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O objetivo dos capítulos imediatamente seguintes é tentar esclarecer o que exatamente diz e quais as
implicações da Visão Standard. Ao fazer isso não colocaremos em questão a verdade da Visão Standard.
Assumiremos que ela está basicamente correta, reservando a discussão dos desafios à nossa visão do senso
comum para mais tarde.
I. TIPOS DE CONHECIMENTO
A Visão Standard diz que nós temos uma boa quantidade de conhecimento e diz alguma coisa sobre
as fontes desse conhecimento. Um aspecto central de esclarecer exatamente aonde leva a Visão Standard é
esclarecer exatamente o que ela toma como conhecimento. A Visão Standard diz que nós temos
conhecimento, mas o que é conhecimento?
Esta lista está longe de ser completa. Nós poderíamos acrescentar sentenças usando expressões tais
como “sabe qual”, “sabe porque”, e assim por diante. Mas a lista que temos já será suficiente para destacar as
principais questões a serem feitas aqui.
1 Os exemplos seguintes mostram padrões gerais de vários tipos de enunciados, com um exemplo
mostrando como cada padrão poderia ser preenchido. Os padrões fazem uso de variáveis que podem ser
substituídas por termos específicos. Seguindo as práticas standard, “S” é usada como uma variável a ser
substituída por um nome ou a descrição de uma pessoa, “x” é usada como a variável a ser substituída por
uma sentença completa que expresse um fato ou o significado de um fato (uma proposição), e “A” por uma
descrição de uma ação.
B. Todo Conhecimento é Conhecimento Proposicional?
Sentenças “sabe que” descrevem que uma pessoa conhece um certo fato ou proposição. Essas
sentenças são ditas expressar conhecimento proposicional.2 Uma idéia inicialmente plausível sobre a conexão
entre essas várias maneiras em que a palavra “sabe” é usada é que “sabe que” é fundamental e que as outras
podem ser definidas em termos dela. Para ver porque o conhecimento proposicional é mais fundamental dos
que os outros, considere como alguns dos outros tipos poderiam ser explicados em termos dele.
Considere (c), “saber se.” Suponha que seja verdadeiro que
Nesse aspecto, o bibliotecário difere de um cliente que não sabe se há um livro de Salinger ali. O
cliente não sabe que há um livro ali e ele não sabe que não há um livro ali.
A questão recém destacada sobre (1) pode ser generalizada. Para qualquer pessoa e para qualquer
proposição, a pessoa sabe se a proposição é verdadeira apenas no caso da pessoa saber que ela é verdadeira ou
da pessoa saber que ela não é verdadeira. Uma pessoa que não sabe se ela é verdadeira não sabe nem que ela é
verdadeira nem que ela não o é.
Nós podemos expressar a questão sobre a conexão entre (1) e (2) em termos de uma definição geral,
usando a letra “S” para representar um sujeito epistêmico em potencial e “p” para representar uma proposição:
A definição (D1) ilustra uma importante ferramenta metodológica: definições. Uma definição é
correta apenas se os dois lados são equivalentes. Para verificar se os dois lados são equivalentes, você
considera os resultados de preencher com instâncias específicas as variáveis ou guardadores de lugar. No caso
2 Para uma discussão de qual é exatamente o significado da palavra “proposição,” veja a seção III, parte A1
deste capítulo.
(2a) é verdadeira; (2a) descreve o conhecimento de uma disjunção (um enunciado “ou”) e qualquer um pode
ter este conhecimento. Mas o bibliotecário precisa possuir um conhecimento especial se (2) é verdadeira. Ele
deve saber qual dos disjuntos (as partes do enunciado “ou”) é verdadeiro.
4 “∼p” significa “não-p”, ou a negação de p. A negação de “Há um livro de Salinger na biblioteca” é “Não é
o caso de que haja um livro de Salinger na biblioteca.”
de (D1), você preenche S com o nome de uma pessoa e substitui p por uma sentença expressando alguma
proposição. Se a definição é correta, em todos os casos assim os dois lados concordarão: se o lado esquerdo é
verdadeiro – se a pessoa sabe se a proposição é verdadeira – então o lado direito também será verdadeiro – ou
a pessoa sabe que ela é verdadeira ou a pessoa sabe que ela não é verdadeira; se, por outro lado, o lado
esquerdo não é verdadeiro – se a pessoa não sabe se a proposição é verdadeira – então o lado direito também
não será verdadeiro. (D1) parece passar por esse teste: os dois lados da definição coincidem. Assim, nós
podemos explicar “saber se” em termos de “saber que.”
