1 deste Curso: sol uções j u rídicas idênticas podem ser
alcançadas por variada m etodo l ogia, ass i m co m o u m mesmo i n stituto pode, e m
d iferentes cu ltu ras, p rod uzi r d ifere n tes res u ltados. D i reito é u m produto cu ltu ral,
com o pe rdão pela o bviedade.

2 1 . MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo le!Jal e proteção d e direitos. Po rto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p . 97. Confi ra-se, a i n da, a sistematização do posici o n a m e nto do STF sobre o tema, elaborada pelo autor
nas p . 92-96.
22. G U ERRA F I LHO, Wi l l i s Santiago. "Pri ncípios da isonomia e da proporcionalidade e privilégios processuais da
fazenda p ú bl i ca". Revista de Processo, n .82, São Paulo: RT, 1 996, n . 82, p . 6 1 ; G Ó ES, Gisele Santos Fernandes. O
Princípio da Proporciona lidade no Processo Civil, cit., p. n; SANTOS, G ustavo Ferrei ra. O princípio da propor·
ciona lidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federa l. Li m ites e possi b i l i dades. Rio de janeiro : Editora
L u m e n j u ris, 2004, p. 1 1 5 .
2 3 . BONAV I D ES, Pau l o . Curso de Direito Constitucional. 1 2• ed. rev. a m p . São Pau lo: Ma l h e i ros Ed., 20o2, p. 395;
G U ERRA F I LHO, W i l l i s Santiago. "Princípios da isonomia e da proporcionalidade e p rivilégios processuais da fa·
zenda p ú bl i ca". Revista de Processo, n .82, São Pau lo: RT, 1 996, n . 82, p . 75; ÁVI LA, H u m berto. "O que é 'devido
processo legal ?". Revista de Processo. São Pau lo: RT, 2008, n . 1 63, p. 56; SZA N I AWSKI, E l i m a r. "Apontame ntos
so bre o p ri n cípio da p roporcionalidade-igualdade" . Revista Trimestra l de Direito Civil. R i o d e j a n e i ro : Pad m a,
2000, v. 5, p. 7 1 .
24. ÁVI LA, H u m berto. " O q u e é 'devido processo legal' ?", cit., p . 56.
2 5 . ÁVI LA, H u m berto. "O q u e é 'devido processo legal' ?", cit., p . 56.
26. ÁV I LA, H u m berto. "O q u e é 'devido processo legal' ?", cit., p . 56.

70
N O RMAS F U N DA M E N T A I S D O PROCESSO C I V I L

É sem p re b o m l e m b rar a l ição d e Canaris d e q u e os p ri n cípios n ão têm p reten ­


são d e exc l u s ividade>7: u m m e s m o efeito j u ríd ico (proporc i o n a l i dade e razoabi l i da­
de) pode ser res u ltado d e d iversos p ri n cípios (iso n o m ia ou d evido p rocesso legal).
N ão se d eve igno rar, ai n da, que a dogmática b ras i l e i ra o p e ra com boa dese n ­
volt u ra com a cláusula geral d o d evid o p rocesso lega l .
A relação q u e se faz e n t re d evid o p rocesso legal, p ro p o rcionalidade e razoabi­
l idade é b e m f u n da m e ntada e com p reendida pelos o p e radores j u ríd icos n o Bras i l .
Tra ta-se d e u m a con tribuição original d o pensamen to jurídico brasileiro28, q ue t e m
f u n c i o n ad o b e m , a des peito d a s o bj eções teóricas q u e a e l a possam ser d i rigidas.
Considerar o devido processo legal co m o fu n dame nto dos deveres d e p ro p o r­
cionalidade o u razoabi l idade não sign ifica dizer q u e esses d everes apenas se a p l i ­
c a m a o âm bito p rocess ual j u risd icional29• Com o j á se d i sse, o devido processo legal
é p ri n cípio q ue se apl ica e m q u alq u e r p rod u ção n o rmativa, i n c l usive n o p rocesso
d e p ro d u ção dos negócios j u ríd icos, como será visto ad iante.
F i n al m e nte, é p reciso frisar a relação e n t re as d i m e n sões formal e substancial
d o d evido p rocesso legal. Não se d eve fazer u m a con traposição entre essas d i m e n ­
sões. E m b o ra n ã o con cord e m os c o m a s u a p re m issa de q u e n ão se d eve falar e m
d evid o p rocesso l egal s u bstantivo, é o p o rt u n o citar o pensamento d e H u m b e rto
Ávila n o particu lar: "Co m o são os p ró p rios deveres d e p ro p o rcio n al idade e d e razoa­
b i l i dade q u e i rão defi n i r, ao lado d e o utros critérios, o q u e é um processo adeq u ad o
o u j u sto, é eq u ivocado afi rmar q u e há u m 'devido p rocesso l egal p roced i m e ntal',
entendido como d i reito a um p rocesso adeq uado o u j u sto, se parado d o 'devi d o
p rocesso l egal s u bstancial', co m p reendido c o m o exigência d e p ro p o rcio n a l idade e
d e razoab i l i dade" 3°.
Sérgio Mattos, e m b o ra p reten d a d e m o n strar q u e n ão h á corres p o n ­
d ê n cia de p ro p o rcionalidade, razoabilidade e devido p rocesso legal
s u bstantivo, com vasta pesq u isa sobre a evo l u ção d o substan tive due
process na j u ri s p rudência d a S u p rema Corte estad u n i d e n se, entende
que "devido p rocesso s u bstantivo, n o d i reito b rasilei ro, d eve ser en­
te n d i d o co m o p r i n cípio de garantia d a li berdade e m ge ral contra as
arbitrariedades do Estado, q u e p roíbe q u e se p rej u d i q u e m deter m i na­
dos d i reitos f u n d a m e ntais, a n ão ser p o r uma j u stificativa suficiente".
N este sentido, c u m p re o devido processo s u bstantivo a "fu n ção de

2 7 . CANARIS, Claus-Wi l h e l m . Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. I nt rod u ção e
Tradução por A. M enezes Cordeiro. 2• ed. Lisboa: F u ndação Calouste G u l b e n kian, 1 996, p. 90.
28. "A promiscuidade do princípio do devido p rocesso legal, do ponto de vista funcional, com os postulados da
razoa b i l i dade e da proporcionalidade parece ser peculiar ao d i reito bras i l e i ro". ( MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de.
Devido processo legal e proteção de direitos, cit., p. 1 2 1 .)
29. Como pensa ÁVI LA, H u m berto. " O q u e é 'devido processo legal' ?", cit., p. 56.
30. ÁVI LA, H u m berto. "O q u e é 'devido processo legal' ?", cit., p. 5 7 .

71
FREDIE DIDIER JR.

reco n h ecer e p roteger d i reitos f u n d a m e ntais i m p lícitos como parte


da l i b e rdade assegu rada pela d i s posição d o devido p rocesso l ega l . .. ,
concretizando, igu a l m e nte, o princípio da d ign i dade h u mana"l ' .
Convém d eixar registrado esse ente n d i m e n to .

O art. 8° d o CPC con sagra, ex p ressame nte, o deve r d e o ó rgão j u risdicional


observar a p ro p o rci o n a l i dade e a razoab i l i dade ao a p l i car o o rdename nto j u ríd ico.

2 . 7 4 Devido processo legal e relações jurídicas privadas32


. .

O d evid o p rocesso l egal a p l i ca-se, tam bém, às re lações j u ríd icas p rivadas . Na
verdade, q ualq u e r d i reito fundame ntal pode a p l i car-se ao â m b ito das relações jurí­
dicas privadas, e o devi do p rocesso l egal é u m deles. A palavra " p rocesso", aq ui,
d eve ser co m p reendida e m seu sentido am p lo, conforme já visto: q ualq u e r modo de
p ro d u ção de n o rmas j u ríd i cas (j u risdicio nal, ad m i n i strativo, legis lativo o u n egociai).
Antes de exp l i car o te m a, convém frisar a discussão s o b re a apli cação da teoria
dos d i reitos f u n dame ntais n o âm bito p rivad o . Trata-se de estudar a chamada eficá­
cia horizontal dos direitos fundamentais33 •
Na do utri na estrange i ra a q u estão é bastante controve rtida. Existe m , basi ca­
m e nte, três teorias q ue tentam exp l i car o ass u nto: a) a teoria do sta te action, q u e
n ega a eficácia dos d i reitos f u n d a m e ntais nas re lações p rivadas, p o r entender q u e o
ú n ico sujeito passivo daq u eles d i reitos seria o Estado (é a q ue p revalece n o d i reito
n o rte-americano e p revalecia, até pouco tem po, n o d i reito suíço34); b) a teoria da
eficácia i n d i reta e mediata dos d i reitos fu n d a m e ntais na esfe ra p rivada, pela q ual

3 1 . MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo lesai e pro teção de direitos, cit., p . 1 1 9.
3 2 . Sobre o tema, am plame nte, BRAGA, Pau l a Sarno. Ap licação do devido processo legal às relações privadas.
Salvad or: jus Podivm, 2008.
33- Sobre o tema, CANARIS, Claus-Wi l h e l m . Direitos fundamentais e direito privado. SARLET, l n go Wolfgang e PI NTO,
Paulo Mota (trad .). Coi m b ra: Almedi na, 2003; SARM ENTO, Daniel. "A v i n c u lação dos particu lares aos d i reitos
fu ndam entais no d i reito com parado e no Brasi l " . Leituras complementares de processo civil. 5 ed. Salvad or:
Ed itora j u s Podivm, 2005; A nova interpretação constitucional. Rio de janeiro: Ren ovar, 2003, p. 1 9 3-284; Direi­
tos fundamentais e relações privadas. Rio de j a n e i ro: L u m e n j u ris, 2004; ALEXY, Robert. Teoría de los derechos
fundamen tales. Madrid: CEPC. 2002, p . 506- 523; AN DRADE, josé Carlos Viei ra de. Os direitos fundamen tais na
Constituição Portuguesa de 1 976. 2 ed. Coi m b ra: Almedi na, 200 1 ; SARLET, l n go. A eficácia dos direitos funda­
mentais. 3• ed. Po rto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; __ . (org.) Constituição, direitos fundamen tais e
direito privado. Po rto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; STE I N M ETZ, Wi l s o n . A vinculação dos particu lares a
direitos fundamen tais. São Paulo: M a l h e i ros Ed., 2004; TORRES, Ricardo Lobo (org.). Teoria dos direitos funda­
mentais. 2• ed. Rio de janeiro: Ren ovar, 200 1 ; S I LVA, Vi rgílio Afo nso da. A constituciona lização do direito. Os
direitos fundamen tais nas relações en tre particulares. São Paulo: M a l h e i ros Ed., 2005; S O M B RA, Th iago Luis
Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. 2• ed. São Paulo: Atlas, 201 1 .
34- De acordo com a i n form ação d e Vi rgíl i o Afo nso da Si lva (A constitucionalização do direito - os direitos funda­
mentais nas relações en tre particulares. São Paulo: M a l h e i ros, 200 5 . p. 8 1 -83), a Suíça não adota a teoria do
state action, pois, após a refo rma constitucional de 1 999, a constitu ição suíça passou a conter um artigo q u e
expressamente p revê a eficácia d o s d i reitos f u n damentais n a s relações p rivadas (art. 3 5 , 3 ) : "As autoridades
p ú b licas devem cu idar para que os d i reitos f u n damentais, na medida e m que sejam aptos para tanto, tenham

72
N o R M A l F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

a Constit u i ção n ão i nveste os particulares e m d i reitos s u bj etivos p rivados, m as


tão-some nte serve de baliza para o legislad o r i nfraco n stit u c i o n al , q ue d eve to mar
c o m o parâm etro os valo res constitucionais na elaboração das leis de d i reito p rivado
( p red o m i nante na Aleman h a, Á u stria e, de certo m odo, n a F ran ça); c) a teoria da
eficácia d i reta e i m ediata dos d i reitos fundame ntais n a esfe ra privada, pela q ual
aq u e les d i reitos têm p l e n a aplicação nas re lações p rivadas, podendo ser i nvocados
d i retamente, i n d e pendentemente de q ualq u e r m e d i ação do legislad o r i nfraco nstitu­
cional, p rivi legiando-se, com isso, a atu ação d o m agistrado e m cada caso concreto
( p revalece no B rasil, Espan h a e Portugal) .3s
Desse modo, a atual Constit u i ção b ras i l e i ra ad m ite a vi ncu lação dos parti c u ­
lares a o s d i reitos fundame ntais n e l a erigidos, d e modo q u e n ão só o Estado c o m o
t o d a a sociedade p o d e m s e r sujeitos passivos d esses d i reitos. E s s a exten são d a
eficácia d i reta dos d i reitos f u n d a m e ntais à s re lações p rivadas v e m carregada, n a ­
t u ral m e nte, de es pecifi cidades i n e re n tes a o d i reito p rivado . Ass i m , p o r exe m plo, a
s u a a p l i cação n o caso concreto h á de ser, s e m p re, p o n d e rada com o p r i n cípio da
p roteção d a auto n o m i a da vo ntad e Y
F i n cadas essas p re m issas, p o d e - s e então, co n c l u i r q u e o pri n cípio d o devid o
p rocesso legal - d i reito fu n damental p revi sto na Constit u i ção Bras i l e i ra - aplica-se
tam bém ao âm bito p rivado, seja n a fase p ré - n egociai, seja n a fase executiva do
n egócio j u ríd ico.
Na fase p ré- n egociai, d eve-se l e m b rar, por exe m plo, que a oferta d e u m n egó­
cio é uma post u l ação e q u e toda n o rm a q u e reg u l a o n egócio j u ríd ico, q uanto aos
seus req u i s itos, é norma d e p rocesso n egociai. Ass i m , tam bém nos n egócios j u ríd i ­
c o s d eve-se res peitar o d evid o p rocesso legal (ex. escritu ra p ú b l ica para transferê n ­
c i a de i m óve l : se e l a n ã o existi r, n ão exi ste a tradição). N a fase executiva, deve-se
ve r, por exe m p lo, que a i m posição de sanção conve n ci o n a l deve ate n d e r aos req u i­
sitos estabelecidos n o n egócio e/o u n a lei abstrata, bem ass i m o bservar o d i reito de
d efesa do i nfrato r (ex. i m p utação de m u lta p o r c o n d uta antissocial d e c o n dô m i n o
- art. 1 . 3 3 7 , capu t e parágrafo ú n i co, do Código Civi l), não podendo u lt rapassar o s
l i m ites da razoa b i l i dade/ p ro p o rcionalidade (devido processo lesai substancial).
A Lei n. 1 1 . 1 27/2005 ratifi cou este ente n d i m e nto, q uando determ i n o u a al­
te ração d o art. 57 d o Código Civi l, re lacionad o ao p roced i m e nto para excl usão de
associado, q u e passou a ter a segu i nte redação : "A exc l u são do associado só é

eficácia também na relação entre p rivados". Segu ndo o autor, a Suíça adota o modelo da eficácia i n d i reta dos
d i reitos f u n d ame ntais.
35. SARM ENTO, D an ie l . "A v i n c u l ação dos particu lares aos d i reitos f u n damentais no d i reito com parado e no B rasi l " .
I n Leituras complementares de processo civil. 7' ed. Salvador: Editora j u s P o d i v m , 2009; tam bém em A nova
interpretação constitucional. Rio de j a n e i ro : Ren ovar, 2003, p. 1 93 - 284.
36. SARMENTO, Dan i e l . A vinculação dos particulares aos direitos fundamen tais no direito comparado e no Brasil, cit.

73
FREDIE DIDIER JR.

ad m i ssível h ave ndo j u sta causa, ass i m reco n h ecida e m p roced i m e nto q u e assegu re
d i reito de d efesa e de recu rso, nos termos p revistos no estatuto".
O S u p re m o Tri b u nal Federal j á adotara ente n d i m ento s e m e l h ante, e m bora sem
fazer refe rência à p o l ê m i ca do utri n ária da eficácia h o rizontal dos d i reitos fu n da­
m e n tais. Veja esse j u lgado do S u p re m o Tri b u n a l Federal: "COOPE RATIVA - EXCLUS Ã O
D E ASSOCIADO - CARÁTER P U N ITIVO - D EVIDO PROCESSO LEGAL. Na h i pótese de exc l u ­
s ã o de associado deco rre nte de cond uta contrária a o s estatutos, i m põe-se a obser­
vância d o devido p rocesso legal, viab i l izando o exe rcíci o da a m p l a d efesa" . (STF, 2a
T., R E n . 1 58 . 2 1 5 - 4/RS, rei . M i n . Marco A u ré l i o, p u b l icado n o DJ d e 07.06 . 1 997).

E m 2005, o STF vo ltou a exa m i n a r o tem a, ago ra enfrentando a teoria da a p l i ca­


ção dos d i reitos f u n d a m e ntais às re lações j u ríd i cas p rivadas. Esta decisão ( p rofe rida
n o RE n. 20 1 .8 1 9/RJ , rei . M i n . E l l e n G racie, rei . p/ acórdão M i n . G i l m a r M e n des, j .
1 1 . 1 0. 2005) é u m marco, não p o r ter sido a p ri m e i ra, pois n ão foi, mas p o rq u e aq u i ,
a í s i m pela p r i m e i ra vez, o STF p redis pôs-se a exam i nar todas as n u an ces da discus­
são, e m votação que já se re p uta h i stó rica. Eis o res u m o d o j u lgamento, p u b l i cado
no I nfo rmativo n. 405 d o STF, 1 0- 1 4 d e outu b ro d e 2005:
" A Tu rma, co n c l u i n d o j u lgamento, negou p rovi mento a recu rso extrao r­
d i n ário i nterposto contra acórdão do Tri b u nal de j u stiça do Estado do
Rio de janeiro q u e mantivera decisão que rei ntegrara associado excl uí­
do do q uad ro da sociedade civi l U n ião Brasileira de Com positores - U BC,
sob o ente n d i me nto de q u e fora violado o seu d i reito de defesa, e m
virtude de o m e s m o n ã o t e r t i d o a oport u n idade de refutar o ato q ue
resu ltara na sua p u n ição - v. I nformativos 3 5 1 , 370 e 385. Entendeu-se
ser, n a espécie, h i pótese de aplicação di reta dos d i reitos fundame ntais
às relações p rivadas. Ressaltou-se q ue, em razão de a U BC i ntegrar a
estrutura do ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, e n ­
tidade de relevante papel no â mb ito do sistema b rasileiro de p roteção
aos di reitos autorais, seria i ncontroverso q ue, no caso, ao restringi r as
possi bilidades de defesa do recorrido, a recorrente ass u m i ra posição
p rivi legiada para determ i nar, p reponderantemente, a extensão do gozo
e da fruição dos d i reitos autorais de seu associado. Con c l u i u-se q ue
as penalidades i m postas pela recorrente ao recorrido extrapolaram a
liberdade do di reito de associação e, em especial, o de defesa, sendo
i m periosa a observância, em face das peculiaridades do caso, das ga­
rantias constitucionais d o devido processo legal, do co ntraditório e da
ampla defesa. Vencidos a M i n . Ellen G racie, relatora, e o M i n . Carlos
Velloso, que davam p rovim ento ao recu rso, por entender que a reti rada
de um sócio de entidade p rivada é sol ucionada a partir das regras do
estatuto social e da legislação civi l em vigor, sendo i n cabível a i nvoca­
ção do pri n cípio constitucional da am pla defesa".

Ass i m , tam bém n ão é lícito, no âm bito das re lações p rivadas, restri ngir q ual­
q ue r d i reito sem a observância d o devido processo le8al.

74
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I l

2.2. Princípio da dignidade d a pessoa humana

O art. 8° d o CPC i m põe q u e o ó rgão j u lgado r, no p rocesso civi l b rasi l e i ro, " res­
guarde e p ro m ova" a d i g n i dade d a pessoa h u m a n a . O d i s p ositivo é aparenteme nte
d e s n ecessário, pois a d i g n i dade d a pessoa h u m a n a j á é um dos f u n d a m e n tos d a
Re p ú b l i ca (art. 1 °, 1 1 1 , CF/1 988) - n esse s e n t i d o , possui a n at u reza d e n o r m a j u rí­
d i ca - e é um d i reito fu n da m e ntal - n esse sentido, poss u i a n atu reza d e situação
j u ríd i ca ativa.
A d i g n i dade da pessoa h u mana pode ser considerada como sobre p ri n cípio
c o n stitu cional, d o q ual todos os p ri n cípios e regras re lativas aos d i reitos fu n dam e n ­
tais seriam d e rivação, a i n d a q u e c o m i ntensidade variáveP7•
A d i g n i dade da pessoa h u m ana pode ser considerada um d i reito fu n damental
d e conte ú d o co m plexo, formado pelo conj u nto d e todos os d i reitos fu n dame ntais,
p revistos ou n ão n o texto constituc i o n a l .
A eficácia vertical d a s n ormas relativas a o s d i reitos f u n dame ntais d i rige-se à
reg u l ação da relação do Estado com o i n d ivíd u o . O exe rcício d a fu n ção j u risdicional
é exe rcíci o d e f u n ção estatal . Por isso o CPC i m põe ao j u iz que o bserve esse co m a n ­
d o constit u c i o n a l .
O ó rgão j u lgador p rese nta o Estado e , n essa ci rcu n stância, deve " resguardar"
a dign idade da pessoa h u mana; resguardar, nesse contexto, é, de um lado, a p l i car
corretame nte a norma j u ríd ica " p roteção d a d i g n i dade d a pessoa h u m a n a" e, d e
outro, n ão violar a d i g n i dade (por exe m p lo, n a co n d u ção d o d e po i m e nto d a parte) .
O ó rgão j u lgad o r tam bém d eve " p ro m ove r" a d i g n idade d a pessoa h u mana.
H á, n o verbo p ro m ove r, a exigê n cia de um co m po rtam e n to mais ativo do ma­
gistrado . I sso sign ifica q ue, e m algu m as situações, o juiz poderá tomar, até m e s m o
d e ofício, m e d idas para efetivar a d i g n i dade d a pessoa h u mana, além d e p o d e r
val e r-se da cláusula geral de ati p i cidade (art. 5 36, § 1 o) para a execução do d i reito
f u n damental à digni dade.
Dois exemplos: a) exigência de res peito à o rd e m cro n o l ógica d e concl u são (art.
1 2); n o caso d e grave violação à d i g n i dade d a pessoa h u m a n a, q u e n ão se en caixe
em um dos i n cisos q u e exce pci o n a m a regra d e o bservância d a cro n o l ogia da c o n ­
c l u são; poderia o j u i z "fu rar a fi la", para pro m over a d i g n i dade d a pessoa h u m an a;
b) p ri o ridad e n a tramitação p rocess ual; pessoa q u e seja p o rtad o ra d e d o e n ça grave,
m as q u e não esteja no ro l do art. 1 .048, I; para p ro m over a dignidade de pessoa
h u m ana, o j u i z poderia dete r m i n a r o p rocessam e nto p ri o ritário .

3 7 . Sobre o assunto, SARLET, l ngo. Disnidade d a pessoa humana e direitos fundamentais. 2 • ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002, p . 89 e segs.

75
FREDIE DIDIER JR.

Está-se diante de n o rma q u e claramente i m põe u m co m po rtam e nto mais ativo


do ó rgão j u risdicional, se a q u estão e nvolve r a d i g n i dade da pessoa h u mana.
A n o r m a, poré m , n ão é de fác i l aplicação :
a) o âm bito de i n cidência do p r i n cípio da d i g n i dade da pessoa h u mana é a i n d a
m u ito i m p reciso;
b) essa " p ro m oção j u d icial da dign idade da pessoa h u m ana" exige f u n d am e n ­
tação específica e re levante (art. 489, § 1 o, I e 1 1 , CPC), pois h á clara i nterferência do
juiz n o p rocesso;
c) o CPC p restigia a auto n o m i a da vo ntade das partes (art. 1 90); ass i m , essa
p ro m oção j ud i cial da d i g n i dade da pessoa h u m ana tem como u m dos seus l i m ites
a l i berdade p rocess ual das partes, a q ue m se perm ite, p ree nch idos os p ressu postos
do exe rcíci o do pod e r d e auto rregrame nto p rocessual, não aceitar este com porta­
m e nte mais ativo do órgão j u lgado r; isso porq u e u m a das mais i m po rtantes d i m e n ­
sões da d i g n i dade da pessoa h u m ana é, exatame nte, a liberdade, c o m o p o d e r de
regu lar a p ró p ria exi stê ncial8•
Essas d i retrizes são, n o e n tanto, merame nte exe m p l ificativas - o desenvolvi­
m e nto da a p l i cação d o a rt. 8° do CPC certa m e nte reve lará o u t ras condicion antes q u e
devem s e r observadas pelo órgão j u lgad or para " p ro m over" a dignidade da pessoa
h u mana no p rocesso.
Essa d u p l a exigência - resguardo e p ro m oção - está n a linha do q u e ve m
defe n d e n d o a d o utri n a sobre o assu nto, seg u n d o a q ual a dignidade da pessoa h u ­
m a n a garante a o i n d ivíd uo, de u m lado, q u e o Estado não a viole, e , d e outro, q u e
o Estado a p ro m ova e efetivel9•
H á, ai n d a, outra q u estão: c o m o d i sti n gu i r a d i g n i dade da pessoa h u mana, n o
p rocesso, do devido p rocesso l egal ?
O devido processo le3al é u m d i reito f u n d a m e ntal cujo conteúdo é co m p l exo
e ve m s e n d o co n struído nos ú lti mos dez séc u l os. Desde 1 .066, com o Decreto Feu­
dal de Con rado 11, i n ú m e ras garantias p rocess uais vêm sendo reu n i das para dar à
pessoa q u e é parte de u m p rocesso u m trata m e nto digno - o tema será visto mais
à frente. Essas garantias se arti c u l a m d e ntro d e uma m e s m a r u b ri ca: o d evido p ro­
cesso legal . Bem pen sadas as coi sas, o devido p rocesso legal é o rót u l o q u e se deu
à exigê ncia d e q u e u m p rocesso confi ra tratam e nto digno às pessoas. Dar u m trata­
m e nto p rocess ual d i g n o é garanti r o contraditório, a p ro d u ção de p rovas, o di reito
ao recu rso, o j u i z i m parcial, a p ro i b i ção de p rova i lícita, a exigê ncia d e m otivação,

38. Sobre a última parte, SARLET, l ngo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2' ed., cit., p. 90
39. SARLET, l n go. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2' ed., cit., p . 1 1 0 e segs.

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N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

a lealdade p rocessual, a p u b licidade etc. Enfim, a di3nidade d a pessoa humana, no


processo, é o devido processo le3al.
Só q u e o d evido p rocesso legal é cláusula co n h ecidís s i m a, secular, cujo conte ú ­
d o m ín i m o já f o i i n co r p o rado a o texto da Constitu i ção. Dign idad e da pessoa h u mana
é cláusula n o rm ativa recente, ai nda carente de m ai o r d e n sidade normativa.
U m a eficácia da d i g n i dade da pessoa h u m ana no processo civil, q u e não se
co nfu n da com a eficácia d o devi do p rocesso legal, é algo q u e p recisa ser d e m o n s ­
trado . N ã o consegu i m os visl u m b rar d iferen ças n e m n o âm bito d e aplicação n e m n as
conseq u ê n cias da aplicação; é c o m o se q u isésse mos co n s i d e rar co m o d i sti ntos dois
co n j u ntos q ue poss u e m o m e s m o conteúdo - se A=B, então A não pode ser d isti nto
de B, co m o afi rma o p ri n cípio lógico da n ão-co ntrad i ção . E m um p ri m e i ro m o m e nto,
parece estarmos diante de um caso e m q u e, a des peito d e nomes diferentes, há
uma mesma n o rma j u rídi ca.
Mas é certo que a referência à di3nidade da pessoa humana pode ajudar na
recons trução de novos sen tidos ao devido processo le3al.

A arg u m e ntação j u ríd i ca em torno da d i g n i dade da pessoa h u m a n a pode, com


o pe rdão pelo truísmo, aj udar na humanização do processo civil, o u sej a, n a cons­
trução d e u m p rocesso civi l ate nto a p ro b l e m as reais que afetem a d i g n i dade d o
i n d ivíd u o . A dign idade da pessoa h u mana, ass i m , i l u m i na o d evido p rocesso legal.
Essa re percussão pode revelar-se ao m e n os d e d u as m a n e i ras:
a) n a construção de n o rmas j u ríd i cas p rocessuais q u e visem mais d i retam e n te
à p roteção da d i g n i dade da pessoa; o CPC p reocu pou-se com isso clarame nte, e m
diversos d i s positivos, q uase todos e l e s novidades n o d i reito p rocessual civi l b rasi­
l e i ro .
Eis algu n s bons exe m p los: d i reito do portad o r de d eficiência aud itiva a com u ­
n i car-se, e m audiên cias, p o r m e i o da Língua B ras i l e i ra d e Si nais (art. 1 62, 1 1 1); con sa­
gração da ati picidade da n egociação p rocessual (art. 1 90, CPC); di reito das pessoas
com defici ência à acess i b i l idade aos meios e l etrô n i cos d e com u n i cação p rocessual
(art. 1 99, CPC); d i reito ao s i l ê n ci o n o processo civi l (art. 388, CPC); p ro i b i ção d e
p e rgu nta vexatória à teste m u n ha (art. 4 5 9 , §2o ); h u m anização do p rocesso de i nter­
d i ção (arts. 7 5 1 , § 3o, 7 5 5 , 1 1); i m pe n h o ra b i l i dade d e certos b e n s (art. 8 3 3 , CPC): n este
rol, a ú n ica q ue não é n ovidade legislativa; tramitação prioritária de p rocessos d e
pessoas i dosas o u p o rtado ras d e d o e n ças graves (art. 1 .048, CPC).
Observe q u e todas essas regras poderiam tran q u i la m e nte ser ded uzidas do
p r i n cípio do devido p rocesso lega l .
b ) N a reco nstru ção d o sentido d e algu n s artigos d o CPC, c o m o a s d i s posi­
ções sobre i m pe n h o ra b i l i dade, que podem ser i nterpretadas extensivamen te, para

77
FREDIE DIOIER JR.

abranger o utros be n s cuja pe n h o ra co m p ro m eta a d i g n i dade da pessoa h u mana:


p róteses, jazigos ocu pados, cão-gu i a d e u m cego etc.
Tam bé m aq u i s u rgi rá, certame nte, a q uestão: a alegação d e desres peito ao
comando do art. 8°, n essa parte, auto rizará a i nte rposição de recu rso es pecial, de
rec u rso extrao rd i nário (art. 1 °, 1 1 1 , CF/1 988) ou de am bos? Sigo na m e s m a l i n ha: o
d i s positivo, n essa parte, é u ma paráfrase d o i n ciso 1 1 1 d o art. 1 ° da CF/1 988; c o m o
m e ra re p rod u ção, não m e parece cabíve l o recu rso especial p o r alegação d e ofensa
a essa parte d o art. 8o d o CPC.
Fi n a l m e nte, e m bora seja com u m relaci o n a r a d i g n i dade da pessoa à pessoa
n at u ral (" pessoa h u mana", nos termos da Co n stituição Federal), n o p rocesso civi l
ela d eve ser este n d i d a a todo aq u e l e q u e pode ser parte, ai n d a q u e com n ível d e i n ­
te n s idade d iferente: a l é m das pessoas natu rais, a s pessoas j u ríd icas, c o n d o m í n i os,
n ascitu ro, ó rgãos p ú b licos etc. É p reciso garanti r a q ua l q u e r parte um t ratame nto
digno.

2.3. Princípio do contraditório

2.3. 1. Generalidades e a regra da proibição de decisão-surpresa

O p rocesso é u m p roced i m e nto estrutu rado e m contraditó rio .


Apl ica-se o p ri ncíp i o d o contrad itório, d e rivado q u e é d o d evi do p rocesso legal,
nos âm bitos j u risdicional, ad m i n i strativo e n egociai (não o bstante a l iteralidade do
texto co n stitucio nal).
A Co n stituição Fede ral p revê o contraditório n o i n ciso LV do art. so: "aos liti­
gantes, e m p rocesso j u d i cial o u ad m i n i strativo, e aos acusados e m geral são asse­
gu rados o contraditório e a m p l a defesa, com os meios e recu rsos a ela i n e rentes".
o p ri n cípio do contraditório é reflexo d o p ri n cípio d e m ocrático n a estrutu ração
do p rocesso. D e m ocracia é partici pação, e a partici pação no p rocesso o p e ra-se pela
efetivação da garantia d o contrad itóri o . O p ri n cípio do contraditório d eve ser visto
co m o exigência para o exercício d e m oc rático de um poder40•
O p ri n cípio do contraditório pode ser decom posto em d u as garantias: partici­
pação (au d i ê n cia, co m u n i cação, ciên cia) e possi b i l idade d e i nfluência n a decisão.
A garantia da partici pação é a d i m e nsão formal d o p ri n cípio do contraditó ri o .
Trata-se da garantia d e ser ouvido, d e parti ci par d o p rocesso, de ser com u n i cado,
poder falar n o p rocesso . Esse é o conteúdo mín i m o d o p ri n cípio do contraditório e
co n c retiza a visão tradicional a res peito do tema. De aco rdo com esse p e n sa m ento,

4 0 . S o b re o tema, MARI N O N I , Luiz G u i l herme. Novas linhas do processo civil, p . 2 5 5 - 258.

78
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

o ó rgão j u risdicional efetiva a garantia d o co ntraditório si m p lesmente ao dar e n sejo


à o uvida d a parte.
Há, porém, ainda, a d i m e n são substancial d o p ri n cípio d o contraditório. Tra­
ta-se do " poder de i nf l u ê n cia".4' N ão adianta permitir q u e a parte s i m p l e s m e nte
parti cipe d o p rocesso. Apenas isso não é o s uficie n te para q ue se efetive o p ri n cípio
d o contraditó ri o . É n ecessário que se perm ita que ela seja ouvida, é c laro, mas em
c o n d i ções d e poder i nfl u e n ciar a decisão do ó rgão j u risdicional.
Se n ão fo r conferida a possi b i l idade de a parte i nfl u e n ciar a d ecisão d o ó rgão
j u risd icional - e isso é o poder de influência, de i nterferi r com arg u m e ntos, ideias,
alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundame ntal perce ber
isso: o contraditório n ão se efetiva apenas com a o uvida d a parte; exige-se a par­
tici pação com a poss i b i l i dade, conferida à parte, de i n f l u e n ciar n o conteúdo da
d ecisão.
Essa d i m e n são s u bsta n c ial do c o ntrad itório i m pede a p rolação d e decisão s u r­
p resa; toda decisão s u b metida a j u lgamento d eve passar antes pelo contraditóri o .
Isso porq u e o " Estado d e m ocrático n ão se com p raz com a i d e i a d e atos repenti­
n os, i nesperados, de q ua l q u e r dos s e u s órgãos, m o rm e nte daq ueles desti nados à
a p l icação d o D i reito. A efetiva participação dos sujeitos p rocessuais é medida q u e
con sagra o p ri n cípio d e m ocrático, cujos f u n d a m e ntos são vetores h e r m e n êuticas
para apli cação das n o r m as j u ríd icas " Y
Vam o s exem pl ificar o q u e se diz.
Co m o poderia o ó rgão j u risdicional p u n i r alguém, sem q u e lhe ten h a dado a
c h a n ce d e m a n ifestar-se s o b re os fu n damentos da p u n ição? Por exe m plo, d e m o n s ­
tra n d o q u e os fatos e m q u e baseia a sua d eci são o u n ão oco rreram o u ao m e n o s
não perm item a apli cação daq u e l a sanção . Se n ão fosse ass i m , teríamos p u n i ção
sem contrad itó ri o . Não é lícita a a p l i cação d e q ua l q u e r p u n i ção p rocessual, sem q ue
se d ê o p o rt u n i dade d e o " possível p u n ido" man ifestar-se p reviamente, d e m o d o a
q u e seja possíve l, de algu m a fo rma, i nf l u e n ciar n o res u ltado da decisão.
Mais co n d ize nte com a essa visão do p ri n cípio do contraditório é o art. 7 7 2 , 1 1 ,
d o CPC, q ue i m põe a o j u iz q ue, e m q ua l q u e r m o m e nto da fase executiva, advi rta o
executado q ue o seu p roced i m e nto constit u i ato ate ntató rio à dignidade da j u stiça.
O ra, antes de p u n i r, adve rte s o b re o com portam e n to aparentem ente te m e rário, para
q ue a parte possa exp l i car-se.

4 1 . MARI N O N I , L u i z G u i l herme. Novas linhas d o processo civil, p . 258-259.


42. C U N HA, Leo nardo Carn e i ro da. A a tendibilidade dos fa tos supervenien tes no processo civil: uma análise com­
parativa en tre o sistema portu3uês e o brasileiro. Coi m b ra: AI medi na, 20 1 2, p. 6 1 .

79
FREOIE DIOIER JR.

Tam bé m deve s e r assi m a apli cação d a m u lta do art. 7 7 , § 2°, CPC. Deve rá o
m agistrado, ao expedi r a o rd e m o u o m andado para cu m p ri m e nto da d i l igên cia, p ro­
videnciar adve rti r esses sujeitos (partes ou tercei ros) d e q u e o seu co m po rtam e nto
recalcitrante poderá res u ltar na a p l i cação da m e n ci o n ada m u lta. Sem essa com u n i ­
cação/adve rtê ncia p révia, a m u lta porventu ra a p l i cada é i nválida, p o r desrespeito
ao p ri n cípio do contrad itóri o . O res p o n sável p recisa saber das possíve is con seq u ê n ­
cias de s u a co n d uta, até m e s m o para d e m o n strar a o m agi strado a s razões pelas
q uais não c u m p ri u a ordem, o u n ão a fez c u m p ri r, o u até m e s m o para d e m o n strar
q u e a c u m p ri u ou não cri o u q ualq u e r o bstác u l o para o seu c u m pri m e nto. Afi nal, o
contraditório se pe rfaz com a i nfo rmação e o ofereci m e nto d e oport u n i dade para
i nf l u e n ciar n o conte ú d o da deci são; participação e poder de i nf l u ê n cia são as pala­
vras-chave para a co m p reen são desse princípio constitucional. Esse dever de adve r­
tência foi exp ressam e nte con sagrado no § 1 o do art. 77 do CPC.
Correta tam bém a s o l u ção encontrada pelo S u peri o r Tri b u nal de j u sti ça, n o j u l ­
gam e nto do Rec u rso Especial n . 250. 7 8 1 /SP, re i . M i n . J o s é De lgado, D J d e 1 9 .06. 2000:
" P rocess ual civi l . Litigância de m á-fé. Req u i s itos para s u a configu ração . 1 . Para
a c o n d e n ação em l itigância de má-fé, faz-se n ecessári o o p ree n c h i m e n to de três
req u i sitos, q uais sej a m : q u e a c o n d uta da parte se s u b s u m a a uma das h i póteses
taxativa m e nte e l e n cadas n o art. 1 7, do C PC; q ue à parte te n h a sido ofe recida o p o r­
t u n idade de d efesa (CF/1 988, art. 5°, LV); e q u e da s u a c o n d uta res u lte p rej uízo
p rocessual à parte adve rsa."
A d i m e n são su bstancial do contraditório é o f u n dame nto para que se consi­
d e re co m o f u n damental o d i reito a ser aco m pan h ado p o r u m advogado . O aco m pa­
n h a m e nto téc n i co é i m po rtantíssi m o, ao m e n o s como regra, para a efetivação d o
d i reito a o contraditó ri o . Com põe, por i s s o m e s m o, o conteúdo mín i m o d o p ri n cípio
do devi d o p rocesso legal.
A parti r destas ideias, podemos avançar u m po uco mais.
Vejamos a q uestão da fo rm ação dos p ro n u n ciame ntos j u diciais e o p ri n cípio
d o contraditó ri o .
Os p ro n u n ciame ntos j u diciais pautam -se, o bviamente, e m q u estões de fato e
de d i reito. O j u iz exa m i n a a q u estão de fato e, e m seguida, exam i n a a q u estão de
d i reito, para poder deci d i r.
o juiz pode basear-se em fa to que não foi ale3ado pelas partes. O art. 493 do
CPC determ i n a que "se, depois da p ro positu ra da ação, algum fato con stitutivo,
m odificativo ou exti ntivo do di reito i nf l u i r n o j u lgam ento do m é rito, caberá ao ó rgão
j u risdicional tomá-lo em consideração, de ofíci o ou a req u e ri m e nto da parte, no mo­
m e nto de p rofe ri r a decisão . " O juiz pode, portanto, levar e m consideração ex otficio
fato s u p e rve n i e nte re l evante para a s o l u ção da causa. S u cede q ue, para observar o

80
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

contraditório, d eve antes o uvi r a s partes sobre esse fato - é, aliás, o q ue dete rm i n a
o par. ú n . desse m e s m o art. 493.
Esse d i s p ositivo concretiza a regra geral p revista n o art. 10 do CPC, tam bém
ela con sagrado ra do p ri n cípio do contraditório: "O j u iz n ão pode decid i r, e m grau
alg u m de j u risdição, com base e m f u n d a m e nto a res peito do q ual não se ten h a
d a d o à s partes o p o rt u n i dade de se man ifestar, a i n d a q ue se trate de m atéria sobre
a q ual deva deci d i r de ofício". O deve r é refo rçad o pelo art. 9 3 3 , CPC, q u e d i sci p l i n a
o p rocesso e m tri b u n ais.
H á q u estões fáticas que podem ser apreciadas pelo m agi strado ex ofticio. O
j u i z pode con hecer d e fatos q u e n ão te n h am sido alegados. Ele pode trazer, ele
pode aportar fatos ao p rocesso. M as o ó rgão j u risdicional não pode l evar e m con­
s i d e ração u m fato de ofício, sem que as partes t e n h a m tido a o p o rt u n idade de se
man ifestare m a res peito.
I m agi n e a segui nte situação : A e B estão l itigando, cada um argu m e nta o q ue
q u is e o j u iz, n o m o m e nto d a sente n ça, baseia-se e m u m fato q u e não foi alegado
pelas partes, n ão foi discutido por elas, mas está p rovado nos autos. O j u i z n ão
pode faze r isso sem s u b m eter esse fato ao p révio de bate entre as partes. Isso fe ri­
ria, escan caradame nte, o contraditó ri o . A decisão fo rmar-se-ia com base e m q ues­
tão de fato s o b re a q ual as partes não falaram, e, p o rtanto, basear-se-ia e m q uestão
a res peito da q ual as partes não p u d e ram ter exercitado o " poder d e i n f l u ê ncia",
não p u d e ra m dizer se o fato aco nteceu o u n ão aco ntece u, o u aco ntece u daq uela
o u d e outra fo rma.
E, aq u i , entra uma d i sti n ção que é m u ito útil, mas pouco lem b rada. Uma c i r­
c u n stância é o j u iz poder co n h ecer de ofício, poder agi r de ofício, sem p rovocação
da parte. O u t ra c i rcu n stância, bem d ifere n te, é poder o ó rgão j u risdicional agi r sem
ouvi r p reviamente as partes. Poder asir de ofício é poder asir sem provocação; não
é o mesmo que asir sem ouvir as partes, q u e n ão l h e é permitido.
Vam o s exam i nar o te m a e m re lação às q uestões de direito.
Há um ve l h o brocardo iura novit curia (do D i reito c u i d a a corte) . H á, ai n d a,
o u t ro da mihi factum dabo tibi ius (dá- m e os fatos, q ue e u te darei o d i reito).
N ão pode o ó rgão j u risdicional deci d i r com base e m um arg u m e nto, uma q ues­
tão j u ríd ica o u uma q u estão de fato não postos pelas partes n o p rocesso. Pe rce ba:
o ó rgão j u risdicio nal, por exe m plo, verifica q u e a lei é i n constituci o n a l . N i nguém
al ego u q u e a lei é i n c o n stituci o n a l . O autor ped i u com base e m u m a dete rm i n ad a
lei, a outra parte alega q ue essa lei n ão se a p l i cava ao caso . O j u i z entende de o u ­
tra manei ra, a i n d a n ã o ave ntada pelas partes: " Essa l e i apo ntada pelo autor co m o
fu n damento do s e u ped i d o é i n co n stitucio n a l . Po rtanto, j u lgo i m p rocedente a de­
m a n da". O ó rgão j u risdicional pode fazer isso, m as d eve antes s u b m eter essa n ova
abordage m à discussão das partes.

