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Hachi significa “oito”. Dainin significa “um grande ser humano”, isto é, um Buda. E kaku,
pronunciado aqui como gaku, significa “uma reflexão ou verdade intuída”. O Buda Gautama
pregou as oito verdades de um grande ser humano logo antes de morrer, e elas estão registradas
no Yuikyo-gyo (O Sutra dos Ensinamentos Transmitidos como Herança); foram seus últimos
ensinamentos. Mestre Dogen pregou este capítulo quando sentiu que sua morte estava próxima, e
em seu caso também foi seu último ensinamento. Este capítulo é portanto o último na edição de 95
capítulos do Shobogenzo.
[introdução de Gudo Wafu Nishijima e Chodo Cross, tradutores para o inglês do Shobogenzo)
Budas são grandes seres humanos. O Dharma que grandes seres humanos
manifestam é portanto chamado de “as oito verdades de um grande ser humano”.
Realizar este Dharma é a causa do nirvana.
Disse o Buda, “ Se vocês monges praticarem o esforço correto, nada será difícil.
Por esta razão vocês devem praticar o esforço correto – como um fiapo de água
que continuamente flui é capaz de perfurar a rocha. Se a mente de um praticante
frequentemente se cansa e larga a prática, isso é como uma pessoa que esfrega
gravetos para produzir fogo e pára antes deles esquentarem: mesmo que essa
pessoa deseje obter fogo, o fogo assim não é passível de ser obtido. Isto se
chama “esforço correto”.
Disse o Buda, “ Para vocês monges que buscam bons conselheiros e buscam
seus bons auspícios, não há nada como não perder a atenção plena. Se pessoas
possuem a capacidade de não perder a atenção plena, os bandidos da aflição são
incapazes de invadi-la. Por esta razão, vocês devem continuamente regular os
pensamentos e mantê-los em seu devido lugar na mente. Aqueles que perdem a
atenção plena perdem todas as virtudes. Se seu poder de atenção plena for sólido
e forte, mesmo se você caminhar entre os bandidos dos cinco desejos você não
será ferido por eles – é como entrar em um campo de batalha vestido com sua
armadura e não tendo nada a temer. Isto se chama “não perder a atenção plena”.
Disse o Buda, “ Se vocês monges regularem a mente, ela então existirá no estado
de equilíbrio. Porque a mente existirá em estado de equilíbrio vocês serão
capazes de conhecer a forma-Dharma do aparecimento e desaparecimento do
mundo. Por esta razão vocês devem continuamente fazer o esforço correto ao
praticar todas as formas de equilíbrio. Quando uma pessoa alcança o estado de
equilíbrio a mente não se dissipa. É como uma residência que valoriza a água
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Também é a quarta paramita.
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É a quinta paramita.
consertando com atenção um dique. Os praticantes também são assim. Tendo em
vista a água da sabedoria, atenciosamente praticamos o estado equilibrado de
dhyâna e prevenimos o escoamento da água da sabedoria. Isto se chama de
“estado de equilíbrio”.
Disse o Buda, “ Se vocês monges tiverem sabedoria, então estarão sem cobiça
nem apego. Através de contínua reflexão e observação sobre si mesmos, evitarão
que a sabedoria se perca. Isto é somente ser capaz, dentro do meu Dharma, de
atingir a libertação. Se vocês não forem assim, já serão diferentes das pessoas da
verdade5 e também diferentes daqueles vestidos de branco6; não haverá nome
para vocês. Verdadeiramente a sabedoria é um barco resistente com o qual cruzar
o oceano do envelhecimento, da doença e da morte. É como uma grande e
brilhante tocha para iluminar a escuridão da ignorância; é um bom remédio para
todos os doentes; e é um afiado machado para decepar as árvores da angústia.
Por esta razão, vocês devem ouvir, refletir e praticar a sabedoria, dessa forma
desenvolvendo a si mesmos. Se um ser humano possui a luz da sabedoria, ele ou
ela é – apesar de terem olhos de carne – um ser humano de clara visão. Isto se
chama “sabedoria”.
Estas são as oito verdades de um grande ser humano. Cada uma está
equiparada às demais, podendo assim existir sessenta e quatro. Quando as
estendemos, podem ser incontáveis. Se as resumirmos, serão sessenta e quatro.
São a última pregação do grande Mestre Shakyamuni, são a instrução do Grande
Veículo; e são o supremo canto do cisne do Buda, no meio da noite do décimo
quinto dia do segundo mês. Depois disso, ele não mais prega o Dharma, e
finalmente adentra o pari-nirvana.
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A sexta paramita, a sabedoria trascendental, não-dualista, não-discriminativa.
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Donin, monges e monjas.
6
Byaku-e, leigos e leigas.
Desde então os discípulos do Tathâgata infalivelmente aprendem esta instrução.
Aqueles que não a praticam nem aprendem, e que não a conhecem, não são os
discípulos do Buda. Ela é o tesouro do olho do verdadeiro Dharma do Tathâgata e
a mente excelente do nirvana. Mesmo assim, muitos não a conhecem hoje em dia
e poucos a escutaram ou viram; é devido aos truques dos demônios que eles não
a conhecem. Também aqueles que tenham falta de boas raízes acumuladas de
longa data nem vêem nem escutam esta instrução. Durante os dias passados do
verdadeiro Dharma e do Dharma imitativo todos os discípulos do Buda a
conheciam. Eles a praticavam e conheciam-na por experiência própria. Hoje não
há nem um nem dois entre mil monges que conheça as oito verdades de um
grande ser humano. É lamentável, Não há nada que se compare à degeneração
destes tempos decadentes. Devemos aprendê-la sem demora, enquanto o
verdadeiro Dharma do Tathâgata ainda está permeando o mundo que se desdobra
em mil mundos, enquanto o Dharma imaculado ainda não desapareceu. Não
sejam relaxados nem preguiçosos. Encontrar o Dharma de Buda, mesmo em eras
incontáveis, é raro. Receber um corpo humano também é raro. Mesmo recebendo
um corpo humano, corpos humanos nos três continentes são melhores. Corpos
humanos no continente do sul são os melhores – porque encontram o Buda,
escutam o Dharma, deixam a vida em família e alcançam a verdade. Pessoas que
morreram antes do pari-nirvana do Tathâgata nem escutaram nem aprenderam
estas oito verdades de um grande ser humano. Que agora possamos estar vendo-
as e ouvindo-as, e aprendendo-as, se deve a raízes boas longamente
acumuladas. Aprendendo-as agora, desenvolvendo-as vida após vida e
alcançando sem falha a suprema verdade de bodhi, e pregando-as para todos os
seres sencientes, possamos nos tornar o mesmo que o Buda Shakyamuni;
possam não haver diferenças.
Shobogenzo Hachi-dainingaku
Escrito no Templo de Eihei-ji, no sexto dia do primeiro mês lunar no 5º ano da era de
Kencho7
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1253, ano da morte de Mestre Dogen.