Também é possível definir alguns dos outros tipos de conhecimento em termos de conhecimento
proposicional. As definições são mais complicadas, mas as idéias são ainda bastante claras. Considere “saber
quando.” Se você sabe quando algo aconteceu (ou irá acontecer), então há alguma proposição expressando o
momento em que aquilo aconteceu (ou irá acontecer) tal que você sabe que essa proposição é verdadeira.
Assim, dizer
é dizer que o editor sabia, com respeito a um momento do tempo em particular, que o livro de J. D.
Salinger seria publicado nesse momento, e.g., ele sabia que seria publicado em 1950 ou que seria publicado
em 1951, etc. Aqueles que sabiam menos que o editor não estavam nessa posição. Para eles, não havia um
momento tal que eles conhecessem a proposição de que o livro seria publicado naquele momento.
Novamente, nós podemos generalizar a idéia e expressá-la como uma definição:
D2. S sabe quando x acontece = df. Há alguma proposição dizendo que x acontece em algum
momento em particular e S conhece essa proposição. (Há alguma proposição, p, onde p é da forma “x
acontece em t” e S conhece p.)
Mais uma vez, nós temos uma maneira de explicar um tipo de conhecimento – saber quando – em
termos de conhecimento proposicional. É provável que abordagens similares irão funcionar para saber qual,
saber porque, e numerosas outras sentenças sobre o conhecimento. O caso em favor do conhecimento
proposicional ser fundamental parece muito forte.
Entretanto, é improvável que todas as coisas que nós digamos usando a palavra “sabe”/”conhece”
possam ser expressas em termos de conhecimento proposicional. Considere o primeiro item de nossa lista:
“S conhece x.” Você pode pensar que conhecer alguém ou alguma coisa é ter conhecimento proposicional de
alguns fatos sobre essa pessoa ou coisa. Assim, nós podemos propor
D3. S conhece x = df. S tem conhecimento proposicional de alguns fatos sobre x (i.e., para alguma
proposição p, p é sobre x, e S conhece p).
É provável que alguém que você conheça seja alguém sobre quem você conheça alguns fatos. Mas
conhecer alguns fatos sobre uma pessoa não é suficiente para conhecer a pessoa. J. D. Salinger é um autor
recluso, mas bem conhecido. Muitas pessoas sabem alguns fatos sobre ele: elas sabem que ele escreveu O
Apanhador no Campo de Centeio. Elas podem saber que ele não interage com uma grande quantidade de
pessoas. Desse modo elas conhecem fatos sobre ele, mas elas não o conhecem. Assim, conhecer uma pessoa
não é o mesmo que conhecer alguns fatos sobre a pessoa.
Isso mostra que a definição (D3) não é correta. Isso também ilustra outra questão metodológica
importante. O exemplo mostra que (D3) não é correta porque ela é um contra-exemplo para (D3): um
exemplo mostrando que os lados da definição nem sempre concordam – um lado pode ser verdadeiro
enquanto o outro é falso. Um contra-exemplo bastante claro refuta a definição proposta. Ao revisar uma
definição em resposta aos contra-exemplos, é possível obter um melhor entendimento dos conceitos sob
discussão.5
O contra-exemplo a (D3) mostra, não apenas que (D3) é falsa, mas também que não está sequer no
caminho correto. Nós não podemos fazer algumas pequenas mudanças a fim de consertar as coisas. Não irá
ajudar que S conhecesse muitos fatos sobre x, ou que S conhecesse fatos importantes sobre x. Você pode ter
esse tipo de conhecimento proposicional e ainda assim não conhecer a pessoas. Conhecer x não é uma
questão de conhecer fatos sobre x. Ao invés, é uma questão de estar familiarizado com x – ter encontrado x e
talvez recordar esse encontro. Não importa quantos fatos você conheça sobre uma pessoa, não se segue daí
que você conheça essa pessoa. Conhecer uma pessoa ou uma coisa é estar familiarizado com essa pessoa ou
coisa, ao invés de ter conhecimento proposicional sobre a pessoa ou coisa. Desse modo, nem todo saber é
saber proposicional.
Considere a seguir “saber como.” Suponha que exista um hábil esquiador que, após um sério
acidente que o deixa inapto para esquiar, se torna um treinador de esqui de sucesso. Seu sucesso como
esquiador é em larga medida o resultado do fato de que ele é anormalmente bom em explicar as técnicas de
esqui aos estudantes. O treinador sabe como esquiar? A resposta parece ser “Sim.” Uma explicação plausível
disso apela para a seguinte definição:
D4a. S sabe como A = df. Se a é um passo importante para fazer A, então S sabe que a é um passo
importante para fazer A.6
Isso parece mostrar que “saber como” pode ser definido em termos de conhecimento proposicional.
Entretanto, outros exemplos sugerem uma idéia diferente. Considere uma criança jovem que começa
a esquiar e o faz com sucesso, sem qualquer treinamento ou entendimento intelectual do que ela está fazendo.