81
FREDIE DIDIER )R.

o ó rgão j u risdicional teria d e , nessas c i rc u n stâncias, i ntimar a s partes para


m a n ifestar-se a res p e ito ("i nti m e m -se as partes para q ue se man ifeste m s o b re a
constit u c i o n a l i dade da lei"). N ão h á aí q ualq u e r p rej u lga m e nto. Trata-se d e exercício
d e m ocrático e coo perativo do poder j u risdicional, até mesmo porq u e o j u i z pode
estar e m d úvida sobre o tema.
Ass i m , evita-se a p ro l ação d e uma decisão - s u r p resa.
Vam o s agravar a situação .
I m agi n e o Tri b u nal d e j u stiça deci d i n d o com base e m q u estão j u ríd ica n ão
colocada pelas partes, sem a s u a p révia man ifestação : só l h es restarão os recu r­
sos extrao rd i n ários, com todas as dificuldades a eles i n e re ntes. A poss i b i l idade d e
aco ntecer i s s o em tri b u nal é m u ito grande, n otadamente e m razão d a p raxe fore n se
d e n o m i nada "entrega d e m e m o riais". Quantas e q uantas vezes, os advogados nos
m e m o riais, dão u m a aj eitada n o p rocesso, uma corrigida, acresce nta n d o u m argu­
m e nto n ovo, q ue n ão estará nos autos porq u e os m e m o riais foram e ntregues e m
gabi n ete d o m agistrado .
Decisão-su rpresa é decisão n u la, por violação a o p ri n cípio do contraditó ri o43•
Essa n ova d i m e n são do p ri n cípio do contraditório redefi n e o m o d e l o d o p ro­
cesso civi l b ras i l e i ro . o p rocesso h á d e ser coo perativo. O tema voltará a ser anali­
sado mais à frente, n o item dedicado ao p r i n cípio da cooperação.
H á o utro ponto s o b re o contraditório q ue é d i g n o de n ota.
o caput d o art. 9° do CPC estabelece q u e " n ão se p roferi rá decisão contra u m a
d a s partes s e m q u e e l a seja p reviam ente o uvida". O u seja, co m o regra, alguém

4 3 . OLIVE I RA, Carlos Al b e rto Alvaro d e . " Po d e res d o j u iz e visão coope rativa d o p rocesso". Revis ta d e Direito
Pro cessual Civil. Cu rit i ba: G ê n esis, 2003, n. 27, p. 28-29; D I D I E R ] r., Fred i e . " Princípio do contraditório: as­
pectos práticos". Revis ta de Direito Processua l Civil. C u ritiba: Gênesis, 2003, n. 29, p. 5 1 0; B E DAQ U E, ]osé
Roberto dos Santos. "Os e l e m e ntos o bj etivos da demanda exa m i nados à l u z do contrad itó rio". Causa de
pedir e pedido no p ro cesso civil (q ues tões po lêmicas). José Roberto dos Santos Bedaq u e e José Rogério
Cruz e Tucci (coord . ) . São Pau l o : RT, 2002, p . 39-42; G RECO, Leonardo. "O p r i n cípio do contrad itório". Revis ta
Dia lética de Direito Processual. São Pau l o : D ialética, 2005, n. 24, p . 76- n; CABRAL, A n t ô n i o do Passo. "O
contrad itório como dever e a boa-fé processual o bjetiva". Revis ta de Processo. São Pau l o : RT, 2005, n. 1 26;
CABRAL, Anto n i o do. "11 p r i n c i p i o dei contradd itto rio come d i ritto d ' i n f l u e nza e dovere d i d i battito" . Rivis ta
Di Diritto Processua le. M i la n o : CEDAM, 2005, v. 2, n. 2, p . 449-464; ZAN ETI ] R., H e r m e s . A cons tituciona lização
do processo. O modelo cons titucion a l da jus tiça brasileira e as relações en tre processo e constituição. 2• e d .
revista, a m p l i ada, alterada. São Pau l o : Atlas, 20 1 4, p . 1 80; N U N ES, D i e r l e ]osé Coe l h o . Processo jurisdicion a l
democrático. C u ritiba: ] u ruá, 2008, p . 224-2 3 1 ; M I T I D I ERO, D a n i e l . Co laboração no processo civil. São Pau l o :
RT, 2009; C U N HA, Leonardo Carn e i ro da. A a tendibilidade d o s fa tos supervenientes no processo civil: u m a
análise compara tiva en tre o sistema portusuês e o brasileiro. Coi m b ra: A l m e d i n a, 20 1 2, p . 6 1 ; BARREI ROS,
Lor e n a M i randa. Fundamentos cons titucionais do princípio da cooperação processual. Salvado r : E d i t o ra j u s
Podivm, 201 3, p . 1 98 - 1 99; CAVA N I , Renzo. "Contra as ' n u l i dades- s u r p resa': o d i reito f u n d a m ental a o contra­
d itório d i ante da n u l i dade p rocess u a l " . Revista de Processo. São Pau l o : RT, 20 1 3, n . 2 1 8, p . 6 5-80; MALLET,
Estevão . " N otas s o b re o p r o b l e m a da chamada 'decisão- s u r p resa"'. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2 0 1 4,
n. 233, p . 4 3 - 6 3 .

82
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I l

s o m e nte pode ter u m a d ecisão j u d i cial p roferida contra s i a p ó s ter s i d o garantida a


chance de ser o uvido.
É m u ito i m p o rtante observar que a regra i m põe a audiência da parte
para q u e a decisão seja p roferida con tra ela. Se a decisão for favo rá­
vel à parte, não há necessidade de ela ser o uvida.
É por isso que se permitem o i n d eferi m e nto d a petição i n icial (art.
3 30, C PC) e a i m p rocedência l i m i na r do pedido (art. 3 3 2, C PC), a m bas
as decisões favo ráveis ao ré u, p roferidas sem que ele ao menos te­
n h a sido citado .
É e m razão d isso, tam bém, q u e o relator som ente p recisa o u v i r o
reco rri d o se for dar p rovi m e nto ao recu rso (art. 932, V, CPC); não
h á n ecessidade de ouvi-lo se n egar p rovi m e nto o u não ad mitir o
rec u rso. Tam bé m é p o r isso q u e o órgão j u lgador s o m e nte ouvirá o
e m bargado, se o aco l h i m ento dos em bargos de declaração i m p l icar
m o d ificação d a decisão e m bargada; se a decisão permanecer i nalte­
rada, m e s m o com o aco l h i m ento dos e m bargos, n ão h á razão para
ouvir antes o e m bargado (art. 1 .023, § 2°, CPC).

H á, porém, situações excepcionais, e m q ue se adm ite a decisão sem a ouvida


d a parte contrária (inaudita a ltera parte). O par. ú n . d o art. 9o t raz al3uns exe m plos:
decisão que con cede tutela p rovis ó ria l i m i nar d e u rgê ncia (art. 300, §2o, CPC), de­
cisão que concede tutela p rovisória l i m i nar d e evid ê n cia (arts. 3 1 1 , 11 e 1 1 1 , C PC) e a
deci são q ue dete r m i n a a expedição d o mandad o m o n itório, n a ação m o n itória (art.
701 , C PC), q u e também é exe m p l o de tutela p rovisória da evidência. E m bora n ão
conste do rol d o par. ú n . d o art. 9°, também é exe m p l o d e decisão l i m i n a r aq uela
p revista n o art. 562 do C PC, q ue autoriza a expedição tutela anteci pada possessória,
q u e tam bém é d e evi d ê n cia, ass i m c o m o a tutela p rovisória n o p rocesso d e despej o
(art. 5 9 , § 1 o, Lei 8. 245/ 1 99 1 ) e a tutela p rovisória n o mandado d e segu ran ça (art. 7°,
1 1 1 , Lei n. 1 2 .01 6/2009) . O ro l, como se vê, não é exaustivo .
N ão h á violação da garantia d o contraditório n a con cessão, j u stificada p e l o
p e rigo, de t u t e l a p rovisória l i m i n ar. Isso porq u e h á u m a p o n d e ração legislativa e n ­
t re a efetividade e o contraditório, p reserva n d o -se o contrad itório para m o mento
posteri o r. O contraditó rio, n este caso, é p osteci pado para m o m e nto segui nte ao d a
c o ncessão d a p rovidência d e u rgência44• Co m o a decisão é p rovisória, o p rej u ízo
para o réu fica aliviad o .
Nos casos d e tutela p rovisória l i m i nar de evid ê n cia, e m bora não h aja perigo, a
alta p robab i l i dade de êxito da d e m a n d a é reco n h ecida c o m o apta a m itigar o c o n ­
t raditório, posteci pando-o d a m e s m a m a n e i ra.

4 4 . O LIVEI RA, Carlos A l b e rto Alvaro d e . "Garantia d o Contrad itóri o " . Garan tias Cons titucionais d o Processo Civil.
]osé Rogé rio Cruz e Tucci (coord.). São Pau l o : RT, 1 999, p. 1 47 - 1 48 .

83
FREDIE DIDIER JR.

2.3.2. Dever de o juiz zelar pelo efetivo contraditório

A parte final d o art. 7o do CPC i m põe ao ó rgão j u lgad o r o dever de zelar pelo
efetivo contraditóri o . C o m o se já não bastasse, o art. 1 3 9, I , ratifica: "O juiz d i rigi rá
o p rocesso conform e as d i s posições d este Código, i n c u m b i n d o - l h e : I assegu rar às -

partes igual dade de trata m e nto".


A d i s posição n o r m ativa é n ova, e m b o ra a n o rm a p u d esse ser com p reendida
como concretização dos p ri n cípios constitucionais da igual dade e do contrad itóri o . É
q u e essas n o rmas de d i reitos f u n dam e ntais i m põem ao ó rgão j u risdicional o dever
de p rotegê-los; o d i s positivo, aq u i , ape nas concretiza essa exigên cia.
N ão é por acaso q u e essa n o rm a deco rre do m e s m o artigo q u e con sagra o
p ri n cípio da igualdade p rocess u a l . A igualdade p rocess ual reve la-se na " paridade
d e armas" (para usar uma exp ressão clássica, que d e n ota uma p reocu pação com a
igualdade fo rmal) e n o "eq u i líb rio p rocessual "45• Em s u m a, é preciso q ue as partes
possam exe rce r o contraditório e m condi ções iguais.
O ó rgão j u lgado r, com base nessa regra, pode i nterv i r n o processo para p ro m o ­
ve r o efetivo contrad itório e, p o r con seq u ê n cia, a igualdade p rocessual. N a s ugesti­
va l i ção de Rafae l Abreu, o j u i z deve atuar para " n e utral izar as desigualdades" q u e
possam afetar a atuação das partes e pro m ove r u m a "eq u ivalência d e o p o rt u n ida­
des" a todos os sujeitos p rocess uais46•
Mal a p l i cada, a regra pode l evar a situações q u e desca m b e m para arbitrarie­
dades e, n o l i m ite, para o reco n h ec i m ento da q u e b ra da i m parcial i dade do j u iz . É
p reciso ter m u ito c u i dado. A n o r m a deve restri n g i r-se a permitir adeq uações do p ro­
cesso feitas pelo j u iz, e m situações excepci o n ais, para reeq u i l i b rar o contrad itóri o .
A n o rm a não perm ite q u e o j u iz i nterfi ra n o conteúdo d a s postu lações, desco n s i d e re
a reve l i a deco rrente de citação vál i da, determ i n ando n ova citação, o u q u e contro l e
a vo ntade d a s partes manifestada val idame nte n o p rocesso.
Um exe m p l o . O art. 1 90 do CPC perm ite a ce l e b ração de n egócios j u rídicos
p rocessuais atípicos. Um n egócio p rocessual pode reestrut u rar a conformação do
contraditóri o . Essa reestrutu ração é vo l u n tária e, respeitados os p ressu postos do
art. 1 90, d eve ser observada pelo ó rgão j u lgado r, a q u e m n ão co m pete i m i scu i r-se
n a vontade das partes, neste parti c u lar. O contro l e j u d icial do "efetivo contraditó­
rio", n esses casos, s o m e nte poderá ocorrer nos casos d e n u l idade, i n serção abusiva
em contrato de adesão ou q u ando a parte se e n co ntrar em man ifesta situação d e

4 5 . Expressão mais conte m porân ea, relacio n ada à igualdade m aterial (ABREU, Rafael Sirangelo Bel m o nte d e . lsual·
dade e processo civil - perfis conceitual, funcional e estrutural do direito fundamen tal à isonomia no processo
civil do Estado Constitucional. Disse rtação de m estrad o. Programa de Pós-grad uação em D i reito da U n iversida­
de Fede ral do Rio Grande do Sul. Po rto Al egre, 201 4).
46. ABREU, Rafael S i rangelo B e l m o nte de. lsua ldade e processo civil - perfis conceitual, funcional e estrutural do
direito fundamental à isonomia no processo civil do Estado Constitucional, p . 1 02.

84
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

v u l n e ra b i l idade (art. 1 90, par. ú n ., CPC, d i s positivo q u e d i m e n s i o n a o dever d e zelar


pelo efetivo contrad itório d i ante de um n egócio p rocess ual atípico).
H á um n ovo e i nteressante d i s positivo q ue serve para a concretização deste
d ever: o i n ciso VI do art. 1 39, p ri m e i ra parte, q ue co nfere ao j u i z o poder d e "di la­
tar os prazos p rocess uais". A d i lação dos prazos p rocess uais é uma das p r i n ci pais
téc n i cas para reeq u i l i b rar o contrad itó rio. I m agi ne-se o caso d e o ré u ter an exado à
contestação dez m i l docu m e ntos, além d e ter reco nvi n d o; os q u i nze d i as p revi stos
para o autor m a n i festar-se sobre t u d o isso são, no caso, claramente i n s uficientes
para u m contrad itório efetivo. Ao permitir q ue se a m p l i e o p razo p rocessual, o i n ci­
so VI d o art. 1 39 confe re ao juiz um poder para c u m prir o dever q ue lhe foi co m etido
pela parte fi nal do art. 7°.
O dever d e zelar pelo efetivo contraditório pode servi r co m o fu n da m e nto n o r­
m ativo de adequações a típicas d o p rocesso feitas pelo j u i z - sobre o princípio da
adequação jurisdicional do processo, ver item mais à frente. U m exe m p l o . A de­
signação de c u rado r especial é uma téc n i ca d e eq u i l i brar o contraditório, e m favor
daq u eles c o n s i d e rados pela l ei co m o e m situação d e vu l n e ra b i l i dade p rocessual. É
possível q u e, e m situações atípi cas d e v u l n e ra b i l idade p rocessual, o j u i z designe
u m c u rado r especial à parte, fo ra das h i póteses do art. 72, co m o fo rma d e zelar pelo
efetivo contraditório. Basta pensar n a h i pótese de o advogado não com parece r à au­
d i ê n cia d e i n stru ção, e m q u e se rão o uvidas as partes e alg u m as teste m u n h as; para
não p rej u d icar o eq u i líbrio do contraditó rio, o j u i z poderá dete rminar q u e u m de­
fe n s o r p ú b l ico, p resente n o fóru m , atu e como c u rado r especial naq u ela a u d i ê ncia.

2.4. Princípio da ampla defesa

Contraditório e a m p l a d efesa fo rmam u m belo e co n h ecido par. Não p o r acaso,


estão p revistos no m e s m o d i s positivo co nstitu cional (art. so, LV, CF I 1 988) .
Trad i cional m e nte, a doutri n a d i sti nguia am bas as garantias, e m bo ra reco n h e­
cesse q u e e ntre elas h avia fo rte c o n exão . Bem i l u strativo d esta co n ce pção é o e n ­
te n d i m ento de Delosmar M e n d o n ça j r. : " . . . são figu ras con exas, s e n d o q u e a am p l a
defesa q ual ifica o contrad itó rio. N ão h á co ntrad itório sem defesa. Igual m e nte é lícito
dizer q ue n ão há defesa sem contrad itório. ( . . . ) o contrad itório é o i n stru m e nto de
atuação d o d i reito de defesa, o u sej a, esta se realiza através d o contrad itó ri o " Y
C o n v é m l e m b rar, ai n d a, q u e a am p la defesa é " d i reito f u n dame ntal d e am bas
as partes",48 co n s i sti n d o no conj u nto d e meios ade q u ados para o exe rcício d o ade­
q uado contrad itório.

47. M E N DONÇA ) r., Delosmar. Princípios d a ampla defesa e d a efetividade no processo civil brasileiro. S ã o Pau lo:
M a l h e i ros Ed., 200 1 , p . 55.
48. M E N DONÇA ) r., Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro, p . 5 7 .

85
FREDIE DIDIER JR.

Atu a l m e nte, tendo e m vista o d esenvo lvi m e nto da d i m e n são s u bstancial d o


p ri n cípio d o contraditório, pode-se d i z e r q u e eles se fu n d i ram, form a n d o u m a a m á l ­
g a m a d e u m ú n i co d i reito f u n d a m e ntal.
A ampla defesa corresponde ao aspecto substancial do princípio do contraditório.

2.5. Princípio da publicidade

Processo d evi do é p rocesso público. O d i reito f u n d a m e ntal à p u b l ici dade dos


atos p rocess uais está garantido pelo art. so, LX, C F/ 1 988. Os arts. 8o e 1 1 d o CPC
reafi rmam essa exigência.
Como afi r m o u o j u i z a m e ricano Lo u i s Brandeis, "A l u z do sol é o me­
lhor dos dete rge ntes; a l u z e l étrica é o melhor policial".

Os atos p rocess uais h ão d e ser p ú b licos. O p ri n cípio da p u b l icidad e ge ra o


d i reito f u n d a m e ntal à p u b l i cidade. Trata-se d e d i reito f u n dame ntal q u e tem, bas i ­
cam ente, d uas fu n ções: a ) p rotege r a s partes contra j u ízos arbitrários e secretos
(e, nesse se ntido, é conteúdo d o d evido p rocesso legal, c o m o i n stru m e nto a favo r
d a i m parcialidade e i n d e pendência d o órgão j u risdicio n al); b) permitir o contro l e
d a o p i n ião p ú b l ica s o b re os serviços da j u stiça, p ri n cipalm e n te sobre o exe rcíci o d a
atividade j u risdicion al49•
Essas d u as fu n ções reve lam q u e a p u b l i c i d ad e p rocessual tem d u as d i m e n ­
sões: a ) in tern a : p u b l i cidade para a s partes, b e m a m p la, e m razão d o d i reito f u n ­
d a m e ntal a o p rocesso d evido; b ) externa: p u b l i c i d ade para os tercei ros, q u e p o d e
s e r restri n g i d a e m algu n s casos, co m o se verá.
A Constituição Fed e ral estabelece poss i b i l i dade d e restrição ( m as n ão e l i m i ­
n ação) da p u b l icidade externa: "a lei s ó poderá restri n g i r a p u b l icidade d o s atos
p rocessuais q uando a d efesa da i nti m idade o u o i nteresse social o exigi rem " (art.
5 ° , LX, CF/1 988).

H á gran de preocu pação e m reafi rmar essa garantia c o n stituci o n a l . O CPC re pe­
te a exigê ncia n o art. 1 89.
O art. 1 89 determ i n a que alg u n s p rocessos devem tram itar e m segredo d e
j u stiça: 1 - e m q ue o exija o i nteresse p ú b l i co o u social; 1 1 - q u e ve rs e m sobre casa­
m e nto, separação d e corpos, d ivórcio, separação, u n ião estável, fi l i ação, a l i m e ntos
e guarda d e crian ças e ado l escentes; 1 1 1 - e m q u e constem dados p rotegidos pelo
d i reito constitucio n a l à i nt i m i d ad e; IV - q ue versem s o b re arbitrage m , i n cl usive
s o b re c u m p ri m e nto d e carta arbitral, desde q ue a confi d e n cial idade est i p u lada n a

49. Sobre a s d uas fu nções d a p u b licidade p rocessual, ABDO, Helena. Mídia e processo. São Pau l o : Saraiva, 201 1 . p .
48· 5 5 -

86
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

arbitragem s e j a co m p rovada perante o j uízo. O art. 1 89 d o CPC é regra q u e d á d e n ­


sidade n o r m ativa a o p ri n cípio da p u b l icidade.
O d i reito d e consu ltar os autos d e p rocesso que tram ite e m segredo d e j ustiça
e d e p ed i r certidões d e seus atos é restrito às partes e aos seus p rocu rado res. o
terce i ro q u e d e m o n strar i n te resse j u rídico pode req uere r ao j u iz certidão d o d i s ­
positivo d a sente n ça, bem como d e i nventário e parti l h a res u ltante d e d ivórcio o u
separação (art. 1 89, §2°, CPC).
Nos casos d e segredo d e j u stiça, pode ser autorizada a p resença s o m ente das
partes, de seus advogados, d e d efe n s o res p ú b l icos ou d o M i n i stério P ú b l i co, n as
a u d i ê n cias o u sessões d e j u lgame nto (art. 1 1 , par. ú n ., CPC).
A Emenda C o n stitucional n. 45/2004 ratifico u a exigê n cia da p u b l icidade de
todos os atos p rove n i e ntes dos ó rgãos do Poder j u d iciári o . O s i n cisos IX e X do
art. 9 3 da CF/ 1 988 passaram a ter a segui nte redação: " I X - todos o s j u lga m entos
dos ó rgãos d o Poder j u d iciário se rão p ú b l i cos, e fu n damentadas todas as d ecisões,
sob pena d e n u l idade, podendo a lei l i m itar a p resença, e m determ i n ad o s atos, às
p ró p rias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos n o s q uais a p re­
servação d o d i reito à i n t i m idade d o i nteressado n o sigilo n ão p rej u d i q u e o i n te resse
p ú b l ico à i nform ação50; X as decisões ad m i n i strativas dos tri b u nais serão m oti­
-

vadas e e m sessão p ú b l ica, s e n d o as disci p l i nares tomadas pelo voto d a maioria


absol uta d e seus m e m b ros".
O processo arbitral pode ser sigiloso. O sigi l o n ão é p ressu posto d o p rocesso
arbitral, mas é bem co m u m . O sigi l o d o p rocesso arbitral restri n ge-se à p u b l icidade
externa. Não h á p ro b l e m a e m relação a isso: trata-se de exe rcíci o da j u risdição por
ó rgão não-estatal, cujo o bj eto e nvolve situações j u ríd icas d i s p o nívei s titu larizadas
por pessoas capazes. O sigilo do p rocesso arbitral é co n c retização do d i reito fu n ­
d a m ental à p reservação da i nt i m idade. A arbitrage m q u e e nvolve e n tes p ú b l icos,
p o ré m , não pode ser sigi losa5' .
O art. 1 90 d o CPC auto riza a celebração d e n egócios j u rídicos p rocessuais atípi­
cos. N ão se ad m ite, porém, o pacto d e sigi lo p rocessual, u m "segredo da j u stiça" d e

so. Há u m a aparente p revalência do d i reito à i nformação e m relação à p roteção da i ntim idade. Este eventual
confl ito d e d i reitos fundamentais não pode ser resolvido a priori, como a redação do i nciso dá a entender;
somente à l u z do caso concreto, aplicado o pri n cípio da proporcionalidade, será possível verificar q ual dos dois
d everá prevalecer. O juízo de p o n d e ração é, sem p re, a posteriori, e feito pelo magistrado. A n d ré Ramos Tavares
adverte que a colisão e ntre a p u blicidade e a i n t i m idade não é a ú n ica q u e pode aco ntecer: "Há i n ú m e ros
out ros que podem e ntrar e m cena, em cada caso concreto (no respectivo p rocesso), tais como: dignidade
da pessoa h u mana, privacidade, h o n ra e d i reito à i m agem". (Reforma do judiciário no Brasil Pós-88 - (Des)
estruturando a justiça. São Pau l o : Saraiva, 2005, p. 34).
5 1 . Nesse sentido, e n u n ciado n . 15 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "As arbitragen s que e nvolvem
a Ad m i n istração P ú b lica respeitarão o p r i n cípio da p u b l i cidade, observadas as exceções legais (vid e art. 2•, §
3•, do Projeto n• 406/20 1 3)".

87
FREDIE DIDIER JR.

o rigem n egociai. Caso desej e m o p rocesso sigil oso, a s partes deve m e n cam i n h ar-se
para a arbitrage m .
H á u m a íntima relação entre o p ri n cíp i o da p u b l i cidade e a regra d a motivação
das decisões j ud i ciais, na medida em q ue a p u b l ici dade torna efetiva a partici pação
no controle dessas m e s m as decisões. A p u b l icidade é i n st ru m e nto d e efi cácia da
garantia da m otivação.
E m um sistema d e p recede ntes o b ri gatórios, co m o o b ras i l e i ro, a p u b l ici dade
gan h a contornos a i n d a mais p e c u l i a res e i m po rtantes . Todo p rocesso passa a ser
d e i nteresse d e várias pessoais, pois dele pode res u ltar um p recedente a p l i cáve l a
casos atuais e fut u ros.
É p o r isso q u e, ao regu lar a divulgação dos p recede n tes fi rmados em j u lga­
m e nto de casos re petitivos, o CPC determ i n o u (art. 979, §§ 1 °, 2°, e 3°): "§ 1 ° Os t ri b u ­
n a i s manterão banco eletrô n ico de dados atualizados com i n formações específicas
s o b re q u estões de d i reito s u b m etidas ao i n ci d e nte, co m u n i cando-o i m ed iatame nte
ao C o n se l h o Nacional de j u stiça para i n cl u são n o cadastro. § 2° Para possi b i l itar a
i d e n tifi cação dos p rocessos a b rangidos pela deci são d o i n ci d ente, o regi stro ele­
t rô n ico das teses j u ríd i cas co n stantes do cadastro conterá, n o mín i m o, os f u n da­
m e ntos d ete rm i nantes d a deci são e os d i s positivos n o rm ativos a ela relac i o n ados.
§ 3o A p l i ca-se o d i s posto n este artigo ao j u lgame nto d e recu rsos re p etitivos e da
re p e rcu ssão geral e m recu rso extrao rd i n ári o " .
N o B ras i l , há a tra n s m issão ao vivo, pela televisão, de j u lgame ntos do S u p re­
m o Tri b u nal Federa l . Ao q u e nos con sta, é exp e ri ê n ci a i n éd ita n o m u n d o . Trata-se,
i n d uvidosamente, d e uma téc n i ca d e co n c retização da d i m e n são exte rna do d i reito
f u n dam e ntal à p u b l i ci dade p rocess u a l . o fe n ô m e n o tem, como q uase t u d o, as pec­
tos positivos (disse m i n ação da i nfo rmação j u rídi ca, s o b retudo do posici o n a m e nto
do STF5') e n egativos (es petac u l a ri zação das sessões e o enfraq ueci m e n to da cole­
giali dade do j u lga m e n to53) . Os as pectos n egativos parecem ser p roduto da falta de

5 2 . "Ao ângulo p rático, a s tran s m i ssões d o s j u lgame ntos t ê m produzido resu ltados i nteressantes. Não é desprezí·
vel a visi b i l idade q u e grandes q u estões nacionais gan h a ram q uando exa m i n adas pelo S u p re m o . O j u lgamento
do m e n salão, a q u estão das pesqui sas com célu las-tro n co, o p ro b l e m a do antisse m itismo como racismo e a
garantia de te rras às popu lações i n díge nas são casos e l o q uentes de m o b i l i zação da sociedade em torno de
sérios problemas do país. Para dizer o m í n i m o . nossa s u p rema corte é hoje u m fóru m de discussão demo­
crática mais relevante e respeitado do q u e o próprio Congresso Nacional. Todo esse p rocesso de con strução
i n stitucional do Poder j udiciário foi pote ncializado pela TV j u stiça e, e m particular, pelo televisioname nto das
sessões do STF. A re percussão dos j u lgamentos desperta a cidadania e estabelece um diálogo profícuo com as
demais autoridades políticas. Os gan hos e m termos de transparência e legiti mação das decisões têm c o m p e n ­
sado, plenamente, eventuais desgastes. A o fim e a o c a b o , discussões deste m peradas p o d e m ser evitadas c o m
o a p e l o ao velho bom senso. N e m t o d a ideia o riginal é b o a , assi m como n e m t o d a boa ideia é original. Mas
isso não i m pe d i u q u e o Bras i l desse u m a ideia boa e original ao m u n d o " . ( B I N E N BOj M, G ustavo. "A j u stiça na
TV" . Fo lha de S ã o Paulo, 02.05. 2009, p. 3).
53. S o b re esse ú lti m o aspecto, convém transcrever o que d i s seram Vi rg i l i o Afo n s o da Si lva e C o n rado H ü b n e r,
m otivados p o r séria refrega e n t re dois m i n i st ros do STF, t ra n s m itida ao vivo pela TV j u stiça: "Com m a i o r

88
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

m atu ridade n o uso da tec n o l ogia, q u e potencial iza a tran s parê n cia d o exe rcício d a
f u n ção j u ri s d i c i o n a l . O c o n t r o l e pela o p i n i ão p ú b l i ca, p ri n ci pa l m e nte pela i ntelectu­
ali dade acad ê m i ca e pelos demais o p e rado res d o D i reito, é o p ri n ci pal i n stru mento
d e p reve n ção e com bate a essas d i storções, e m b u sca d o a m ad u reci m e nto i n stitu­
cional. O certo é q u e n ão se pode retroceder n o particu lar, com s o l u ção que vete o u
restrinja a tran s m i ssão dos j u lgam entos.
A p u b l ici dade em p rocessos eletrô n i cos tem as suas pecu l i aridades. Com o ob­
j etivo de dar efetividade ao § 6° do art. 1 1 da Lei n. 1 1 .4 1 9/2006, o Co n se l h o Naci o nal
de j ustiça editou a Reso l u ção n. 1 2 1 /201 0, com redação alte rada pela Reso l u ção n .
1 43/20 1 1 , cuja t ran scri ção é reco m e n dável :
O PRES I D ENTE DO CONSELHO NAC I O NAL D E J U STI ÇA, n o u s o de s u as
atri b u ições conferi das pela Constituição da Re p ú b l ica, es pecial m e nte
o d i s p osto n o i n ciso I, §4o, art. 1 03 - B .

C O N S I D ERAN DO q u e o Estado Democrático d e Di reito sob o q ual é ali ­


cerçada a Re p ú b l ica Fede rativa d o B ras i l adoto u o p r i n cípio da p u b l ici­
dade como garantia d a p restação d e contas da ativi dade j u risdicion al;

C O N S I D ERAN DO a n ecessidade d e divulgação dos atos p rocess uais a


fi m de confe ri r tra n s parência e garanti r o d i reito de acesso à i nfor­
m ação, confo rme d i s põe o art. so, XXXI I I e XXXIV, b da Con stitui ção;

fre q u ê n cia, o que se pode i d e ntificar nesse e m a ran hado de decisões, d i s p o n íveis às vezes q uase e m te m po
real, é tão-so m e nte a s o m a de 1 1 decisões i n d iv i d u ais, q u e não têm a m e n o r p retensão de constru i r u m a
posição i n stitucional consistente. A i n d a q u e a d i s s i d ê n c i a i nterna possa s e r sau dável, e l a n ã o p o d e i m p l icar
uma falta d e c o m p ro m i s s o com uma posição i n stitucional. O d e bate s o b re a forma de deci são n o S u p re m o,
s o b re a a u s ê n c i a de u m a voz i n stitucional em gra n d e parte causada pela i n s istê ncia em p rivilegiar as vozes
i n dividuais de seus m i n i stros-, é o que mais i m p o rta. E, se consistência decisória é uma das m a i o res con­
tri b u ições que u m t r i b u n a l c o m o o STF poderia dar a uma d e m o c racia, pode-se dizer que e l e tem fal hado
nessa tarefa. E m b o ra a t ra n s m i ssão ao vivo d e suas sessões não seja a causa dessa falta d e u n idade i n st i t u ­
cional, não é i m p l a u síve l especular q u e ela a i n t e n sifiq u e . Se descobrirmos q u e é isso o q u e oco rre, há q u e
p e n s a r a sério e m alternativas. Todos t e m o s p a l p i tes a res peito, m a s a resposta não é ó bvia e exige m a i s
estudo. Saber se a d i scu ssão e n t re os m i n i stros G i l m a r M e n des e J o aq u i m B a r b o s a f e r e a i m agem d o t r i b u ­
nal n ão é t ã o rel evante q u anto o si ntoma q u e esse e p i s ó d i o pode representar: alguns m i n istros c o m e ç a m a
a p roveitar o " m o m e n t u m " televisivo para d i rigi r-se excl usivamente ao p ú b l i c o externo, em vez de i n terag i r
e n t re si, n o m e l h o r espírito d e u m a d e l i b e ração colegiada. To r n a m- s e c e l e b ridades, o q u e é p e rigoso. Talvez
estejam p rod u z i n d o, a tít u l o d e uma sedutora transparê n c i a de s u perfície, um i n d esejável p o p u l i s m o j u d i ­
c i a l . O t ri b u nal v e n d e u m a e e n t rega o o utro. E n ã o perc e b e m o s " . ( S I LVA, Virgí l i o Afonso, H Ü B N ER, Con rad o .
"O S T F e o p o p u l i s m o j u d i ci a l " . Fo lha d e São Pa ulo, 1 1 .05. 2009, p . 3). E m l i n h a b e m parecida, M arce l o Neves:
" Parece-me, porém, q u e a tran s m issão ao vivo dessas sessões, na forma atual, serve m e n o s à transparência
do q u e à es petacularização . Além disso, a p rática i n stitucional de votos longuíssimos lidos perante as câm e ras
televisivas sob recarrega tem poral m e nte um ó rgão já exposto a u m a extrema p ressão tem poral. Não se trata
de uma sessão de trabal ho p rod utiva e eficiente, m as antes de u m a boa dive rsão para o p ú b lico. Por f i m , o
próprio custo da TV j u stiça como u m todo deveria ser q u estionado em um país com amplas demandas em áre­
as carentes de recurso". ( N EVES, M arce lo. "A 'desrazão' sem d i álogo com a ' razão' : teses p rovocatórias sobre
o STF". Disponível em http://www.conj u r.com . b r/201 4-out - 1 8/des razao-dialogo- razao-teses- p rovocatorias-stf,
consu ltado em 1 7 .02.20 1 5.)

89
fREDIE DIDIER JR.

CONS I D ERA N D O q u e o art. 9 3 , X I , d a C o n stituição garante o exe rcício


d a p u b l icidade restrita o u especial dos atos p rocessuais, segu n d o a
q u al a divu lgação pode e d eve ser restri ngida sem p re q u e a d efesa
d a i n t i m i dade o u o interesse p ú blico o exigi r;
CON S I D ERAN DO a exigê ncia de trata m e nto u n iforme da d ivu lgação dos
atos p rocessuais j u d iciais n o â m b ito de toda a magistrat u ra nacional,
de m o l d e a viabil izar o exe rcício d a trans parência sem descu rar da
p reservação do d i reito à i nt i m i dade, à vida p rivada, à h o n ra e à i m a­
ge m d as pessoas;
CO N S I D ERA N D O as d ific u l dades enfrentadas pela j u stiça b ras i l e i ra em
razão da estigmatização das partes pela d i s po n i b i l ização n a rede
m u n d ial de co m p utado res de dados concerne ntes aos p rocessos j u ­
diciais q u e figu raram c o m o autoras o u rés e m ações cri m i nais, cívei s
o u trabal h i stas;
CO N S I D ERAN DO a necessidade d a defi n i ção de d i retrizes para a conso­
l i d ação de u m pad rão nacional de defi n i ção dos nívei s de p u blicidade
d as i nformações j u diciais, a fi m de resguardar o exercício do devi do
p rocesso legal, com todos os m eios e i n stru m entos d i s p o n i b i lizados;
C O N S I D ERA N D O q u e o art. 1 1 , § 6°, d a Lei 1 1 .4 1 9/2006, estabelece q u e
os docume ntos eletrô n icos "som ente estarão dispo nívei s para acesso
por meio da rede exte rna para suas respectivas partes p rocessuais e
para o M i n i stério P ú b l i co, res p eitado o d i s posto e m lei para as situa­
ções de sigilo e de segredo de j u stiça";
CO N S I D ERAN DO o que foi d e l i b e rado pelo Plenário d o Co nselho Nacio­
nal d e j u stiça n a s u a 1 1 4• Sessão O rd i nária, real izada e m 5 de outu b ro
de 20 1 0, n o j u lgame nto do Ato no 000 1 7 7 6- 1 6 . 20 1 0 . 2 .00.oooo.
RESOLVE:
Art. 1 .0 A c o n s u lta aos dados básicos dos p rocessos j u diciais será
d i s p o n i b i lizada na red e m u n d i a l de co m p utad o res (i nternet), assegu ­
rado o di reito d e acesso a i nformações p rocessuais a t o d a e q u a l q u e r
pessoa, i n de p e n d e nteme nte de prévio cadastram ento o u de d e m o n s ­
tração de i nteresse.
Parágrafo ú n i co . N o caso de p rocesso e m sigi lo o u segredo de j u stiça
não se a p l i ca o d i s posto n este arti go.
Art. 2° Os dados básicos do p rocesso de l ivre acesso são :
I - n ú m e ro, classe e ass u ntos do p rocesso;
11 - n o m e das partes e de seus advogados;
111 - m ovi m e n tação p rocess ual;
IV - i ntei ro teor das decisões, senten ças, votos e acórdãos.

90
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

Art. 3.0 O advogado cadastrado e habilitado n o s autos, a s partes ca­


d astradas e o m e m b ro do M i n istério P ú blico cadastrado terão acesso
a todo o conteú d o d o p rocesso e l etrô n ico.
§ 1 °. Os siste m as devem possi b i l itar q ue advogados, p roc u rado res e
m e m b ros do M i n i stério P ú blico cadastrados, m as n ão vincu lados a
p rocesso previamente ide ntificado, acessem auto m aticame nte todos
os atos e doc u m entos p rocess uais arm azen ados em meio eletrô n ico,
desde q u e d e m o n strado i n te resse, para fi ns, apenas, de registro, sal­
vo nos casos d e p rocessos e m sigi l o o u segredo de j u stiça.
§ 2°. Deverá h aver m ecan i s m o q ue registre cada acesso p revisto no
parágrafo anteri o r.
Art. 4.0 As consu ltas p ú b l i cas dos siste m as d e tramitação e aco m pa­
n h am ento p rocessual dos Tri b u nais e C o n s e l h os, d i s po níveis na rede
m u ndial de co m p utadores, deve m permitir a local ização e identifi­
cação dos dados básicos de p rocesso j u d icial segu n d o os segui ntes
critérios: (Redação dada pela Reso l ução no 1 43, de 30. 1 1 . 20 1 1 )
I - n ú m e ro at ual o u anteriores, i n c l u sive e m o u t ro j u ízo o u i n stâncias;
11 - n o m e s das partes;

1 1 1 n ú m e ro d e cadastro d as partes n o cadastro d e contri b u i ntes do


-

M i n i stério da Faze n d a;
IV - n o m es dos advogados;
V - registro j u nto à O rd e m dos Advogados do B ras i l .
§ 1 °. A consu lta ficará restrita à s segu i ntes situações: (Redação dada
pela Reso l u ção n o 1 43, de 30. 1 1 . 201 1 )
I a o i n ciso I d a cabeça d este artigo, nos p rocesso cri m i nais, após o
-

trânsito em j u lgado da decisão absol utó ria, da ext i n ção da p u n i b i l i ­


d a d e o u do c u m p ri m ento d a p e n a; (Redação dada p e l a Reso l u ção n o
1 43, de 30.1 1 . 201 1 )
1 1 aos i n cisos I , I V e V d a cabeça deste artigo, nos p rocesso sujeitos
-

à a p reciação d a j u stiça do Trabal h o . (Redação dada pela Resol u ção n o


1 43, d e 30. 1 1 . 201 1 )
Art. 4.0 As c o n s u ltas p ú bl i cas d i s p oníveis n a rede m u n d i a l d e com­
p utado res deve m permiti r a localização e ide ntificação dos dados
básicos de p rocesso j u d icial segu n do os segu i ntes critérios:
I - n ú m e ro atual o u anteri o res, i n c l usive e m outro j uízo o u i n stâncias;
11 - n o m es das partes;

1 1 1 - n ú m e ro d e cadastro das partes no cadastro de contri b u i ntes do


M i n istério da Faze n d a;
IV - n o m es dos advogados;
V - registro j u nto à O rdem dos Advogados d o B ras i l .

91
FREOIE DIOIER JR.

§ 1 °. A co n s u lta ficará restrita a o p revisto n o i n ciso 1 da cabeça d este


artigo nas segu i n tes situações:
I - nos p rocessos cri m i n ais, após o trânsito e m j u lgado da deci são
absol utória, da exti n ção da p u n i b i l i dade o u do c u m pri m ento da p e n a;
1 1 - nos p rocessos suj eitos à ap reciação da j u stiça do Trabal h o .

§ 2°. Os n o m es d a s vít i m as não se i n c l u e m nos d a d o s básicos dos


p rocessos c ri m i nais.
Art. v A d i s po n i b i l ização d e consu ltas às bases d e decisões j u d iciais
i m pe d i rá, q ua n d o possíve l, a b u sca pelo n o m e das partes.
Art. 6°. A certidão j u d icial se d esti n a a ide ntificar os termos circuns­
tanciados, i n q u é ritos o u p rocessos e m que a pessoa a res peito da
q u al é exped i d a figu ra no polo passivo da relação p rocess ual origi­
n á ria.
Art. ) 0 • A certidão j u dicial deverá conter, e m relação à pessoa a res­
peito da q u al se certifica:
I - nome co m p leto;
11 - o n ú m e ro do cadastro de contri b u i nte n o M i n i stério da Faze n d a;

1 1 1 - se pessoa n at u ral:

a) nacionalidade;
b) estado civi l;
c) n ú m e ros dos docu m entos d e ide ntidade e dos respectivos ó rgãos
exped idores;
d) fi l i ação; e
e) o e n d e reço residencial ou d o m i c i l i ar.
IV - se pessoa j u rídica o u asse m e l h ada, e n d e reço da sede; e
V - a relação dos feitos distri b uídos e m tram itação contendo os n ú ­
m e ros, s u as classes e o s j uízos d a tramitação o rigi n ária.
§ 1 °. Não s e rá i n c l uído n a relação de que trata o i n ciso V o p rocesso
e m que h o uve r gozo do b e n efício d e s u rsis (art. 1 6 3, § 2° da Lei no.
7 . 2 1 0, de 1 984) o u q ua n d o a pena já tive r sido extinta o u c u m p ri d a,
salvo para i n stru i r p rocesso pela p rática de nova i nfração penal o u
o utros casos exp ressos e m lei (art. 202, d a Lei 7 . 2 1 0, d e 1 984).
§ 20. A ausência de algu n s dos dados n ão i m pedirá a expedi ção da
certidão n egativa se n ão h o uver d úvida q u anto à i d e ntificação fís ica
d a pessoa.
Art. 8o. A certidão j u d icial, cível o u cri m i nal, será n egativa q u a n d o
não h o uve r feito e m tra m itação contra a pessoa a res peito da q ual
foi sol icitada.

92
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

§ 1 o . A c e rtidão j u d i c i a l cri m i n al ta m b ém s e rá n egativa:

I - q u a n d o n e l a con star a d i st ri b u i ção d e termo c i rc u n sta n c i ado, i n ­


q u é rito o u p rocesso e m t ra m i tação e n ão h o uver s e n t e n ç a c o n d e n a ­
tória t ra n s itada e m j u lgad o .

1 1 - e m caso d e gozo d o b e n efíc i o de s u rs i s (art. 1 63, § 20. da L e i n o .


7 . 2 1 0, d e 1 984) o u a p e n a j á tiver s i d o exti nta o u c u m p ri d a .
§ 2° Tam b ém d eve rá s e r ex p e d i d a certidão n egativa q u a n d o , esta n d o
s uf i c i e n t e m e n t e i d e n tificada a pessoa a res peito da q u al se s o l i c i t o u
a c e rtidão, h o uver registro d e p rocesso refe re nte a h o m ô n i m o e a i n ­
d i vi d u a l i zação d o s p rocessos n ão p u d e r s e r feita p o r carê n c i a d e da­
d o s d o Poder j u d iciário, caso e m q u e d eve rá con star essa o b s e rvação .

Art. 9°. O req u e re n t e de c e rt i d ão n egat iva s o b re a s u a s i t u ação pode­


rá, n a h i p ótese d o § 1 o i n c i s o I, d o artigo a n t e r i o r, s o l i citar a i n c l u são
d o res u m o d a s e n t e n ça a b s o l u t ó r i a ou q u e determ i n o u o arq u iva­
m e n to.

Art. 1 0. A cert i d ão req u i s itada m e d iante dete r m i n ação j u d i cial deverá


i nf o r m a r todos os registros con stantes em n o m e da pessoa.

Art. 1 1 . A cert i d ão j u d i c i a l n egativa ser á ex p e d i d a e l e t ro n i c a m e n t e por


meio d o s p o rtais d a rede m u n d i a l de co m p utad o res.

Art. 1 2 . A certidão j u d i c i a l pos itiva p o d e rá s e r exp e d i d a e l etro n i ca­


m e nte à q u e l e s p revi a m e n t e cadastrad o s no s i st e m a p rocessual, c o n ­
t e n d o , s e fo r o caso, o res u m o d a sente n ça c ri m i n al (Art. 2°. d a L e i
1 1 .97 1 , d e 2009).
Parágrafo ú n i c o . A pessoa não cadastrada s o l i citar á a expedição de
c e rtidão confo r m e reg u l a m e ntado p e l o t ri b u n a l res pectivo.

Art. 1 3 . O s ó rgãos j u ri s d i c i o n ai s d e que t ratam os i n cisos 1 -A a VI l d o


a r t . 92 d a Constit u i çã o deve rão o b s e rvar os t e r m o s d esta Reso l u ção a
p a rti r de 1 80 (cento e oitenta) d i as da d ata d e s u a p u b l i cação.

Parágrafo ú n i c o . A pessoa p rej u d i cada p e l a d i s p o n i b i l ização de i nfor­


m ação n a red e m u n d i al d e co m p utadores e m d esco nfo r m i d ade com
esta Reso l u ção p o d e rá s o l i citar a retifi cação ao ó rgão j u ri s d i c i o n a l
res p o n sáve l .

A r t . 1 4. Esta Reso l u ção e n t ra e m v i g o r a p a rti r d e s u a p u b l i cação .

2.6. Princípio da duração razoável do processo

A Conven ção A m e ricana de D i reitos H u man os, Pacto de São j osé da Costa Ri ca,
no a rt. 8, 1 , p revê:
"To d a pessoa tem o d i reito a ser o uvida c o m as devidas garantias e
d e n t ro de u m p razo razoáve l, p o r u m j u iz o u t ri b u n a l c o m pete nte,

93
FREOIE DtDIER JR.

i n dependente e i m parcial, estabelecido anteriorme nte p o r lei, n a


a p u ração de q ua l q u e r acu sação p e n a l fo r m u lada contra ela, ou para
q u e se determ i n e m os seus di reitos o u o b rigações de n atu reza civi l,
trabal h ista, fiscal o u d e q ua l q u e r outra n at u reza."54
A Rep ú b l i ca Federativa do Bras i l é signatária desse Pacto, q u e adq u i ri u eficácia
no p l a n o i nternaci o n al e m 1 8 d e j u l h o d e 1 978. O Congresso Nacional editou o Decre­
to 27, d e 26 d e maio d e 1 992, a p rovando o seu texto . o G overno Fed e ral d e p ositou ,
e m 25 d e sete m bro d o m e s m o a n o , a Carta d e Adesão a o m e n c i o n ad o pacto . C o m
a u lteri o r p u b l i cação d o Decreto 6 7 8 (09. 1 1 . 1 992), o Pacto d e São ] o s é da Costa Rica
foi p ro m u lgado e i n co r p o rado ao o rd e n a m e nto j u ríd ico b ras i l e i ro . O p roced i m e nto
d e i ncorporação do t ratado foi res p eitado e m seus mín i m os detalhes.
C o m o e n s i n a Flávia Piovesan : "A Co n stitu i ção d e 1 988 recepciona os d i reitos
e n u nciados em tratados i nternacio n ais, d e q u e o Bras i l é parte, conferi n d o - l h es
h i e rarq u i a d e n o rm a c o n stitucio n a l . I sto é, os d i reitos con stantes nos tratados i n ­
ternacionais i ntegram e co m p l e m e ntam o catálogo de d i reitos constitucio n a l m ente
p revisto, o que j u stifica este n d e r a estes d i reitos o regi m e constituc i o n al conferi d o
a o s d e m a i s d i reitos e garantias fu ndam entais"ss.
Estávamos, pois, d iante d e n o rm a co n stitucio nal, q ue i m p u n h a a deci são j u d i ­
c i a l e m p razo razoáve l . Concl uía-se, p o rtanto, q ue, tam bém e m nosso país, o d i reito
ao p rocesso sem d i lações i n devidas, como corolário do d evid o p rocesso legal, vi n h a
exp ressamente assegu rado a o m e m b ro da com u n h ão social por n o r m a d e a p l icação
i m ediata (art. 5°, § 1 °, CF/1 988).56 Deco rre ria esse d i reito f u n da m e n tal, ai n d a, d o
p ri n cípio da i n afasta b i l idade da j u ri s d i ção.
A EC n. 45/2004, q u e refo r m o u constituci o n a l m ente o Poder j u d i ciário, i n c l u i u
o i n ciso LXXVI I I n o art. 5 o da CF/1 988: " a todos, n o âm bito j u d i cial e ad m i n i strativo,
são assegu rado s a razoável d u ração d o p rocesso e os m e i o s q u e garantam a cele­
ridade d e s u a t ram itação" .
o C P C ratifico u esse p ri n cípio n o art. 4°, esclarecen d o q u e e l e se a p l ica i nc l u ­
sive à fase executiva: "As partes t ê m d i reito d e o bter e m p razo razoável a s o l u ção
i ntegral do m é rito, i n c l uída a atividade satisfativa" . O i n ciso li do art. 1 39 refo rça o
p ri n cí p i o : "Art. 1 39 . O j u i z d i rigi rá o p rocesso conforme as d i s posi ções d este Código,
i n c u m bi n d o - l h e : (. .. ) 11 - velar pela d u ração razoável d o p rocesso" .

54. Tam bé m ass i m , o Tratado de Roma: "Toda pessoa tem d i reito a q u e s u a causa seja exa m i n ada e q u itativa e
p u blicamente n u m p razo razoável, por um t ri b u nal i n de p e n d e nte e i m parcial i nstituído por lei, q u e decid i rá
sobre seus d i reitos e o b rigações civis ou sobre o fundam ento de q u a l q u e r acusação em matéria penal contra
ela d i rigida." (art. 6•, 1 , Convenção E u ropeia para Salvaguarda dos D i reitos do Homem e das Liberdades F u n ·
damentais, s u bscrita e m R o m a n o dia 0 4 de n ovembro d e 1 950).
55. P I OVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4' ed. São Pau lo: Max Li monad, 2000.
p. 79·80.
56. TUCCI, José Rogério Cruz e . "Garantia do p rocesso sem d i lações i n d evidas". Garan tias cons titucionais do
processo civil. São Paulo: RT, 1 999, p. 2 59-260.

94
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

Processo devido é, pois, processo c o m duração razoável.


A Corte E u ro peia dos D i reitos do H o m e m fi r m o u ente n d i m e nto de q ue, res pei­
tadas as ci rcu n stâncias d e cada caso, d evem ser o bservados três crité rios para q u e
se determ i n e s e a d u ração d o p rocesso é , ou n ão, razoáve l : a) a co m p l exidade d o
assu nto; b ) o co m po rtam ento d o s l itigantes e de seus p rocu rado res o u da acusação
e d a d efesa no p rocesso; c) a atu ação do ó rgão j u risd i c i o n al57• No B ras i l , podemos
acresce ntar c o m o critério a análise d a estrutu ra d o ó rgão j u d i ciário.
Esses critéri o s devem ser so pesados de aco rdo com as p e c u l iaridades d o caso;
um não é mais i m po rtante do q u e o o utro. Trata-se d e e l e m e ntos t i p o l ógicos: eles
não são i n d ivi d u a l m e nte, n e m n ecessários, n e m s uficie ntes, para a caracterização
d a d e m o ra i rrazoável; val e para a s u a configu ração a visão de conju nto.
"O reco n h eci m e nto d estes critérios traz c o m o i m e d i ata c o n s e q u ê n c i a
a v i s u a l i zação das d i l ações i n d evidas c o m o u m c o n ceito i n d ete r m i n a­
d o e a b e rto, q u e i m p e d e de c o n s i d e rá-las c o m o o s i m p l e s d es p rezo
aos p razos p rocess u a i s p ré-fixad o s .

Ass i m , é evi d e n t e q u e se u m a dete r m i n ad a q u estão e nvo lve, p o r


exe m p l o, a a p u ração d e c ri m es d e natu reza fiscal o u eco n ô m ica, a
p rova p e ricial a s e r p ro d u z i d a p o d e rá d e m an d a r m u itas d i l igê n c i as
q u e j u stifi carão d u ração b e m m a i s p ro l o n gada da fase i n strutória.

(. . .)
P o r o u t ro lado, não p o d e rão s e r taxadas de ' i n d evidas' as d i l ações
p r o p o rc i o nadas pela atuação dolosa da d efesa, q u e, e m algu mas oca­
s i ões, d á azo a i n ci d e ntes p rocessuais tota l m e nte i m p e rt i n entes e
i rrelevantes.

E, ad e m ais, é n ecessário q u e a d e m o ra, para ser re p utada real m e nte


i n aceitáve l, deco rra d a i n é rcia, p u ra e s i m p l es, d o ó rgão j u ri s d i c i o n a l
e n carregado d e d i ri g i r as d ive rsas etapas d o p rocesso. "58

Há u m a regra no d i reito b ras i l e i ro q ue pode s e rvi r de parâmetro . De acordo


com o art. 97-A da Lei 9. 504/ 1 997, acrescentado pela Lei n. 1 2.034/2009, re p uta-se
razoável o p razo de um ano, i n c l u i n d o a t ram itação em todas as i n stân cias, para a
d u ração d o p rocesso q u e possa res u ltar e m p e rd a d e mandato e l etivo. Esse p razo
com eça a co nta d a apresentação da d e m a n d a perante a j u stiça E l eito ral . Se h o u ­
v e r desrespeito a esse p razo, caberá re p resentação d i sci p l i nar contra o j u i z o u o

5 7 . TUCCI, ]osé Rogério Cruz e. "Garantia do processo sem dilações i n d evidas". Garan tias constitucionais do proces­
so civil. São Pau lo: RT, 1 999, p. 2 39; A N N O N I , Danielle. A responsabilidade do Estado pela demora na prestação
jurisdicional. Rio de janeiro: Fore nse, 2003, p. 85; GARCIA, ]osé Antonio Tom é . Pro tección procesal de los dere­
chos humanos ante los tribunales ordinários. Madri: Montecorvo, 1 987, p. 1 1 9.
58. TUCCI, José Rogério Cruz e. "Garantia do p rocesso sem d i l ações i n d evidas". Garan tias constitucionais do pro­
cesso civil. São Pau l o : RT, 1 999, p. 2 39-240.

95
FREDIE DIDIER JR.

Tri b u n al (art. 9 7 , Lei n . 9 . 504/ 1 997), s e m p rej uízo da re p resentação p e rante o Co n ·


s e l h o Naci o n a l de j u stiça (art. 97 -A, § 2°, da Lei 9 . 504/ 1 997).
H á algu n s i n stru m e ntos que podem servi r para co n c retizar esse d i reito fu n da­
m e ntal: a) re p resentação por excesso de p razo, com a possíve l perda da competên­
cia do j uízo em razão da d e m o ra (art. 235, C PC); b) man dado de segu ran ça contra a
o m i ssão j u d icial, caracte rizada pela n ão p ro l ação da deci são por te m po não razoá­
ve l, cujo pedido será a co m i n ação de o rd e m para q u e se p rofi ra a decisão59; c) se a
d e m o ra i nj u sta causar p rej uízo, ação de res p o n sabi l idad e civi l contra o Estado, com
poss i b i l i dade de ação regress iva co n t ra o j u iz; d) a EC n. 45/2004 tam bé m acres­
centou a alínea "e" ao i n ciso 11 d o art. 9 3 da C F/88, estabelecendo q u e " não será
p ro m ovido o j u iz q u e, i nj u stificad a m e n te, retive r autos e m seu poder além do p razo
legal, n ão podendo devolvê- los ao cartório s e m o devi do des pac h o ou decisão".

O par. ú n . do art. 7o da Lei n. 4 . 7 1 7/1 965 (Lei da Ação Po p u lar) tam bé m poss u i
regra q ue s e rve a esse d i reito f u n dam ental: "O p roferi m e nto d a sentença a l é m d o
p razo estabelecido p rivará o j u iz da i nc l u são e m l i sta de m e reci m e nto para p ro­
m oção, d u rante 2 (dois) an os, e acarretará a pe rda, para efeito de p ro m oção por
antigüidade, d e tantos d i as q u antos forem os d o retardame n to, salvo m otivo j u sto,
decli nado nos autos e co m p rovado perante o ó rgão d i sci p l i nar com pete nte".
É p reciso, poré m , fazer uma refl exão final co m o c ontraponto.
Não existe um princípio da celeridade. O p rocesso n ão tem d e s e r ráp i do/
cé l e re: o p rocesso deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso
submetido ao ór3ão jurisdicional.
Bem p e n sadas as coi sas, co n q u i stou -se, ao l o n go da h i stó ri a, u m d i reito à
d e m o ra n a s o l u ção dos conflitos. A partir do m o m e nto e m q u e se reco n h ece a exi s­
tência de um direito fundamen tal ao devido processo, está-se reco n h ecendo, i m p l i ­
cita m e n te, o d i reito de q u e a s o l u ção do caso deve c u m p ri r, n ecessari a m e nte, u m a
série de atos o b ri gató rios, q u e com põem o conteúdo m ín i m o desse d i reito. A exi­
gência d o contraditório, os d i reitos à p rod u ção de p rovas e aos recu rsos certa m e nte
atravan cam a celeridade, mas são garantias q u e não podem ser desco n s i d e radas
o u m i n i m i zadas . É p reciso fazer o alerta, para evitar d i s c u rsos auto ritários, q u e
p regam a celeri dade c o m o val o r. Os p rocessos da I n q u i s i ção poderiam s e r rápi d o s .
Não parece, porém, q u e se si nta saudade del es60•

59- CABRAL, Antonio do Passo. "A d u ração razoável do processo e a gestão do tempo n o projeto de novo Código
de Processo Civi l". Novas Tendências do Processo Civil - estudos sobre o projeto do Novo Códi30 de Processo
Civil. Alexa n d re Frei re; B r u n o Dantas; D i e rle N u n es; Fredie D i d i e r j r.; josé M i g u e l Garcia M e d i n a; Luiz Fux; Luiz
H e n r i q u e Vo lpe Camargo; Ped ro M i randa de O l iveira (org.). Salvador: Editora j u s Podivm, 20 1 3, p . 85-87.
6o. Com p reocu pação s e m e l hante, mais recentemente, CABRAL, Anto n i o do Passo. "A d u ração razoável do p roces­
so e a gestão do tempo n o p rojeto de novo Código de P rocesso Civil", cit., p . 8 1 -84; THEODORO ] r., H u m berto;

96
N O R M A S F U N OA M E N T A I S 00 PROCESSO CIVIL

2.7. Princípio da igualdade processual (paridade d e a rmas)

O art. so, caput, da CF/1 988, é a fonte n o rm ativa d o p r i n cípio da igual dade
p rocessu a l .
Da p ri m e i ra parte d o art. 7o d o C PC6' deco rre, d i reta m e n te, e m u m p l a n o i n ­
fraco n stit u c i o nal, o p ri n cí p i o d a igualdade p rocess u a l . A redação é prol ixa, mas o
p ro pósito é s i m ples: as partes devem s e r tratadas com igualdade.
A igualdade p rocess ual deve o bs e rvar q uat ro aspectos:
a) i m parcialidade d o j u iz (eq u i d i stância e m relação às partes);
b) igualdade n o acesso à j u sti ça, sem d i s c ri m i n ação (gê n e ro, o ri e n tação sex u ­
al, raça, naci o n a l i dade etc.);

c) red u ção das desigualdades q u e d ific u ltem o acesso à j u sti ça, co m o a fi n a n ­


cei ra (ex . : con cessão d o b e n efíci o da grat u i dade da j u sti ça, arts. 98- 1 02, CPC), a
geográfica (ex. possi b i l i dade de s u stentação o ral p o r videoco nfe rê n cia, art. 937, §4o,
C PC), a d e co m u n i cação (ex . : gara n t i r a com u n i cação por m e i o da Lín gua B ras i l e i ra
de S i n ais, n o s casos de partes e teste m u n has com defi c i ê n cia auditiva, art. 1 62, 1 1 1,
CPC) etc.62;
d) igualdade n o acesso às i nfo rmações n ecessárias ao exe rcíci o d o contrad i ­
tó rio63.
É i m p o rtante, n o e n tanto, registrar que o p ri n cípio da igualdade n o p rocesso
cost u m a revelar-se com mais clareza nos casos e m q ue se criam regras para trata­
m e nto d ife re n ciado.

N U N ES, D i e rle; BAH IA, Alexand re; PEDRON, Flávio Q u i n a u d . Novo CPC - fundamentos e sistema tização . Rio de
j a n e i ro: Forense, 201 s. p . 1 42- 1 43 .
6 1 . Art. 7' do C P C : " É assegu rada às partes paridade de tratamento e m relação ao exercício de d i reitos e fac u l da·
des processuais, aos meios de defesa, aos ôn us, aos deveres e à aplicação de sanções p rocessuais, com pe·
tindo ao j u iz zelar pelo efetivo contraditório". Claramente i n s p i rado no art. 3'-A do Código de Processo Civil
português: "O tri b u nal deve assegurar, ao l o n go de todo o p rocesso, u m estat uto de igualdade su bstancial das
partes, designadamente no exercício de facu ldades, no uso de meios de defesa e na aplicação de comi nações
o u de sanções p rocessuais".
62. "Como explica C h i avario, essa paridade de armas e ntre as partes não i m p l i ca u m a identidade absol uta entre
os poderes reco n h ecidos às partes de u m m e s m o p rocesso e n e m , necessari amente, u m a s i m etria perfeita de
d i reitos e o b rigações. O que conta é q u e as difere n ças eve ntuais de tratamento sejam j u stificáveis racional­
m ente, à l u z de critérios de reci p rocidade, e de modo a evitar, seja como for, que haja u m deseq u i líbrio global
e m prej uízo de uma das partes". (MARI N O N I , Luiz G u i lh e r m e . Novas Linhas do Processo Civil, 1 999, p . 256.) Ao
i m por a criação de u m a série de regras p rocess uais adeq uadas às particu laridades de cada s uj eito do p rocesso
a igualdade p rocessual confu n d e-se com a ade q u ação s u bjetiva do processo, exam i n ada e m item segu i nte
sobre o pri ncípio da adeq uação.
63. S o b re essas q u atro man ifestações da igualdade p rocessual, A N D R EWS, N e i l . En3 lish Civil Procedure. Fundamen­
tais of the New Civil ]ustice System. Oxford: Oxford Press, 2003, p. 1 1 4- 1 1 6.

97
FREDIE DIDIER JR.

P o r m a i s paradoxal q u e possa parece r, o tratame nto d i sti nto é , e m algu n s ca­


sos, a p r i n c i pal forma de i gualar as partes.
Algu n s exe m plos, além d e outros já citados: n o m eação de c u rador especial
para i n capazes p rocessuais (art. 72, CPC); regras especiais de com p etê ncia terri­
torial para a p roteção d e v u l n e rávei s (arts. 5 3, I , 11 e 1 1 1 , "e", C PC; art. 1 0 1 , I, CDC);
i nti m ação o b ri gató ri a d o M i n istério P ú blico nos casos q u e envo lvam i nteresse de
i n capaz (art. 1 78, 11, C PC); p roi b i ção d e citação postal d e i n capaz (art. 247, 1 1, CPC);
tutela p rovisóri a satisfativa de d i reitos evi d e ntes (art. 3 1 1 , CPC); p razo e m d o b ro
para os e ntes p ú b l i cos m a n ifestare m - s e n os autos (art. 1 83, CPC); e l i m i n ação do
efeito s u s p e n sivo auto m ático da apelação contra sente n ça q ue rejeita e m bargos à
execu ção (art. 1 .0 1 2, § 1 o, 1 1 1, CPC); tra m itação p r i o ritária de p rocessos q u e e nvolve m
i dosos o u pessoas p o rtado ras d e d o e n ça grave (art. 1 .048, C PC) etc. O dever d e o
tri b u nal u n iform izar a s u a j u ri s p r u d ê n ci a e observá-la é, tam bém, m a n i festação do
p ri n cípio da igualdade (art. 926, C PC)64•
U m a i m po rtante d i m e n são do p ri n cípio d a igualdade, no p rocesso, é o d ever
d e o ó rgão j u lgador confro n tar o caso co n c reto co m o caso paradigma, d e modo a
verificar se é o u n ão caso d e a p l i cação do p recedente o u da j u ri s p r u d ê n c i a (art. 489,
§ 1 o, V e VI, CPC).
De acordo com esta visão mais su bstancial, o p ri n cípio da igualdade pode
confu n d i r-se com o d evid o p rocesso l egal s u bstancial65•

2.8. Princípio da eficiência


O p rocesso, para ser devido, h á de ser eficien te. O p ri n cípio da efi c i ê n c i a, a p l i ­
cado a o p rocesso, é u m dos coro lários da cláu s u la geral d o devi do p rocesso l egal66•
Real m e n te, é d ifíc i l co n c e b e r co m o d evido um p rocesso i n eficie nte.
Ele resu lta, ai n d a, d a i n cidência do art. 37, caput, da CF/1 988. Esse d i s positivo
tam bém se d i rige ao Poder j ud i ciári o - como i n d i ca, aliás, a l iteral i dade d o e n u n cia­
do, q u e fala e m "q ual q u e r dos Poderes". M as o p ri n cípio d a efi ciên cia, n este caso,
é n o rma d e d i reito ad m i n i strativo.

6 4 . A m p l a expos ição sobre as re percussões d o p r i n cípio da igualdade no processo, c o m b o a s s u gestões, ALVES,


Francisco Glauber Pessoa. o princípio jurídico da i8ualdade e o processo civil brasileiro. Rio de j a n e i ro: Forense,
2003; TART U C E, Fernanda. 18ua ldade e vulnera bilidade no processo civil. Rio de janeiro: Forense, 201 2; ABREU,
Rafae l Si range l o Belmonte de. 18ua ldade e processo civil - perfis conceitual, funcional e estrutural do direito
fundamental à isonomia no processo civil do Estado Constitucional. Dissertação de mestrado. Programa de
Pós·grad uação e m D i reito da U n iversidade Federal do Rio Grande do S u l . Porto Alegre, 20 1 4.
65. Assi m , p. ex., ALVES, Franci sco Glauber Pessoa. O princípio jurídico da i8ualdade e o processo civil brasileiro.
Rio de J a n e i ro: Forense, 2003, p . 3 7 . No m e s m o se ntido, com outras refe rê n c i as, G U E RRA F I LHO, Wi l l i s Santiago.
"Pri ncípios da isonomia e da proporcionalidade e privilégios p rocessuais da Fazenda P ú b l i ca". Revista de Pro·
cesso. São Paulo: RT, 1 996, n . 82, p. 7 5 ·
66. Assi m , t a m b é m , C U N HA, Leo nardo Carne i ro da. "A p revisão do pri ncípio da eficiência no p rojeto do novo Código
de Processo Civil b ras i l e i ro". Revista de Processo. São Pau l o : RT, 201 4, n. 233, p. 78.

98
N O R M A S F U N DA M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

Como n o r m a p rocess ual, e n contra f u n d a m e nto n o d evid o processo l egal e ,


ago ra, exp ressa m e n te, n o a rt. 8 o d o C P C .
H á q u e m d efe n d a q u e essa n o r m a sej a u m postulado, n ã o u m p r i n cí­
p i o , p o i s é n o r m a q u e s e rve à a p l i cação de o u t ras n o rmas ( p ri n cíp i o s
e regras)67• É u m a m etan o r m a, q u e estru t u ra o m o d o d e a p l i cação
de o u t ras n o rm a s . Postu lado é, e n tão, u m a n o rma com estrut u ra e
fi n a l i dade dive rsas, segu n d o o p e n s a m e n t o de Ávi la. Para manter a
c o e rê n c i a de s e u p e n s a m e nto, o autor o pta p o r co n s i d e rar a efi c i ê n ­
cia ad m i n i strativa c o m o u m postulado.

O ptam o s pela m e n ção a " p ri n cí p i o d a efi c i ê n cia", e n t retanto, p o r


d u as razões: a ) o texto c o n s t i t u c i o n a l o m e n c i o n a expressame nte; b )
n o r m a é s e n t i d o q u e s e d á a u m texto; d o d i s p o sitivo c o n stituci o n a l ,
p e n s a m o s q u e t a n t o se p o s s a extrai r u m p o s t u l a d o c o m o u m p ri n ­
cíp i o - u m a n o r m a q u e v i s e à o bte n ção d a efi c i ê n c ia, n o caso u m a
3estão processual eficien te, c o m o estado d e coi sas a s e r a l can çad o .

N ão bastasse a f u n d a m entação c o n stitu c i o n al, o art. 8o d o CPC tam b é m i m põe


ao ó rgão j u risdicio nal a o bs e rvân cia do pri ncípio d a eficiên cia.
o p ri n cípio re percute s o b re a atu ação do Poder j ud i ciário e m d uas d i m e n sões:
a) Ad m i n i stração j udiciária e b) a gestão de um d eter m i n ad o p rocesso.
a) Sobre a A dministração judiciária.
O Pode r j u d i ciário tam bém pode s e r e n carado, sob u m a perspectiva, co m o
e n te d a ad m i n ist ração - e é exatam e nte p o r isso q u e o a rt. 3 7 da CF/88 tam bé m a
e l e se refe re. A Ad m i n i stração j u d i ciária - ad m i n i stração dos ó rgãos ad m i n istrativos
q u e c o m p õ e m o Pod e r j u d iciário - d eve ser eficiente.
A criação d o Conse l h o N aci o n a l d e j u stiça, pela EC n . 45/2004, corro b o ra essa
d i m e n são d o p ri n cípio da eficiência ad m i n istrativa. A s i m ples leitura d o §4o do art.
1 03 - B da CF/1 988 é suficiente para d e m o n strar o q u e se afi rma:
"§ 4° Com pete ao C o n se l h o o c o n t ro l e d a atu ação ad m i n i strativa e
f i n a n c e i ra do P o d e r j u d i ciário e d o c u m p ri m e nto d o s deveres f u n ­
c i o n a i s dos j u ízes, cabe n d o - l h e, a l é m d e o u t ras atri b u ições q u e l h e
forem co nferidas p e l o Estatuto d a Magistrat u ra:

I - ze l a r pela a u to n o m i a d o P o d e r j u d iciário e p e l o c u m p ri m ento d o


Estatuto da M agi stratu ra, p o d e n d o exped i r atos reg u l a m e n tares, n o
â m bito d e s u a c o m petência, o u reco m e n dar p rovi d ê n cias;

6 7 . ÁVI LA, H u m b e rto. " M o ralidade, razoabilidade e eficiência n a atividade ad m i n i strativa". Revista Eletrônica de
Direito do Estado. Salvado r, I n stituto de D i reito P ú b l ico da Bah i a, n . 4, 2005, p . 24. Disponível e m www. d i reito·
doestado .co m . b r, acesso e m 2 2 . 1 2.201 2, às o6h29. N esse sentido, COSTA, E d uardo ]osé da Fon seca. "As noções
j u rídico- p rocessuais de eficácia, efetividade e eficiência". Revista de Processo. São Pau lo: RT 2005, n . 1 2 1 , item
6, p . 292·296.

99
FREDIE DIDIER JR.

1 1 - ze l ar p e l a o b s e rvân c i a do a rt. 3 7 e a p reciar, d e ofício o u m e d i a n ­


te p rovocação, a lega l i dade dos atos ad m i n i strativos p raticados p o r
m e m b ros o u ó rgãos d o P o d e r j u d i c i á rio, p o d e n d o d e s c o n stituí- l os,
revê - l o s o u fixar p razo para q u e se adotem as p rovi d ê n c i as n ecessá­
rias ao exato c u m p ri m e n t o d a lei, s e m p rej uízo d a com petê n c i a do
Tri b u n a l d e Contas da U n i ão;

1 1 1 - rece b e r e co n h ecer das reclamações c o n tra m e m b ros o u ó rgãos


do Poder j u d i c i á rio, i n c l u s ive c o n t ra s e u s s e rviços auxi l i ares, s e r­
ventias e ó rgãos p restad o res de s e rviços n otari a i s e de registro q u e
at u e m p o r d e l egação d o p o d e r pú b l ico o u ofi c i a l i zados, s e m p rej uí­
zo d a com petê n c i a d i s c i p l i n a r e c o r re i c i o n a l dos t ri b u n ais, pod e n d o
avo car p rocessos d i s c i p l i n a res em c u rso e dete r m i n a r a re m o ção,
a d i s pon i b i l i dade o u a a p o s e ntad o r i a com s u bsíd i o s o u p rove ntos
p ro p o rc i o n a i s ao tempo d e s e rviço e a p l i ca r o u t ras san ções ad m i n i s ­
t rativas, assegu rada a m p l a d efesa;

I V - re presentar ao M i n i stério P ú b l i co, no caso d e c ri m e contra a ad­


m i n ist ração p ú b l i c a o u d e a b u s o d e a u t o ri d ade;

V - reve r, d e ofíci o o u m e d i a n t e p rovocação, os p rocessos d i s c i p l i na­


res d e j uízes e m e m b ros d e t ri b u n a i s j u l gados h á menos de u m ano;

V I - e l abo rar s e m estra l m e nte relató rio estatístico s o b re p rocessos e


s e n t e n ças p r o l atadas, p o r u n i dade da Fede ração, n o s d iferentes ó r­
gãos do P o d e r j u d iciário;

VIl - e l a b o rar relatório a n u al, p ro p o n d o as p rovi d ê n cias q u e j u lgar


n ecessárias, s o b re a s i t u ação d o P o d e r j u d i ciário n o País e as at ivida­
d e s d o Co n s e l ho, o q u a l d eve i ntegrar m e n sagem do P res i d e n t e do
S u p re m o Tri b u n a l Federal a s e r re m et i d a ao Co n g resso Nacional, p o r
ocasião d a a b e rt u ra d a s e s s ã o l egi s l ativa".

O p ri n cípio, n este sentido, é n o rma d e d i reito ad m i n i strativo, sem q ualq u e r


es pecifi cidad e digna de n ota p e l o fato de ser d i rigido ao P o d e r j ud i ciári o . E s s a d i ­
m e n são d o p ri n cípio da efi c i ê n cia não será exa m i n ada n este Curso.
b) Sobre a 3estão de um determinado processo.
A d i m e n são do p ri n cípio da eficiência q u e o ra n o s i nteressa é a o ut ra.
o p ri n cípio da efi c i ê n cia, a p l i cado ao processo jurisdicional, i m põe a co n d u ção
efi c i e nte de um dete r m i nado p rocesso pelo ó rgão j u ri s d i c i o n a l .
O p ri n cípio, aq u i , d i rige-se a o ó rgão d o Poder j u d i ciário, n ã o n a co n d i ção de
e nte da ad m i n i stração, mas, s i m , n a de órgão j u ri s d i c i o n al, res pon sável pela gestão
de um p rocesso (j u ri s d i c i o n al) es pecífi co. Ass i m , é n o r m a de d i reito p rocessual e,
n essa q uali dade, i n te ressa a este Curso.

1 00
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

A co m p reen são da eficácia p rocessual d o p ri n cípio da eficiência i m põe, ai n da,


q u e se l evem e m co n s i d e ração algu m as p re m i ssas.
i) Esse p ri n cípio se relac i o n a com a 3estão do processo.
O ó rgão j u risdicional é, assi m , visto co m o um ad m i n i st rador: administrador de
um determ inado processo . Para tanto, a lei at ri b u i - l h e poderes de co n d u ção (ges­
tão) d o p rocesso. Esses poderes d eve rão ser exe rcidos de m o d o a dar o m áx i m o de
efi c i ê n cia ao p rocesso. Trata-se o serviço j u ri s d i c i o n a l co m o u m a espécie d e serviço
p ú b l i co68 - s u b m etido, pois, às n o rm as gerais d o s e rviço p ú b l i co69• Para a com p re­
e n são do p ri n cípio do p rocesso j u ri s d i c i o n al efi c i e n te, é i m p resci n d ível, e n tão, o
diálogo e n t re a Ciência do D i reito P rocessual e a C i ê n cia d o D i reito Ad m i n i st rativo.
Essa é a primeira premissa : o p ri n cípio da eficiência d i rige-se, s o b retudo, a
orie n tar o exe rcíci o dos poderes de gestão do p rocesso pelo ó rgão j u ri s d i c i o n al, q u e
d eve visar à obte n ção d e u m determ i n ado "estado d e coisas " : o p rocesso eficiente.
ii) A a p l i cação d o p ri n cípio da eficiência ao p rocesso é u m a ve rsão conte m ­
p o râ n ea ( e tam bém atu a l i zada) d o co n h ecido p r i n cípio d a eco n o m i a p rocess u a l .
M u da-se a d e n o m i nação, não apenas p o rq u e é ass i m q u e ela aparece n o s textos
da Constitu i ção e do CPC, m as, so b retudo, por ser u m a técn i ca retórica d e refo rço
d a relação e n t re esse p ri n cípio e a atuação do j u iz como um ad m i n i st rad o r70 - ai n d a
q u e ad m i n i st rad o r de u m determinado p rocesso7 ' .

68. CAD I ET, Lok, J E U LAND, E m m a n u e l . Oroit }udiciaire Privé. 7 ' e d . Paris: LexisNexis, 201 1 , p. 3 5 e 38; CAPO N I , Remo.
"O princípio da proporcionalidade na j u stiça civi l : pri m e i ras n otas siste máticas". Revista de Processo. São
Pau l o : RT, 201 1 , n. 1 9 2, p. 400-40 1 .
69. A N D RADE, Érico. "As novas perspectivas do gere nciamento e da 'co ntratual ização' do processo". Revis ta de
Processo. São Pau l o : RT, 201 1 , n . 1 9 3, p. 1 7 3 .
7 0 . A eficiência c o m o u m a q ualidade q u e conte m p o raneamente se b u sca atri b u i r à atividade a d m i n i strativa - q u e
se p reten d e u m a ad m i n i stração gere n cial - f o i bem percebida por C U N HA, Leo nardo Carn e i ro d a . "A p revisão do
princípio da eficiência n o p rojeto do novo Código de Processo Civil b ras i l e i ro". Revista de Processo. São Pau l o :
RT, 201 4, n . 2 3 3 , p. 69-74.
7 1 . E m sentido d iverso, Eduardo José da Fon seca Costa: "O postulado d a eficiência p rocessual é norma sobre
a produção de outras n o rmas, é norma de seg u n d o grau, n o r m a q u e i m p uta ao juiz o dever estrutu ral de
arq u itetar criativame nte regras p roced i m e ntais i n d ividuais e concretas q ue, uma vez efetivadas, produzam o
estado fático desejado pelos princípios q u e as i n s p i ram. Já o pri ncípio da eco n o m ia p rocessual é norma de
com portam e nto, é norma de p r i m e i ro grau, é n o r m a q u e fixa como fim p rático desejado u m processo civil e m
q u e se o b t é m o máximo de proveito c o m o mín i m o de atividade dos sujeitos e nvolvidos. É bem verdade q ue
a doutrina hodierna vem tentando dar ao princípio da eco n o m i a p rocess ual u m n ovo apelido, chamando-o de
" p r i n cípio da eficiência". Trata-se de modernice dispensável, poré m . A i n ovação term i n o lógica tão-so m ente se
j u stifica se o i n ovador estiver cônscio da grave distinção e ntre " p r i n cípio da eficiên cia" e " postu lado da efici­
ê n cia". Tod avia, a semelhança entre estas locuções só traz mais pertu rbações, m otivo pelo q ual a anti q u ada
"eco n o m i a p rocessual" a i n d a é preferível à "eficiência" para designar o princípio". (COSTA, E d uardo José da
Fonseca. "As noções j u rídico- p rocessuais de eficácia, efetividade e eficiên cia", cit., p. 294.) A relação entre
eco n o m i a e eficiência é tão íntima, q u e n ão foi por acaso q u e a Associação I nternacional de D i reito Processual
promoveu, na Lituân ia, e m maio de 20 1 3, o s e m i nário "Te n d ê n cias Recentes sobre Eco n o m i a e Eficiência n o
Processo Civi l " . M e rece leitura a res e n h a do eve nto feita por CÂMARA, Alexa n d re F reitas . "Se m i nário 'Te n d ê n ­
c i a s Recentes sobre Eco n o m i a e Eficiência n o Processo Civi l ' " . Revista d e Processo. São Pau l o : RT, 20 1 3, n . 2 2 3 ,
p. 4 6 3 e segs.