Ela também sabe como esquiar, mas ela parece carecer do conhecimento proposicional relevante. Ela não tem
qualquer entendimento consciente explícito dos vários passos. Ela simplesmente é apta para fazê-lo. Este
exemplo sugere que há um segundo significado da expressão “sabe como.” A seguinte definição captura esse
segundo significado:
O ex-esquiador sabe como esquiar no sentido (D4a), mas não no sentido (D4b). Exatamente o
inverso é verdadeiro do jovem prodígio. Desse modo um tipo de conhecimento prático [knowhow] é
conhecimento proposicional, mas não o outro tipo.
C. Conclusão
O que é necessário para conhecer um fato? O que é conhecimento proposicional? Estas são as
questões levantadas por (Q1) no Capítulo 1. Começaremos nosso exame dessas questões com uma resposta
simples e inadequada. Tentaremos então desenvolver essa resposta.
É fácil aparecer com duas condições para o conhecimento: a verdade e a crença. É claro que o
conhecimento requer a verdade. Isto é, você não pode conhecer alguma coisa a menos que ela seja verdadeira.
Jamais pode estar correto dizer “Ele sabe isso, mas isso é falso.” Você não pode saber que Thomas Jefferson
foi o primeiro presidente dos Estados Unidos. A razão pela qual você não pode saber isto é que ele não foi o
primeiro presidente norte-americano.
As pessoas podem estar seguras sobre coisas que não são verdadeiras. Você pode estar seguro de que
Jefferson foi o primeiro presidente norte-americano. Você pode até mesmo pensar que se lembra de ter
aprendido isso no colégio. Mas você está enganado a esse respeito. (Ou o seu professor cometeu um grande
engano.) Você pode até mesmo alegar saber que Jefferson foi o primeiro presidente norte-americano. Mas ele
não foi, e você não sabe que ele foi. Isto é assim porque o conhecimento requer a verdade. Você conhece uma
proposição apenas se ela é verdadeira.
Há uma objeção possível à alegação de que o conhecimento requer a verdade. Ela é ilustrada pelo
seguinte exemplo:
Se você está certo quando diz (4), então é possível conhecer coisas que não são verdadeiras. Você
pode saber que o mordomo cometeu o crime, mas não é verdade que o mordomo o cometeu. Entretanto,
ainda que as pessoas algumas vezes digam coisas tais como (4), é claro que tais coisas não são literalmente
verdadeiras. Você não pode saber o tempo todo que o mordomo cometeu o crime. O que era verdade o
tempo todo era que você estava seguro que o mordomo o havia cometido, ou algo assim. Ao dizer (4) você
expressa, de uma maneira levemente enfeitada, que foi surpreendido pelo final. Mas (4) não é verdadeira, e
não mostra que pode haver conhecimento sem verdade.
Uma segunda condição para o conhecimento é a crença. Se você conhece alguma coisa, então você
deve acreditar nela ou aceitá-la. Se você nem mesmo pensa que alguma coisa é verdadeira, então você não a
conhece. Nós estamos usando “crença” em um sentido amplo aqui: toda vez que você assume alguma coisa
como verdadeira, você acredita nela. Assim, acreditar inclui tanto a aceitação hesitante quanto a aceitação
inteiramente confiante. Uma boa maneira de pensar nisto é notar que quando você considera um enunciado,
você pode adotar quaisquer de três atitudes diante dele: crer, descrer ou suspender o juízo. Como uma
analogia, imagine-se forçado a dizer uma de três coisas sobre um enunciado: “sim”, “não” ou “sem opinião.”
Você dirá “sim” em uma variedade de casos, incluindo aqueles nos quais você está inteiramente confiante em
um enunciado e aqueles nos quais você simplesmente pensar que o enuncia é provavelmente verdadeiro. Você
dirá “não” quando pensar que o enunciado é definitiva ou provavelmente falso. E usará “sem opinião” nos
casos restantes. Da mesma forma, tal como nós estamos usando o termo aqui, “crença” se aplica a uma
variedade de atitudes. Ela é contrastada com a descrença, a qual envolve uma variedade semelhante, e com a
suspensão de juízo.
É claro, então, que o conhecimento requer a crença. Se você nem mesmo pensa que um enunciado é
verdadeiro, então você não sabe que ele é verdadeiro. Há, entretanto, uma objeção a esta alegação que merece
consideração. Nós falamos algumas vezes de maneiras que contrastam conhecimento e crença, sugerindo que
quando você conhece alguma coisa você não acredita nela. Para ver isto, considere o seguinte exemplo:
Ao dizer (5), John parece estar dizendo que esse é um caso de conhecimento e não um caso de
crença. A sugestão é que se ela é uma crença, então não é conhecimento. Se ele está certo, então a crença não
é uma condição para o conhecimento.