1 01
FREDIE DIDIER JR.

iii) Exatam e nte p o r co nta d i sso, pode-se s i ntetizar a "efi c i ê n cia", m eta a s e r
alcançada por esse p ri n cípio, c o m o o res u ltado d e u m a atu ação q u e o b s e rvou d o i s
d everes: a ) o d e o b t e r o m áxi m o de u m fi m com o mín i m o de rec u rsos (efficiency);
b) o de, com u m meio, ati n g i r o fi m ao máxi m o (effectiveness)72•
Eficien te é a atuação q u e p ro m ove os fi n s do p rocesso d e modo sati sfató rio em
termos q uantitativos, q ual itativos e p robabi lísticos. O u seja, na esco l h a dos meios
a serem e m p regados para a obte n ção dos fi n s, o ó rgão j u risdicional d eve esco l h e r
m e i o s q u e os p ro m ovam d e m o d o m i n i m a m ente i ntenso (q uantidade - n ão se pode
esco l h e r um m e i o que p ro m ova res u ltados i n sign ifi cantes) e certo ( p ro ba b i l i dade -
n ão se pode esco l h e r u m m e i o d e res u ltado d uvidoso), n ão sendo lícita a esco l h a
do p i o r d o s m e i os para i s s o (q uali dade - n ão se p o d e esco l h e r u m m e i o q u e p ro­
d uza m u itos efeitos n egativos paralelamente ao res u ltado b uscado)73• A eficiência é
algo q u e so m e nte se con stata a posteriori: n ão se pode avaliar a priori se a cond uta
é ou não efi c i e nte.
Ass i m como o p ri n cípio da ade q u ação, o p ri n cípio da eficiência i m põe ao ó r­
gão j u ri s d i c i o n a l o d eve r d e adaptar o u "arq u i tetar", n a exp ressão d e E d uardo j osé
d a Fon seca Costa, regras p rocessuais, com o p ro p ósito d e ati n g i r a efi c i ê n cia. M as
e n q uanto a ade q u ação é atri b uto das regras e d o p roced i m e nto, a eficiência é uma
qualidade que se pode a tribuir apenas ao procedimento - e n carado co m o ato74•
E m bora se c o n ceba um p roced i m e n to a priori (em tese) ade q u ado - um p ro ce d i ­
m e nto d efi n i d o pelo legislador, com a o bservância dos crité rios o bj etivo, s u bjetivo e
teleológico, exa m i n ados e m item à fre n te -, u m p roced i m e n to eficie nte é i n co n ce­
bíve l a priori: a efi c i ê n c i a res u lta d e u m j uízo a posteriori, como se d isse, sem p re
retrospectivo .
N ote q u e, ass i m , podemos d i sti n g u i r eficiência e efetividade.

7 2 . ÁVI LA, H u m berto. " M o ralidade, razoab i l idade e eficiência na atividade ad m i n i strativa", cit., p . 1 9 .
7 3 - ÁVI LA, H u m berto. " M o ralidade, razoabi lidade e eficiência n a atividade ad m i n i strativa", cit., p . 23-24.
74. E m sentido dive rso, E d u ardo José da Fonseca Costa, para q u e m a efi c i ê n c i a é u m at ributo das regras. O
autor e n t e n d e q u e não existe u m p r i n cí p i o da efi c i ê n cia, mas, s i m , u m post u l ado; esse post u lado " n ão
i m põe o dever j u rídico de p ro m over-se u m f i m , mas estrutu ra, mediante a produção de regras j u rídicas, a
a p l i cação do dever de p ro m over-se os f i n s q u e as i n f u n d i ra m . Não prescreve d i reta m e nte u m c o m p o rta­
m ento, m as sim u m a m a n e i ra d e e l a b o ração das regras, em q u e se c o n corda ao m áxi m o o conteúdo d e l as
com os valores q ue l h e j u stificaram a produ ção e q u e devem estar nelas i m b ricados. E n f i m , o postulado da
efici ê n c i a é u m dever d e estrutu ração, que estabelece uma v i n c u lação e n t re pri n cípios e regras j u rídi cas
e q u e estabel ece uma relação d e oti m ização n o p rocesso d e c o n c retização dos pri n cí p i o s pelas regras.
D ef i n itiva m e nte, q uanto mais a criação d u m a regra estive r centrada n a f i n a l idade que d á s u p o rte ao seu
criad o r, o u nos princípios que lhe devam estar s u bjacentes, tanto mais eficiente será essa regra". (COSTA,
E d uardo José da Fonseca. "As noções j u rídico - p roces s u a i s de eficácia, efetividade e efi c i ê n cia", cit., p. 2 9 3 . )
N essa l i n ha, é d ifíc i l d e m arcar as áreas de i n ci d ê n c i a dos p r i n cípios d a adeq u ação - s o b retudo a adeq ua­
ção teleo lógica - e da efi c i ê ncia, que acabam por confu n d i r-se. O próprio E d u a rdo José da Fon seca Costa
e n t e n d e que o postu lado da efi c i ê n c i a o p e ra s o b re a criação d e regras j u rídicas a i n d a n ão existentes (cit.,
p . 293) - exatam e nte o que aq u i se defe n d e pelo nome d e p r i n cípio da adeq u ação. Essa é m a i s uma razão
para relac i o n a r m o s a efi c i ê n c i a à eco n o m i a p rocess u a l .

1 02
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

Efetivo é o p rocesso q u e realiza o d i reito afi rmado e reco n h ecido j u d icial­


m ente. Eficien te é o p rocesso que ati n g i u esse res u ltado d e m o d o satisfatório, nos
termos aci ma. Um processo pode ser efetivo sem ter sido eficien te ati n g i u -se o -

fi m " realização d o d i reito" d e m o d o i n satisfató rio (co m m u itos res u ltados n egativos
colaterais e/ou excessiva d e m o ra, por exe m plo). M as jamais poderá ser considerado
eficiente sem ter sido efetivo: a n ão real i zação de u m d i reito reco n h ecido j u d icial­
m ente é q uanto basta para a d e m o n stração d a i n eficiência d o p rocesso75•
Estabelecidas as p re m issas, podemos, ago ra, visual i zar algu mas aplicações do
princípio da eficiência no processo .
I ) O dever d e eficiência i m põe-se n a esco l h a d o meio a ser util izado para a exe­
cu ção da sente n ça (art. 5 36, § 1 °, CPC). O meio executivo d eve p ro m over a execução
d e modo satisfató rio, nos termos m e n ci o nados aci ma.
11) O p ri n cípio da eficiência exerce u m a função i nterp retativa. Os e n u n ciados
n o rm ativos da legislação p rocessual d evem ser i nterpretados d e modo a observar
a eficiência. Dispositivos relacionados à suspensão do p rocesso, por exe m plo, q u e
i m põem u m l i m ite tem po ral máxi m o para a suspensão (art. 3 1 3, §4°, CPC), devem
ser i nterpretados com tem peramento: e m certas situações, o p rosseg u i m e nto do p ro­
cesso, após o vencimento do p razo máxi m o de suspensão, é medida que pode reve­
lar-se extremamente i n eficiente, sob o po nto de vista da ad m i n istração do p rocesso.
1 1 1) Do p r i n cípio d a efi c i ê n cia pode-se ext rai r a permissão d e o ó rgão j u risdicio­
nal estabe l ecer u m a espécie de "con exão p ro bató ria" e ntre causas p e n d e ntes, d e
m o d o a u n ificar a atividade i n strutó ria, como fo rma de red u ção de custos, m e s m o
q u e i s s o n ão i m p l i q u e a n ecessidade d e j u lga m e nto s i m u ltâneo de todas elas.
I m ag i n e-se o caso e m que um mesmo fato é afi rmado e m várias causas p e n ­
d e ntes - n ocividade de u m d ete r m i nado p rod uto, p o r exe m p l o -, q ue não p o d e m s e r
reu n idas para j u lgam ento s i m u ltâneo, p o rq u e cada u m a delas poss u i , a i n da, s u as
p ró p rias p ec u l iaridades fáticas. Pode o ó rgão j u risd i c i o n al, n este caso, d eterm i n ar
uma períci a ú n i ca, cujos c u stos seriam re partidos e n t re os sujeitos i nteressados d e
todos os p rocessos.
IV) O p r i n cípio da efi c i ê n cia é f u n damento para que se perm ita a adoção, pelo
ó rgão j u ri s d i c i o n al, de téc n i cas de gestão do p rocesso, co m o o cale n dário p rocess ual
(defi n i ção d e uma age n d a d e atos p rocessuais, com a p révia i ntimação d e todos os
s uj eitos p rocessuais d e u m a só vez; art. 1 9 1 , C PC)76, o u outro s acordos p rocess uais

7 5 . Adotou esse nosso ente n d i m e nto, expressam e n te, C U N HA, Leonardo Carn e i ro d a . " A p revisão do p r i n cípio d a
eficiência n o p rojeto do n ovo Código de Processo Civil b ras i l e i ro " . Revista d e Processo. S ã o Pau l o : RT, 201 4, n .
2 3 3, p. n
7 6 . Relacionando o calendário processual ao p r i n cípio da eficiência, M Ü LLER, J u li o . "Acordo processual e gestão
com part i l h ada do p roced i m ento". Novas Tendências do Processo Civil - estudos sobre o projeto do Novo Códi3o

1 03
FREDIE DIDIER JR.

co m a s partes, em q u e se p ro m ovam certas alte rações p roced i m e ntais, c o m o a


a m p l i ação d e p razos o u i nve rsão da o rdem de p rod ução de p rovas .
V) O p ri n cípio da eficiên cia é fu ndame nto para q u e se perm ita q u e o ó rgão
j u risdicional o rganize os autos do p rocesso, divi d i n do- os, por exe m p lo, em autos
com a p rova d o c u m e ntal e autos com as post u l ações e decisões. A d e p e n d e r do vo­
l u m e da docu m e ntação, essa p rovi d ê n cia pode ser i m p resci n díve l para a co n d u ção
efi ciente de um processo.

2.9. Princípio da boa-fé processual

2. 9. 1 . Generalidades

Os s ujeitos p rocess uais devem co m po rtar-se d e acordo com a b oa-fé, q u e,


n esse caso, d eve ser e n t e n d i d a co m o u m a n o rm a d e co n d uta ("boa-fé o bj etiva")77•
Esse é o princípio d a b oa-fé p rocessual, q u e se extrai d o a rt . so d o C P C : "Aq u e l e
q u e de q u a l q u e r f o r m a parti c i p a d o p rocesso d eve co m po rtar-se d e acordo c o m
a boa-fé " .
N es s a l i n h a, a m p l i a n d o a i n c i d ê n c i a d o p ri n cí p i o d a boa-fé p ro c e s ­
s u a l a t o d o s o s s ujeitos p ro c e s s u a i s , i n c l u sive ao j u i z, o a r t . 52 do
C ó d i g o d e Processo Civi l S u íço d e 2009, fonte d e i n s p i ração d o a r t . 5o
d o CPC b ras i l e i ro : "Art. 52. C o m p o rta m e n to seca n d o b u o n a f e d e . Tut­
te l e perso n e che parteci p a n o ai p ro ce d i m e n to d evo n o co m p o rtarsi
s e ca n d o b u o n a f e d e " .

Não se pode confu n d i r o p ri n cípio ( n o rm a) da boa-fé co m a exigê n c i a de boa-fé


( e l e m e nto s u bj etivo) para a configu ração d e algu n s atos i lícitos p rocessuais, co m o
o manifesto propósito protelatório, apto a perm iti r a t u t e l a p rovi só ria p revi sta n o
i n ciso I d o art . 3 1 1 do C P C . A boa-fé subjetiva é e l e m e nto do s u p o rte fático d e a l ­
gu n s fatos j u ríd icos; é fa to, p o rtanto. A boa-fé objetiva é u m a norma de co n d uta:
i m põe e p roíbe co n d utas, além de criar situações j u rídi cas ativas e passivas. Não
existe princípio da boa-fé subjetiva . O art. so do CPC n ão está re lacio n ado à boa-fé
s u bjetiva, à i ntenção do sujeito p rocess ual: trata-se de n o rm a q u e i m põe co n d utas
em confo r m i d ade com a boa-fé objetivamen te co n s i d e rada, i n d e p e n d e nteme nte da
existê ncia d e boas ou más i nte n ções.
Na doutri n a brasilei ra, não é com u m a menção a uma "boa-fé o bjetiva p rocessual".

d e Processo Civil. Alexa n d re Frei re; B r u n o Dantas; Dierle N u nes; F r e d i e D i d i e r ) r.; J o s é M i gu e l Garcia M e d i na;
Luiz F ux; Luiz H e n ri q u e Vo l p e Camargo; Ped ro M i randa d e O l iveira ( org. ) . Salvador: Ed itora jus Podivm, 20 1 4, v.
3. p . 1 54-
7 7 - Sobre a boa fé como norma d e cond uta, a m plamente, C O R D E I RO, Antó n i o M a n u e l da Rocha e M e n ezes. Da
boa-fé no direito civil. 2• rei m p . Coi m b ra: A l m e d i n a, 200 1 . p . 632 e segs.

1 04
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

Poucos d o u t ri nad o res b ras i l e i ros ap roveitaram essa g ra n d e contri b u i ção ge r­


mân ica (Treu und Glauben, a p roteção o bj etiva da confi a n ça e da lealdade) e m
seus estudos s o b re o d i reito p rocessual, q u e a i n d a se p re n d e m a u m a con cepção
s u bjetiva d e boa-fé. I g n o ra-se toda p rod ução do utri n ária s o b re boa-fé o bj etiva n o
d i reito p rivad o e n o d i reito p ú b lico. Parece não t e r h avido " co m u n icação d o utrin ária
i n te rd i sci p l i n ar", o que é lame ntáve l . O lvida-se, tam bém, a doutrina e u ro peia so b re
a boa-fé o bj etiva n o p rocesso, p ri n ci pal m e nte os auto res a l e m ães e p o rtugueses,
citados ao l o n go do texto78•
O princípio da boa-fé extrai-se de u m a cláusula 3era l processual. A o pção p o r
u m a cláu s u l a geral de boa-fé é a m a i s co rreta. É q u e a i n fi n idade de situações q ue
podem s u rgi r ao l o n go d o p rocesso torna pouco efi caz q ualq u e r e n u m e ração legal
exau stiva das h i póteses de co m po rtam e n to desleal79• Daí ser correta a o p ção da le­
gis lação b ras i l e i ra por uma n o rma geral q u e i m põe o co m po rtam e nto de acordo com
a boa-fé. E m verdade, n ão seria n ecessária q ualq u e r e n u m e ração das c o n d utas des­
leais: o art. 5° do CPC é bastante, exatamente por t ratar-se d e uma c l á u s u l a ge ral80•
H á, a i n d a, rewas de pro teção à boa -fé, q u e concretizam o p ri n cípio d a boa-fé
e co m põem a m o delage m do devido processo le3al b ras i l e i ro . As n o rmas s o b re liti­
gância de má-fé (arts. 7 9 - 8 1 d o CPC) são u m exe m p l o disso.
A consagração d o p ri n cípio da boa-fé p rocess ual foi res u ltado d e uma expan ­
são da exigê ncia de boa-fé do d i reito p rivado a o d i reito p ú b l ico. A j u ri s p ru d ê n c i a
al emã entendeu aplicáve l o § 2 4 2 d o Código Civi l a l e m ão8' (cláu s u l a ge ral d e boa-fé)

78. Cabe, então, m e ncionar algu n s auto res bras i l e i ros q u e expressamente defe n d e m a existência de uma " boa-fé
p rocess ual o bjetiva": NORON HA, Fe rnando de. O direito dos con tra tos e seus princípios fundamentais: auto­
nomia privada, boa-fé, justiça contra tual, cit., p . 1 37; CABRAL, Antô n i o do Passo. "O contraditório como dever
e a boa-fé p rocessual o bjetiva", cit., p. 76-78; M IT I D I ERO, Daniel. Co laboração no processo civil, cit., p. 95-96;
_ . Comen tários ao Códiso de Processo Civil. São Paul o : M e m ó ria j u rídica, 2004, t. 1, p. 1 7 3; V I N C E N Z I , Brunela
Vie i ra de. A boa-fé no processo civil, cit., p. 1 69 e segs.; GÓ ES, Gisele. "Defesa do devedor n a execução de tít u l o
extraj u d icial: principiologia e técn icas p rocess uais de efetividade". A leitura. Belém : Escola S u perior d a Magis­
tratu ra, 2008. v. 1, p . 32-40; M E D I NA, josé Miguel Garcia, WAM B I E R, Teresa Arruda Alvi m . Parte seral e processo
de conhecimento. São Pau l o : RT, 2009, v. 1. p . 48-50; PRETEL, Mariana Pretel e. A boa-fé objetiva e a lealdade no
processo civil brasileiro. São Pau l o : N ú ria Fabris, 2008; IOCOHAMA, Celso H i ros h i . Litisância de má-fé e lealdade
processual. Cu ritiba: j u ruá, 2006, p. 45; WAM B I ER, Luiz Rodrigues. "Abuso do procedim ento especial". Revista
de Processo. São Paulo: RT, 201 2. n . 204, p. 58-6o; RODR I G U ES, Marco Anto n i o dos Santos. A m odificação do
pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de janeiro: GZ Editora, 20 1 4; T H E O DORO ] r., H u m berto; N U N ES,
D i erle; BAH IA, Alexandre; P EDRON, Flávio Q u i n a u d . Novo CPC - fundamentos e sistematização. Rio de j a n e i ro:
Forense, 20 1 5, p. 1 59-2 1 3 .
79. TAR U FFO, M i c h e l e . "General re port - a b u s e of proce d u ral rights: com parative stan dards of p rocedu ral fai rness",
p. 6; j U N OY, joan Pico i. " E I debido p roceso 'leal'", cit., p . 370-37 1 . Tam b é m reco n h ecendo a grande utilidade
de u m a cláusula seral processual de boa-fé, V I N C E N Z I , Brunela Vie i ra de. A boa-fé no processo civil. São Pau l o :
Atlas, 2003, p . 1 69 e segs.
8o. E m bora exam i n a n d o o i n ciso 11 do art. 14 do CPC/ 1 973, nesse sentido, também, LI MA, Alcides de M e n d o nça.
"Abuso do d i reito de deman dar". Revista de processo. São Pau lo, n . 1 9, 1 980, p . 6 1 . Ass i m , tam bém, CABRAL,
Antônio do Passo. "O contraditório como dever e a boa-fé p rocessual objetiva". Revista de Processo. São Pau l o :
RT, 2005, n . 1 26, p. 6 9 .
8 1 . § 2 4 2 do BGB ( B ü rgerliches Gesetzbuch): " D e r Sch u l d n e r i s t verpfl ichtet, d i e Leistung so zu bewirken, w i e
Treu u n d G l a u b e n m it Rücksicht auf d i e Ve rkeh rssitte es erford e r n " . ("O d evedor está adstrito a realizar a

1 05
FREDIE DIDIER JR.

tam bém a o d i reito p rocessual civi l82 e pen al83• De u m m o d o geral, a d o utri na segu i u
o m e s m o cam i n ho84• N a verdade, a b oa-fé o bj etiva expa n d i u -se para todos o s ramos
d o D i reito, m e s m o os " não civis"85• Sempre que exista um vínculo jurídico, as pesso­
as e nvolvidas estão o b rigadas a não frustrar a confiança razoável do o utro, deve n d o
co m po rtar-se como se pode esperar d e u m a pessoa de boa-fé86• Como aco ntece c o m
q ualq u e r relação j u ríd ica, a boa-fé recai tam b é m s o b re a s relações p rocess uais87.
A expansão ao p rocesso civi l n ão se deu sem o b stác u l o s . N a p ró p ri a
A l e m a n h a, n o i n ício do s é c u l o XX, j á se c h egou a d i z e r q u e o d i reito
p rocessual i m p e d e q u a l q u e r apelo à boa-fé o u lealdade e os co m po r­
tam e n tos p rocessuais são " l ivres da m o ra l i d ad e "88.

M e s m o at u a l m e nte, h á d o u t ri n ad o res q u e cerram fi l e i ras c o n t ra o


p ri n cípio da boa-fé p rocessual, q u e, segu n d o afi r m a m , poss u i traços
auto ritários89.

Segu n d o j u a n M o n te ro A roca, p roce s s u a l i sta e s p a n h o l , a exigê n c i a


d e c o l a b o ração p roce s s u a l s o m ente p o d e s e r co m p re e n d i d a e m u m
c o ntexto i d e o l ógico q u e p a rte d a p re m i ssa d e q u e os cidadãos n ã o
t ê m d i reito a " p e l ear" p o r aq u i l o q u e acreditam q u e l h es é d e d i reito
e c o m todas as "armas" p ro p o rc i o n adas pelo o rd e n a m e nto j u ríd i co9°.

O a rg u m e n to não conve n c e .

A t é n a g u e r ra a p roteção d a boa-fé o bj etiva se i m p õ e . o Estat uto


d e Roma, q u e criou o Tri b u n a l Penal I nt e r n aci o n a l , re p uta c ri m e de
g u e r ra (art. 8°, 2, "b", vi e vii) " p rovocar a m o rte o u feri m e n tos a u m
c o m bate nte q u e t e n h a d e posto armas o u q u e, não t e n d o m e i o s para

p restação tal como o exija a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego", de acordo com a trad u ção
de C O R D E I RO, António M a n u e l da Rocha e M e n ezes. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 325). H á outra tradu ção,
bastante con hecida no Bras i l , de Souza D i n i z : "O deved o r está o b rigado a executar a p restação como a boa fé,
e m ate n ção aos usos e costu mes, o exige" (Códi80 Civil A lemão. Rio de l a n e i ro: Record Editora, 1 96o, p . 56)
82. "A sua natu reza i nstr u me ntal perante o D i reito Civi l e uma certa tradi ção literária de escrita s o b re a boa fé
em Processo terão fac i litado a tran sposição". (CORDEI RO, Antó n i o M a n u e l da Rocha e M enezes. Da boa-fé no
direito civil, cit., p. 3 7 5 . )
83. O S T F já decid i u q u e o p rocesso penal também é regido pelo princípio da boa-fé, como f o r m a de i m pe d i r
comportamentos abusivos: STF, 2• T., H C n . 92.01 2/SP, re i . M i n . E l l e n G racie, j . e m 1 0.6.2008.
84. CORDEI RO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 376, especial mente a nota 437.
85. " Essa expansão é notável e d e n ota a c o m pleição da boa-fé não como u m i n stituto j u rídico com u m , m as como
factor c u l t u ral i m portante, l i gado, de modo estreito, a u m certo e n te n d i m e nto do j u rídico". (CORDEI RO, Antó n i o
M a n u e l da R o c h a e M e n ezes. Da boa-fé no direito civil, c i t . , p. 3 7 1 .)
86. LARENZ, Karl. Derecho civil - parte 8enera l. Miguel lzq u i e rdo y M acías-Picavea (trad .) Madrid: Editorial Revista
de Derech o Privado, 1 978, p . 300.
87. C H I OVEN DA, G i useppe. Princípios de derecho procesal civil. 1osé Casais y Santaló (trad .). Madrid: Réus, 2000,
t. 2, p . 2 1 1 ; J U N OY, joan Pico i. " E I debido proceso 'leal'". Revista Peruana de Derecho Procesal. Li ma: Palestra,
2006, v. 9, p . 366.
88. Sobre o tema, H ESS, Bu rkhard. "Abuse of p roced u re i n Germany and Áustria", cit., p. 1 5 5, i n c l usive as n otas 28
e 29.
89. AROCA, juan M ontero. Los princípios po líticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil. Valência: Ti rant lo blanch,
200 1 , p . 1 06 - 1 08.
90. AROCA, j u an M ontero. Los princípios po líticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil, cit., p . 1 08 .

1 06
N O R M A S F U N O A M E N TA I S 00 PROCESSO CIVIL

s e defe n d e r, s e te n h a i n c o n d i c i o n a l m e nte re n d i d o e u t i l i z a r i n d evida­


m e nte u m a b a n d e i ra de tréguas, a ban d e i ra n ac i o n a l , as i n síg n i a s m i ­
l itares o u o u n if o r m e do i n i m i go o u d a s N ações U n i d as, a s s i m c o m o
o s e m b l e mas d i s t i n t ivos d as Convenções d e G e n e b ra, c a u s a n d o d e ste
modo a m o rte o u feri m e n tos g rave s " . São, como s e vê, co n d utas
a b u s i vas, q u e fere m a ética d a g u e rra. H astear " b a n d e i ra b ranca", i n ­
centivando o avan ç o d a s tropas adve rsárias d i reto p a ra u m a e m bos­
cada, é venire contra factum proprium, c o n d uta i n t o l e ráve l m e s m o
n a g u e rra. A l e i t u ra d o r o l d o s c r i m e s d e g u e rra p revisto n este artigo
reve la, com a l g u m a fac i l i dade, a p reocu pação com a p re s e rvação e o
i n ce n tivo à boa-fé e à coo p e ração em p e río d o s de g u e rra.

Se m e s m o n a g u e r ra a ética h á d e ser p re s e rvada, como n ão defe n d e r


a exi stê ncia d e u m p r i n cí p i o d a boa-fé p rocessual, e m q u e, a i n d a q u e
a p e n as metafo ricame nte, d e m o d o civi l izado e s o b s u pe rvisão d o
j u iz, as partes " g u e r re i a m " p o r s e u s i nteresses?

A d e m ais, co m o afi r m a Leo n ardo G reco, "bem a p l icado, esse p r i n cí­


pio . . . s e rve com ce rteza m a i s adeq uad a m e nte ao p rocesso l i b e ra l " 9 ' ,
p o i s se rve à p roteção d o s d i reitos s u bj etivos dos l i t i ga n tes, " p o i s a
eficác i a das gara n t i as f u n d a m e ntais do p rocesso i m p õ e u m j u iz tole­
rante e partes que s e co m p o rtem com lealdade''9'.

2.9.2. Fundamento constitucional do princípio da boa-fé processual

É p reciso e n contrar o f u n d a m ento constitucional d o p ri n cípio da boa-fé p ro­


cess ual.
M e s m o que não h o uvesse texto n o rm ativo exp resso n a legislação i n fracons­
titucional, o p ri n cípio da boa-fé p rocessual poderia ser extraído d e outros p ri n cí­
pios constitu c i o n ais. A exigê n cia de com porta m e nto em conform idade com a boa-fé
pode ser e n carada c o m o conteúdo de o utros d i reitos f u n d a m e ntais.
Há q u e m veja n o i n ciso I do art. 3° da CF/1 988 o fu n d a m e nto c o n stitucional d a
p roteção d a boa-fé o bj etiva93• É o bj etivo da Re p ú b l i ca Fede rativa B ras i l e i ra a cons ­
trução d e uma sociedade l ivre, j u sta e soli dária. H averia u m dever fundamental de
solidariedade, d o q ual deco rre ria o d ever de não q u e b rar a confiança e d e n ão agi r
com deslealdade. Nesta m e s m a l i n ha d e raciocí n i o, há q ue m veja a c l á u s u l a ge ral
d e boa-fé como concretização d a p roteção c o n stitu cional à d ign idade d a pessoa
h u mana (art. 1 0, 1 1 1, CF/1 988)94•

91. G RECO, Leonardo. "Publicismo e privatismo no processo civil". Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, n . 1 64, p. 49.
92. G RECO, Leo nardo. " P u b l i c i s m o e p rivatismo n o p rocesso civil", cit., p . 5 2 .
93. VINCENZI, B r u n e l a Vie i ra de. A boa-fé no processo civil. S ã o Pau l o : Atlas, 2003, p . 1 63 .
94. ROSENVALD, N e l s o n . Di3nidade humana e boa-fé no Códi30 Civil. S ã o Pau l o : Saraiva, 2005, p . 1 86 e segs.; N E­
G R E I ROS, Te resa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de j a n e i ro :
Renovar, 1 998, p . 224-274.

1 07
FREDIE DIDIER JR.

Para M e n ezes Cord e i ro, p o r exe m p lo, a exigê n cia de atu ação de acordo c o m a
boa-fé deco rre d o d i reito f u n dame ntal à isua ldade: "a pessoa q u e confie, legit i m a­
m e nte, n u m certo estado d e coi sas não pode s e r vi sta se não tivesse confiado: seria
t ratar o d ife re nte de m o d o igual "95•
Antô n i o do Passo Cabral ente n d e que o fundamento da boa-fé objetiva processu­
al é o p ri n cípio do contraditório, q u e n ão é apenas fo nte de d i reitos processuais, mas
tam bé m de deveres. O co ntrad itório não serve apenas para dar aos litigantes o d i reito
de poder i nfl u e n ciar n a decisão, m as tam bém "tem uma finalidade de colabo ração
co m o exe rcício da j u risdição"96• O d i reito ao contraditório não pode ser exe rcido i l i m i ­
tadamente: o res peito à boa-fé o bjetiva é exatame nte u m desses l i m ites.
Para ]oan Pico i ] u n oy, o p ri n cípio da boa-fé p rocess ual co m põe a c l á u s u l a do
devido processo lesai, l i m itando o exe rcício do d i reito de d efesa, co m o fo rma de
p roteção do d i reito à tutela efetiva97, d o pró p ri o d i reito d e defesa da parte contrária
e do d i reito a um p rocesso com todas as garantias (" p rocesso devido"). Cria, para
tanto, eloq u e nte expressão: o devido processo leal98•
O S u p re m o Tri b u nal Fede ral segue tam bé m essa l i n h a de argu m e n tação, de
m a n e i ra a i n d a mais i n ci siva: a c l á u s u l a do d evi d o p rocesso legal exige um p rocesso
leal e pautado n a boa-fé99• A tran scri ção d o trec h o da f u n d a m e ntação é n ecessária:
"O p ri n cí p i o d o devido p rocesso legal, que l astreia todo o leque d e
gara n t i as c o n st i t u c i o n a i s vo ltadas para a efetividade d o s p rocessos
j u ri s d i c i o n a i s e ad m i n i strativos, ass e g u ra q u e todo j u lgam e n to seja
realizado com a o b s e rvância das regras p roced i m e n t a i s p revi a m e nte
esta b e l e c i d as, e, além, rep resenta uma exigê n c i a d e fair trial, n o s e n ­
t i d o d e garanti r a parti ci pação eq u ân i m e, j u sta, l e a l , e n f i m , s e m p re
i m b u ída p e l a boa-fé e p e l a ética dos s uj e itos p rocess u a i s .

A m áxi m a d o fair trial é u m a d a s faces do p r i n cí p i o do d evido p ro­


cesso l egal positivado n a C o n st i t u i ção d e 1 988, a q u al assegu ra u m
m o d e l o gara n t i sta d e j u ri s d i ção, voltado p a ra a p roteção efetiva d o s

95 - CORDEI RO, Antó n i o M a n u e l da Rocha e M e n ezes. Litigância d e má-fé, abuso do direito de acção e culpa 'in
agendo '. Coi m b ra: Almedi na, 2006, p. 5 1 . Assi m , tam bém, do mesmo autor, mais longamente, Da boa -fé no
direito civil, cit., p . 1 . 2 7 1 e segs.
96. CABRAL, Antô n i o do Passo. "O contraditório como deve r e a boa-fé p rocessual objetiva", cit., p . 63. Ass i m ,
t a m b é m , V I N C E N Z I , Br u n e l a Vi e i ra de. A boa -fé no processo civil, cit., p . 1 7 2 .
97 - " . . . la efectividad de la t u t e l a j u d i cial i m po n e e l rechazo a la actuación maliciosa o temeraria de l a s partes, o
dicho em otros térmi n os, la mala fé p rocesal p u e d e p e n d e r em pel igro el otorga m i e nto de u m a efectiva tutela
j u dicial. . . " (J U N OY, )oan Pico i . " E I debido p roceso 'leal'", cit., p . 346.)
98. J U N OY, )oan Pico i . "EI debido p roceso 'leal"', cit., p. 345 e segs.
99- STF, 2• T. , RE n . 464.96 3-2-GO, re i . Min. G i l m a r M e ndes, j . e m 1 4.02.2006, p u b l icado n o DJ d e 30.06. 2006. Com
f u n da m e ntação semel hante, STF, 2• T., AI n . 5 2 9 . 7 3 3 · 1 - RS, rei. M i n . Gilmar M e n des, j . e m 1 7 . 1 0. 2006, p u b l icado
n o DJ d e 0 1 . 1 2. 2006. Repercutiu e aplaudiu essas decisões, mais rece nteme nte, MACÊDO, Lucas Buril d e . "A
concretização d i reta da cláusula geral do devido p rocesso legal p rocessual n o S u p remo Tri b u nal Federal e no
Superior Tri b u nal de j u stiça", cit., p . 395-396.

1 08
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

d i reitos i n d iv i d u a i s e coletivos, e q u e d e p e n de, para s e u p l e n o f u n ­


c i o n a m e nto, d a boa-fé e lealdade d o s s uj e i to s q u e d e l e parti ci p a m ,
c o n d i ção i n d i s p e n sáve l para a c o r reção e legit i m idade d o conj u n to d e
atos, re lações e p rocessos j u r i s d i c i o n a i s e ad m i n i st rativo s " .

O STF confirma que a exigê n c i a d e com p o rtame nto segu n d o a boa-fé ati nge a
todos os s uj eitos p rocessuais, e n ão apenas às partes:
" N esse sentido, tal p r i n cípio p o s s u i u m âm bito de p roteção alargado,
q u e exige o fair trial n ão a p e n as d e ntre aq u e l e s q u e fazem parte d a re­
lação p rocessual, o u q u e at uam d i retame nte no p rocesso, m as de todo
o aparato j u ri s d i c i o n al, o q u e ab range todos os s uj e itos, i n stitui ções
e ó rgão, p ú b l icos e p rivados, que exe rce m, d i reta o u i n d i retame nte,
f u n ções q ual ificadas constituci o n a l m e nte como ess e n ciais à j u stiça" .

Todas essas o pções são dogmaticamente corretas . Adota-se a d o STF, p r i n c i ­


pal m e nte e m razão d e u m as pecto p rático: a caracte rização d o d evid o p rocesso
legal como uma cláu s u l a geral é pacífi ca, m u ito bem c o n st ruída doutri n ariamente e
aceita pela j u ri s p ru d ê n cia.
É co m base n esta garantia q u e, n o d i reito estad u n i d e n se, se constru i u o dever
de boa-fé p rocessual co m o conte ú d o da garantia d o fair trial. A refe rê n c i a ao due
process of law como f u n d a m e nto para rep ri m i r os co m po rtam e ntos t e m e rários é
freq u e nte nos países d o common law. E m tais países, a cláusula ge ral d o devid o
p rocesso legal é d i reta m e nte a p l i cada pe las cortes como u m pad rão ge ral para a
ava l i ação d e p ráti cas p rocessuais i n adeq uadaS100•
É mais fác i l , portanto, a arg u m e ntação da existê n c i a d e u m d eve r geral de
boa-fé p rocess ual co m o conteúdo d o d evido p rocesso lega l . Afi n al, conve n h a m os, o
p rocesso para ser devido (Biusto, co m o d ize m os ital ian os, equita tivo, co m o d izem
os p o rtugu eses) p recisa s e r ético e leal .
N ão se p oderia c o n s i d e rara justo u m p rocesso pautado e m c o m p o rtamentos
desleais o u antiéticos.

2. 9.3. Destinatário da norma

N ote q ue o dest i n atário da n o rm a é "aq uele q u e de q ua l q u e r fo rma participa d o


p rocesso" (art. so, CPC), o q u e i nclu i , o bviam ente, n ão apenas as partes, mas tam bém

1 00. HAZARD ) r., Geoffrey C. "Abuse o f p rocedu ral rights: a s u m mary view o f the c o m m o n law systems" . Abuse of
procedural rights: compara tive standards of procedural fairness. M ichele Taruffo (coord). Haia/Lon d res/Boston :
Kluwer Law l nternational, 1 999, p. 38; HAZARD ] r., Geoffrey C. "Abuse o f p roced u ral rights: report f o r t h e U n ited
States". Abuse of procedural rights: compara tive standards of procedural fairness. M ichele Taruffo (coord). Haia/
Lo n d res/Bosto n : Kl uwer Law l nternational, 1 999, p. 43; TARU FFO, M ichele. "General report - abuse of p roced u ral
rights: com parative standards of p rocedu ral fai rn ess", Abuse of procedural rights: compara tive standards of
procedural fairness. Michele Taruffo (coord). Haia/Lo n dres/Bosto n : Kluwer Law l nternational, 1 999, p. 7.

1 09
FREDIE DtDIER JR.

o ó rgão j u risdicional 10' . A observação é i m po rtante, pois parte dos trabalhos doutri ná­
rios sobre a boa-fé p rocessual restri nge a abrangê n cia do p ri n cípio às partes102•
A vi n c u lação do Estado-j u i z ao d ever de b oa-fé nada mais é senão o reflexo d o
p r i n cípio d e q u e o Estado, t o u t court, deve agi r d e aco rdo com a boa-fé e , pois, de
m a n e i ra leal e com p roteção à confiança.

2.9.4. Concretização do princípio da boa-fé processual

A d o utri n a alemã agru pou q uatro casos de aplicação da boa fé o bj etiva ao


p rocesso '03•
a) P ro i b i ção d e criar'04 dolosame nte posições p rocessuais, o u seja, p ro i bição
d e agi r d e m á-fé. O d o l o p rocess ual é co n d uta i l ícita, por conta da i n cidência do
p ri n cípio da b oa-fé. M as h á regras exp ressas q ue concretizam isso, por exe m p lo : o
req u e ri m e nto d o loso da citação p o r ed ital (art. 2 5 8), a l itigância de m á-fé (art. 8o,
CPC)'05 e a atu ação d o losa do ó rgão j u risd i c i o n a l (art. 1 43, 1).
b) A p roi bição d e venire con tra factum proprium106• Trata-se d e p ro i b i ção d e
exe rcício d e u m a situação j u ríd i ca e m desconform idade com u m co m po rtam e nto
anteri o r q ue gerou n o o utro uma expectativa l egít i m a d e man uten ção da coerê n cia.

1 0 1 . O STF já recon h eceu expressamente a vincu lação do ó rgão j u risdicional a o princípio da boa-fé processual (STF,
HC 1 01 . 1 32. ED/MA, rei. p/ acórdão M i n . Luiz Fux, I nformativo do STF n . 665, 7- 1 2 de maio de 201 2). No mesmo
sentido é o posicionamento do STJ : STJ, 4' T., AgRg n o AREsp n . 9 1 . 3 1 1 - D F, Rei. Min. Anto n i o Carlos Ferrei ra, j .
em 6 . 1 2.20 1 2. p u blicado n o i n formativo 5 1 1 ; STJ, 2• T., R E s p n . 1 .306-463/RS, R e i . M i n . H e r m a n Benjam i n , j . em
04.09.201 2, p u b l i cado no D]e de 1 1 .09.20 1 2. Ass i m , tam bém, TARU FFO, Michele. "General report - abuse of p roce­
d u ral rights: com parative stan dards of p roce d u ral fai rness". Abuse of procedura l rights: compara tive standards
of procedural fairness. Michele Taruffo (coord). Haia/Lon d res/Boston : Kluwer Law l nternational, 1 999, p. 1 9; H ESS,
B u rkhard. "Abuse of p roced u re in Germany and Áustria". Abuse of procedura l rights: compara tive standards of
procedural fairness . M ichele Taruffo (coord). H aia/Lond res/Bosto n : Kl uwer Law l nternational, 1 999, p. 1 56.
1 02. Por exe m plo, o monografista d o tema J U NOY, ]oan Pico i . " E I debido p roceso 'leal'". Revista Peruana de Derecho
Procesal. Lima: Palestra, 2006, v. 9, p. 34 1 ; M I LMAN, Fáb i o . Improbidade processual. Rio de J a n e i ro: Fore nse,
2007, p. 8 1 e segs; N E RY ] r., Nelson, N E RY, Rosa. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagan te.
9' ed. São Pau l o : RT, 2006, p . 1 77 - 1 78; B E DAQ U E, ]osé Roberto dos Santos. Código de Processo Civil in terpretado.
2• ed. São Pau l o : Atlas, 2005, p . 84·85.
1 03 . BAU M GÁRTEL, Gottfri e d . "Treu und Glauben i m Zivi l p rozess". Zeitschrift für Zivilprozess, 1 97 3 , n . 86, H eft 3, p .
355; Z E I SS, Walter. f / dolo procesal: aporte a /e precisacion teorica d e u n a prohibicion d e / dolo e n e/ proceso de
cognicion civilistico. To mas A. Banzhaf (trad .). Buenos Aires: Ediciones j u rídicas E u ropa-América, 1 979, passim;
H ESS, B u rkhard. "Abuse of p roce d u re in Germany and Áustria", cit., p . 1 5 3 - 1 54.
1 04. "Das Verbot zu schafen", n o texto original BAU M GARTEL, Gottfri e d . "Treu und Glauben i m Zivi l p rozess". Zeits­
chrift für Zivilprozess, cit., p. 3 5 5 .
1 05 . É i m po rtante registrar, especificamente para a aplicação d o art. 8o do CPC, q u e nem todos os casos d e litigân­
cia d e m á-fé ali p revistos exigem a " m á-fé s u bjetiva"; h á casos e m que a " má-fé" é exam i n ad a objetivame nte,
como nos casos dos i n cisos V, VI, V I l e VIII d o mesmo artigo. Advert i n d o s o b re esse as pecto, M O R E I RA, ]osé
Carlos Barbosa. "A res p o n s a b i l i dade das partes por dano p rocessual n o d i reito b ras i l e i ro " . Temas de direito
processual. São Pau l o : Saraiva, 1 977, p. 26. Trata-se de um dado relevante para confirmar a existê ncia de u m a
cláus u l a geral d e proteção d a boa-fé o bj etiva.
1 06. "Das Verbot des widersprüchlichen Verhaltens", no original, BAU MGARTE L, Gottfried. "Treu u n d G l a u b e n i m
Zivi l p rozess". Zeitschrift für Zivilprozess, cit. p . 3 5 5 .

110
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

A d o utri n a cost u m a e n u m e rar os segu i ntes p ressu postos para a configu ração
do venire con tra factum proprium c o m o co m po rtame n to i lícito: a) existê ncia d e
d uas co n d utas d e u m a m e s m a pessoa, s e n d o q u e a segu n da contraria a p ri m e i ra;
b) h aj a i d e n tidade de partes, ai n d a q u e por vín c u l o de s u cessão ou re p resentação;
c) a situação contrad itória se p rod uza em u m a mes ma situação j u rídica ou e ntre s i ­
tuações j u ríd i cas estreita m e nte coligadas; d) a p ri m e i ra c o n d uta (factum proprium)
te n ha um sign ificado social m i n i m a m e nte u n ívoco, a ser ave riguado segu nd o as
ci rcu n stâncias do caso; e) q u e o factum proprium seja s uscetível de criar f u n dada
confiança na parte q u e alega o p rej uízo, confiança essa q u e será ave riguada se­
g u n d o as ci rc u n stân cias, os usos aceitos pelo co m é rcio j u ríd i co, a b oa-fé o u o fi m
eco n ô m i co-social do n egócio '07•
Co m o exe m p l o d e a p l i cação da p ro i bição d e venire con tra factum proprium n o
p rocesso civi l : recorre r contra u m a decisão q u e se aceitara (art. 1 .ooo d o CPC) o u
ped i r a i nval i d ação d e ato a cujo d efeito d e u causa (art. 2 7 6 d o C P C b ras i l e i ro), o u
a i m p ug nação da legiti m idade ativa, j á aceita e m p rocesso anterio r108•
Nesses casos, temos concretizações típ i cas da p ro i b i ção de co m po rtam ento
contraditó rio. o p ri n cípio da boa-fé, no entanto, p roíbe a tipicamen te o c o m p o rta­
m ento contraditório, q u e, ass i m , passa a ser um ilícito processual a típico.
c) A p ro i b i ção de abuso de d i reitos processuais'09• O a bus o do d i reito é co n d u ­
t a i lícita; o abuso de u m d i reito p rocessual tam b é m . Q u al q u e r abuso d o d i reito n o
p rocesso é p ro i b i d o pela i n ci d ê n cia d o p ri n cípio d a boa-fé p rocess u a l .
C o m o , por exe m p lo, o a buso d o direito d e defesa, q u e p o d e auto rizar a tutela
p rovisória d e evidência (art. 3 1 1 , I , CPC b ras i l e i ro), o abuso n a esco l h a d o meio exe­
c utivo (art. 8os, C PC), ou o abuso do direito de recorrer, q u e é h i pótese exp ressa de
l itigância de m á-fé (art. 8o, V I l , CPC b rasi leiro).
Nesses casos, temos concretizações típi cas d e abuso d e d i reito p roces s u a l .
O p r i n cípio d a boa-fé, n o entanto, p roíbe a tipicamente q ua l q u e r a bus o d e d i reito
p rocess ual, q ue, ass i m , passa a ser um ilícito processual a típico.
d) Verwirkun3 (supressio, de acordo com a s u gestão con sagrada de M e n ezes
Cord e i ro): perda de poderes process uais em razão do seu não-exe rcício por te m po
suficie nte para i n cuti r n o o utro sujeito a confi a n ça l egít i m a d e q u e esse poder n ão
mais seria exerci d o .

1 07 . MART I NS-COSTA, j u dith . " A i l icitude de rivada d o exe rcício contraditório de u m d i reito: o renascer do venire
con tra factum proprium". Revista Forense. Rio de janeiro : Fore nse, 2004, n. 376, p. n o.
1 08. J U N OY, joan Pico i. " E I debido p roceso 'leal"' . Revista Peruana de Derecho Procesal. Lima: Palestra, 2006, v. 9,
p. 357-
1 09 . "Der Missbrauch prozessua ler Befusnisse", n o original, BAU M GÃRTEL, Gottfried. "Treu u n d G l a u b e n i m Zivi l p ro­
zess". Zeitschrift für Zivilprozess, cit., p . 3 5 5 .

111
FREDIE DIDIER JR.

A supressio é a p e rda de u m a situação j u ríd i ca ativa, pelo não exe rcício e m


lapso d e t e m p o tal q u e ge re n o suj eito passivo a expectativa legít i m a d e q u e a s i ­
t uação j u rídica n ão s e ria m ais exe rci da1 10; o exe rcício tard i o s e r i a contrário à boa-fé , ,
e abusivo . A suppressio é efeito j u rídico cujo fato j u rídico co rres p o n d e nte t e m co m o
p ressu posto o n ão exe rcício de u m d i reito e a situação d e confiança da outra parte.
Dois exe m p los d e supressio processual: a) p e rda d o poder d o j u iz d e exam i n ar
a ad m i ssi b i l idade d o p rocesso, após anos d e tra m itação regu lar, sem q u e n i n g u é m
h o uvesse s u scitado a q u estão; b) p e rda do d i reito da parte d e alegar n u l i dade, e m
razão d o l a p s o d e t e m p o t ranscorrido, q u e f e z s u rg i r a confiança d e q u e n ão m a i s
alegaria a n u l i d ade.
É fáci l con statar que o p ri n cípio da boa-fé é a fonte n o r m ativa da p ro i bição d o
exe rcício i n ad m i ssível d e posições j u rídicas p rocessuais, q u e podem ser re u n i das
sob a ru b rica d o "abuso d o d i reito" p rocess u a l 1 1 2 (desrespeito à boa-fé o bj etiva) .
Além d i sso, o p r i n cípio da boa-fé p rocessual torna i lícitas as co n d utas p rocessuais
a n i m adas pela má-fé (sem boa-fé s u bj etiva) . O u seja, a boa-fé o bjetiva p rocess ual
i m p l i ca, e n t re o utros efeitos, o d eve r d e o s uj eito p rocessual n ão atuar i m buído d e
m á-fé, c o n s i d e rada c o m o fato q u e com põe o s u po rte fático d e algu n s i lícitos p roces­
suais. Eis a relação q u e se estabelece entre boa-fé p rocess ual o bjetiva e s u bj etiva.
M as ressalte-se: o p r i n cípio é o da boa-fé p rocess ual, q u e, além d e mais a m p l o, é a
fo nte dos d e m ai s d eve res, i n c l u sive o d e não agi r com má-fé.
Perceba que a c o r reta com p re e n são das re p e rc u s sões d a boa-fé o b ­
j etiva n o d i reito p roces s u a l exige do p rofi s s i o n a l o co n h eci m e n to d a
evo l u ção d o t e m a n o d i reito civi l, p r i n c i p a l m e n te d a teoria do a b u s o
d o d i reito, d o exe rcício i n ad m i ssível das p o s i ções j u rí d i cas: venire
contra factum proprium, supressio, surrectio, tu quoque etc.

É possível, poré m , i d e n tificar ao menos mais três ap licações do princípio da


boa-fé p rocess ual.
o p r i n cípio da boa-fé i m põe deveres de cooperação e n t re os sujeitos d o p roces­
so. A i m po rtância desses d everes é, atu a l m e nte, tão grande, q ue convém se parar o
seu estudo, dando- l h e u m item próprio ad iante.
A n egociação p rocess ual, seja aq uela relativa ao litígio, seja aq uela q u e tem por
o bjeto as n o rmas e situações j u rídicas p rocess uais (art. 1 90 d o CPC), d eve observar
o p ri n cípio da boa-fé p rocessual (aplicação ao p rocesso d o art. 422 do Código Civi l).

n o. "la giustificata aspettativa che i l di ritto stesso n o n sarebbe p i u stato fatto valere". (RAN I E R I , F i l i p po . Rinuncia
ta cita e Verwirkun3. Padova: CEDAM, 1 9 7 1 , p. 1 . )
1 1 1 . CORDEI RO, Antó n i o M a n u e l da Rocha e M e n ezes. Da boa-fé no direito civil. 2• re i m p . Coi m b ra: A l m e d i na, 200 1 .
p. 797-
1 1 2 . Sobre a relação e n t re boa-fé e abuso do d i reito, mais u m a vez CORDEI RO, Antó n i o Manuel da Rocha e M e n ezes.
Da boa-fé no direito civil, cit., p. 861 -902.

112
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

O p ri n cípio da boa-fé ai n d a exe rce u m a f u n ção h e rm e n ê utica: a decisão j u d i ­


c i a l e a s post u l ações d eve m ser i nterp retadas d e acordo co m este p ri n cípio (art.
489, § 3o, e art. 322, § 2o, CPC, res pectiva m e n te). O tema s e rá exam i n ad o co m mais
vagar n o capít u l o s o b re peti ção i n i cial, n este vo l u me, e so b re decisão j u d icial, no
v. 2 deste Curso.

2 . 1 O. Princípio da efetividade

Da c l á u s u l a geral do devido processo le3al podem ser ext raídos todos os p ri n ­


cípios q u e rege m o d i reito p rocessual, confo r m e visto .
Dela tam b é m se extrai o princípio da efetividade: os d i reitos d evem s e r, além
d e reco n h ecidos, efetivados. Processo devido é processo efetivo. O p ri n cípio da efeti­
vidade garante o d i reito f u n da m e n tal à tutela executiva, que consiste "na exigê n cia
d e u m siste m a co m p leto de tutela executiva, n o q ual existam m e i o s executivos
capazes d e p r o p o rci o n a r pronta e i nteg ral sati sfação a q ua l q u e r d i reito m e recedor
d e tutela executiva" " 3 •
O a rt. 4 ° d o CPC, e m b o ra e m n ível i nfraco nstitu cional, reforça e s s e p ri n cípio
co m o n o r m a f u n dame ntal d o p rocesso civi l b ras i l e i ro, ao i n c l u i r o direito à a tividade
satisfa tiva, q u e é o direito à execução : "Art. 4° As partes t ê m o d i reito de o bter e m
p razo razoáve l a sol u ção i n tegral d o m é rito, i n cl uída a atividade satisfativa" .
Esse posici o n a m e nto é refo rçad o pela co m p reensão atual do c h a m ado " p ri n ­
cíp i o d a i n afasta b i l i dade" (exam i nado n o capít u l o sobre j u risdição, n este vo l u m e
d o Curso), q u e, co nfo r m e célebre l i ção d e Kazu o Watanabe, d eve s e r e n t e n d i d o não
co m o uma garantia fo rmal, uma garantia de p u ra e s i m p l es m e nte " bate r às portas
do Pod e r j u d iciário", m as, s i m , c o m o u m a garantia de "acesso à ordem j u rídica
j u sta", c o n s u bstanciada em uma p restação j u risdicional te m pestiva, ade q u ada, efi­
ciente e efetiva. "O d i reito à sente n ça d eve s e r visto como d i reito ao p rovi m e nto e
aos meios executivos capazes d e dar efetividade ao d i reito s u bstancial, o q u e sign i ­
fica o d i reito à efetividade e m sentido estrito""4• Tam bé m se p o d e reti rar o d i reito
f u n da m e ntal à efetividade desse p r i n cípio c o n stitucional, d o q ual seria corolári o .
Seg u n d o M a rcelo Li m a G u e r ra, o d i reito f u n d a m e n tal à tutela executiva exige
um siste m a d e tutela j u risdicional "capaz d e p ro p o rcionar p ro nta e i n tegral satisfa­
ção a q ua l q u e r d i reito m e reced o r de tutela executiva" " 5 • Mais concreta m e nte, sign i -

1 1 3 . G U ERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamen tais e a proteção d o credor na execução civil, cit., p . 1 02.
1 1 4. MARI N O N I , Luiz G u i l herme. "O d i reito à efetividade da tutela j u risdicional n a perspectiva da teoria dos d i reitos
f u ndamentais". Revista de Direito Processual Civil. Curitiba: G ê n esis, 2003, p . 303.
1 1 5 . G U ERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003, p.
1 02 - 1 0 3 .

113
FREOIE DIDIER JR.

fica: a) a i nterp retação das n o rm as q u e regu l a m e ntam a tutela executiva t e m d e ser


feita n o sentido de ext rai r a maior efetividade possíve l; b) o j u iz tem o poder-dever
d e deixar d e a p l i car uma n o r m a q u e i m po n h a uma restrição a u m meio executivo,
s e m p re q u e essa restri ção não se j u stificar c o m o forma d e p roteção a o utro d i reito
f u n d a m ental; c) o j u iz tem o poder-dever d e adotar os meios executivos q u e se
revel e m n ecessários à p restação i ntegral d e tutela executiva"6•
Part i r da p rem issa de q u e existe u m direito fundamen tal à tutela executiva é
i n d i s p e n sável para a so l u ção d e d iversos p ro b l e m as o ri u n d os do p rocedi m e nto exe­
cutivo, p r i n c i pal m e nte aq u e les relaci o n ados à a p l i cação das regras d e p roteção do
executado, com as h i póteses de i m pe n h o ra b i l i dade (ve r, s o b re o ass u nto, o vo l u m e
s d este Curso).

2.1 1 . Princípio da adequação (legal, jurisdicional e negociai) do processo

2. 1 1 . 1. Generalidades

O princípio da adequação pode ser visual izado e m três d i m ensões: a) legisla ti­
va, co m o i nformad o r da p ro d u ção legislativa d as regras p rocessuais; b) jurisdicional,
perm iti n d o ao j u iz, n o caso co n c reto, adaptar o p roced i m e n to às pecu l iaridades d a
c a u s a q u e l h e é s u b m etid a; c) negociai: o p roced i m ento é adeq uado pelas p ró p ri as
partes, n egocial m e nte. N o segu n d o e n o tercei ro casos, a ade q u ação é feita in con­
creto, e m um d eterm i n ado p rocesso; h á q ue m p refi ra, assi m, design a r o fe n ô m e n o
d e adap tabilidade, flexibilidade o u elasticidade d o processo.
I n i cial m e nte, a p ró p ria co n strução legi slativa do p rocesso deve ser feita tendo­
-se e m vista a n atu reza e as pecu l iari d ades do seu o bj eto; o legislador d eve ate ntar
para essas ci rcu nstân c i as, pois um p rocesso i n adeq uado ao d i reito m aterial pode
i m po rtar verdad e i ra n egação da tutela j u ri s d i c i o n a l . O p ri n cípio da ade q u ação n ão
se refere ape n as à estrutu ração d o p roced i m e nto. A tutela j u risdicional h á d e ser
adeq uada; o p roced i m e n to é ape n as u m a forma d e e n carar esse fe n ô m e n o " 7 •
O p ri n cípio da i n afasta b i l i dade da j u ri s d i ção (estu dado n o capít u l o s o b re j u ri s ­
d i ção, n este vol u m e d o Curso) garante u m a t u t e l a ade q u ada à realidad e d e d i reito
m aterial, ou sej a, garante o p roced i m e nto, a espécie d e cog n i ção, a n atu reza do
p rovi m e nto e os meios executórios adeq uados às pecu l iaridades da situação litigio­
sa."8 Do p ri n cí p i o da i n afastab i l i dade, é possíve l reti rar o p r i n cípio d a adeq u ação .
Tam bé m é possível reti rá- l o do d i reito f u n d a m e ntal a u m p rocesso d evi d o : p roces-

1 1 6. G U E R RA, Marcelo L i m a . Direitos fundamentais e a pro teção do credor na execução civil, cit., p . 1 03 - 1 04.
1 1 7. A res peito da relação e ntre tutela j u risdicional e p roced i m e nto, YARSH ELL, Flávio Luiz. Tu tela jurisdicional. São
Pau lo: Atlas, 1 999.
1 1 8. MARI N O N I , Luiz G u i l herme. Novas Linhas do processo civil, ob. cit., p . 204.

1 14
N O R M A S F U N DA M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

so d evid o é p rocesso ade q u ad o . " 9 Le m b re-se q u e o d evido p rocesso l egal é u m a


cláu s u la geral, d e o n d e se podem ret i rar outros p r i n cípios, tal como o da adeq uação.

Há q u e m entenda, a i n da, q ue o p ri ncíp i o da adeq uação decorre d o p ri n cípio


d a efetivi dade, tam b é m esse corolário do devi d o p rocesso legal. É c o m o afi rma
M a ri n o n i , visual izan d o a adeq uação c o m o i m posição do d i reito f u n d a m e ntal à efeti­
vidade: "A com p reen são desse d i reito depende d a adeq uação da téc n i ca p rocessual
a partir das n ecessidades d o d i reito m aterial. Se a efetividade req u e r a ade q u ação
e a adeq uação d eve traze r efetividade, o certo é q u e os d o i s conceitos podem ser
decom postos para melhor exp l i car a n ecessidad e d e adeq u ação da téc n i ca às d ife­
re ntes situações de d i reito s u bstancial"120•

O titu lar do d i reito l itigioso p recisa de u m a série de m ed idas estabelecidas


pelo legi s l ad o r, dentre as q uais avu lta a criação d e u m p roced i m e nto adeq uado às
particu laridades da situação j u ríd i ca s u bstancial s u b m etida à apreciação d o ó rgão
j u risdici o n al121 •
É p o ssív e l d izer, co m Galeno d e Lace rda, q u e o p ri n cíp i o d a a d e q u ação é o q ue
j u stifica a existê ncia d e u m a Teo ria G e ral d o P rocesso: sabe n d o-se q u e as regras
p rocess uais d evem ser adeq uadas àq u i lo a q u e servi rão de meio de tutela, será
possíve l aceitar a existência de u m a série d e con ceitos q u e devem ser utilizados
para a com p reen são d e q ua l q u e r fe n ô m e n o p rocessual (seja ele j u risd i c i o n al, legis­
lativo, ad m i n istrativo o u p rivado).

2 . 7 7 .2. Critérios de adequação

A ade q u ação d o p rocesso a p resenta-se, segu n d o G a l e n o Lacerda, s o b três as­


pectos: s u bjetivo, o bj etivo e teleológico, que n ão se e ntrelaça m 1 22•

o p rocesso h á d e ser adeq uado aos sujeitos p rocess uais. As regras p rocessuais
hão, pois, de sere m ade q u adas àq u eles que vão partici par d o p rocesso. Esta é a
adequação subjetiva do processo.
Eis algu m as regras de adequação subjetiva do processo : a) i nterven ção o b ri ­
gatória d o M i n istério P ú b l i co n o s p rocessos q ue envo lvam i nteresse d e i n capaz

1 1 9. Nesse sentido, também fazendo referência à i n afasta b i l idade d o controle j u risdicional: C U N HA, Leonardo Car·
n e i ro da. A a tendibilidade dos fatos supervenien tes n o processo civil. Coi m b ra: Almed i n a, 20 1 2, p . 8 3 .
1 20. MARI N O N I , Luiz G ui l h e r m e . "O d i reito à efetividade da t u t e l a j u risdicional n a pers pectiva da t e o r i a dos d i reitos
fundamentais " . Revista de Direito Processua l Civil. Cu riti ba: G ê n esis, 2003, p . 304.
1 2 1 . MARI N O N I , Luiz G u i lherme. Novas linhas do processo civil, cit., p . 2 1 4.
1 22 . " I n stru m ento é conceito relativo, q u e p ressu põe um ou mais sujeitos-agentes, um o bjeto s o b re o q ual, me­
d i ante aquele, atua o agi r, e u m a finalidad e q u e condiciona a ação." (LACERDA, Galeno. O Códi3o como Sistema
Le3al de adequação do processo, p . 1 64).

115
FREDIE DIDIER JR.

(art. 1 78, 1 1 , C PC); b) d ife re n ciação d e re g ras d e com petê ncia (dom icíl i o d o ali m e n ­
tando, art. 5 3, 1 1 , C PC; e n tes p ú b l i cos fed e rais, art. 1 09, I , CF/1 988); c) i n capaci ­
dade p rocessual para liti g ar e m certos p roced i m e ntos (art. 8°, Lei n . 9.099/ 1 995);
d) p razos especiais para e ntes p ú b l i cos (art. 1 83, CPC) etc.
A adequação teleo/Óflica d o p roced i m e nto faz-se de acordo com os d iversos
o bj etivos a q u e ele visa alcan çar. "Claro está q u e o p rocesso de con h ec i m e nto,
p o rq ue visa à defi n i ção d o d i reito, req u e r atos e rito d i sti ntos daq u e l es exigidos
para a execu ção, o n d e se c u i d a da realização coativa d o d i reito declarado, o u para
o p rocesso cautelar, q ue b u sca a se g u rança d o i nteresse e m l i d e " . ' 23 H á adeq uação
teleoló g ica tam bém q ua n d o o p roced i m e nto é adaptado aos o bj etivos preponde­
rantes e m cada cas o . Ass i m , p o r exe m p lo, o p roced i m e nto dos j u izados Especiais
é adeq uad o aos propósitos da d u ração razoável d o p rocesso e da efetividade, q u e
p resi d i ram a s u a criação.

Três são, basicame nte, os critérios objetivos d e q u e se vale o legislador para


adeq uar a tutela j u ri s d i c i o n a l pelo p roced i m ento: u m , a n atu reza do d i reito l itigio­
so, cuja rel evância i m põe u m a modali dade de tutela d iferen ciada; o seg u n do, a
evi d ê n c i a c o m o se a p resenta o d i reito mate rial n o p rocesso; o te rcei ro, a situação
p rocess ual da u r g ên cia.

São exe m plos d o p r i m e i ro critério de adeq uação o bj etiva al g u n s p roced i m e n ­


t o s especiais, criados para a tutela de dete rm i n adas situações l itigiosas: a s ações
possessó rias, a ação de al i m entos e a busca e a p reen são e m alienação f i d u ciária.

A i n d i s po n i b i l i dade d o d i reito é fator l evad o e m c o n s i d e ração para a d ifere n ­


c i ação proce d i m e ntal . Gale n o Lace rda, a o a n a l i sa r esta ad e q u ação o bj etiva, ass i m
se m a n ifesta: " I nte ressante é o bs e rvar co m o a d i f e re n ça d e g rau e n t re a d i s p o n i ­
b i l i dade e a i n d i s po n i b i l i dade d o o bj eto, isto é , d o b e m j u ríd ico m ate rial, i n fl u i n e ­
cessari a m e nte n as regras d e p rocesso. A s repercu ssões d essa gradação n o s vári os
t i p o s de p rocessos ex p l i cam as s o l uções várias e específi cas para p ro b l e m as c o m o
o i m p u l s o p rocessual, a exte n são d o s p o d e res d o j u i z e d o s d i reitos e deve res
p rocess u a i s das partes, os efeitos d a aq u i escên cia, a n at u reza d a p re c l u são e da
coisa j u l gada, a d isti n ção q u anto aos vícios d o ato p rocessual, a d i s po n i b i l i dade
das p rovas, a s u bst i t u i ção e a s u cessão no p rocesso, e tanto o u t ros" . ' 24
A tutela d iferen ciada da evi d ê n cia é aq uela e m q u e regras p rocessuais são
adaptadas, te n d o em vista a alta p robab i l i dade d e o d i reito afi rmado exist i r. É
p reciso tutelar o d i reito evidente d e modo d i sti nto. São exe m plos de adeq uações
o bj etivas q ue levam e m c o n s i d e ração esse critéri o : a cri ação dos p roced i m e ntos

1 23 . LACER DA, G a l e n o . o Código como Sistema Legal d e adequação d o processo, p . 1 66- 1 67 .


1 24. LACERDA, G a l e n o . O Código como Sistema Legal d e adequação d o processo, p . 1 65 .

116
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

es peciais do man dado d e segu ran ça ( Lei n . 1 2 . 0 1 6/2009) e d a ação m o n itória (arts .
700 e segs ., C PC) e a poss i b i l idade d e tutela p rovi só ria da evi d ê n ci a (art. 3 1 1 , CPC;
art. 562, CPC; art. 59, § 1 °, Lei n. 8 . 245/ 1 99 1 ) .

Ainda é possível adequar objetivamente o p rocesso às situações de u rgência (pe­


rigo), como se faz ao autorizar-se a tutela provisória de u rgência (arts. 300-3 1 0, C PC).

2. 1 1 .3. Adequação jurisdicional do processo

N ão basta, n o e n tanto, a adeq uação le3isla tiva do p rocesso, q u e é sem p re


p révia e feita e m abstrato .
É p reciso q u e o p rocesso seja adeq uado tam bém in concreto. A adeq u ação,
n esse caso, é d ever do ó rgão j u ri s d i c i o n al, q u e d eve observar os m e s m o s crité rios
d e adeq uação. Eis que aparece o p ri n cípio da adap tabilidade, elasticidade o u ade­
quação judicial d o p roced i m e nto: cabe ao ó rgão j u risd icional p rossegu i r n a e m p resa
da adeq uação do p rocesso, i n iciada pelo l egis l ad o r, mas q u e, e m razão da n at u ral
abst ração do texto n o rmativo, pode i g n o rar pecu l i aridades de situações c o n c retas
s o m e nte con statáveis caso a caso.

Nada i m pede que se possa p reviamente confe ri r ao magist rado, co m o d i retor


do p rocesso, poderes para conformar o p roced i m e nto às pec ul iaridades d o caso
c o n c reto, t u d o como m e i o d e mais bem tute lar o d i reito m ate rial.

Há d iversos exe m p l o s : a) o i n ciso VI do art. 1 39 do CPC exp ressamente autoriza


q u e o j u i z d i late os p razos p rocess uais e altere a o rd e m d e p rodução de p rovas,
t endo em vista as pecul iaridades do confl ito; b) possi b i l i dade de red istri b u ição d o
ô n u s da p rova (art. 3 7 3, § 1 °, CPC); c) o j u lgam e nto anteci pado do m é rito, e m q u e
s e pode a b reviar o rito p rocess ual, co m a s u p ressão d e u m a d e s u as fases (arts.
3 5 5 - 3 56, CPC); d) a n ão real i zação d a a u d i ê n c i a de tentativa de autoco m posição,
se o l i tígi o não ad miti r autoco m posição (art . 3 34, §4°, 1 1 , C PC); e) as variantes p ro­
ced i m e ntais p revi stas n a Lei de Ação Popular (Lei n . 4.7 1 7/ 1 965, arts. 7o e segs.); f)
a possi b i l i dade de o relator da ação rescisória fixar o p razo d e res posta, d e ntro de
certos parâmetros (art. 970, C PC); 3) ade q u ação d o p rocesso e m j u ri s dição vol u ntá­
ria (art. 7 2 3 , par. ú n ., C PC) etc.
Um exe m p l o d e a p l i cação d o art. 1 39, V I , C P C . O p razo d e defesa no
p roced i m e n to co m u m é d e q u i nze dias. E n t e n d e - s e q u e esse é o
p razo ad eq u a d o p a ra e l a b o ração da d efesa p e l o ré u . I m agi n e , po­
rém, que a petição i n i c i a l ve n h a aco m pa n h ada d e dez vo l u m e s d e
d oc u m e ntos ( d o i s m i l d o c u m e ntos, m a i s o u m e n os ) . E s s e p razo re­
v e l a r- s e-á, naquele caso, como i n ad eq u ad o . Perm ite-se q u e o ma­
gistrado dila te o p razo d e d efesa, p e r m i t i n d o a efetivação do d i reito

117
FREDIE DIDIER JR.

f u n d a m e ntal a u m p rocesso a d e q u a d o à a p rese n tação da defesa p e l o


d e m a n d a n d o "5•

O e n u nciado n. 1 07 d o Fó r u m Pe r m a n e n te de P rocess u a l i stas Civis


segue essa m e s m a l i n h a : "O j u i z pode, d e ofíc io, d i latar o p razo p a ra
a p a rte se m a n ifestar s o b re a p rova d oc u m e ntal p ro d u z i d a " .

S u cede q u e "a autori zação l egal p a r a a m p l i ação d e p razos p e l o j u iz


n ão se p resta a afastar p re c l u são te m p o ral j á co n s u m ada" (e n u n cia­
d o n. 1 29 d o Fóru m Pe r m a n e nte de P rocess u a l i stas Civis).

Mas o p ri n cípio d a adeq uação d o p rocesso pode atuar diretamen te, sem a
i ntermediação d e q u e regras q u e o con cretize m .
Perm ite-se ao m agistrado q u e co rrija o p roced i m e nto q u e s e reve l e i n co n sti­
tucional, p o r fe ri r um d i reito f u n d a m e ntal p rocessual, c o m o o contrad itório (se u m
p rocedi m e nto n ão p revi r o contraditório, d eve o m agi strado d eterm i n á- l o, até m es­
mo ex officio, como fo rma d e efetivação desse d i reito f u n d a m e ntal)1 26•
Se a adeq uação d o p roced i m e nto é um d i reito f u n d a m e ntal, cabe ao ó rgão
j u risdicional efetivá-lo, q uando d iante de u ma regra p roced i m e ntal i n ad eq uada às
pec u l i aridades do caso co n cret01 27, q u e i m pede, por exe m p l o, a efetivação d e u m
d i reito f u n dame ntal ( à d efesa, à p rova, à efetividade etc.).
C o m o exa m i n ad o e m i t e m anterior, a parte f i n a l d o art. 7a do C P C
i m p õ e a o j u i z o dever d e z e l a r p e l o efetivo c o n t raditório; e s s e dever
se c u m p re exata m e n t e com a p rom oção d e adeq u ação p roced i m e n tal
feita p e l o j u iz .

É como afi rma H u m b e rto Ávi la, refe ri n d o ao d evi d o p rocesso legal, d o q u al, é
p reciso l e m b rar, se extrai o p ri n cípio d a adeq uação: " N o p l a n o da efi cácia d i reta, os
p ri n cípios exerce m uma função in tegra tiva, n a medida e m q ue j u stificam agregar
e l e m e ntos não previstos em s u b p ri n cípios ou regras . M e s m o q u e um e l e m e nto
i n e re nte ao fi m que d eve ser b uscado não esteja p revisto, ainda ass i m o p ri n cí­
p i o i rá garanti - l o . Por exe m plo, se não há regra expressa q u e oport u n ize a d efesa
ou a abert u ra d e p razo para m a n ifestação d a parte no p rocesso - m as e las são

1 25 . Ass i m , considera n do a "fu n ção bloq ueado ra" dos p r i n cípios, " porquanto afastam eleme ntos exp ressam ente
p revistos que sejam i n co m patíveis com o estado ideal de coisas a ser p ro m ovido", ÁVI LA, H u m b e rto . Teoria dos
princípios, cit., p . 98. Ass i m , tam bém, o art. 486•, n. 4 e 5, do CPC português, que preveem regras que articu·
Iam o pri ncípio da ade q u ação j udicial: "4. Ao M i n isté rio P ú b l ico é concedida a p rorrogação do p razo q uando
careça de i nformações q u e n ão possa obter de ntro dele o u q uando ten h a de aguardar resposta a consu lta feita
a i n stância su perior; o pedido deve ser f u n d a m entado e a p rorrogação não pode, e m caso algu m , i r além de
30 dias. 5 . Quando o tri b u nal conside re q u e ocorre motivo p o n d e roso q u e i m peça ou dificu lte anormal m e nte
ao réu o u ao seu mandatário j udicial a o rga n i zação da defesa, poderá, a req uerime nto deste e sem p révia
audição da parte contrária, prorrogar o p razo da contestação, até ao l i m ite m áxi m o de 30 dias".
1 26. Encampando essa ideia e a dese nvolvendo, OLIVEIRA, G u i l h erme Peres de. Adaptabilidade judicia l - a modifi­
cação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 201 3 .
1 27 . Por todos, MARI N O N I , Luiz G u i l h erme. Técnica processual e tu tela d o s direitos. S ã o Pau lo: RT, 2004.

118
N O R M A S F U N DA M E N TA I S D O P R O C E S S O C I V I l

n ecessárias -, elas deve rão ser garantidas com b a s e n o p ri n cípio do d evido p rocesso
legal""8•
A flexi b i l idade d o p roced i m e nto às exigê ncias d a causa é, então, f u n d a m e ntal
para q u e se mais faci l m e nte ati njam os fi n s d o p rocesso. Essa visão se coad u na
com téc n i cas d e gere n c i a m e nto p rocessual q u e vêm se n d o i m p lantadas n a E u ro pa,
s o b retu d o em F rança e na l n glate rra"9•
Carlos A l b e rto Alvaro d e O l ivei ra s u ge ria, para uma refo r m a legis lati­
va, o estab e l eci m e nto d o p r i n cí p i o d a adaptab i l i d a d e (q u e e l e d e n o ­
m i n ava d e p r i n cí p i o d a adeq u ação fo r m a l , segu i n d o a t e rm i n o l ogia
d o CPC Port u g u ê s , que c o n t é m e n u n ciado e x p resso n e s s e senti d o ' 30)
c o m o p ri n cípio ge ra l do p rocesso, u m a e s p é c i e de cláusula 3era t de
adequação do processo, "fac u ltando ao j u iz, o b t i d o o acordo das
partes, e s e m p re que a tram itação p ro c e s s u a l p revi sta n a lei n ão s e
adapte p e rfeita m e nte às exigê n cias d a d e m a n d a afo rada, a poss i b i l i ­
d a d e d e a m o l d a r o p roced i m ento à es pecificidade d a cau sa, p o r m e i o
d a p rática d e atos q u e m e l h o r s e p restem à a p u ração d a verdade e
acerto da d e c i s ão, p resci n d i n d o dos q u e s e reve l e m i n i d ô n e o s para
o fim d o p rocesso " ' l ' .

Essa p ro posta foi e n c am i n h a d a p e l a C o m i s são de j u ristas res p o n s áve l


p e l a e l a b o ração do ante p rojeto do CPC. O S e n ad o e a Câmara rej e i ­
taram a i d e i a, red u z i n d o - a à h i p ótese d o i n c i s o VI d o a r t . 1 39, CPC.

M u ito i nteressante, para fins d e c o m p a ração, o d i s p osto nas Civil


Procedure Rufes b ritânicas ( 1 . 1 , (2), c), q u e i m põ e m ao ó rgão j u ri s d i ­
c i o n a l o d e v e r d e adaptar o p rocesso, t a n t o q u anto i s s o s e j a possíve l,
d e acordo o valo r d i sc u t i d o ( 1 . 1 , (2), c, i), a relevâ n c i a d a causa ( 1 . 1 ,
(2), c, i i), a co m p lexidade d as q u estões ( 1 . 1 , (2), c, i i i ) e a c o n d ição
eco n ô m ica d e cada parte ( 1 . 1 , (2), c, iv).

A ade q u ação j u ri s d i c i o n al d o p rocesso d eve ser p recedi da de u m a i nti m ação às


partes, para p reservar o contraditório e res peitar o m o d e l o coope rativo de p roces­
so. As partes n ão podem ser su r p reen d idas com m udanças d o p roced i m e nto, s e m
q u e se l h es d ê a c h a n c e d e se adaptarem a e l as, alterando, se f o r o caso, a s s u as
estratégi as p rocess uais.

1 28. ÁVI LA, H u m berto. Teoria dos princípios - d a definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5 ed. São Paulo:
M a l h ei ros ED., 2006, p. 97.
1 29. AN DRADE, Érico. "As n ovas perspectivas do gere n ciamento e da 'contratualização' do p rocesso". Revista d e
Processo. São Pau l o : RT, 201 1 , n . 1 93, p . 1 76 e segs.
1 30. Art. 547, do CPC de Portugal: "O j u iz d eve adotar a tram itação p rocessual adequada às es pecificidades da cau­
sa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos p rocessuais ao f i m que visam ati n g i r, assegurando u m p rocesso
e q u itativo".
1 3 1 . OLIVEI RA, Carlos Alberto Alvaro de. " Efetividade e P rocesso de C o n h ec i m ento". Revista de Processo. São Pau l o :
RT, 1 999, n . 9 6 , p . 66.

1 19
FREDIE DIDIER JR.

2. 1 1 .4. Adequação negocia/ do processo

Fi n a l m e n te, a adeq uação ne3ocia l do p rocesso de riva d e negócios p rocess uais


cele b rados pelos sujeitos p rocessuais, o ra as partes a penas, o ra i n c l u i n d o o ó rgão
j u risdici o n a l .
O tema s e rá exam i n ado e m dois m o m e ntos: n este capítu lo, n o i t e m s o b re o
p ri n cípio d e res peito ao auto rregra m e nto da vo ntade n o p rocesso e n o capít u l o so­
b re a teoria dos fatos j u ríd icos p rocessuai s .

2 . 1 2. Princípio d a cooperação e o modelo do processo civil brasileiro

2. 1 2. 1 . Nota introdutória

H á d iversos modelos de di reito p roces s u a l . Todos eles podem ser c o n s i d e rados


e m conformidade com o p ri n cípio d o devi d o p rocesso lega l . Tudo vai d e p e n d e r d o
q u e se e n t e n d e por devido processo le3al, q u e, co m o visto, p o r se tratar de cláu s u l a
geral, é texto cujo conte ú d o n o r m ativo variará s o b re m a n e i ra a d e p e n d e r d o es paço
e d o te m po em q ue seja a p l i cado.
A d o utri n a cost u m a i d e ntificar dois m odelos de p rocesso n a civi lização oci­
de ntal i nfl u e n ciada p e l o i l u m i n i s m o : o modelo d i s positivo e o modelo i n q u i sitivo.
I d e ntificamos um tercei ro m od e l o : o p rocesso coo p e rativo .
Vam o s exa m i nar cada u m deles.

2. 1 2.2. "Princípios" dispositivo e inquisitivo. Modelos tradicionais de organiza­


ção do processo: adversaria/ e inquisitorial

A o rgan i zação d o p rocesso n ão p resci n d e de u m a distri b u i ção das f u n ções q u e


d evam ser exercidas pelos sujeitos p rocess uais. Cada u m deles exerce u m papel,
mais o u m e n os relevante, n a i n stau ração, n o dese nvolvi m e nto e n a c o n c l usão d o
p rocess o .
A d o utri n a cost u m a i d e ntificar d o i s modelos de estrutu ração d o p rocesso: o
m o d e l o adversarial e o m od e l o inquisitoria l. Não o bstante h aja m u ita d i scussão e m
t o rno da caracte rização d e tais m od e los, b e m co m o seja criticável a term i n o l ogia, '32
a d i coto m i a ai nda conti n u a s e n d o bastante u t i l i zada e s e rve, assi m , co m o u m a
a p resentação, a o m e n os para fi n s d i dáticos, d o tema.

1 3 2. Sobre o s problemas desta dicotomia, DAMASKA, M i rjan R. The faces o f justice a n d State Authority. N ew Have n :
Vale U n iversity Press, 1 986, p. 3 e segs; CHASE, Oscar G. "A 'exce pcionalidade' a m e ricana e o d i reito p rocessual
com parado". Revista de Processo. São Pau l o : RT, 2003, n . n o, p . 1 22 .