Entretanto, mais uma vez, essa aparência é enganadora. John seguramente aceita o enunciado de que
o nome dele é “John.” Ele não rejeita o enunciado ou não tem opinião sobre ele. Quando ele diz (5), a
questão é que ele não acredita simplesmente que o nome dele é “John”; ele pode dizer alguma coisa mais forte
– que ele sabe disto. E uma das maneiras pelas quais nós tipicamente procedemos em conversações é
evitando dizer uma coisa mais fraca ou modesta quando a mais forte é também verdadeira. Se seu amigo
dissesse a você, “Eu acredito que meu nome seja ‘John,’” isto sugeriria, mas não diria literalmente, que ele
não sabe disto. Há muitos outros exemplos do mesmo fenômeno. Suponha que você esteja extremamente
cansado, tendo trabalhado duro por muito tempo. Alguém pergunta se você está cansado. Você pode
responder dizendo alguma coisa como:
Tomado literalmente, o que você diz é falso. Você está cansado. A questão do seu proferimento é
enfatizar que você não está meramente cansado; você está exausto. A mesma coisa ocorre em (5). Ao dizer
(5), John não está realmente dizendo que ele não acredita no enunciado. Assim esse exemplo não é um
contra-exemplo à tese de que o conhecimento requer a crença.
Nós encontramos agora duas condições para o conhecimento. Para conhecer alguma coisa, você
precisa acreditar nela e ela precisa ser verdadeira.
As idéias recém apresentadas podem sugerir que o conhecimento seja crença verdadeira; isto é,
Tb. S sabe p = df. (i) S crê p, e (ii) p é verdadeira.
Uma breve reflexão deveria tornar claro que (TB) é um equívoco. São muitas as vezes em que uma
pessoa tem uma crença verdadeira mas não tem conhecimento. Eis aqui um contra-exemplo simples para
(TB):
No exemplo 2.3 você acredita que Denver vencerá e isto é verdadeiro. Mas você não sabia que
Denver iria vencer. Você simplesmente teve um palpite que se revelou correto.
Alguns irão dizer que o fato da crença do exemplo 2.3 ser sobre o futuro arruína o exemplo. Mas
nós podemos facilmente eliminar esta característica sem eliminar a questão. Suponha que você não assista ao
jogo mas, ao invés, vá assistir a um filme longo. Quando você sai do cinema, você sabe que o jogo acabou.
Você tem agora uma crença sobre o passado, a saber, que Denver venceu. E você está certo. Mas agora não há
complicações que tenham a ver com crenças sobre o futuro.
As objeções a (TB) não estão limitadas aos casos de palpites felizes. Outro tipo de exemplo ilustrará
o coração do problema com (TB).
Você teve uma crença verdadeira de que choveria, mas carecia de conhecimento. (Quando a chuva
começa, você pode dizer “Eu sabia que ia chover,” mas você não sabia disto realmente.) A razão pela qual
você não sabia nesse caso não é que você estava adivinhando. Sua crença está baseada em alguma evidência –
o boletim do tempo – e assim não é simplesmente um palpite. Mas esta base não é boa o suficiente para o
conhecimento. O que você precisa para o conhecimento é alguma coisa como razões muito boas ou uma base
mais confiável, não apenas um boletim do tempo potencialmente inexato.
Os filósofos freqüentemente dizem que o que é necessário para o conhecimento, além da crença
verdadeira, é a justificação para a crença. Exatamente o que vem a ser justificação é uma questão de
considerável controvérsia. Nós passaremos um bom tempo mais tarde neste livro examinado essa idéia. Mas,
por enquanto, será suficiente notar que nos exemplos de conhecimento que nós apresentamos no Capítulo 1
os crentes tinham razões extremamente boas para suas crenças. Em contraste, nos contra-exemplos para (TB)
você não tinha razões muito boas e poderia facilmente ter estado errado. O que está faltando, então, nos
contra-exemplos para (TB) e está presente nos exemplos de conhecimento que nós descrevemos é a
justificação. Isto nos leva à Análise Tradicional do Conhecimento.
ATC. Se sabe p = df. (i) S crê p, (ii) p é verdadeira, (iii) S está justificado em crer p.
Algo nessa linha pode ser encontrado em várias fontes, talvez tão antigas quanto Sócrates. No
diálogo Mênon de Platão, Sócrates diz:
De acordo com uma interpretação possível dessa passagem, estar apto a dar “uma explicação” de
uma opinião é ter uma razão ou justificação para essa opinião. E uma idéia na passagem é que isto é
necessário a fim de haver conhecimento.8 Nós iremos ignorar a alegação adicional de que o conhecimento é
menos propenso a “escapar” da mente de alguém do que outras crenças.