1 20
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

E m s u m a, o m o d e l o adversaria l ass u m e a f o r m a d e com peti ção o u d i s p uta,


dese nvolve n do-se co m o um conflito e n t re d o i s adve rsári os d i ante d e um ó rgão j u ­
risd icional rel ativamente passivo, cuja princi pal fu n ção é deci d i r o caso133 • O m o d e l o
inquisitorial (não adve rsarial) o rgan iza-se co m o u m a pesq uisa oficial, s e n d o o ó rgão
j u risdicional o grande p rotago n i sta do p rocesso. No p ri m e i ro sistema, a m a i o r parte
da ativi dade p rocess ual é desenvolvida pelas partes; no segu ndo, cabe ao ó rgão
j u d i cial esse p rotago n i s m o ' 34•
A d ivisão d o "traba l h o " p ro c e s s u a l é t e m a clássico e d o s m a i s i m ­
p o rtantes. C o m o afi r m a Barbosa M o re i ra, "fal a r d o s p o d e res d o j u i z
i m p o rta e n f r e n t a r p ro b l e m a c e n t ral d e p o l ítica j u rídi ca, a cujo res pe i ·
to todo o s i st e m a p rocessual é c h a m a d o a defi n i r- s e : o p ro b l e m a d a
' d ivisão de traba l h o ' e n t re o ó rgão j u d i ci a l e as p a r t e s . (. . . ) Aceita a
p re m i s s a de q u e ao tit u l a r do d i reito, e m p r i n cí p i o , toca l i v re m e nte
resolver se ele d eve o u não s e r defe n d i d o e m j u ízo, daí não se extrai­
rá, s e m man ifesto salto lógico, que lhe ass i sta i d ê n tica l i berdade d e
i n fl u i r n a m a n e i ra p o r q u e, u m a vez s u b m et i d a a l i d e a o ó rgão esta­
tal, d eva este at u a r com o fi m d e estab e l e c e r a n o r m a j u ríd ica c o n c re­
ta a p l i cáve l à espécie. Se cabe ver n o l i tígi o uma como e n fe r m i d a d e
social, a cuja c u ra s e o r d e n a o p rocesso, antes parece lícito rac i o c i n a r
analogicamente a parti r do fato de q u e o e n fe r m o , n o s e n t i d o fís ico
d a palav ra, l ivre e m b o ra d e resolver se vai o u n ão i n tern ar-se e m hos­
pital, tem d e s u j e itar-se, desde que o pte p e l a i n te r n ação, às d i s p o ­
s i ções d o regu l a m e nto: n ã o p o d e i m p o r a s e u b e l - p raze r h o rários d e
refe i ções e d e vis itas, n e m s e rá razoável q u e se l h e p e r m ita controlar
a atividade d o m é d ico n o u s o d o s meios d e i n vesti gação i n d i s p e n ­
sáve i s a o d i ag n ó stico, o u n a p resc rição d o s re m é d i o s adeq uad o s " . ' 35

Fala-se q u e, n o m o d e l o adversaria l, p re p o n d e ra o princípio dispositivo, e, n o


m o d e l o inquisitorial , o princípio inquisitivo.
P ri n cípio, aq ui, é termo uti l izado n ão no sentido de "espécie n o rmativa", m as,
s i m , de "fu n d a m e nto", "orientação p re p o n d e rante" etc. Ass i m , q u a n d o o legislad o r
atri b u i à s partes a s p ri n ci pais tarefas relac i o n adas à co n d u ção e à i n stru ção d o
p rocesso, d iz-se q u e se está res peita n d o o d e n o m i nado princípio dispositivo; tanto
mais poderes forem atri b uídos ao m agistrado, mais co n d izente com o princípio

1 3 3 . J O LOWI CZ, ] . A. "Adversarial an i n q u isitorial a p p roaches to civil litigati o n " . On civil procedure. Cam b ridge: Cam­
b ridge U n iversity P ress, 2000, p. 1 77 .
1 34. DAMASKA, M i rjan R. The faces o f justice a n d State Authority, cit., p . 3 . N o o rigi n a l : " T h e adversarial mode o f
p roceed i n g takes i t s s h a p e f r o m a contest or a d i s p ute: it u nfolds as an e ngage m e nt o f two adversaries before
a relatively passive decision maker whose p r i n c i pal d uty i s to reach a verdict. The n o n adversarial mode is
structu red as an official i n q u i ry. U nder the fi rst system , the two adversaries take charge of m ost p roced u ral
action; under t h e secon d , officials perfo rm m ost activities".
1 35 . M O R E I RA, ]osé Carlos Barbosa. "Os poderes do j u iz na d i reção e n a i n strução do p rocesso". Temas de direito
processual civil - q uarta série. São Pau l o : Saraiva, 1 989, p . 45-46.

1 21
FREDIE DIDIER )R.

inquisitivo o p rocesso será. A d icoto m i a princípio inquisitivo-princípio dispositivo


está i nti m a m e nte relacio n ada à atri b u i ção de poderes ao j u iz: se m p re q u e o legis­
lad o r atri b u i r um poder ao magistrado, i n d e p e n d e nteme nte d a vo ntade d as partes,
vê-se m a n ifestação d e " i n q u i sitividade"; s e m p re q u e se d e ixe ao alvedrio dos liti­
gantes a o p ção, aparece a "dis positivi d ade".
Já se p rete ndeu d i sti n g u i r o p rocesso penal e o p rocesso civi l exatam e nte pelo
conju nto d e poderes atri b uídos ao m agistrado, i n icial m e nte mais i ntenso n aq u e l e
d o q u e n esse'36•
Tam bé m haja q ue m relacione o p rocesso adversarial ao common law e o proces­
so i n q u isitivo ao civil law. Como p ri m e i ro passo, a relação é correta, mas não devem
ser ign o radas as profundas i nfl uências recíprocas q u e esses sistemas vê m causando
um n o outro, a ponto de a difere n ciação entre eles ficar cada vez mais difíci l .
A " d i s positividade" e a " i n q u i sitivi dade" podem m a n ifestar-se e m re lação a
vários temas: a) i n stau ração do p rocesso; b) p ro d u ção de p rovas; c) d e l i m itação do
o bj eto l itigioso (q uestão d iscutida n o p rocesso); d) análise d e q u estões d e fato e
d e d i reito; e) rec u rsos etc.
N ada i m pede q ue o l egislador, e m re lação a um tema, e n ca m p e o " p ri n cípio
d i s positivo" e, e m re lação ao outro, o " p ri n cípio i n q u isitivo".
Por exe m p l o : n o d i reito p rocessual civi l b ras i l e i ro, a i n stau ração do p rocesso e
a fixação d o o bj eto litigioso (o p ro b l e m a q u e deve ser resolvido pelo ó rgão j u ri s d i ­
cional) são, e m regra, atri b u i ções d a parte (arts. 2 ° , 1 4 1 e 4 9 2 , C P C ) . J á e m relação
à i nvestigação p robató ria, o CPC ad m ite q u e o j u i z d eterm i n e a pro d u ção d e p rovas
ex officio (art. 370 do CPC).
C o n v é m tran s c reve r o p e n s a m e n to d e Barbosa M o re i ra: "fala-se d e
p r i n cí p i o d i s positivo a p ro pósito de t e m as c o m o o da i n i ciativa d e
i n stau ração d o p rocesso, o da fixação d o o bj eto l itigioso, o da tarefa
de c o l etar p rovas, o da p o s s i b i l idade d e autoco m p o s i ção d o l i tígio,
o da d e m a rcação da área c o b e rta pelo efeito devo l u tivo do rec u rso,
e ass i m p o r d i ante. Nada fo rça o o r d e n a m e nto a dar a todas essas
q u estões, c o m i nflexível postu ra, res postas d e i d ê ntica i n s p i ração" . ' 37

Difícil, p o rtanto, estabelecer u m critério i d e ntificad o r da dispositividade o u da


inquisitoriedade que n ão c o m p o rte exceção . N ão h á siste m a tota l m e nte d i s p ositivo
ou i n q u isitivo : os p roce d i m e ntos são construídos a parti r de várias co m bi nações

1 36. At u a l m e nte, u m a t a l d i s t i n ção não se j u stifica. Ver, p o r todos, o exce l e n t e t r a b a l h o d e M O R E I RA, J o s é C a r l o s


Barbosa. " Processo civi l e p rocesso penal: m ão e contramão?". Temas de direito processua l - sétima série. São
Pau lo: Saraiva, 200 1 . p . 201 - 2 1 5 .
1 37 . M O R E I RA, José Carlos Barbosa. " Reformas p rocessuais e poderes do j u iz". Temas d e direito processua l - 8•
série. São Pau lo: Saraiva, 2004, p. 5 3 ·

1 22
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

d e e l e me n tos adversariais e inquisitoriais'38• N ão é possível afi rmar q u e o m o d e l o


p rocess ual b ras i l e i ro é tota l m e nte dispositivo o u inquisitivo. O m a i s reco m e n dável
é falar e m p red o m i nância e m relação a cada um dos temas: e m matéria d e p rod u ­
ção d e p rovas, n o efeito d evo l utivo dos recu rsos, n a d e l i m itação do o bj eto l itigioso
etc. À medida q u e esses ass u ntos fore m sendo exam i n ados n este Curso, ficará de­
m o n st rado se p re p o n d e ra o " p ri n cípio d i s positivo" o u o " p r i n cípio i n q u i s itivo". N o
co nj u nto, h á bastante e q u i líb rio - p o r i sso, e n te n d e m os q u e o modelo b ras i l e i ro é
o coopera tivo, exam i n ad o abaixo .
É fu n d a m e ntal visual izar o p ro b l e m a, e n fi m , s o b dois aspectos: a) p ro positu ra
da deman da: d e l i m itação d o o bj eto l itigioso d o p rocesso; b) estrutu ra i nterna d o
p rocesso: i m p u lso processual, p ro d u ção de p rovas, efeito d evo l utivo do rec u rso etc.
No p ri m e i ro aspecto, h á u m a d i m e n são s u bstancial da dispositividade/inquisitivida­
de; no seg u n do, uma d i m e n são p rocessual d o tema.
Barbosa M o re i ra e Bedaq ue d efe n d e m o ut ra ace pção d o p ri ncíp i o d i s positivo:
é " p refe rível q ue a d e n o m i n ação princípio dispositivo sej a reservada tão - s o m ente
aos reflexos q u e a relação d e d i reito m aterial d i s p o n íve l possa p rod u z i r n o p roces­
so. E tais reflexos refe re m-se apenas à p ró p ria re lação j u rídico-su bstancial. Ass i m ,
t ratan do-se d e d i reito d i s p o n ível, a s partes têm am p la l i berdade para d e l e d i s p o r,
através d e atos p rocess uais (ren ú n ci a, desistên cia, reco n h ec i m e nto d o pedido). ( . . . )
Trata-se d e u m p r i n cípio relativo à re lação m aterial, não à p rocessual " . ' 39"'40
Os autores, como se pode con statar, p rete n d e m dar ao princípio dispositivo/in­
quisitivo u m a d i m e n são s u bstan cial, pois o re lac i o n a m à situação j u ríd i ca d i scutida:
se d i s p o n ível, p rocesso d i s positivo; se i n d i s p o n ível, p rocesso i n q u isitivo.
N ote-se, p o rém, q u e, i n d e p e n d e nte m ente d a n atu reza d o d i reito d i scutido,
p e rsiste a n ecessidade d e i n iciativa da parte para dar i níci o ao p rocesso. N o entan­
to, tem algu m a rel evância a natu reza d o d i reito n o q u e se refe re à i n iciativa oficial
d e p rod u ção d e p rovas (art. 370 d o C P C), confo r m e será exam i n ad o n o capít u l o
s o b re teo ria d a p rova e parte geral d o D i reito p ro bató rio, n o v. 2 deste Curso.
F l áv i o Yars h e l l '4' entende q u e, ao menos n o p rocesso j u ri s d i c i o n a l e s ­
tatal societ á rio, o m o d e l o a s e r segu i d o é o d i s positivo. P a r a o a u t o r,
o p rocesso societ á rio deve s eg u i r o m o d e l o d o p rocesso arbitral. Não
h averia razão p a ra uma p a rtici pação m a i s ativa do j u i z e m p rocessos
q u e e nvo lvam i n te resses e m i n e n t e m e n t e e m p resari a i s .

Para e n ce rrar este ite m , h á uma ú lt i m a p o n d e ração .

1 38 . J O LOWI CZ, j . A. "Adversarial an i n q u i sitorial a p p roaches to civi l l itigation", cit., p. 1 7 5-1 76.
1 39 . M O R E I RA, José Carlos Barbosa. " Reformas p rocessuais e poderes do j u iz". Temas de direito processua l - 8•
série. São Paulo: Saraiva, 2004.
1 40. BEDAQ U E, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3' ed. São Pau l o : RT, 200 1 , p . 90.
1 4 1 . Palestra a p resentada nas IX jornadas Bras i l e i ras d e Di reito P rocessual, em 29.08. 201 2, Rio d e j a n e i ro .

1 23
FREDIE DIDIER JR.

A d o utri n a cost u m a relaci o n a r o modelo adversaria l-dispositivo a regi m es n ão­


-auto ritários, p o l itica m e nte mais l i be rais, e o m o d e l o inquisitivo a regi m es auto ritá­
rios, i nterve n c i o n istas. Trata-se d e afi rmação bem freq u e nte n a d o utri na.
A i lação é u m tanto s i m p l ista. Se é certo que dados c u l t u rais i n f l u e n ciam a
conformação do p rocesso, método de exe rcício d e poder, n ão h á re lação d i reta e n t re
a u m e nto de poderes do j u iz e regi mes autocráticos, o u i n c re m e nto do papel das
partes e regi mes d e m ocráti cos. Nem p rocesso d i s positivo é s i n ô n i m o de p rocesso
d e m ocráti co, nem p rocesso i n q u i sitivo sign ifica p rocesso auto ritári o .
É d e s s e con texto q u e s u rge u m a d o u t ri n a d e n o m i n ad a d e saran tismo
processual, q u e tem por o bj etivo proteser o cidadão dos a b u s o s do
Estado, caracte rizados, no caso, p e l o a u m e nto dos p o d e res do j u iz.
H á ard o rosos d efe n s o res desta c o n c e p ção, d e staca n d o - s e j u an M o n ­
tero A roca ( E s p a n h a), L u i s Correia d e M e n d o nça ( P o rt u gal) e Franco
C i p ri a n i ( l tál ia)'4'. Esse p e n s a m e n to j á foi d e n o m i nada n o B ras i l d e
" n e o p rivat i s m o p rocess u a l " '43•

Para essa corrente, a p ró p ri a discu ssão s o b re a boa-fé no p rocesso


reve la traços auto ritários'44• H á evi de nte exage ro. Se mesmo n a gue rra
a ética há d e ser p reservada, como n ão defe n d e r a existência de u m
p ri n cípio da boa-fé p rocess u al, e m q u e, ai nda q u e a p e n as m etafo rica­
m e nte, de modo civi l izado e sob s u pe rvisão do j u iz, as partes " g u e r­
re i a m " por s e u s i n teresses? Ademais, como afi rma Leo n ardo G reco,
" b e m a p l i cado, esse p ri n cípio ... s e rve com ce rteza mais adeq uadam e n ­
te a o p rocesso l i be ral"'45, p o i s s e rve à p roteção dos d i reitos s u bj etivos
dos litigantes, " p o i s a eficácia das garantias f u n d a m e ntais do p rocesso
i m põe u m j u i z t o l e rante e partes que se c o m p o rtem com lealdade"'46•

2. 72.3. Processo cooperativo: um terceiro modelo de organização do processo.


Princípios e regras de cooperação. Eficácia do princípio da cooperação

Os p ri n cípios do devi do p rocesso legal, da boa-fé p rocessual e d o contraditó­


rio, j u ntos, servem de base para o s u rgi m e nto d e outro p ri n cípio d o p rocesso: o

1 42 . Sobre essa conce pção, a m p l a m e nte, consu ltar a coletânea AROCA, ]uan M . (org.). Proceso e ideo logía. Val e n cia:
Tirant lo blanch, 2006.
1 43 . M O R E I RA, ]osé Carlos Barbosa. "O neop rivatismo n o processo civi l " . Leituras complemen tares de Processo civil.
7' ed. Salvador: Ed itora J u s Podivm, 2009, p. 309-320.
1 44. AROCA, ] u a n M o ntero. Los princípios po líticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil. Val ência: Ti rant lo blanch,
200 1 , p. 1 06 - 1 08; M E N D O N ÇA, Luís Correia de. "O vírus autoritário". julgar. Lisboa: Associ ação s i n d ical dos j uízes
portugueses, 2007, n . 1, p. 86 e segs.
1 45 . G RECO, Leonardo. "Publicismo e p rivatismo n o processo civi l". Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, n. 1 64, p.
49- Ver, a propósito, mais recentemente, contundente ensaio demonstrando a i m p ropriedade da relação entre
autoritari smo e proteção da boa-fé process ual, PICÓ 1 J U N OY, ]oan. " La buona fede processuale: u n a man ifestazio­
ne dell 'auto ritarismo giu risdizionale?". Rivista di Diritto Processua/e. M i lano: CEDAM, 201 3, p. 1 7 1 e segs.
1 46 . G RECO, Leonardo. " P u b l i c i s m o e p rivatismo n o processo civil", cit., p. 5 2 .

1 24
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

p r i n cípio da coo p e ração . O p ri n cípio da coope ração d efi n e o modo c o m o o p rocesso


civi l d eve estrutu rar-se no d i reito b ras i l e i ro.
O art. 6o do CPC o c o n sagro u exp ressa m e nte: "Todos os s ujeitos do p rocesso
devem coo p e rar entre si para q u e se obte n h a, e m tem po razoáve l, d ecisão de mé­
rito j u sta e efetiva" .
Esse m o d e l o caracte riza-se pelo red i m e n s i o n a m ento d o princípio do con tradi­
tório, com a i n c l usão do ó rgão j u risdicio n al no ro l dos sujeitos do diálogo p rocess u ­
a l , e n ã o m a i s c o m o u m m e ro espectado r do duelo das partes'47• O contraditório é
val o rizado c o m o i n st ru m e nto i n d i s p e n sáve l ao a p ri m o ra m ento da d eci são j u d i cial,
e não apenas como uma regra fo rmal q u e d eve ser obs ervada para que a decisão
seja vál ida'48•
A co n d u ção do p rocesso d eixa d e ser determinada pela vontade das partes
(marca d o p rocesso l i b e ral d i s positivo). Tam bé m não se pode afi rmar q u e h á u m a
co n d u ção i n q u isitorial d o p rocesso p e l o ó rgão j u risdicion al, e m posi ção assimétrica
em re lação às partes. B usca-se u m a c o n d ução coopera tiva do p rocesso'49, sem des­
taq ues para q ualq u e r dos sujeitos p rocessuais.
O m o d e l o coope rativo parece s e r o mais adeq u ado para uma d e m oc racia.
D i e rl e José Coe l h o N u n es, q u e fala e m modelo comparticipa tivo de processo c o m o
técn i ca de co n strução d e u m p rocesso civi l democrático e m confo r m i dade com a
Co n stituição, afi rma q u e "a com u n idad e de t rabal h o deve ser revista e m perspec­
tiva policêntrica e co m partici pativa, afastan d o q ualq u e r p rotago n i s m o e se estrutu­
ran d o a parti r d o modelo constit u c i o n a l de p rocesso"'50•
Disso s u rgem deve res de co n d uta para as partes e para o ó rgão j u risdicional'5',
que ass u m e u m a " d u p l a posição" : " m ostra-se paritário n a c o n d ução d o p rocesso,
no d iálogo p rocessual", e "ass i m étrico" no m o m e nto da d ecisão'52; não c o n d u z o

1 47 . OLIVEI RA, Carlos Alberto Alvaro d e . "Garantia do Contraditório". Garan tias Constitucionais do Processo Civi l . São
Paulo: RT, 1 999, p . 1 39- 1 40.
1 48. Sobre esse papel do pri n cípio do contraditório, neste contexto h i stóri co, m u ito oportu na a leitura de M IT I D I ERO,
Daniel. Colaboração no processo civil, cit., p . 89-90.
1 49. "Colaboração essa, acentue-se, vivificada por permanente diálogo, com a co m u n i cação das ideias s u b m i ­
n i stradas por cada um d e l e s [sujeitos p rocess uais]: juízos h i stóricos e valorizações j u rídicas capazes de s e r
e m p regados conve n ientemente n a decisão. Semel hante cooperação, ressalte-se, m a i s a i n d a se justifica pela
complexidade da vida a tual". (OLIVEI RA, Carlos Al berto Alvaro de. "Poderes do j u iz e visão cooperativa do
p rocesso", cit., p . 27, texto entre colchetes e grifo acrescentados.) O autor tam bém defe n d e a existê ncia deste
novo modelo de d i reito p rocessual (cit., p . 28).
1 50. N U N ES, Dierle )osé Coe l h o . Processo jurisdicional democrático. Cu ritiba: ) u ruá, 2008, p . 2 1 5 . Neste m e s m o
s e n t i d o , ZANETI ) r. , H e r m e s . Processo constitucional, c i t . , p . 60-6 1 .
1 5 1 . G REGER, Rein hard. "Coope ração como p ri n cípio p rocessual". Ronaldo Koc h e n (trad .). Revis ta de Processo. São
Paulo: RT, 20 1 2, n. 206, p. 1 25 .
1 52. M IT I D I ERO, D a n i e l . Colaboração no processo civil, cit., p . 1 02- 1 03.

1 25
fREDIE DIDIER )R.

p rocesso i3norando o u minimizando o papel d a s partes n a " d ivisão d o trabal h o " ' 53,
m as, s i m , e m u m a posição paritária, com d iálogo e e q u i líbrio. A coo p e ração, co rre­
tame nte co m p re e n d i da, em vez d e " d eterm i nar apenas q u e as partes - cada u m a
para si - d i scutam a gestão ade q uada d o p rocesso p e l o j u iz, faz c o m q u e essas d e l e
partici p e m " ' 54•
N o e n tanto, n ão h á paridade n o m o m e nto da decisão; as partes n ão decid e m
c o m o j u i z; trata-se d e função q ue l h e é exc l u siva. Pode-se d i z e r q u e a decisão
j u d icial é fruto da atividade p rocessual em coo pe ração, é res u ltado das d i scussões
t ravadas ao l o n go d e todo o arco d o p roced i m e nto; a ativi dade cogn itiva é com par­
t i l h ada, m as a d ecisão é man ifestação d o poder, q u e é exc l u sivo do ó rgão j u risdicio­
nal, e n ão pode ser m i n i m izado. N este m o m e nto, revela-se a n ecessária ass i m etria
e nt re as posições das partes e a d o ó rgão j u risdicional: a d eci são j u risdicional é
essencial m e nte u m ato d e pod e r. E m u m p rocesso auto ritário/i n q u isitorial, h á essa
assi m etria também n a c o n d u ção d o p rocesso'55•
Assimetria, aq u i , n ã o sign ifica q u e o ó rgão j u risdicional está e m u m a
posi ção processual com posta apenas p o r poderes processuais, d i sti nta
da posição p rocessual das partes, recheadas d e ônus e deveres. Os
p r i n cípios do devido processo lezjal e do Estado de D i reito i m p utam ao
j u iz u m a série de d everes (ou deveres-poderes, como se q u ei ra), q u e o
fazem tam bém s uj eito do contraditório, como já se d i s s e . O exe rcício da
f u n ção j u ri s d i c i o n al d eve o bedecer aos l i m ites do devido p rocesso' 56•
Ass i m etria sign ifica apenas q u e o ó rgão j u risdicional tem uma f u n ção
q u e l h e é p ró p ria e q u e é conteúdo d e um poder, q u e l h e é exc l u sivo.

o m o d e l o cooperativo é, e n fi m , u m a tercei ra espécie, q u e transce n d e os trad i ­


c i o n ais m o d elos adversarial e i n q u isitivo'57•
Eis o modelo de direito processual civil adequado à cláusula do devido proces­
so le3al e ao re3ime democrático.
Mas é p reciso co m p re e n d e r q ual é a eficácia n o r m ativa d este p ri n cípio.

1 5 3 . Expressão consagrada em doutrina: J O LOWICZ, J . A. "Adve rsarial an i n q u isitorial a p p roaches to civil litigati o n " .
On civil procedure. Cam b ridge: Cam b ridge U n ivers ity Press, 2000, p. 1 82; M O R E I RA. J o s é Carlos Barbosa "O
p ro b l e m a da 'd ivisão do trabal ho' entre j u iz e partes: aspectos term i n ológicos". Temas de direito processual.
São Pau l o : Saraiva, 1 989, 4' série, p . 3 5·44·
1 54. G REGER, Rei n h ard. "Cooperação como p r i n cípio p rocessual". Ronaldo Koch e n (trad .). Revista de Processo. São
Paulo: RT, 201 2, n. 206, p . 1 25.
1 55 . " N o modelo assi m étrico, todavia, o m agistrado passa a gozar de amplos poderes de co n d u ção do processo,
ass u m i n d o e m defin itivo a sua di reção" ( M I T I D I ERO, Daniel. Colaboração no processo civil, cit., p . 98 ) .
1 56. Assi m , ZAN ETI ) r., Hermes. Processo constitucional. Rio de J a n e i ro : Lu m e n ) u ris, 2007, p. 1 98 · 1 99.
1 5 7 . CADI ET, Lo'ic. " Los acuerdos p rocesales e n derecho francés: situación actual de la contractualización dei p reces·
so y de la j u sticia e n Francia". Civil Procedure Review, v. 3, n. 3, p . 1 8, d i s p o n ível em www.civi l p rocedu re review.
com, c o n s u ltado em 2 1 .04.201 4.

1 26
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

Para tanto, é p reciso l e m b rar o q uanto se disse n o capít u l o i ntrod utório d este
Curso: o p rocesso é um feixe de relações j u rídi cas, q u e se estabelecem e ntre os
diversos sujeitos p rocessuais, em todas as d i reções. É por isso q ue o art. 6o d o C P C
d ete r m i n a q u e t o d o s os sujeitos p rocess uais d evem cooperar en tre si. Os d everes d e
cooperação s ã o conte ú d o d e todas as relações j u rídicas p rocessuais q u e com põem
o p rocesso: autor-réu, autor-j u iz, j u iz- ré u , autor- réu-ju iz, j u iz- perito, p erito-autor,
p e rito- réu etc. Essa é a p re m i ssa m etodológica i n d i s p e n sáve l para co m p re e n d e r o
conteúdo d ogm ático d o p ri n cípio d a cooperação .
Vamos ad iante.
o princípio da coo peração atua diretamen te, i m p utan d o aos sujeitos do p rocesso
deveres. Ass i m , são ilícitas as cond utas contrárias à o bten ção do "estado d e coisas"
(co m u n idade p rocessual d e trabal ho) q u e o p ri n cípio da cooperação b usca promover.
Essa eficácia normativa independe da existê ncia de regras jurídicas exp ressas.
Se n ão h á regras exp ressas q ue, p o r exe m p lo, i m p utem ao ó rgão j u risdicional o
d ever de manter-se coerente com os seus p ró p rios co m po rtam entos, p rotegen d o
a s partes c o ntra eventual co m po rtam e n to cont rad itório (venire con tra factum pro­
prium) do ó rgão j u lgado r, o p ri n cíp i o d a cooperação garanti rá a i m putação deste de­
ver ao magistrado . Ao in tegrar o s i stema j u rídi co, o p r i n cípio da coo p e ração garante
o meio (i m putação de uma situação j u ríd ica passiva) n ecessário à o bte n ção do fi m
a l m ejado (o p rocesso coo p e rativo).
Repita-se: o p ri n cípio d a coo peração to rna devidos os c o m p o rtam e ntos n eces­
sários à o bten ção de um p rocesso leal e coo p e rativo.
O mais d ifíci l é, rea l m e nte, siste m atizar os d everes p rocessuais q u e d ecorrem
d o p ri n cípi o da cooperação. Para tanto, convém vale r-se d e tudo o q u e j á se co n s ­
t ru i u a res peito dos deveres d ecorre n tes d o p ri ncípio da boa-fé n o âm bito d o d i reito
p rivad o . O dever de cooperação é um deles. Os d everes d e cooperação podem ser
d ivididos e m d everes d e esclarecimen to, lealdade e de pro teção' 58• Essa s i stemati­
zação pode ser a p roveitada para a co m p reen são d o conteúdo dogmático d o p ri n cí­
p i o da coo p e ração p rocessu a l ' 59•

Vejamos algu mas m a n i festações d esses d everes em relação às partes : a) dever


de esclarecimento: os d e m a ndantes d evem red igi r a s u a d e m a n d a com clareza e

1 58. CORDEI RO, Antó n i o M a n u e l da Rocha M e n ezes. Da boa fé no Direito Civil, cit., p. 604; VASCO N CELOS, Pedro Pais.
Con tratos a típicos. Coi m b ra: A l m e d i na, 1 995, p . 405.
1 59. O d iálogo ("conceptual cross-conections") e ntre as teorias é um dos critérios apresentados por Peczen i k para
identificar a coerê n cia (e, ass i m , a consistência) de u m a concepção teórica:"whe n u s i n g a theory to j ustify a
statem ent, o n e s h o u l d see to it that the theory is expressed i n as many concepts s i m i lar to those used i n other
theories as poss i b l e " (PECZEN I K, Alexsan d e r. On law and reason. 2• ed. S p r i n ge r, 2008, p . 1 43). Neste caso,
parece f u n dame ntal dialogar com o que foi construído pela ciência do Direito p rivado em torno da cooperação .

1 27
FREDIE DIDIER JR.

coerê n c i a, s o b pena d e i n é pcia; b ) dever d e lealdade: a s partes n ã o podem l iti g ar


d e m á-fé (arts . 79-8 1 d o CPC), além d e ter d e observar o p ri n cípio da boa-fé p ro ­
cess ual (art. 5 o , CPC); c) dever d e pro teção : a parte n ão pode causar danos à parte
adve rsária ( p u n ição ao ate ntado, art. 77, VI, CPC; h á a res p o n sabi l i dade o bj etiva do
exe q u e nte n os casos d e execu ção i nj u sta, arts . 5 20, I , e 7 76, CPC) .

M as tam bém e m relação ao ór3ão jurisdicional é possível visual izar a aplica ­


ção do princípio da cooperação .
O ó rgão j u risdicional tem o dever de lea ldade, d e resto tam bém con seq u ê n cia
d o p ri n cípio da boa-fé p rocess ual, confo r m e j á exa m i n ad o .
O dever d e esclarecimento co n s i ste n o d eve r de o t ri b u nal s e esclarecer j u n ­
t o d as partes q u anto à s d úvidas q u e te n h a s o b re as s u as ale g ações, pedidos o u
posições e m j uízo' 60, para evitar decisões tomadas e m p e rcepções e q u ivocadas
o u a p ressadas'6' . Ass i m , por exe m plo, se o m a g istrado estiver e m d úvida s o b re o
p ree n c h i m e n to de u m req u i s ito p rocess ual d e val i d ade, d eve rá p rovi d e n ciar es­
clareci m e n to da parte envo lvida, e não dete r m i n a r i m e d iatame nte a c o n seq u ê n cia
p revista e m lei para esse i lícito p rocessual (ext i n ção d o p rocesso, p o r exe m plo).
Do m es m o m odo, n ão d eve o m a g istrado i n d eferi r a petição i n icial, t e n d o e m vista
a o bscu ridade do pedido ou da causa de ped i r, sem antes ped i r esclareci m e ntos
ao d e m a n dante - convém lem b rar que há h i póteses e m q u e se confere a n ão ad­
vo g ados a capacidade d e form u lar pedidos, o q u e to rna ainda mais n ecessária a
o bservância d esse dever.
O dever de esclarecimento n ão se restri n g e ao d ever d e o ó r g ão j u ri s d i c i o n al
esclarecer-se j u nto das partes, m as tam bé m o d ever d e esclarecer os seus p ró p rios
p ro n u n ci a m e ntos para as partes'62• É certo q ue esse d ever deco rre d o dever d e
m otivar, q ue é u m a d a s g arantias p rocess uais já co n s o l i dadas ao l o n go da h i stó­
ria. O d eve r d e m otivar conté m , o bviame nte, o d ever d e d e ixar claras as razões
da decisão. Essa ci rc u n stância não i m pede, p o ré m , que se veja aq u i tam bé m u m a
c o n c retização d o p ri n cípio d a coope ração, já positivada.

Fala-se ainda n o dever de consulta.

1 60. SOUSA, M i g u e l Teixei ra d e . Estudos sobre o novo processo civil. 2' ed. L i s b o a : Lex, 1 997, p . 6 5 . Ass i m , t a m b é m ,
G RASSI, L ú c i o . "Cognição p rocessual civi l : atividade dialética e cooperação i ntersu bjetiva na bu sca da verdade
real". Revista Dialética de Direito Processual. São Pau l o : Dialética, 2003, n . o6, p . so.
1 6 1 . Art. 7•, 2, do CPC de Portugal: "O juiz pode. e m q ua l q u e r altura do p rocesso, ouvir as partes, seus re p rese n ­
t a n t e s o u m a n datári o s j u d i c i a i s , c o n v i d a n d o - o s a fo r n e c e r o s e s c l a reci m e ntos s o b re a m a t é r i a d e facto o u d e
d i reito que se afigurem pert i n e ntes e dando-se c o n h e c i m ento à outra parte dos resu ltados da d i l igência".
1 62 . Afi rmando a existência de deveres para o j u iz, i n c l usive o dever de esclarecer as partes, M I RAN DA, Francisco
Cavalcanti Pontes de. " P ró l ogo". Comen tários ao Códi80 de Processo Civil. 2• e d . Rio de j a n e i ro: Forense, 1 958,
t. 1, p . XXI I .

1 28
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

O dever d e consulta é variante p rocess ual d o dever d e informar, as p ecto d o


dever d e esclarecimento, com p re e n d i d o e m s e n t i d o a m p l o . N ão p o d e o ó rgão j u ri s ­
d i c i o n a l deci d i r c o m base e m q u estão d e fato o u d e d i reito, ai n d a q u e possa ser c o ­
n h ecida ex ofticio, ' 63 sem q u e s o b re e l a s sejam a s partes i nt i m adas a man ifestar-se.
Deve o j u iz c o n s u ltar as partes s o b re esta q u estão n ão alvitrada n o p rocesso, e por
isso n ão posta e m co n t raditório, antes d e deci d i r. Eis o dever de consulta, expres­
samen te consa3rado no art. 1 0 do CPC, já exam inado no item sobre o princípio do
contraditório.
A co n c retização do p ri n cípio da cooperação é, no caso, tam bém u m a c o n c re­
tização d o p r i n cípio d o contrad itório, q u e assegu ra aos litigantes o poder de i n ­
f l u e n ciar n a s o l u ção da contrové rsia'64• C o m o cabe a o j u lgad o r a i nvestigação ofi cial
d e algu m as q u estões (co mo, p . ex., aq u e las p revistas § 3 o d o art. 485 d o C PC), o
res peito a esse d eve r reve la-se f u n d a m e n tal .
Caso o magistrado "desc u b ra" a falta d e u m req u isito d e ad m i ssi b i l i dade, não
d eve dete rm i n ar a ext i n ção d o p rocesso (se esse fo r o efeito p revi sto) sem antes
o uvi r as partes s o b re a q u estão.

1 63 . Art. 3', 3, CPC Portugal: "O j u i z deve observar e fazer c u m prir, ao longo de todo o p rocesso, o p r i n cípio do
contrad itório, n ão l h e sendo lícito, salvo caso de man ifesta desnecessidade, decidir q u estões de d i reito o u
de facto, m e s m o q u e de c o n h e c i m e nto ofi cioso, sem q u e as partes tenham tido a possi b i l idade de sobre elas
se p ro n u n ciare m " . Art. 8°, 2, CPC de Macau : " 2 . O juiz pode, e m q ua l q u e r altura do processo, ouvir as partes,
seus representantes ou mandatários j u d iciais, convidando-os a fornecer os esclareci mentos sobre a maté ria
de facto o u de d i reito que se afi g u rem pertine ntes e dando conhecimento à outra parte dos resu ltados da
d i l igência". Art. 16 Novo Código de Processo Civil francês: " Le j u ge doit, e n toutes ci rco n stances, fai re o b ­
server et observer l u i - m ê m e le principe de la contradict i o n . l i n e peut rete n i r dans sa d é c i s i o n , les moye ns,
les explications et les docu m e nts i nvoq ués ou p roduits par les parties que si cel lesci ont été à m ê m e d ' e n
dé battre contrad i cto i rement. l i n e p e u t fonder sa d é c i s i o n s u r I e m o y e n s de d roit q u ' i l a relevés d ' office s a n s
avo i r au p réalable i n vité les parties à présenter l e u rs observat i o n s " . (na t rad ução de EDUARDO FERREIRA JoRDÃo: " O
j u i z deve, e m todas a s c i rcu n stâncias, fazer observar e observar ele m e s m o o pri n cípio do contraditóri o. E l e
n ã o p o d e considerar, na s u a decisão, as q u estões, as explicações e os d o c u m e n tos i nvocados o u produzidos
pelas partes a m e n o s que estes tenham sido o bjeto de contraditório. Ele n ão pode fundame ntar s u a decisão
e m q u estões de d i reito que suscitou de ofício, sem q u e te n h a, p reviam ente, i n t i m ado as partes a apresentar
suas observações".) Art. 1 0 1 , 2, CPC ital iano, recentemente refo rmado: art. 101 do CPC italiano agora tem um
"2o com ma", com a segu i nte redação: "Se ritiene d i porre a fondamento della decisione una q uestiona rilevata
d ' ufficio, il giud ice riserva la decisione, assegnando alie parti, a pena di n u l l ità, un term i n e, n o n i n feriore a
venti e n o n s u periore a q uaranta giorn i dalla co m u n icazione, per il de posito i n cancelleria di m e m o rie conte­
nenti osservazio n i su lla medesima q uestio n e " .
1 64. G RASSO, Eduardo. " La c o l l a b o razi o n e n e l p rocesso civi l e " . Rivis ta d i Diritto Processua le. Padova: C E D A M ,
1 966, n . 4, p . 5 9 1 -592 e 6o8; OLIVE I RA, C a r l o s A l b e rto Alvaro d e . " Poderes d o j u i z e v i s ã o c o o p e rativa do
p rocesso". Revista d e Direito Processual Civil. C u ritiba: G ê n esis, 2003, n . 27, p . 28- 29; B E DAQ U E, José R o b e r­
to dos Santos. "Os e l e m e ntos o bj etivos da d e m a n da exam i n ados à l u z do contraditó rio". Causa de pedir
e pedido no processo civil (q ues tões po lêmicas). José R o b e rto dos Santos Bedaq ue e J o s é Rogé rio Cruz e
Tucci (coord .). São Pau l o : RT, 2002, p. 39-42; N U N ES, D i e r l e José Coe l h o . Processo jurisdicio nal democrático.
C u ritiba: J u ruá, 2008, p . 224- 2 3 1

1 29
FREDIE DIDIER JR.

Te m o m agist rado, ai n da, o dever de apontar a s deficiências das postulações


das partes, para que possam ser supridas. Trata-se do c h amado dever de preven­
ção, vari ante do dever de proteção .
O dever de prevenção tem u m âmbito mais a m p l o : val e ge n e ri ca m e nte para
todas as situações e m q u e o êxito da ação o u da defesa possa ser fru strado pelo
uso i n adeq uado do p rocesso'65.
São q u atro as áreas de a p l i cação do dever d e p reve n ção: exp l i citação d e pe­
dido s p o u co claros, o caráter lac u n a r da exposição dos fatos rel evantes, a n eces­
si dade de adeq uar o pedido fo rm u lado à situação c o n c reta e a sugestão de certa
atuação pela parte.
"Assi m , p o r exe m plo, o t ri b u nal tem o dever d e s u ge ri r a especifi cação
d e um pedido i n dete r m i nado, de s o l i citar a i n d ividual ização das parce­
las d e u m m o ntante q u e só é global m e nte i n d icado, d e refe ri r as lacu­
n as n a descrição de u m facto, d e se esclarecer s o b re se a parte desistiu
do d e poi m e nto d e u m a teste m u n h a i n d i cada o u a p e n as se esq u eceu
d e l a e de convidar a parte a p rovocar a i n terven ção de u m te rcei ro" ' 66 •

N o d i reito bras i l e i ro, esse dever de p reve n ção está c o n c retizado e m diversos
d i s p ositivos: arts. 76, caput, 3 2 1 , 932, par. ú n ., 1 .0 1 7, § 3o, 1 .029, § 3o, todos do CPC.
O CPC é estrutu rado para refo rçar o dever de prevenção, q u e, espal h ado e re peti do
ao l o n go de todo o texto, reforça o modelo coo p e rativo adotado e m n osso sistema.
O art. 321 é e m b l e m ático; e l e garante ao dema n dante o d i reito d e e m e n dar a
peti ção i n i cial, se o ó rgão j u risdicio n al co n s i d e rar q u e l h e falta alg u m req u i sito; não
é permitido o i n defe ri m e nto da petição i n icial sem que se dê a o p o rt u n i dade d e
correção d o defeito' 67• Não c u m p ri n d o o a u t o r a d i l igência q u e l h e fo ra ordenada, a
peti ção i n i cial será i n d eferida.
N ote, enfi m , q u e h á o princípio da cooperação, q ue se d esti n a a tran sfo rmar o
p rocesso e m u m a " co m u n i dade d e trabal h o " (Arbeits3emeinschaft, comunione de/
/avaro) "e a res ponsabil izar as partes e o t ri b u nal pelos seus res u ltados"'68, e há as
re3ras de cooperação, q u e concretizam esse p ri n cípio (como, p. ex., a q ue exige q ue
o p ro n u n ci a m e n to j u d icial seja claro, i nteligíve l).
H á o u t ras m a n ifestações d a c o n sagração do m o d e l o coope rativo d e
p rocesso n o B ras i l .

1 65. SOUSA, Miguel Teixeira d e . Estudos sobre o novo processo civil. 2 • ed., cit., p. 66. Assim, tam bém, G RASSI, Lúcio.
"Cogni ção processual civi l : atividade dialética e cooperação i ntersu bjetiva n a busca da verdade real", cit., p . 52.
1 66. SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2• ed., cit., p. 66.
1 67 . G RASSI, Lúcio. "Cognição p rocessual civi l : atividade dialética e coope ração i ntersu bjetiva n a b u sca da verdade
real", cit., p. 5 2 .
1 68. SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2• ed., c i t . , p . 62.

1 30
N o R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

O § 3 o d o art. 3 5 7 c u i d a do s a n e a m e nto c o m parti l h ad o ; o art. 3 39 c u i d a


d o dever de o r é u i n d i car o legiti mado pass ivo d a d e m a n da; o art. 7 7 ,
§ 1 °, e o art. 7 7 2 , 1 1 , c o n sagram o d ever d e o j u iz adverti r o s ujeito d e
q u e s u a c o n d uta p o d e configu rar-se co m o ato atentat ó r i o à d i g n i d a d e
d a j u stiça.

N a verdade, todas as n o rmas q u e atri b u e m re l evâ n c i a à auto n o m i a


d a vontade n o p rocesso, esti m u l a n d o co m p o rtamentos n egociais e n ­
t r e o s s ujeitos p rocessuais, reforçam o m o d e l o coope rativo '69; afi n a l
n ão h á n egociação j u ri d i c a m e nte lícita s e m o b e d i ê n c i a aos deveres
d e c o o p e ração.

A esse tema s e rá d e d icado um item e s p e cífi co.

2. 1 2.4. Dever de o juiz zelar pelo efetivo contraditório, princípio da cooperação


e dever de auxílio

N o D i reito Português, a d outri n a identifica a existê n cia d e u m dever de o juiz


auxiliar as partes: "o tri b u nal tem o d ever de auxi liar as partes na s u pe ração das
eve ntuais d i fi c u l d ades q u e i m peçam o exercíci o d e d i reitos o u facu ldades ou o c u m ­
p ri m e nto d e ó n us ou deveres p rocess uais". C a b e a o ó rgão j u lgad o r p rovi d e n ciar,
sem p re q u e possíve l, a re m oção d o obstác u l o'70• Para c u m p ri r este d ever, poderia
o ó rgão j u lgad o r, por exemplo, sugeri r a alte ração do pedido, para torná-lo mais
conforme o ente n d i m ento j u ri s p r u d e n cial para casos co m o aq u e l e .
E s s e d ever é u m dos as pectos d o p ri n cípio d a cooperação, tam b é m p revisto n o
CPC p o rtuguês. A relação e n t re os d everes d e cooperação e a p ro m oção da igualda­
d e p rocessual é m u ito difu n d i d a n a d o utri na' 7 ' .
Certa m e nte, s u rg i rá a discussão s o b re se a parte fi nal d o art. 7o d o CPC perm ite
q u e se afi rme a existê ncia d e um dever 3eral de auxílio n o d i reito b ras i l e i ro .
N ão n os parece possível defe n d e r a existê ncia d este d ever no d i reito p roces­
sual b ras i l e i ro . A tarefa de auxi liar as partes é d o seu re p resentante j u dicial: advo­
gado ou d efe n s o r p ú b l ico. N ão só não é possível : tam bé m não é reco m e n dáve l . É
s i m p lesme nte i m p revi sível o q ue pode aco ntecer se se disser ao ó rgão j u lgad o r q u e

1 69. A N D RADE, Érico. "As novas perspectivas d o gere n ciamento e d a 'contratualização' d o processo", cit., p . 1 87·
1 89.
1 70. S O U SA, Miguel Teixeira d e . Estudos sobre o n ovo processo civil. 2• ed. Lisboa: Lex, 1 997, p. 65; BARREI ROS,
Lorena M i randa. Fundamentos constitucionais do princípio da cooperação processual, p . 1 99·20 1 .
1 7 1 . S I LVA, Pau l a Costa e. Acto e processo: o dogma da i rrelevância da vontade na i nterpretação e nos vícios do
acto postu lativo . Coi m b ra: Coi m b ra, 2003, p . 6oo; GO UVEA, Lúcio G rassi d e . Cogn ição p rocessual civi l : atividade
d i alética e coope ração i nters u bjetiva na b u sca da verdade real . In: D I D I E R J Ú N I O R, Fredie (org.). Leituras com­
p lemen tares de processo civil. 7' e d . Salvador: jus Podivm, 2009, p. 338; BAR R E I ROS, Lo re n a M i randa. Funda­
mentos constitucionais do princípio da cooperação processual, p . 200·20 1 .

131
FREDIE DIDIER JR.

e l e t e m u m dever atípico de auxi liar a s partes . É possíve l, p o rém, q u e h aja deveres


típicos de auxílio, p o r exp ressa p revisão legal.
O dever de zelar pelo efetivo con traditório tem designação mais p recisa e, por
isso, a b rangên cia mais restrita; c u m p re-se o dever com adeq uações do p rocesso
feitas pelo j u i z e m situações exce pcionais.

2 . 1 3. Princípio do respeito ao a utorregramento da vontade no processo

A l i berdade é u m dos p ri n ci pais e mais antigos d i reitos f u n d a m e ntais (art. so,


caput, CF/1 988).
O d i reito f u n d a m e ntal à l i b e rdade poss u i conteúdo co m p lexo. H á a l i be rdade
de pensame nto, de cren ça, de locom oção, d e associação etc. No conte ú d o efi cacial
do d i reito f u n dame ntal à l i be rdade está o d i reito ao auto rregram ento: o d i reito q u e
todo sujeito t e m d e regu lar j u ri d i ca m e nte o s seus i nteresses, de poder defi n i r o
q u e re p uta m e l h o r o u mais ade q u ado para a sua exi stê ncia; o d i reito de regu lar a
p ró p ria existê ncia, de co n stru i r o p ró p rio cam i n h o e de faze r esco l h as . Auto n o m i a
p rivada o u auto rregra m e nto da vo n tade é u m d o s pi lares da l i b e rdade e d i m e n são
i n afastáve l da d i g n i dade da pessoa h u mana.
O D i reito P rocess ual Civi l, e m b o ra ram o d o D i reito P ú b l i co, o u talvez exata m e n ­
te por i s s o , tam bém é regi do p o r e s s e p ri n cípio'72• Pode-se c h amá-lo de princípio do
respeito ao autorresramento da von tade no processo.
É certo q u e esse p ri n cípio n ão tem, n o D i reito P rocess ual Civi l, a mesma ro u ­
page m dogmát i ca com q u e se a p resenta, p o r exe m plo, n o D i reito Civi l . Por e nvolve r
o exe rcíci o de u m a f u n ção pú b l i ca ( a j u ri s di ção), a n egociação p rocessual é mais
regu lada e o seu o bj eto, mais rest rito173• I sso, p o rém, não d i m i n u i a s u a i m po rtân ­
cia, m u ito m e n os i m pede q u e se l h e atri b u a o m e recido d estaq u e de s e r u m dos
p ri n cípios estrutu rantes do d i reito p rocessual civi l b ras i l e i ro, uma de s u as normas
fundamentais' 74•
Não há razão para m i n i m izar o papel da l i berdade no p rocesso, s o b retudo
q uando se p e n sa a l i be rdade como f u n d a m e nto de um Estado D e m o c ráti co de

1 72 . GAJARD O N I , Fernando Fon seca. Flexibilização procedimental. São Pau l o : Atlas, 2008, p. 2 1 5 .
1 7 3 . "Afi nal, se o p rocesso j u d icial n ão é apenas coisa das pa rtes, s ã o elas as dest i n atárias da tutela j u risd icional e
são os seus i nteresses q u e a deci são j u dicial d i retamente ati nge, e, através deles, os seus f i n s ú lti mos, em bora
remotos e abst ratos, de tutela do i n te resse geral da coletividade, do bem co m u m e da paz social". (G RECO,
Leo nardo. "Os atos de d i s posição p rocessual - p r ime i ras reflexões". Revis ta Eletrônica de Direito Processual.
Disponível e m www. revistap rocessual.com, 2007, v. 1, p. 8.)
1 74. "Há q u e se trabal har com a auto n o m i a das partes não mais no sentido privatístico clássico, mas, s i m , dentro
de u m a pers pectiva constitucional e de u m a teoria dos d i reitos f u n d a m e ntais q u e auto riza e ao mesmo te m po
i m põe l i m ites às manifestações de vontade" (G O D I N H O, Robson Renault. Reflexões sobre os poderes i n strutó·
rios do j u iz: o p rocesso n ão cabe do " Leito de Procusto". Revis ta de Processo. São Pau lo: RT, 201 4, n . 235, p . 87).

1 32
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I l

D i reito e se e n ca ra o p rocesso j u ri s d i c i o n a l c o m o m étodo de exe rcício d e u m poder.


H á, n a verdade, u m a te n d ê n cia de a m p l i ação dos l i m ites da auto n o m ia p rivada n a
reg u l a m e n tação do p rocesso civi l ' 75 •
O p ri n cípio do devi do p rocesso l egal deve garantir, ao m e n o s n o o rde n a m e n to
j u ríd ico b ras i lei ro, o exe rcíci o do poder de auto rregram ento ao l o n go d o p rocesso.
Um processo que limite injustificadamen te o exercício da liberdade não pode ser
considerado um processo devido. Um processo jurisdicional hostil ao exercício da
liberdade não é um processo devido, nos termos da Constituição brasileira.
É cu rioso, e u m tanto co ntrad itório, como p rocess uali stas estufam o peito para
falar e m d e m o c ratização d o p rocesso, d efe n d e n d o téc n i cas de facilitação do acesso
à j u stiça, p . ex., e, si m u ltaneamente, i g n o ram o papel da l i be rdade, p i lar da demo­
c racia, n o p rocesso. Discu rso q u e afasta a l i b e rdade do a m b i e nte p rocessual tem
ranço auto ritário. Processo e l i berdade co nvive m . Li b e rdade n ão é n e m pode ser pa­
lavra mald ita n a Ciência do D i reito P rocessual e n o p ró p ri o D i reito P rocessual Civi l .
Defe n d e r o auto rregramento d a vontade n o p rocesso n ão é n ecessariam e nte
defe n d e r um p rocesso estrutu rado e m um m o d e l o adversaria l. O res peito à l i be rda­
d e co nvive com a atri b u i ção de poderes ao ó rgão j u risdicional, até m e s m o p o rq u e o
po der de autorregram e nto da vo ntade n o p rocesso n ão é i l i m itado, como, aliás, n ão
o é e m n e n h u m outro ram o d o d i reito. Se não existe auto n o m ia da vo ntade i l i m itada
nos demais ramos do D i reito, não faria sentido q u e logo n o D i reito P rocess ual Civi l
e l a aparecesse.
A lei cuida de p roteger os i n capazes e os v u l n e rávei s (art. 1 90, C PC) e de
p ro i b i r ce rtas n egociações (p. ex. : n ão cabe aco rdo sobre co m petênc ia absol uta do
ó rgão j u ri s d i c i o nal). A mediação lesisla tiva é indispensável para delimitar a exten­
são da autonomia da vontade no processo. As l i m itações ao exe rcício do poder de
autorregra m e nto n o p rocesso se rão estudadas à m e d i d a q u e os temas a ela rela­
c i o n ados apareça m .
O modelo cooperativo de p rocesso caracteriza-se exata m e nte p o r artic u lar os
papéis p rocessuais das partes e d o j u iz, co m o p ro p ósito de harmon izar a ete rna
ten são entre a l i berdade i n d ividual e o exe rcíci o d o poder pelo Estado . C o m o visto
n o item p recedente, o p rocesso coope rativo nem é p rocesso q u e i g n o ra a vontade
das partes, nem é p rocesso e m que o j u iz é um m e ro espectado r de ped ra.

1 7 5 . CAPO N I , Remo. "Auto n o m i a p rivata e p rocesso civi le: gli acco rdi p rocess u a l i " . Civil Procedure Review, v. 1, n.
2, 201 0, p. 44, d i s p o níve l e m www.civi l p rocedu re review.com, consu ltado e m 1 6.04.20 1 4; "Auto n o m i a p rivada
e p rocesso civi l : os aco rdos p rocessuais". Ped ro Gomes de Q u e i roz (trad .) Revista de Processo. São Pau lo: RT,
201 4, n . 228, p . 362; CAD I ET, Lo"ic. " Los acuerdos p rocesales e n derecho francés: situaci ó n actual de la contrac­
tualización del p rocesso y de la j u sticia e n Francia". Civil Procedure Review, v. 3, n. 3, p. 4-6, disponível em
www.civi l p roced u re review.com, consultado e m 2 1 .04.20 1 4.

1 33
FREDIE DIDIER JR.

O princípio d o respeito ao autorrewamento d a von tade n o processo vi sa, e n ­


fi m , à o bte n ção de u m a m b i e nte p rocess ual e m q u e o d i reito fu n da m e ntal d e
auto rregu lar-se possa ser exe rcido pelas partes sem restrições i rrazoávei s ou i nj us­
tificadas ' 76.
De modo mais s i m p l es, esse p ri n cípio visa tornar o p rocesso j u ri s d i c i o n a l u m
es paço p ro pício para o exe rcíci o d a l i be rdade.
O d i reito de a parte, o ra sozi n h a, o ra com a outra, o ra com a outra e com o
ó rgão j u risdicional, disci p l i nar j u ridicamente as s u as c o n d utas p rocessuais é gara n ­
tido p o r u m co nju nto de n o rm as, subprincípios o u resras, es pal h adas ao l o n go de
todo o Código d e P rocesso Civi l . A vontade das partes é re levante e m e rece res pei­
to. Há um verdadeiro microssistema de pro teção do exercício livre da von tade no
processo.
Algu n s exe m plos.
I) O CPC é estrutu rado d e modo a esti m u lar a s o l u ção do confl ito por auto­
com posição: a) dedica um capít u l o i nteiro para regular a mediação e a conci l i ação
(arts. 1 65 - 1 7 5); b) estrutu ra o p roced i m ento de modo a p ô r a tentativa de autoco m ­
posição co m o ato ante ri o r a o oferec i m e nto da d efesa pelo ré u (arts. 334 e 695); c)
perm ite a h o m o l ogação j u d icial de acordo ext raj u d icial de q ualq u e r n atu reza (art.
5 1 5, 1 1 1; art. 7 2 5 , VI I I); d) perm ite q u e, no acordo j u d i cial, sej a i n cl uída m atéria es­
tra n h a ao o bj eto litigioso do p rocesso (art. 5 1 5, §2o ); e) perm ite aco rdos p rocess uais
(so b re o p rocesso, n ão so b re o o bj eto d o litígio) atípicos (art. 1 90).
o siste m a do d i reito p rocess ual civil b ras i l e i ro é, e n f i m , estrutu rado n o sentido
de esti m u lar a autoco m posição. N ão p o r acaso, n o rol das n o rmas f u n dame ntais do
p rocesso civi l, estão os §§2o e 3° d o art. 3° do CPC: "§ 2° O Estado prom ove rá, sem­
p re q u e possíve l, a s o l u ção co n s e n s u a l dos conflitos. § 3o A conci l i ação, a mediação
e o utros m étodos de s o l u ção co n s e n s ual de confl itos deve rão ser esti m u lados p o r
j uízes, advogados, d efe n s o res p ú b l i cos e m e m b ros do M i n i stério P ú b l i co, i n c l u sive
no c u rso do p rocesso j ud i cial".
Trata-se d e clara man ifestação da " i n vasão d a ideia de consensuali dade"m n o
d i reito p ú b l i co, de q u e o d i reito p rocessual civi l é espécie.
A autoco m posição é u m a das formas d e exe rcício do poder de autorregra m e n ­
to. O p restígi o q u e ela p o s s u i n o CPC, confo r m e se v ê dos §§ do art. 3 o , evi d e n ci a e
c o n c retiza o p ri n cí p i o d o respeito ao poder d e auto rregra m e nto.

1 76 . Sobre o exame d a s l i m itações i n fraconstitucionais aos d i reitos f u n d a m e ntais, S I LVA, Vi rgíl io Afo nso d a . Direitos
fundamen tais - conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2• ed. São Paulo: M a l h e i ros, 201 o; N OVAIS, J o rge Reis.
As Restrições aos Direitos Fundamen tais não Expressamente Autorizadas pela Constituição . 2• ed. Coi m b ra:
Coi m b ra Ed ito ra, 201 0.
1 7 7 . A N D RADE, Érico. "As n ovas pers pectivas do gere n ciame nto e da 'contratualização' do processo", cit., p . 1 7 5 .

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N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

M e s m o ass i m , res p eita-se a vontade d a s partes d e não resolve r o l i tígi o p o r


autoco m posição (art. 3 34, §4o, I, CPC).
1 1 ) É a vo n tade da parte que d e l i m ita o o bj eto l itigioso do p rocesso (arts. 1 4 1
e 490, C PC) e d o recu rso (arts. 1 .002 e 1 .01 3, CPC). Não por outra razão, o §2o do
art . 3 2 2 d o CPC determ i n a que a post u l ação d eva ser i nterpretada d e acordo com a
boa-fé, exatam e nte co m o se d eve fazer e m re lação aos atos j u rídicos de u m modo
geral (art. 1 1 3, Cód igo Civi l). Como se sabe, ato j u ríd ico é ato vo l u ntári o .
1 1 1) O CPC p revê u m n ú m e ro bem sign ifi cativo d e nes ócios processuais típicos,
tais co mo : a e l e i ção n egociai do foro (art. 63); o n egócio tácito de q u e a causa tram i ­
te e m j uízo relativamente i n co m petente (art . 6s); esco l h a c o n s e n s ual de mediador,
c o n c i l iador o u câm ara p rivada de m e d i ação o u c o n c i l iação (art. 1 68); o calendário
p rocess ual (art. 1 9 1 , CPC); a re n ú ncia ao p razo (art. 2 2 5); o aco rd o para a s u s p e n são
do p rocesso (art. 3 1 3, 1 1); a re n ú n cia tácita à conve n ção de arbitragem (art. 3 3 7, §6o);
o ad iamento n egociado da a u d i ê n ci a (art. 362, I , CPC); o saneamento consensual
(art. 3 5 7, § 2o); a conve n ção s o b re ônus d a p rova (art. 373, §§3o e 4°); a esco l h a co n ­
sens ual do pe rito (art. 47 1 ); desistê ncia d a execução o u de medida executiva (art.
7 7 5); a desistê n cia do rec u rso (art. 998); a re n ú n c i a ao recu rso (art. 999); a aceitação
da deci são (art. 1 . ooo) etc.
IV) O CPC p revê u m a cláus u l a ge ral de n egociação p rocessual, q u e perm ite
a celebração d e n egócios j u rídicos p rocessuais a típicos, uma vez p ree n c h idos os
p ressu postos do capu t d o art. 1 90. Dessa c l á u s u l a geral s u rge o subprincípio da
a tipicidade da nes ociação processual, a mais i m po rtante co n c retização do princípio
do respeito autorresramento da von tade no processo civil e, por isso, o exe m p l o
m a i s evidente da d e n s i dade n o r m ativa q u e esse m e s m o p ri n cípio poss u i n o d i reito
b ras i l e i ro ' 78• O tema será exam i n ado co m mais vagar n o capít u l o sobre a teoria dos
fatos j u ríd icos p rocessuais, n este vo l u m e do Curso.
V) A con sagração do p ri n cípio da cooperação (art. 6°, CPC) é, tam bém, uma de­
m o n st ração clara de val o rização da vo ntade n o p rocesso. Não por acaso a d o utri n a
cost u m a relacio n á-lo ao fe n ô m e n o da "co ntratualização" d o p rocess o ' 79•
VI) A arbitrage m, n o d i reito b ras i lei ro, é bastante p restigiada (Lei n. 9 . 307/ 1 996).
O p rocesso arbitral é, f u n d a m e ntal m e n te, u m p rocesso n egociado. As partes podem
d efi n i r a o rga n i zação do p rocesso, b e m como a s u a estrutu ra. Além de, o bviam ente,

1 78. Remo Caponi defe n d e a adoção de solução s e m e l hante (regu lamentação negociai atípica do p rocesso), como
uma " p roposta radical" para o d i reito ital iano (CAP O N I , Remo. "Auto n o m i a p rivata e p rocesso civile: gli acco rdi
p rocess u a l i " . Civil Procedure Review, v. 1, n . 2, 201 0, p . 49, d i s p o n ível em http://www.civi l p rocedu rereview.com/
b usca/baixa_arq u ivo. ph p?id= 1 9m consultado e m 1 6.04. 20 1 4; "Auto n o m i a p rivada e p rocesso civi l : os acordos
p rocess uais". Ped ro Gomes de Q u e i roz (trad .) Revista de Processo. São Pau lo: RT, 2014, n. 228, p. 366.).
1 79 . CAOI ET, Lok. " Los acuerdos p rocesales e n derecho francés: situació n actual de la contractualizació n dei p ro­
cesso y de la j u sticia e n Francia", cit., p . 1 8, d i s p o nível e m www.civ i l p rocedu re review.com, consu ltado e m
2 1 .04.20 1 4 .

1 35
FREDIE DIDIER JR.

esco l h e r o ó rgão j u ri s d i c i o n al q u e deci d i rá o conflito. N o capít u l o s o b re j u ri s d i ção,


n este vol u m e d o Curso, exam i n are mos mais deta l h es do p rocesso arbitra l .

2.1 4. Princípio d a primazia da decisão de mérito

O CPC con sagra o p ri n cípio da primazia da decisão de mérito. De acordo com


esse p r i n cípio, deve o ó rgão j u lgad o r prio rizar a d ecisão de m é rito, tê-la co m o o b ­
j etivo e fazer o possíve l para q u e oco rra. A d e m a n d a deve ser j u l gada - seja ela
a demanda p ri n cipal (veicu lada pela petição i n icial), seja u m recu rso, sej a u m a
d e m a n d a i n ci d e ntal.
O art. 4°, de m odo b e m assertivo, garante à parte o direito à solução in tesra t
d o mérito.
Há o u t ros d i s p ositivos do CPC q u e refo rçam e co n c retizam esse p ri n cípio.
a) Art. 6o: todos os sujeitos d o p rocesso devem coo p e ra r entre si para que se
o bte n h a, e m p razo razoáve l, decisão de m érito j u sta e efetiva;

b) Todas as regras q u e co m põ e m o siste m a da transla tio iudicii - p reservação


dos efeitos da liti s p e n d ê n cia e das decisões, a despeito da i n com petê n c i a - refo r­
çam a p ri m azia da deci são de m é rito (arts . 64, 240 e 968, §§so e 6o) .
c) Art. 76: p revê o d ever ge ral d e o j u iz dete r m i n ar a correção da i n capacidade
p rocess u a l .
d) A rt. 1 39, I X : o j u iz tem o d ever de dete r m i n a r o s u p ri m ento dos p ress u pos­
tos p rocess uais e o saneamento de outros vícios p rocess uais.
e) §2o do art. 282: " q uando puder decidir o m érito a favo r da parte a q u e m
ap roveite a decretação d a n u l id ade, o j u iz n ã o a p ro n u n c ia rá n e m m a n dará re pet i r
o ato o u s u p ri r- l h e a falta" . Regra i m po rtantíss i m a, q u e exp ressa m e n te dete r m i n a
q u e o j u iz i g n o re defeitos p rocessuais, s e a deci são de m é rito não p rej u d i car aq u e l e
q u e se b e n eficiaria co m o reco n h ec i m ento da n u l i dade - a regra é est u d ada com
mais deta l h es n o capít u l o s o b re as n u l i d ades p rocess uais, n esse vo l u m e do Curso.
Esse é um dos e n u n c i ados q u e mais evi d e n ciam o p ri n cípio da p ri m azia da d ecisão
de m é rito.
f) Art. 3 1 7 : antes de p rofe ri r deci são sem reso l u ção de m é rito, o ó rgão j u ri s d i ­
c i o n a l deverá c o n c e d e r à parte o p o rt u n idade para, se possíve l, corrigi r o víci o . Esse
é outro dos e n u nciados q ue mais evi d e n c i a m o pri n cípio da p r i m azia d a d ecisão de
m é rito.
3) Art. 3 2 1 : antes d e i n defe ri r a peti ção i n icial, o j u i z deve m a n dar q u e a
parte autora a e m e n d e o u a co m p lete. Desse e n u n ciado deco rre verdadei ro d i reito

1 36
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

à e m e n da da peti ção i n i cial defeituosa. A regra é estudada com m a i s d etal h es n o


capít u l o s o b re a petição i n i cial, n esse vo l u m e d o Curso.
h) Art. 485, §7a: i nte rposta a apelação co ntra sente n ça q u e exti n g u e o p roces­
so sem exa m e d o m é rito, poderá o j u iz retratar-se - estí m u l o evide nte para q u e o
reexa m i n e s u a decisão d e não exam i n a r o m é rito d a causa.
i) Art. 488 (e n u n ciado semel hante ao §2a d o art. 282): se m p re q u e fo r possí­
ve l, o j uiz d eve priorizar a res o l u ção do m é rito em d etri m e nto da decisão q u e não o
exa m i na. Esse é outro dos e n u n ciados q ue mais evid e n ciam o p r i n cí p i o d a p r i m azia
da decisão d e m é rito.
j) Art. 932, par. ú n . : o re lato r, antes d e co n s i d e rar i n ad m i ssíve l o recu rso -
p o rtanto, não exam i n a n d o o m é rito d o recu rso -, co n cederá p razo d e ci n co d ias ao
recorrente, para q u e seja sanado o d efeito.
k) Art. 1 .029, §3a: O S u p remo Tri b u nal Fede ral ou o S u perior Tri b u nal d e j u stiça
poderá desconsiderar vício fo rmal d e recu rso tem pestivo o u d eterminar sua co rreção,
desde q u e n ão o rep ute grave. Dis positivo i m po rtantíssi mo, pois autoriza q u e o tri b u ­
n a l su perior desco n sidere vício de u m rec u rso tem pestivo (i nterposto n o p razo), para
poder j u lgar o seu mérito. Dis positivo semelhante é o § 1 1 d o art. 896 da CLT.

2.1 5. Princípio da proteção da confiança

2. 1 5. 1. Proteção da confiança e segurança jurídica

O p ri n cípio da p roteção da confiança é u m s u b p ri n cípio d o p ri n cípio da segu­


ran ça j u ríd i ca'80• O p ri n cípio da p roteção da confiança é a d i m e nsão s u bj etiva do
conteúdo d o p ri n cípio da segu ran ça j u rídica. O fu n da m e nto d e am bos é o Estado de
D i reito'8' . Como não h á n a Constit u i ção texto exp resso nesse sentido, afi rma-se q u e
s e t rata d e p r i n cípio constitucional q u e decorre d o § 2 a d o a rt. sa d a CF/1 988.
O p ri n cípio da segu ran ça j u rídica e o p ri n cípio da confiança são, pois, facetas q u e
s e co m p lementam semanticamente: a seg u rança é a faceta geral d a confiança; a con­
fian ça, a face particular da segu rança. Trata-se d e relação recíproca estrutu ral entre

1 80. SI LVA, AI m i ro do Couto e. "O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito púb lico brasileiro
e o direito da Administração Púb lica de anular seus próprios atos adminis trativos: o prazo decadencial do art.
54 da Lei do Processo Administra tivo da União (lei no 9. 784/7 999)". Revista Eletrônica de Di reito do Estado,
Salvado r, n . 2, 2005. Disponível em: << http://www.di reitodoestado.co m . b r/revista·eletron ica-de-di reito·do-esta·
do>>. Acesso e m 21 de maio de 20 1 2. Neste sentido, tam bém, ARAÚJO, Valter S h u e n q u e n e r de. O princípio da
proteção da confiança Uma Nova Forma de Tu tela do Cidadão Diante do Estado. Rio de j a n e i ro: l m petus, 201 0,
p. 5 5 - 57; CABRAL, Anto n i o do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. Salvador: Editora jus Podivm, 20 1 3,
p. 28 1 , com a m p las referê ncias.
1 8 1 . STF, 2' T., re i . M i n . G i l mar Ferre i ra Mendes. Q uestão de Ordem na Petição ( M C) n . 2.900- RS, j . e m 27.05.2003,
p u b l icado n o DJU de o1 .o8.2003, p. 6.

137
FREDIE DIDIER JR.

o s con ceitos, q ue s e faz, ainda mais, evide nte a o s e considerar q u e o conceito co n ­


tem po râneo de i nteresse p ú blico n ã o pode estar dissociado do de i nteresse p rivado'8'.
O p ri n cípio da p roteção da confiança i m põe que se tutele a confiança de u m
determinado s uj eito, co n c retiza n d o-se, co m isso, o p ri n cípio d a segu ra n ça j u rídi ca.
Como e n s i n a H u m berto Ávi la, t utela-se a situação d e confiança do sujeito
q ue exerce a sua l i berdade por confiar n a val i d ad e (ou aparência d e val i dade) de
u m co n h ecido ato n o rm ativo e, d e pois, vê frustradas as s uas expectativas pela
desconti n u i dade da vigê ncia o u dos efeitos desse ato n o rm ativo, quer por s i m p les
m u dança, q u e r por revogação, q ue r por i nvalidação' 83• A p roteção da confiança é
u m i n stru m ento de p roteção d e d i reitos i n d ivi d uais e m face do Estad o o u de q u e m
exe rce poder.
Sobre o âm bito d e a p l i cação do p r i n cípio da confiança, acresce n ta Ávila: "sua
extensão e ngl o ba tam bém os atos, co ncl uídos o u i n i ciados, p rati cados com base
e m atos n o rmativos q u e se revestiam de legali dade m e ra m e nte apare nte, o u n e m
isso, e c u j a a n u lação d e s d e o i nício causaria frustração da expectativa i n divi d ual
s o b re e l es lan çada"' 84•
É possíve l relac i o n a r, tam b é m , o p ri n cí p i o d a p roteção d a confi a n ça
com o p ri n cí p i o da boa-fé - a p roteção da confiança s e ri a tam b é m u m
subprincípio, n este caso.

2. 1 5.2. Pressupostos para a proteção da confiança

Ai n d a seg u n d o as l i ções de H u m berto Ávi l a, o deve r de p roteção da confiança


i rrad ia-se de fato j u rídico formado pelos segu i n tes e l e m e ntos: ( 1 ) base da confian ­
ça, (2) confiança n essa base; (3) exe rcíci o da confiança e (4) frust ração p o r ato
poste rior do Poder P ú b l i co'8s.
O s e l e m e n tos d a p roteção d a c o n fi a n ça refe r i d o s p o r H u m b e rto
Ávi l a ap roxi m a m - s e d a q u e l e s q u e a p a r e c e m n as l i çõ e s d e A n tô n i o
M e n ezes C o rd e i ro . Para este ú l t i m o , a t u t e l a j u rí d i c a d a c o n fi a n ç a
p re s s u põe o s s e g u i n t e s fat o r e s : a) s i t u ação d e c o n f i a n ça c o n f o r m e
o s i st e m a ( s e r i a a " c o n f i a n ç a n a base"); b) j u stifi cação à c o n f i a n ça,
i d e n t i f i cada p e l a p re s e n ça de e l e m e n t o s o bjetivos q u e p rovoq u e m
a c r e n ça p l a u sív e l ( s e r i a a p ró p ri a " base d a c o n f i a n ça" n o caso); c)
i n vesti m e nto d a c o n f i a n ça, c o m o o exe rcíc i o d e ativi d a d e s j u rí d i cas

1 82 . Sobre o ass u n to, SAR M ENTO, Daniel (org.). In teresses públicos versus in teresses privados. Daniel Sarmento
(org.). Rio de janeiro: Lumen j u ris, 2005.
1 83 . ÁVI LA, H u m berto. sesurança jurídica. Entre permanência, m u dança e real ização n o Di reito Tri butário. São Pau lo:
M a l h e i ros Ed., 201 1 , p . 360.
1 84. ÁVI LA, H u m berto. Sesurança jurídica, cit., 3 6 1 .
1 85. ÁVI LA, H u m berto. sesurança jurídica, cit., p. 36o.

1 38
N O R M A S F U N D A M E N TA I S DO P R O C E S S O C I V I L

s o b a c r e n ça d a c o n f i a n ça ( " e x e rcíc i o d a c o n f i a n ça"), d ) a i m p u ­


tação d a s i t u ação d e c o n f i a n ça à p e s s o a q u e s e rá ati n gi d a p e l a
p roteção a o c o n f i a n t e . '86

Estas n otas d i s t i n tivas p o d e m existi r e m m e n o r ou m a i o r grau n o


caso c o n c reto - o u m e s m o al g u m a d e l a p o d e n ão s e faz e r p re s e n te,
c o m o afi rma A n tô n i o M e n ezes C o rd e i ro . ' 87

( 1 ) Primeiro.
A base da confiança "trad uz-se n as n o rmas q u e servi ram de fu n d a m e nto para
a (i n )ação i n divi d ual". Exige-se a s u a "aptidão para servi r d e f u n d a m e nto para o
exe rcício d e d i re itos d e l i be rdade e p ro p riedade", i n d e p e n d e nte m e nte dos seus
req u i sitos d e val idade.
A base da confi a n ça é o ato n o rmativo - q ua l q u e r ato n o rmativo : lei, deci são
j u d icial ou ato ad m i n istrativo -, q u e serviu d e f u n dame nto para um d ete rm i n ad o
co m po rtam e nto d o sujeito.
O s atos defeituosos podem configu rar-se e m base d e confiança'88• Lei defeituo­
sa é espécie de ato j u ríd ico defeitu oso; decisão j u d i cial defeituosa, i d e m .
A base d e co nfiança co nfigu ra-se, n a prese n ça e m maior o u m e n o r grau, o u até
na ausência de algu n s d e les, dos seg u i ntes c ritérios - não há n ecessidade de p re ­
e n c h i m e nto de t o d o s e l es; os critérios servem c o m o parâm etros para avaliar a base
d a confiança e, ass i m , avaliar se e e m q ue medida a confiança deve ser p rotegida:
(i) grau d e v i n c u l atividade: q u anto maior fo r o grau d e v i n c u lação d o ato n o r­
m ativo, m a i o r d eve ser a expectativa d o j u ri s d i c i o n ad o q uanto ao seu c u m p ri m e nto
futu ro, já q u e m e n o r foi o seu poder de esco l h a e m e n o r foi a re partição d e risco
n a to mada da decisão (exe rcício d e l i be rdade - sob a o ri e ntação do p ró p ri o Di reito);
(ii) g rau d e aparência d e l egiti m i dade da base: não se analisa o "grau de
val idade d o ato", mas, s i m , se o ato teve aptidão para ser o bj eto da confiança de­
positada pelos s ujeitos (aq u i atua a p res u n ção d e validade dos atos n o rm ativos)'89;
(iii) grau de mod ificab i l idade da base: q uanto mai o r fo r o grau de p rete n são
d e p e rman ê n cia, mai o r deve ser a p roteção da confiança n e l e depositada - n ão se

1 86. CORDEI RO, Antô n i o Menezes. Litigância de má-fé, abuso d o direito de acção e culpa i n agendo. Coi m b ra: A l m e -
d i n a, 2006, p . 5 2 .
1 87 . CORDEI RO, Antô n i o Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. A l m e d i n a: Coi m b ra, 2007, p. 1 248.
1 88. ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p. 367-368.
1 89. "Tanto o ato estatal lícito q uanto o ilícito produzem efeitos concretos que não podem ser s i m plesme nte des­
considerados: aquele q u e confiou, sem negligência nem c u l pa, e m um ato estatal, em razão do q ual d i s pôs de
m a n e i ra i ntencional e irreversível da sua l i berdade e do seu patri m ô n io, deve ser p rotegi do, pouco i m portando
a i licitude do ato . " (ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p. 3 8 1 )

1 39
FREDIE DIDIER JR.

exige a p e r m a n ê n c i a e m si do ato, a s u a p rete nsão de p e r m a n ê n cia, e m contra p o n ­


to a o s atos transitórios, p o r exe m p l o 1 9°;
(iv) grau de efi cáci a no te m po : mai o r a p roteção da confian ça, q u anto mais
d u rado u ra tive r sido a eficácia da base191;
(v) g rau d e realização das fi nali dades da base: "q uanto maior o grau de rea l i ­
zação d a s fi n a l i dades s u bjace ntes à regra s u postamente vi o l ada, m a i o r d eve ser a
p roteção da confiança"192;
(vi) grau d e i n d u ção da base: q u anto m a i o r fo r o grau d e i n d u ção, i n ce ntivo da
base, mais d eve ser tutelada a confian ça, c o n s i d e ra n d o que " h á en3ano d o contri­
b u i nte, deco rre n te d e deslea ldade d o Poder P ú b l ico, que e m u m d i a i n ce n tiva, e e m
outro desco n s i d e ra" (gritos origi n ais)193;
(vii) grau de i n d ivi d u alidade: q uanto m a i o r a p roxi m i dade do s ujeito com o
ato, m aio r a p roteção da confian ça1 94;
(viii) grau de o n e rosi dade da base: d eve-se tutelar a confian ça, q u anto m a i o r
for a o n e rosi dade da base, val e dizer, q u anto m ais e l a crie ô n u s e des pesas a o
parti cu lar. 1 9 5
Esses critérios d eve m ser c o n s i d e rados co m o e l e m e ntos t i p o l ógicos, vale dizer,
" q u e n ão são i n divi d u a l m e nte, n e m n ecessários, n e m s uficientes, val e n d o para a
sua configu ração a visão d e co nj u nto"196• N as palavras d e Karl Lare n z, os ti pos d i s ­
t i n g u e m -se dos con ceitos j u sta m e nte por não exi gi r a p resença de todas a s suas
n otas d i st i ntivas, s e n d o re l evante, para a s u a caracte rização, a i m age m g l o bal n o
caso c o n c reto197• Te m -se a i d e i a d o sistema m óvel, e m q u e a ausência d e u m o u
m a i s e l e m e ntos n ã o o bsta a configu ração da base de confian ça.
Haverá base de confiança em sua ima3em 3lobal, quando houver "mais razões
para prote3er a confiança do que para não a pro te3er" 1 98•
(2) Se3undo.
A tutela da confian ça exige, o bviam e n te, a confian ça n a " base da confian ça",
val e dizer, l egít i m as expectativas no seu c u m p ri m e nto (futuro). Exige-se, n esse

1 90. ÁVI LA, H u m berto. Se!Jurança jurídica, c i t . , p . 38 1 - 383.


191. ÁVI LA, H u m berto. Se!Jurança jurídica, cit., p . 383-385.
1 92. ÁVI LA, H u m berto. Se3ura nça jurídica, cit., p . 385.
1 93 .ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p . 386.
1 94. ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p . 3 9 1 -392.
1 95 .ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p . 392-393.
1 96. ÁVI LA, H u m berto. Se!Jurança jurídica, cit., p . 372.
1 97. LARENZ, Karl. Metodo fo3ia da ciência do Direito. 3' ed. Trad u ção: )osé Lamego. F u n dação Calouste G u l be n ki a n :
Lisboa, 1 997, p . 655 e seq .
1 98. ÁVI LA, H u m berto. Se3urança jurídica, cit., p. 3 7 2

1 40
N O R M A S F U N D A M E N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

c o ntexto, o co n h eci m e nto da base, d e m o n stra n d o a re lação entre confiabi l idade


e cognosci b i l idade do D i reito. Não se pode confiar n o desco n h ecido. Q u a nto mais
s ó l i d a a i m agem global da base confian ça, ma ior a confiança legíti m a n e l a deposi­
tada '99•
(3) Terceiro.
É p reciso q u e o sujeito ten ha exe rcido a confiança na base, val e dizer, te n h a
exe rci d o a s u a l i b e rdade s o b a orie ntação do ato n o r m ativo e confian d o n o s e u c u m ­
pri m e nto futu ro. o cidadão d eve t e r t i d o d ete rm i n ada atuação em razão da base
d e confian ça'00• O exe rcíci o da confiança pode ser tam b é m u m a co n d uta negativa.
I m agi n e-se, por exe m p lo, q ue dete r m i nado ato n o rm ativo ise nta d ete rm i nados s u ­
j e itos de reco l h i m e nto d e tri b utos. A post u ra d e s i l ê n cio dos suj eitos s e r i a exercíci o
da confiança d e positada n o p r ó p r i o ato .
(4) Quarto
Se confi g u rada a situação d e confiança legíti ma - deco rrente da confiança exe r­
cida na base -, tal situação é me recedo ra de p roteção j u rídi ca, razão p o r q u e a s u a
frustração fut u ra por n ova manifestação estatal é ato i lícito. É n esse sentido q u e a
frustração da confiança é e l e m e nto fático da i n ci d ê n cia d o p ri n cípio da p roteção da
confian ça'0' .

2. 1 5.3. Princípio da proteção da confiança e o direito processual civil

Apresentada a visão geral s o b re o p ri n cípio da p roteção da confiança, é p re­


ciso esclarecer e m que medida e l e pode s e r co n s i de rado u m p ri n cípio d o Di reito
P rocessual Civi l .
Para tanto, é p reciso rele m b rar u m a p re m i ssa d este Curso: o p rocesso j u ris­
d i c i o nal civi l é um m e i o d e p ro d u ção d e n o rm as j u ríd i cas - é m e i o d e exe rcíci o
d e poder norma tivo . Pelo p rocesso, o ó rgão j u ri s d i c i o n a l p rod uz a n o rma j u ríd ica
i n d ividual izada, que regu l a o caso c o n c reto q ue lhe foi s u b m etido, e uma n o rm a
j u ríd i ca geral, construída a parti r d o caso co n c reto, q u e s e rve como m o d e l o para a
s o l u ção d e casos futu ros s e m e l h antes.
Ass i m , o p rocesso j u ri s d i c i o n a l é um p rodutor d e ato n o rmativo, o q ual pode,
c o m o q ua l q u e r ato n o rm ativo, s e rvi r d e base da confiança a ser p rotegi da.
Não bastasse isso, não se pode i g n o rar que a deci são j u dicial se caracte riza
pela aptidão d e revesti r-se de uma estab i l idade m u ito pecul iar: a coisa j u l gada.

1 99. ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, c i t . , p. 397-398.


200. ÁVI LA, H u m berto. Segurança jurídica, cit., p. 398-40 1 .
201 . ÁVI LA, H u m be rto. Segurança jurídica, cit., p. 401 -402.

1 41
FREDIE DIDIER JR.