Idéias semelhantes podem ser encontradas na obra de muitos outros filósofos contemporâneos. Por
exemplo, Roderick Chisholm propôs uma vez que uma pessoa conhece uma proposição apenas no caso de
acreditar nesta, de ser esta verdadeira, e de ser a proposição “evidente” para a pessoa. E esta última condição é
entendia em termo de quão razoável é para a pessoa crer na proposição.9
Nos voltamos agora para um exame mais completo dos três elementos da ATC.
A. Crença
Crer em alguma coisa é aceitá-la como verdadeira. Quando você considera qualquer enunciado, você
se enfrenta com um conjunto de alternativas: você pode acreditar nele, pode descrer dele, ou pode suspender
o juízo sobre ele. Recorde que nós estamos tomando a crença como incluindo uma variedade de atitudes mais
específicas, incluindo a aceitação hesitante e a convicção total. A descrença inclui uma variedade
correspondente de atitudes negativas em relação a uma proposição. A qualquer momento, se você considerar
uma proposição, irá terminar adotando uma dessas três atitudes.1 0
7 Em Mênon-Banquete-Fedro, tradução de Jorge Paleikat (Rio de Janeiro: Ediouro), p. 72.
8 Uma idéia semelhante é apresentada em outro diálogo, o Teeteto, em Teeteto-Crátilo, tradução de Carlos
Alberto Nunes (Belém: Universidade Federal do Pará, 1988).
9 Roderick Chisholm, Theory of Knowledge (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1966), p. 23.
10 Há uma maneira alternativa de pensar nestas questões. Ao invés de dizer que há três opções, você pode
dizer que pode crer numa proposição num grau maior ou menor. Você pode pensar nesses três graus de crença
como arranjados ao longo de uma escala. Quando você aceita uma proposição com absoluta convicção, você
crê nela no mais alto grau. Quando você rejeita total e completamente uma proposição, você tem o menor
grau possível de crença nela. E, nos casos usuais, o seu grau de crença fica em algum lugar intermediário. A
suspensão de juízo fica exatamente no meio.
Para os presentes propósitos, pense em descrer de uma proposição como sendo a mesma coisa que
crer na negação (ou recusa) dessa proposição. Assim, Descrer que George Washington foi o primeiro
presidente norte-americano é o mesmo que crer que não é o caso que George Washington foi o primeiro
presidente norte-americano. Suspender o juízo sobre a proposição é nem crer nem descrer dela.1 1
Uma questão adicional sobre a crença merece menção aqui. Suponha que a uma criança francesa seja
ensinado que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos. Então, se torna verdadeiro
que
7. Pierre acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos.
A coisa notável aqui é que (7) pode ser verdadeira mesmo que Pierre não fale uma palavra de
português. Ele não tem de entender a sentença portuguesa “George Washington foi o primeiro presidente dos
Estados Unidos.” Presumivelmente, ele expressaria sua crença usando o equivalente francês dessa sentença. A
contraparte brasileira de Pierre, Pedro, pode acreditar no que Pierre acredita. Então,
8. Pedro acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos.
Pedro, podemos supor, não fala uma palavra de francês. Assim Pedro e Pierre acreditam na mesma
coisa, ainda que não haja uma sentença que ambos aceitem. Como pode ser isto?
Uma maneira de entender essas questões é como segue. Sentenças são usadas para expressar certos
pensamentos ou idéias. Os filósofos usam a palavra proposição para se referir a esses itens. A sentença
portuguesa que Pedro usa e a sentença francesa que Pierre usa expressam a mesma proposição. A crença é
fundamentalmente uma relação com uma proposição. Assim, (7) pode ser verdadeira porque Pierre acredita na
proposição relevante sobre George Washington; (8) é verdadeira porque Pedro acredita na mesma proposição.
Mas eles usariam diferentes sentenças para expressar essa proposição.
Existem, então, duas questões importantes a extrair disto: as sentenças diferem das proposições que
são usadas para expressá-las e a crença é fundamentalmente uma atitude que se toma em relação a
proposições.1 2
B. Verdade
O segundo elemento da ATC é a verdade. As pessoas dizem coisas muito complicadas e obscuras
sobre a verdade, mas a idéia fundamental é muito simples. A questão aqui não é sobre que coisas são de fato
verdadeiras. Antes, a questão agora é sobre o que é para alguma coisa ser verdadeira. Uma resposta simples e
amplamente aceita está contida na teoria da correspondência da verdade.
A questão central da teoria da correspondência é expressa no seguinte princípio:
TC. Uma proposição é verdadeira se e somente se ela corresponde aos fatos (sse o mundo é da
11 Se você nunca sequer considerou uma proposição, então você nem crê nem descrê dela, mas tampouco
suspende o juízo. Talvez a suspensão do juízo seja mais bem caracterizada como considerar uma proposição
sem nem crer nem descrer dela.