S o m e nte decisões j u d i ciais podem torn ar-se i n d i s c utívei s pela coisa j u lgada. C o m o
visto aci m a, a estabi l i dade do ato n o rmativo q u e serve como base da confiança é
u m dos c ritérios para a aferição da n ecess i dade d e dar a essa confiança a adeq uada
p roteção j u ríd i ca.

Mas não é só: a d ecisão j u ri s d i c i o nal q ual ifica-se tam bém pelo fato d e ter s i d o
p roduzida e m contrad itório, após p rocesso e m q u e se confe re à s partes o poder
d e i nfl u e n ciar n o co nte ú d o da d ecisão (as pecto s u bstancial do contraditó rio) e e m
q u e s ã o garantidos os d i reitos p ró p rios a o d evido p rocesso l egal, como o d i reito a o
rec u rso.
Tu do isso faz com que a deci são j u ri s d i c i o n a l seja um ato nor mativo dos mais
"confiáveis".
A relação, portanto, e n t re o p ri n cípio da p roteção da confiança e o exe rcíc i o do
poder j u ri s d i c i o nal é evid e nte.

O princípio da proteção da confiança é um dos princípios que estruturam o


Direito Processual Civi/2°2•
Não é o caso d e faze rmos u m a análise de todas as c o n c retizações do p ri n cípio
da p roteção da confi a n ça n o âm bito do Di reito P rocessual Civi l . Convém, n este m o ­
m e n to, a p resentar u m a peq u e n a am ostra da i m portân cia deste p ri n cípio para esse
ram o do D i reito.

Eis algu n s exe m plos.


a) A p roteção da confiança é p ri n cípio do q ual deco rre o deve r de o tri b u nal
m o d u lar a eficácia da deci são que altera j u ri s p ru d ê n c i a co ns oli dada (o c h amado
overrulinB), resguard a n d o as posições j u rídi cas de q u e m h avia confiado n o ente n d i ­
m e nto q u e até e ntão p revalecia (so b re o overrulinB, v e r o v. 2 deste Curso) .
A p r o p ósito, conferi r o § 1 7 do art. 896-C da C LT, acrescentado p e l a Lei
n. 1 3 .01 5/20 1 4: "§ 1 7 . C a b e rá revi são d a decisão fi rmada e m j u lga­
m e nto de rec u rs o s repetitivos q u a n d o se a l t e rar a s i t u ação eco n ô m i ­
ca, social o u j u rídi ca, caso e m q u e s e rá res p e itada a s e g u rança j u rí­
d i c a das relações fi rmadas s o b a égi d e d a decisão a n t e r i o r, p o d e n d o
o Tri b u nal S u p e r i o r do Trabal h o m o d u l a r o s efeitos d a d ecisão q u e a
t e n h a alterad o . "

2 0 2 . j á s e v e m pe rce b e n d o i s s o n o Bras i l . H á o b ras d e D i reito P ro ce s s u a l C i v i l q u e c u i d a m d o t e m a : N E RY


JR., Nelson.

CARRAZZA, Roq u e Anto n i o . F E R RAZ )R., Té rcio Sam paio. Efeito e x n u n c e as decisões d o ST]. S ã o Pau lo: M a n e i e ,
2007, passim; WAM B I E R, Teresa A r r u d a Alvi m; M E D I NA, ) o s é M i g u e l Garcia. Parte 3eral e processo de conheci­
mento. São Paulo: RT, 2009, v. 1 , p. 47-48; CAB RAL, Anto n i o do Passo. Coisa jul3ada e preclusões dinâmicas.
Salvador: Editora jus Podivm, 20 1 3, p. 1 24, com referê ncias.

1 42
NORMA S F U N D A ME N T A I S DO P ROC E S SO C I V I L

H á q u e m entenda, ai n d a, que o p ri n cípio da p roteção da confiança i m põe tam ­


b é m o dever de o tri b u nal d e u n ifo rm izar a p ró p ri a j u ri s p ru d ê n cia203•
N ão p o r acaso, o §4o d o art. 927 d o CPC expressam e nte m en c i o n a o p ri n cípio
da p roteção da confiança c o m o base d o siste m a de p recedentes j u d iciais b ras i l e i ro .
b) O p ri n cípio da p roteção da confiança relaci o n a-se p roxi m a m e nte com o
s i ste m a d e i nvalidades p rocessuais, s o b retu d o para dificu ltar a decretação de i n ­
val idades o u l i m itar te m po ra l m e nte os efeitos da i nval i d ação, p reserva n d o algu n s
efeitos do ato i nvalidad0204• O te m a s e rá exa m i nado n o capít u l o s o b re i nvalidades
p rocessuais, n este vo l u m e d o Curso.
c) O p ri n cípio da p roteção da confiança pode servi r como f u n d a m e nto para
m o d u lação te m po ral dos efeitos d e u m a decisão q u e q u e b re o u relativize u m a esta­
b i l idade j u rídica. Trata-se d e coro lário desse p ri n cípio co n stitucional, q u e i n de p e n d e
de p revisão l egi s l ativa q u e exp ressam e nte o autorizeos .
É o caso, por exe m plo, da restrição da eficácia da decisão q u e resci n d e u m a
deci são tra n sitada e m j u lgado, desco n stitu i n d o a coisa j u lgada206, u m d o s íco nes
da esta b i l i dade j u ríd ica - s o b re o te m a, ver o capít u l o s o b re ação rescisó ria, n o v.
3 d este Curso.
d) Este p ri n cípio pode ser uti l izado co m o f u n d a m e nto para perm1t1r que o
ó rgão j u ri s d i c i o n al, sem p re q u e tive r d e reve r a estabi l i dade d e u m ato n o rm ativo,
possa estabelecer u m a "j u stiça de trans ição", com a form u l ação de regras d e tra n s i ­
ç ã o para m i n i m izar o i m pacto da q u e b ra da confi a n ça. S e r i a u m poder j u ri s d i c i o n a l
i m p l ícit0207, d eco rrente d o p ri ncípio da p roteção da confian ça208•

203. WAM B I ER, Te resa Arruda Alvim; M E D I NA, )osé M i g u e l Garcia. Parte seral e processo de conhecimento. São Pau l o :
RT, 2009, v . 1 , p . 47-48.
204. CABRAL, Anto n i o d o Passo. Coisa julsada e preclusões dinâmicas, cit., p . 539 e segs.
205. BARROSO, Luís Roberto. " M u dança da j u ri s p rudência do S u p re m o Tri b u n a l Federal e m matéria trib utária. Segu­
rança j u rídica e m o d u l ação dos efeitos t e m p o rais das decisões j u d i ciais". Revista de Direito do Estado. Rio d e
J a n eiro: Ren ovar, 2006, n . 2, p . 267- 269; ARA Ú JO, Valter S h u e n q u e n e r de. O princípio da proteção da confiança
Uma Nova Forma de Tutela do Cidadão Diante do Estado . Rio d e j a n e i ro: l m petus, 20 1 0, p. 1 88 - 1 92; CABRAL, An­
tonio do Passo. Coisa julsada e preclusões dinâmicas, cit., p . 542; CAM POS, Art h u r S o m b ra Sales. " M eca n i s m o s
d e proteção d a s expectativas legíti m as n o c a s o d e resci são da c o i s a j u l gada m aterial". Trabal h o d e concl u são
d e c u rso. U n iversidade Fede ral d a Bahia, 20 1 2, p . 82-86.
206. CABRAL, Anto n i o d o Passo. Coisa julsada e preclusões dinâmicas, cit., p . 540.
207. CABRAL, Anto n i o d o Passo. Coisa julsada e preclusões dinâmicas, cit., p . 5 2 1 , com a m p l as refe rê ncias. O autor
arremata: "Com efeito, m u itas decisões d e q u e b ra de esta b i l i dade devem ser aco m p a n h adas por regras d e
transição p a r a evitar u m a r u p t u ra d a s expectativas q u e pudessem ter s i d o criadas e m favor da manutenção
da posição estável, fac i l itando uma adaptação s u ave ao n ovo regram ento. Nesse sentido, a ed ição de regras
d e tra n sição não d eve ser vi sta ape nas como um poder estatal, mas como um dever decorrente da cláusula d o
Estado d e D i reito, com o co rre lato e respectivo d i reito i n d ividual". (CAB RAL, Antonio do P a s s o . Coisa julsada e
preclusões dinâmicas, cit., p. 5 2 1 .)
208. So bre as regras d e tran sição criadas p e l o ó rgão j u risdicional n o caso de q u e b ra da esta b i l i dade, i n d i s p e n sável
a leit u ra d e CAB RAL, Anto n i o d o Passo. Coisa julsada e preclusões dinâmicas, cit., p. 5 20-544.

1 43
FREDIE DIDIER JR.

O STF aplicou essa técn i ca n o j u lgamento d o caso d a d e m a rcação das terras


na reserva i n díge n a Raposa Serra do So l (STF, p l e n o , Pet. N. 3388/RR, rei. M i n .
Carlos Britto, j . em 1 9 .03 . 2009). Foram fixadas dezen ove regras de tra n s i ção
n este caso Reco m e n da-se a l e i t u ra dessa decisão.

Mais recentemente, o STF adotou essa téc n i ca de j u lgamento no j u lgamento


do RE n . 63 1 . 240- M G, j . e m 3 . 9 . 2 0 1 4, que c u i d ava da n ecessidade de o segu­
rado req uerer ad m i n i strativame nte o be n efício p revi d e n ciário. No caso, o di­
reito transitório regu laria a trans ição entre u m e n te n d i m e nto j u ri s p ru d e n cial
s u pe rado e o n ovo. A e m e n ta é autoex p l i cativa.

"s. Te ndo em vista a p ro l o n gada osci l ação j u ri s p r u d e n cial na m atéria, i n ­


c l u sive n o S u p re m o Trib u n a l Federal, deve-se estabe lecer u m a fórm u l a d e
t ra n s i ção para l i d a r c o m a s ações em c u rso, n o s termos a segu i r expos­
tos. 6. Quanto às ações aj u i zadas até a c o n c l usão d o p resente j u lgamento
(03.09. 2014), s e m que te n h a h avido p révio req u e r i m e n t o ad m i n i st rativo
nas h i póteses e m q u e exi gíve l , s e rá obs e rvado o segu i n te: (i) caso a ação
te n h a sido aj u i zada n o âmbito d e ju izado I t i n e ra n te, a a u s ê n c i a de an teri o r
p e d i d o ad m i n i strativo não deverá i m p l icar a ext i n ção d o feito; ( i i ) caso
o INSS já t e n h a a p resentado c o n testação d e m é rito, está ca racte rizado o
i n te resse em agi r p e l a resi stê n c i a à p reten são; ( i i i ) as d e m ais ações q u e
n ão se e n q uadrem n o s i t e n s ( i ) e ( i i ) ficarão sobrestadas, obse rva n d o - s e
a sistemática a segu i r. 7 . N a s a ç õ e s sobrestadas, o autor s e rá i n t i mado a
dar e n t rada n o p e d i d o ad m i n i st rativo e m 30 d i as, sob p e n a de ext i n ção d o
p rocesso. Co m p rovada a post u l ação ad m i n i strativa, o INSS s e rá i n t i mado a
se m a n ifestar ace rca do p e d i d o em até 90 d i as, p razo d e n t ro do q u al a Au­
tarq u i a deverá colher todas as p rovas eve n t u a l m e n te n ecessárias e p rofe ri r
decisão. Se o p e d i d o for aco l h i d o ad m i n i st rativa m e n t e o u não p u d e r ter o
s e u m é rito a n a l i sado devi d o a razões i m p utáve i s ao p r ó p r i o req u e re n te,
exti n g u e-se a ação. Do c o n t rário, estará caracterizado o i n te resse em agi r e
o feito deverá p rosseg u i r. 8. Em todos os casos aci m a - ite n s (i), ( i i ) e ( i i i )
-, tanto a a n á l i s e ad m i n i st rativa q u anto a j u d i ci a l deverão l evar e m c o n t a a
data do i níci o da ação c o m o d ata de e n t rada do req u e r i m e n to, para todos
os efe itos l egai s " .

A i m po rtância disso reve la-se com m u ita clareza nas decisões e m j u risdição
c o n stitucional - e o art. 27 da Lei n. 9.868/ 1 999 corro b o ra essa assertiva209•
Essa téc n i ca tam bé m pode ser uti lizada tam bé m n a m u dança de j u ri s p ru d ê n ­
cia (overruling).
A possi b i l i dade de o ó rgão j u risdicional i n stitu i r essas regras de tran s 1 çao
parte da p re m i ssa, q u e é a m e s m a d este Curso, q u e a j u ri s d i ção é u m a ativi dade

2 0 9 . A r t . 2 7 da L e i n . 9 . 868/ 1 999: " A o declarar a i n c o n stit u c i o n a l i d ade de l e i o u ato n o r m ativo, e t e n d o e m vi sta


razões d e segu rança j u rídica o u de excepc i o n a l i n teresse social, pod e rá o S upremo T ri b u n a l Federal, por
m a i o r i a d e d o i s terços d e s e u s m e m b ros, rest r i n gi r os efeitos daq u e l a declaração o u d e ci d i r q u e ela só
tenha eficácia a part i r d e s e u t râ n s ito e m j u lgado ou d e o utro m o m ento que ve n h a a s e r fixad o " . N o m e s m o
sentido, o a r t . 1 1 da Lei n . 9.882/1 999, q u e t rata da argui ção d e desc u mpri m e n to d e preceito f u n d a m e ntal,
e o art. 4• da Lei 1 1 . 4 1 7 / 1 999, que trata d o proced i m e n to para a e d i ção d e s ú m u la v i n c u l a n t e .

1 44
NORMAS F U N D A ME N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

criativa, ai n d a que l i m itada - o te m a s e rá exa m i n ad o com mais vagar n o capít u l o


s o b re j u risdição .

3. REGRAS

3.1. Regras da instauração do processo por iniciativa da parte e de desenvolvi­


mento do processo por impulso oficial
O art. 2° d o CPC con sagra d u as regras tradi c i o nais em n osso d i reito p rocessual
civi l : a i n stau ração do p rocesso cabe à parte e o desenvo lvi m e nto do p rocesso é
p o r i m p u lso ofi c i a l . o CPC alça-as ao sta tus d e n o rm as fu n da m e ntais do p rocesso
civi l b ras i l e i ro.
Vamos exa m i nar cada uma dessas regras.

3. 1 . 1 . Instauração do processo por iniciativa da parte

A p ri m e i ra parte do art. 2° ratifica a trad i ção do p rocesso civi l b ras i l e i ro : o


p rocesso com eça por i n iciativa da parte. A f u n ção j u risdicional deve ser p rovocada
pelo i nteressado para q u e possa atuar.
Algu m as observações se i m põ e m .

a ) N o CPC- 1 973, o a rt. 9 8 9 perm itia q u e o j u iz d esse i nício a o p rocesso de i n ­


ventário. E s s e d i s positivo costu m ava s e r uti l izado co m o exe m p l o de regra excetua­
d o ra da regra gera l . S u cede que o CPC-20 1 5 n ão tem e n u n ciado s e m e l h a nte; ass i m ,
n ão h á m a i s essa exceção e m nosso p rocesso civi l .
b) O j u i z pode i n stau rar a execução d e sente n ça q u e i m põe prestação de fazer,
n ão-fazer o u dar coisa disti nta de d i n h e i ro (arts. 536 e 5 38, CPC). Não há n ecessidade
de p rovocação da parte. O mesmo n ão acontece com a execução de sentença para
pagamento de q uantia, q u e depende de provocação da parte (art. 5 1 3, § 1 °, CPC).

c) H á i n ci d e ntes p rocessuais a q u e o ó rgão j u lgador pode dar i nício, sem n e ­


cessidade d e p rovocação da parte: i n ci d e nte d e reso l u ção de d e m a n das re petitivas
(art. 976, CPC), confl ito d e com petê n cia (art. 95 1 , CPC), i n ci d e nte d e arg u i ção de
i n c o n stit u c i o n a l i d ade (art. 948, CPC).

3. 1 .2. Desenvolvimento do processo por impulso oficial

A segu n d a parte d o art. 2° tam b é m ratifica a tradição do p rocesso civi l b ras i l e i ­


ro : u m a v e z i n stau rado, o p rocesso dese nvolve-se p o r i m p u l so ofi cial, i n d e p e n d e n ­
te m e nte de n ovas p rovocações da parte.

1 45
FREDIE DIDIER JR.

Al g u m as o bservações são n ecessárias.


a) A regra do i m p u lso ofi cial não i m pede q u e o autor s i m p l e s m ente desista
da d e m a n d a e, com isso, o p rocesso seja exti nto sem exa m e do m é rito (art. 485,
VI I I , CPC). A vedação à desistênCia da d e m a n d a é re g ra exce pcion alíssi m a e d eve
deco rre r de p revisão expressa.
b) Conforme vi sto, h á o p ri n cípio de res peito ao autorregramento da vo n tade
no p rocesso, q u e i m põe uma n ova co m p reen são da regra do i m p u lso ofi cial. É q ue,
ago ra, é possíve l q u e as partes reestruturem n egocial m e nte o a n d a m e n to do p ro­
cesso, com base n o art. 1 90 do CPC. N essa reestrutu ração, é possíve l que as partes
l i m item a atu ação ofi cial d o ó rgão j u lgador. O art. 1 90 será exa m i n ad o n o capít u l o
s o b re a Teo ri a d o s Fatos j u ríd icos P rocess uais.
c) O d eve r de i m p u lso ofi cial n ão se este n d e à fase rec u rsal, cuja i n stau ração
d e p e n d e de p rovocação do i n te ressado.
d) A regra é i m po rtante, ai n da, para a s o l u ção do p ro b l e m a da prescrição
in tercorren te, q u e é aq uela q ue se concretiza d u rante a tramitação do p rocesso.
Como o p rocesso deve dese nvolver-se por i m p u lso oficial, se a d e m o ra d o processo
for i m p utada à má- p restação do serviço j u ri s d i c i o n al, a p rescrição i ntercorrente n ão
poderá ser con h ecida - n . 1 06 da s ú m u la do STj : " P roposta a ação n o p razo fixado
para o seu exercício, a d e m ora na citação, por m otivos i n e re n tes ao m ecan i s m o da
j u stiça, não j u stifica o aco l h i m e nto da argui ção de p rescri ção ou decad ê n cia".

3.2. Reg ra da obediência à ordem cronológica de conclusão

3.2. 1. Generalidades

Co m o fo rma d e concretizar o p ri n cípio re p u b l i ca n o da igualdade, o art. 1 2


do CPC i m põe q u e o j u i z observe a ordem c ro n o l ógica d e concl usão d o p rocesso,
q u ando fo r p rofe ri r u m a deci são fi n a l . Em certo sentido, a regra tam b é m co n c retiza
o p ri n cípio da d u ração razoáve l do p rocesso, pois d i sci p l i n a o te m p o da decisão,
evitan d o q u e p rocessos co n c l u sos h á m u ito te m po ten h am seu desli n d e p ro l o n gado
i n d efi n i d a m e nte>'0•
Co n c l u são do p rocesso é o ato e m q u e o escrivão o u c h efe de secretária (ou
outro servidor) certifica q u e o p rocesso está p ro nto para a deci são j u d i cial, pois

2 1 0. CABRAL, Anto n i o do Passo. "A d u ração razoável d o p rocesso e a gestão d o t e m p o no p rojeto de n ovo Código
de Processo Civi l " . Novas Tendências do Processo Civil- estudos sobre o projeto do Novo Códi!Jo de Processo
Civil. Alexa n d re Frei re; B r u n o Dantas; Dierle N u n es; Fredie D i d i e r ] r.; ]osé M i g u e l Garcia M e d i na; Luiz Fux; Luiz
Henrique Vo l pe Camargo; Pedro M i randa de O l ive i ra (org.). Salvad or: Editora jus Podivm, 20 1 3, p . 90-9 1 . Ass i m ,
tam b é m , THEODORO ] r., H u m be rto; N U N ES, D i e rle; BAH IA, Alexand re; P E D R O N , Flávio Q u i n a u d . Novo CPC - fun­
damentos e sistematização . Rio de J a n e i ro : Forense, 20 1 5, p . 1 45 .

1 46
NORMA S F U N D A ME N T A I S DO P R O C E S S O CIV I L

nada mais h á para ser feito; por isso, os autos (eletrô n icos o u n ão) são "entregues"
(eletro n i ca m e nte o u n ão) ao gab i n ete d o j u iz, para que e l e p rofi ra a decisão. Pela
regra, o j u iz d eve j u lgar d e acordo co m a o rd e m c ro n o l ógica da conc l u são: o p roces­
so q ue p ri m e i ro ficar co n c l uso é o que p ri m e i ro s e rá j u lgad o . A l ista de p rocessos
aptos a j u l ga m e n to d eve rá estar permanenteme nte à d i sposição para c o n s u lta p ú ­
b l i ca em cartó rio e n a rede m u n d i a l de co m p utado res (art. 1 2, § 1 °, CPC).
A regra a p l i ca-se aos j u ízes e tri b u nais, d e q ua l q u e r i n stân cia, mas s o m e nte
se refe re às decisões finais - senten ças ou acó rdãos fi nais (art. 1 2, caput, CPC).
Ass i m , ficam exc l u ídas as deci sões i nte rlocutó rias ( p roferidas pelo j u iz)2 1 1 e os acór­
dãos in terlocutórios (acórdãos q u e não ence rram o p rocesso, como, por exe m plo,
o acó rdão para exa m i n a r pedido de tutela p rovi s ó ri a em ação d i reta d e i n co n stitu­
cionalidade).

3.2.2. Regras que excetuam o dever de respeito à ordem cronológica de conclusão

O §2o do art. 1 2 traz u m a série d e exceções a essa regra. Essas exceções j u s ­


tificam-se c o m o form a d e p o n d e rar o p r i n cípio da igualdad e, lastro d o res peito à
ordem cro n o l ógica, com os p r i n cípios da eficiên cia e da d u ração razoáve l d o p roces­
so (ago ra, por o utro ângulo). Segue m as exceções p revistas n o § 1 o do art. 1 2, com
peq u e n os co m e ntári os.
as sen tenças proferidas em audiência, homologa tórias de acordo ou de
I -
improcedência lim inar do pedido.
São situações e m q u e a d ecisão final pode ser t o m ad a prontame nte, s e m
m a i o r dificu ldade. A razoab i l idade i m põe q u e estej a m fo ra d o âm bito d e i n cidência
da regra d e observân cia d a ordem c ro n o lógica.
11- o julg amen to de processos em b loco para aplicação de tese jurídica firmada
em julgamen to de casos repetitivos (inciden te de resolução de demandas repetiti­
vas, art. 976 e segs., CPC; julg amen to de recursos extraordinários ou especiais repe­
titivos, arts. 1.036-1.041 e segs., CPC, conforme dispõe o art. 928 do CPC).
Nesses casos, agru pam-se p rocessos para q u e seja a p l i cada a tese j u ríd ica f i r­
m ada. A decisão em b l oco, para casos ass i m , é u m a i m po rtante téc n i ca d e acel e ra­
ção dos p rocessos e, tam b é m , d e garanti r a i s o n o m ia. Desse m odo, é possível re u ­
n i re m -se p rocessos co n c l usos e m datas bem difere n tes, d e s d e q u e t o d o s vers e m
s o b re a m e s m a tese j u rídica a ser a p l i cada. N ote, tam b é m , q u e e s s e agru pame nto

2 1 1 . E m s e n t i d o d iverso, e n t e n d e n d o q u e a regra t a m b é m se a p l ica a decisões i nterlocutórias, CABRAL, Anto n i o d o


P a s s o . "A d u ração razoável d o p rocesso e a gestão do t e m p o n o p rojeto de n ovo C ó d i g o d e Processo Civi l " ,
cit., p. 90.

1 47
FREDIE DIDIER JR.

s o m e nte se j u stifica se fo r para j u lgar o s casos: q u e b ra-se o res peito à o rd e m cro­


n o l ógica para fim de j u lgam ento de todos os p rocessos re petitivos.
111 - o julsamen to de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de de­
mandas repetitivas.
Nesse i n ciso, o CPC criou d uas n ovas h i póteses de p rocesso prio ritário, am bas
de com petê ncia de tri b u nais. o j u lga m e nto de recu rsos re petitivos co m pete ao STF
ou ao STJ , conforme o caso (o te m a será exa m i n ad o no v. 3 deste Curso). O j u lga­
m e nto do i n ci d e nte de res o l u ção d e deman das re petitivas com pete ao Tri b u nal de
j u stiça o u ao Tri b u n a l Regi onal Fed e ral (o tema é exa m i n ado n o v. 3 deste Curso).
Essa p refe rê n cia legal d eve observar o dis posto n o § 3o do m e s m o art. 1 2 : é preciso
criar uma l i sta de co n c l usão para as p referê n cias legais; assi m , deve h ave r uma l i sta
de co n c l u são dos i n ci d e ntes de reso l u ção de d e m andas re petitivas e u m a l i sta de
j u lgam ento de rec u rsos es peciais o u extrao rd i n ários re petitivos.
IV- as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932.
Confo r m e disse anterior me nte, estando o p rocesso em tri b u nal, s o m ente os
acórdãos finais se s u b m etem à regra de observância da o rd e m cro n o l ógica de con­
c l u são. Decisões do relator, profe ridas com base n o art. 9 3 2 do CPC, estão fo ra d o
â m b ito de i n cidência da regra. Tam bé m estão fora da i n ci d ê n cia a s decisões q ue
exti ng uem o p rocesso sem res o l u ção do m é rito (art. 485 do C PC), sejam sente n ças
( p rofe ridas por j u iz), sejam acórdãos. S o b re as decisões do relato r, conferi r o v. 3
deste Curso. S o b re as decisões q u e exti nguem o p rocesso sem reso l u ção de m é rito,
ve r este v. do Curso, capít u l o s o b re a exti n ção do p rocesso.

v- o julsamento de embarsos de declaração .

O j u lgame nto dos e m bargos de declaração i ntegra o j u lgamento q u e em barga­


do; é um co m p l e m e nto d e l e, u m a s u a conti n u ação. Por isso, rea l m e nte n ão h averia
sentido e m pôr o p rocesso, que já fora senten ciado, para o fim da l i sta. Fez b e m o
legislad o r e m excepcionar essa situação.

VI- o julsamento de asravo in terno.

Pela m e s m a razão, o j u lga m e nto do agravo i nterno, recu rso i nterposto contra
deci são de re lator, fica fo ra do âm bito de i n ci d ê n c i a dessa regra f u n d a m ental . O
caso já foi j u l gado; o ag ravo i n t e r n o l eva a qu estão para a revisão d o co l egiado a
q u e pert e n ce o relato r; ade m ais, c o m o se viu, os casos e m q u e se perm ite a deci são
do relator (art. 932, CPC) estão fo ra da i n cidência da regra de observân cia da o rd e m
c ro n o lógica - n at u ral q u e o j u lgamento do agravo i nterno, verdadei ro p ro l o n gam e n ­
t o d o ju l ga m e nto feito u n ipess oal m e nte p e l o re lator, tam bé m estivesse.

VIl - as preferências lesais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional


de justiça .

1 48
NORMAS F U N D A ME N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

Esse i n ciso exce p ci o n a as p refe rên cias legais"', que co m po rão uma l i sta p ró­
p ri a (art. 1 2, § 3o, CPC) e as m etas do Conse l h o Nacional de j u sti ça, q ue cost u m a
estabelecer p ri o ridades de j u lgam ento d e processos aj uizados até dete rm i n ad o ano,
por exe m p lo . C o m o o desres peito a m etas d o CNJ pode ser considerado i nfração
disci p l i n ar, o legislad o r h o uve por bem criar mais essa exceção.

VII I - os processos criminais, nos ór3ãos jurisdicionais que tenham competên­


cia penal.
Há j uízos q u e pos s u e m com petê ncia cíve l e c ri m i n al - m u ito co m u m n as pe­
q u e n as co m a rcas ou s u bseções j u d i ciárias, o n d e h á apenas u ma vara. O i n ciso
esclarece q ue a regra da observância da ord e m d e co ncl usão se refe re apenas aos
p rocessos civis.
I X - a causa que exija ur3ência no jul3amen to, assim reconhecida por decisão

fundamen tada.
F i n a l m e nte, certa m e nte p reocu pado com situações excepcionais não reg u ladas
n a exte nsa l i sta d este §2o d o art. 1 2, o legislad o r resolveu estabelecer u m a regra ge­
ral excetuadora: s e m p re q u e h o uver u rgên cia, reco n h ecida por decisão f u n d a m e n ­
tada, p o d e o ó rgão j u risdicio nal j u lgar dete rm i n ado processo, ignora n d o a o rd e m
c ro n o l ógica de co ncl usão. O i n te ressado p o d e req u e re r i s s o a o j u iz, d e m o n stra n d o
a u rgência. Req u e rerá, então, u m a t u t e l a de u rgência, q u e n o caso vi rá co nju nta­
m e nte com a sentença (o q u e é possíve l, nos termos do art. 1 .0 1 2, § 1 °, V, CPC). A
decisão q u e n egar esse ped i d o estará, portanto, n egan do u m a tute la de u rgê ncia;
p o r i sso, será i m p ugnável por agravo d e i n stru m e nto (art. 1 .0 1 5, I , CPC).
O §6o d o art. 1 2 estabelece p rocessos prio ritários, que devem "fu rar" a fi la, para
ocu par o p ri m e i ro l ugar da l i sta - perceba, eles "fura m " a fila, mas entram nela. São
eles: a) p rocesso q u e tiver sua sente n ça o u acordão a n u lado, salvo q ua n d o h o uve r
n ecessidade de realização de d i l i gên cia o u de co m p l e m e ntação da i n stru ção; b)

2 1 2 . A p ro pósito, o art. 1 .048 d o CPC: "Te rão p r i o ridade d e tram itação em q ua l q u e r j uízo o u tri b u n a l os p roced i m e n ­
t o s j udiciais: I - e m q u e figure c o m o parte o u i n t e ressado pessoa com i d a d e i g u a l o u s u p e r i o r a 6o (sessenta)
anos ou p o rtad o ra de doença grave, ass i m co m p reendida q u a l q u e r das e n u m e radas no a rt. 6°, i n ciso XIV, da
Lei no 7 . 7 1 3, de 22 de deze m b ro de 1 988; 11- regu l ados pela Lei no 8.069, de 1 3 de j u l h o de 1 990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente). § 1° A pessoa i n t e ressada na o btenção do ben efício, j u ntando p rova de s u a c o n d i ­
ç ã o , deverá req u e rê-lo à autoridade j u d i ciária com petente p a r a deci d i r o feito, q u e dete r m i n ará ao cartó rio d o
j u ízo a s p rovid ê n cias a serem c u m p ridas. § 2° Deferida a p r i o ri d ade, os a u t o s rece berão identifi cação p r ó p r i a
q u e evi dencie o regi me d e tram itação p r i o ritária. § 3° C o n c e d i d a a prioridade, essa n ã o cessará com a m o rte
do beneficiado, estenden do-se e m favor do cônjuge s u p é rstite o u d o compan h e i ro e m u n ião estáve l . § 4° A t ra­
m itação prio ritária i n d e p e n d e d e deferi m e nto p e l o ó rgão j u ri s d i c i o n a l e deverá ser i m e d i atamente concedida
d iante da p rova da condição d e b e n eficiário". Dois outros exemplos. O a rt. 20 da Lei n . 1 2 . 0 1 6/2009 determ i n a
a prioridade d o man dado de segu rança s o b re todos os d e m a i s p rocessos, ressalvado o habeas corpus. O art.
19 da Lei n. 9.507/1 997 dete r m i n a a p r i o ridade d o ha beas data s o b re todos os d e m ais p rocessos, ressalvados
o mandado d e segu rança e o habeas corpus.

1 49
FREDIE DIDIER JR.

q ua n d o ocorre r a h i pótese do art. 1 .040, i n ciso 1 1 , CPC, para q u e o tri b u nal possa
rea p reciar a causa e a p l i car a tese j u ríd ica fi rmada pelo tri b u nal s u perior.
Co m o forma de evitar co n d uta ard i losa da parte q u e p rete n d a i m pe d i r q u e a
causa sej a j u l gada, q ua l q u e r req u e ri m e nto fo rm u lado, após a i n c l usão do p rocesso
n a l ista, n ão altera a ordem cro n o l ógica para a decisão, exceto q ua n d o i m p l icar a
reabertu ra da i n stru ção o u a co nve rsão do j u l ga m e nto e m d i ligência (art. 1 2, §4o,
CPC). Deci d i d o esse req u e r i m e nto, o p rocesso retornará à m e s m a posi ção em q u e
anterio rm e nte se e n contrava n a l i sta (art. 1 2, § so, CPC).

3.2.3. Calendário processual e dever de observância da ordem cronológica de


conclusão

H á outra q u estão i m po rtante: co m o c o m pati b i l izar a poss i b i l idade de cale n dá­


rio p rocess u al, aco rdado pelo j u iz e pe las partes (art. 1 9 1 ), com o res peito à o rd e m
cro n o l ógica de co n c l usão? Seria possível p revi r n o cal e n dário u m a data para a p ro­
lação da sentença, sem o b se rvância da ordem c ro n o l ógica?
Co m o u m a co nve n ção p rocessual não pode lesar tercei ros, há d uas alte rnati­
vas : a) o u n o calendário se marca uma audiência para a p ro l ação da sentença, de
m odo a q ue se s u b s u m a à regra exceptuad o ra do i n ciso I do § 2° do art. 1 2; b) o u a
p ro l ação da sente n ça n ão é ato q u e possa ser i n serido n o cal e n dári o .

3.2.4. Consequências do descumprimento da regra

Qual a con seq u ê n c i a q u e deco rre da i n o bs e rvância desta regra? A q u estão não
é si m p les. N ão parece ser o caso d e n u l i dade da d ecisão - não há real m e nte sentido
e m i nvalidar a deci são n este caso: o desrespeito à ordem c ro n o l ógica n ão p rej u d i ca
n e n h u m a das partes.
o p rej uízo é d e tercei ros, cujo p rocesso estava e m posi ção p ri o ritária n a l i sta.
Esse p rej uízo d o tercei ro não l eva à exi stê ncia d e um " i nteresse j u ríd i co", a j u stifi­
car o recu rso d e tercei ro com o p ropósito d e i nvalidar a deci são; essa deci são não
tem por o bj eto q u a l q u e r d i reito d o te rceiro . O tercei ro pode rá, n o e ntanto, re p rese n ­
tar, perante o respectivo tri b u n al e o Conse l h o N aci o n al de j u stiça contra o j u i z q u e
deso bedeceu a o co m a n d o do art. 1 2, para a t o m ada d e p rovi dênci as de n atu reza
ad m i n i st rativa.
É possíve l, poré m , cogitar a poss i b i l i d ade de u m a das partes, certa m e nte a
p rej u d i cada c o m a deci são, su scitar q u e o desres peito à o rdem cro n o lógica l eva ao
reco n h eci m e n to da s u s p e i ção do j u i z q ue p roferi u a deci são (art. 1 45, IV, CPC). N ão
n o s parece possíve l dizer q u e esse desres peito l eve, por si, à s u s p e i ção; mas e l e
pode ser considerado u m i n dício de s u s pe i ção. Reco n h ecida a suspeição, a decisão

1 50
NORMAS F U N D A ME N T A I S DO P R O C E S S O C I V I L

p rofe rida s e ri a n u la, por esse m otivo, n ão pelo d e s respeito à ord e m c ro n o l ógica
(art. 1 46, §6°, CPC).

3.2.5. Extensão da regra à atuação do escrivão ou chefe de secretaria

A regra seria esvaziada se o escrivão o u c h efe d e secretaria tam bé m a ela não


se s u b m etesse. E ra p reciso este n d e r a regra d e o b s e rvân c i a da ord e m cro n o lógica
a esses auxi l iares da j u stiça.
É por isso que o art. 1 5 3 do CPC d eterm i n a "o escrivão o u ch efe d e secretari a
d eve rá o bedecer à ordem c ro n o lógica d e rece b i m e nto para p u b l i cação e efetivação
dos p ro n u n ci a m entos j u d iciais". Do m e s m o m odo, a l i sta de p rocessos rece bidos
d eve rá s e r d i s p o n i bi lizada, d e fo rma permane nte, para c o n s u lta p ú b l ica (art. 1 5 3,
§ 1 o, CPC).
À s e m e l h an ça do que oco rre e m re lação aos ó rgãos j u ri s d i cionais, h á tam b é m
exceções a e s s a regra. A s exceções, p o rém, s ã o e m m e n o r n ú mero, apenas d uas:
a) os atos u rgentes, ass i m reco n h ecidos pelo j u iz n o p ro n u n ciamento j u d i cial a ser
efetivado; b) as p refe rê n cias legais (art. 1 5 3, §2o, CPC). E m todo o caso, d eve rão ser
formadas l istas p ró p rias d e decisões a c u m p ri r, e m o rdem c ro n o l ógica, e m situações
d e u rgência e nas prefe rê n cias legais (art. 1 5 3, § 3o, CPC).
A parte que se c o n s i d e rar p rete rida na ordem cro n o l ógica poderá reclamar, nos
p ró p rios autos, ao juiz da causa, que req uisitará i nformações ao servi d o r, a serem
p restadas n o p razo d e d o i s d i as (art. 1 5 3, §4°, CPC). Con statada a p reterição, o j u iz
dete r m i n a rá o i m ediato c u m p ri m ento do ato e a i n stau ração d e p rocesso ad m i n is­
trativo disci p l i n a r contra o servid o r (art. 1 53, § 5o, CPC).

3.2.6. Direito transitório

Para reg u l a r a tra ns ição entre o regi m e do CPC/ 1 97 3, e m q u e não h avia essa
regra f u n d a m e ntal, e o regi m e atual, o §5o d o art . 1 .046 d eterm i n a que a p ri m e i ra
l i sta d e p rocessos para j u l ga men to e m o rdem cro n o lógica observará a antiguidade
da d i stri b u i ção entre os j á co n c l u sos n a data da e n t rada e m vigor d este Código .

4 . NORMA F U N DAMENTAL DE I NTERPRETAÇÃO D O CÓDIGO DE P ROCESSO


CIVI L: O POSTULADO HERMENÊ UTICQ213 DA UNIDADE DO CÓDIGO
N o s estudos sobre a i nterpretação constitucional, foi desenvolvi d o o postulado
da unidade da Constituição.

2 1 3. S o b re os postulados h e r m e n ê uticas de um modo geral, ÁV I LA, H u m berto. Teoria dos princípios. 1 2• ed. São
Pau l o : M a l h e i ros Ed., 201 1 , p . 1 3 5- 1 44.

151
FR E D I E D I D I E R J R .

De acordo c o m esse postu lado h e r m e n ê uti ca, a Co nstit u i ção deve s e r i nter­
p retada c o m o u m todo n o rmativo, d e modo a serem evitadas anti n o m ias entre as
n o rm as extraídas da p ró p ria C o n stitui ção"4• O d i reito não se i nterpreta e m tiras,
conform e co n h ecida l i ção de E ros Grau"5; m u ito m e n o s a Constit u i ção.
O mesmo se a p l i ca à i nte rpretação do Código de P rocesso Civi l .
O Cód i go d eve s e r i nterpretad o c o m o u m conj u nto de n o rm as o rgâ n i co e coe­
re nte. S u rge daí o postulado in terpretativo da unidade do Códi30.
U m exe m plo.
O i n ciso I d o art . 3 3 2 d o CPC fala e m s ú m u la d e tri b u nal s u perior, ao perm iti r a
i m p roced ê n ci a l i m i n a r do ped i d o . S u cede q u e o i n ciso IV d o art. 927 d o CPC deter­
m i n a a vi n c u lação d o ó rgão j u ri s d i c i o n a l a p e n as aos e n u n ciados da s ú m u l a d o STF
em m atéria c o n stit u c i o n a l e aos da s ú m u l a d o STJ e m m atéria i n f raco n stit u c i o nal;
essa restri ção n ão aparece, poré m , n o art . 332 d o CPC. Para fim de h a r m o n izar os
d i s positivos do Cód i go, que d eve ser i n terpretado co m o uma u n i dade, s o m e nte
é perm itida a i m p roced ê n c i a l i m i nar do p e d i d o q u e contrariar s ú m u la do STF e m
m atéria co n stituci o n a l e s ú m u l a do STJ e m m atéria i nfraco n stitu c i o n a l (legi s l ação
fed e ral).
H á diversas outras situações e m que esse postu lado terá de ser a p l i cado. Ao
l o n go d o Curso e las aparecerão .

2 1 4. "O p r i n cí p i o da u n idade da c o n stitu i ção gan h a relevo autó n o m o como princípio i nterp retativo q u ando com
e l e se quer sign ificar que a c o n stituição deve s e r i nterp retada de forma a evitar contradições (anti n o m i as,
antago n i s m os) e ntre as s u as n o rmas. Como ' p o nto de orie ntação', 'guia de disc ussão' e 'facto r h e r m e n ê utica
de decisão', o pri ncípio da u n idade o b riga o i ntérprete a consid erar a constitu ição na s u a globali dade e a
p rocu rar harmon izar os es paços de tensão existentes entre as n o rmas constitucionais a con cretizar (. .. ) Daí
que o i ntérprete deva s e m p re c o n s i d e rar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas,
mas s i m como p receitos i ntegrados n u m sistema interno u n itário de n o rm as e pri n cípios". (CANOTlLHO, )osé
Joaq u i m Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6• ed. Lisboa: A l m e d i n a, 2002, p . 1 . 209- 1 . 2 1 0.)
2 1 5 . G RAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a in terpretação/aplicação do direito. 5' e d . São Pau l o : M a l h e i ros Ed., 2009,
p. 1 3 1 - 1 3 2.

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