12 Há questões difíceis sobre exatamente que tipos de objetos são as proposições. Nós podemos ignorar
com segurança tais questões aqui.
maneira que a proposição diz que ele é). Uma proposição é falsa sse ela fracassa em corresponder aos fatos.1 3
A idéia aqui é extraordinariamente simples. Ela se aplica ao nosso exemplo sobre George
Washington da seguinte maneira. A proposição de que George Washington foi o primeiro presidente norte-
americano é verdadeira apenas no caso dela corresponder aos fatos tais como eles efetivamente são. Em outras
palavras, ela é verdadeira apenas se George Washington foi o primeiro presidente norte-americano. A
proposição é falsa se ele não foi o primeiro presidente norte-americano. O princípio se aplica de maneira
análoga às outras proposições.
Será útil descrever algumas conseqüências da TC e mencionar algumas coisas que não são
conseqüências da TC.
1) Se uma proposição é verdadeira ou falsa não depende de maneira alguma do que alguém crê sobre
ela. Por exemplo, nossas crenças sobre George Washington não têm relação com o valor de verdade (i.e., a
verdade ou a falsidade) da proposição de que George Washington foi o primeiro presidente norte-americano.
Os fatos reais do caso determinam seu valor de verdade.
2) A verdade não é “relativa.” Nem uma única proposição pode ser “verdadeira para mim mas não
verdadeira para você.” Eu posso crer numa proposição na qual você descrê. De fato, isto é quase certamente o
caso. Quaisquer duas pessoas irão quase certamente discordar sobre alguma coisa. Entretanto, se há uma
proposição sobre a qual elas discordam, então o valor de verdade dessa proposição é determinado pelos fatos.
3) A (TC) não legitima qualquer tipo de dogmatismo ou atitude intolerante em relação às pessoas
que discordam de você. Algumas pessoas dispensam sem consideração qualquer um que discorde delas. Esta
é uma maneira vil e desarrazoada detratar os outros. Entretanto, se você discorda sobre alguma coisa, então,
trivialmente, penso que eu estou certo e você errado. Se, por exemplo, você pensa que Thomas Jefferson foi
o primeiro presidente e eu penso que foi, ao invés, George Washington, então penso que você está errado
sobre isto e você pensa que eu estou errado sobre isto. Seria precipitado de minha parte generalizar deste caso
e tirar quaisquer conclusões sobre suas outras crenças. Mas quando você discorda de mim, eu penso que você
está errado. Se você não é dogmático, reconhece sua própria falibilidade. Você está aberto a mudar de idéia se
nova informação vem à tona. Existem circunstâncias nas quais pode ser rude dizer aos outros que você pensa
que eles estão errados. E possivelmente o mero fato de os outros discordarem proporciona alguma razão para
que você reconsidere seus pontos de vista.1 4
4) A (TC) não implica que as coisas não possam mudar. Considere a proposição de que George
Washington é o presidente dos Estados Unidos. Esta proposição é falsa. Mas, parece, ela costumava ser
verdadeira. O que a (TC) diz sobre isto?
Há algumas coisas para pensar sobre isso, e um exame completo delas entraria em tecnicidades que
não são importantes para os nossos presentes propósitos. Uma boa abordagem diz que uma sentença tal
como “George Washington é o presidente dos Estados Unidos” expressa uma proposição diferente em
momentos diferentes. A proposição expressa lá em 1789 é verdadeira. A proposição que ela expressa em
13 O termo “sse” abrevia “se e somente se.” Sentenças da forma “p sse q” são verdadeiras apenas no caso
dos valores de verdade de p e de q concordarem, isto é, apenas se ambos forem verdadeiros ou se ambos
forem falsos.
5) Algo semelhante se aplica à considerações sobre localização. Suponha que alguém no Maine
esteja falando ao telefone com alguém na Flórida. A pessoa no Maine diz:
9. Está nevando.
Esses falantes não discordam sobre nada. Mas o que deveríamos dizer, então, sobre o valor de
verdade da proposição de que está nevando? Ela é verdadeira ou falsa?
Mais uma vez, há uma variedade de maneiras de pensar sobre isso. Para os presentes propósitos,
uma boa abordagem será dizer que com uma sentença como (9) a pessoa expressa uma proposição que pode
ser mais claramente mostrada pela sentença
Da mesma forma, a pessoa na Flórida que diz (10) diz alguma coisa que é mais claramente mostrada
em
Nós podemos assumir que ambas as proposições são verdadeiras. Sua verdade é objetiva, pois ela
depende das condições climáticas dos dois lugares.
Exatamente o que a (TC) diz sobre elas depende em larga medida do que essas sentenças significam.
Uma possibilidade é a de que cada falante usa (11) para dizer “Eu gosto do sabor do iogurte.” Se este é o
caso, então pessoas diferentes usam (11) para expressar proposições diferentes, cada proposição sendo sobre
aquilo de que o falante gosta. Se uma pessoa que gosta do sabor do iogurte diz (11), então a proposição que
a pessoa expressa é verdadeira. Se a pessoa não gosta de iogurte, então a pessoa expressa uma proposição que
não é verdadeira.
Não é óbvio que (11) diga alguma coisa sobre as preferências individuais. Pode ser que ela diga
alguma coisa como “A maioria das pessoas gosta do sabor do iogurte.” Se isto é o que ela diz, então ela não
expressa diferentes proposições quando dita por diferentes pessoas. Ela expressa uma proposição sobre o
gosto da maioria, e essa proposição é verdadeira se a maioria das pessoas gosta de iogurte e não verdadeira se
ela não gosta.
De acordo com outra interpretação, (11) diz que o iogurte satisfaz algum standard de sabor que é
independente do que as pessoas gostam ou não gostam. Isto supõe algum tipo de “objetividade” sobre o
sabor. Nesta perspectiva, (11) poderia ser verdadeira mesmo que dificilmente alguém de fato goste do sabor
do iogurte. Você pode achar essa perspectiva estranha; é difícil entender aonde leva o bom sabor objetivo.
O que é crucial para os presentes propósitos é notar que, qualquer que seja a interpretação correta de
(11), não há problema para a (TC). A proposição expressa por (11) irá variar de um falante para outro se a
primeira opção é correta, mas não nos outros casos. Em todo os casos, entretanto, o valor de verdade que a(s)
proposição(ões) expressa(m) depende dos fatos relevantes. Neste caso, os fatos relevantes são ou aquilo de
que o falante ou a maioria das pessoas gosta ou não gosta, ou os fatos objetivos sobre o bom sabor.
Não há necessidade para nós de resolver as disputas sobre a interpretação correta das sentenças tais
como (11). Essa questão complicada pode ser deixada para aqueles que estudam estética. A questão crucial
para os presentes propósitos é que, qualquer que seja a interpretação correta, não há aqui uma boa objeção
para a (TC).
7) A (TC) não implica que nós não possamos saber o que é “realmente” verdadeiro. Algumas
pessoas reagem à (TC) dizendo alguma coisa como isto:
Suponha que alguém afirme (12) em um contexto conversacional normal tal como o seguinte: você
está a ponto de pegar Michael no aeroporto. Você sabe que ele é um homem adulto, mas não sabe como ele
se parece. Foi dada a você uma descrição da qual (12) é uma parte. Nestas circunstâncias, se Michael tem de
fato 6’4”, então (12) expressa uma verdade. Se Michael tem 4’10”, então (12) diz alguma coisa falsa. Se
Michael tem cerca de 5’10”, então será difícil dizer ser (12) expressa uma verdade ou uma falsidade. Essa
altura parece ser um caso caso-limite de ser alto (para um homem adulto).
De acordo com uma perspectiva amplamente aceita sobre estas questões, a palavra “alto”
simplesmente não tem um significado preciso. O problema que nós temos na situação final, quando Michael
tem 5’10”, não é que não sabemos o suficiente sobre a situação. Nós podemos saber tudo que há para saber
sobre a altura de Michael, a altura média de homens adultos, e tudo mais o que seja relevante. Nesta
perspectiva, (12) simplesmente é um caso-limite. Simplesmente não há limites exatos para a altura à qual a
palavra “alto” se aplica. Em outras palavras, “alto” é uma palavra vaga.
Muitas outras palavras são vagas, incluindo “saudável”, “rico”, e “sábio”. A vaguidade causa
numerosos problemas para a compreensão de como exatamente funciona a linguagem. Afortunadamente, nós
podemos ignorar em larga medida aquelas questões enquanto seguimos as questões epistemológicas que são
o nosso foco. Entretanto, questões concernentes à vaguidade surgirão de tempos em tempos, e assim é
importante ter alguma compreensão da idéia.
Além do mais, a existência de sentenças vagas pode ter alguma implicação na adequação da (TC).
Recorde a distinção entre as sentenças e as proposições que elas expressam. Como foi recém notado, a
vaguidade é uma característica das sentenças. A sentença (12), parece, é vaga. Mas considere agora a
proposição que (12) expressa numa ocasião em particular, tal como a recém descrita. Se essa proposição é
vaga, ou indefinida em seu valor de verdade, então a (TC) precisa de revisão. A (TC) diz que toda proposição
é ou verdadeira ou falsa, dependendo de se ela corresponde à maneira como é o mundo. Porém, se há
proposições vagas, então há proposições que correspondem parcialmente à maneira como é mundo. Poder-se-
ia dizer que há um terceiro valor de verdade – o indeterminado – em adição aos dois originais – o verdadeiro
e o falso. Poder-se-ia mesmo dizer que há uma ampla variedade de valores de verdade, que a verdade vem em
graus. Estas são questões complexas que não podem ser resolvidas facilmente. Não tentaremos resolvê-las
aqui. É suficiente compreender que a (TC) requer modificação a fim de lidar com a vaguidade.
C. Justificação
Ainda que o Sr. Inseguro não acredite ter passado no exame, ele está justificado em crer que passou
no exame. Assim a condição (iii) da ATC está satisfeita, mas não a condição (i). Estar justificado em crer
numa proposição é, grosso modo, ter o que é requerido para ser altamente razoável acreditar nela, quer de fato
se acredite nela ou não.
O que está justificado para uma pessoa pode não estar justificado para outra. Você tem muitas
crenças justificadas sobre a sua vida privada. Seus amigos e conhecidos podem ter pouca ou nenhuma
justificação para crenças sobre tais questões. E o que está justificado para um indivíduo muda ao longo do
tempo. Uma modificação do exemplo 2.4 ilustrará isto. Uma semana antes do piquenique você pode não ter
justificação para crer na proposição de que irá chover no sábado. Mas na manhã de sábado você pode adquirir
ampla justificação para essa proposição.
É importante não confundir estar justificado em crer nalguma coisa com estar apto a mostrar que se
está justificado em crer nessa proposição. Em muitos casos nós podemos explicar porque uma crença está
justificada; nós podemos formular nossas razões. Entretanto, há exceções para isto. Por exemplo, uma criança
pode ter muitas crenças justificadas mas ser inapta para articular uma justificação para elas.
Uma questão adicional sobre a Perspectiva Standard merece especial atenção. As coisas que as
pessoas consideram como conhecimento diferem numa variedade de maneiras. Para tomar alguns exemplos
simples, talvez as pessoas de tempos antigos dissessem que, entre as coisas que elas sabiam, estivesse o fato
de que a Terra fosse plana. Talvez eles tivessem dito saber que a terra era o centro do universo (com todas as
coisas em órbita em torno dela). Pode ter havido uma ampla concordância em tempos antigos de que eles
tinham conhecimento nestes casos.
Nós podemos conceder, para o bem do argumento, que os antigos pensavam que eles sabiam que a
terra fosse o centro do universo. (Se você não gosta deste exemplo em particular, substitua-o por outro que
ilustre a mesma idéia.) Nós podemos mesmo conceder que eles estavam muito bem justificados em crer que
eles tivessem conhecimento deste fato. Nós podemos dizer que eles tinham conhecimento aparente. Não
obstante, eles careciam de conhecimento verdadeiro. Ainda que as proposições em questão pudessem muito
razoavelmente ter aparecido na lista das coisas conhecidas no primeiro capítulo de um distante ancestral deste
livro, as proposições seriam falsas. A Terra não é e nunca foi plana. Ela não é e nunca foi o centro do
universo. Eles pensaram, talvez com justificação, que eles tinham conhecimento, mas eles estavam
enganados.1 5
Outra questão merece atenção aqui. Pode ser que as alegações daqueles que fossem mais falantes,
mais carismáticos, ou mais poderosos fossem mais freqüente e amplamente consideradas como itens de
conhecimento. Isto pode ser aflitivo para aqueles que estão longe do poder, especialmente quando eles têm
uma justificação para perspectivas competidoras. Entretanto, questões sobre o que determina o que será
contado como conhecimento, e como os poderosos fazem para impor suas perspectivas sobre os outros não
15 Neste ponto você pode observar que nós podemos estar numa situação com a dos antigos, na qual nossas
alegações estão equivocadas. Nós iremos tratar desta questão quando considerarmos a Perspectiva Cética.
estão no foco deste livro. Nosso tópico é o conhecimento verdadeiro, não o conhecimento aparente.1 6
V. CONCLUSÃO
A (Q1) do capítulo 1 perguntou o que é preciso para se ter conhecimento. Este capítulo introduziu
uma resposta a essa questão baseada na Análise Tradicional do Conhecimento de acordo com a qual o
conhecimento é crença verdadeira justificada. Esta análise tem uma longa história. Ela parece se encaixar bem
na Perspectiva Standard. Os exemplos de conhecimento endossados pela Perspectiva Standard parecem ser
casos de crença verdadeira justificada. E casos nos quais nós carecemos de conhecimento parecem ser caso
nos quais nós carecemos de um destes três fatores.
Há, entretanto, uma objeção significativa a ATC. Nos voltaremos em seguida a ela.