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Projeto Finalizando
Projeto Finalizando
Introdução:
1
Pessoa, 2015, Parágrafo 90, p.120.
2
Pessoa, 2015, Parágrafo 27, p.120.
3
Pessoa,, 1966
4
Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo,
porque se não tem fé com a razão; não podendo ter fé na
abstração do homem, nem sabendo mesmo que fazer dela
perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a
contemplação estética da vida” (Pessoa, 2015, parágrafo1, grifo
nosso,)
De acordo com nossa interpretação, mediante este trecho. fica exposto que há
um singular projeto existencial e artístico de relação, entre a criação de “ilusões reais”,
próprias ao âmbito artístico, como procuramos interpretar, e a vida ou “realidade”
contemplada de um modo estético5. “.Manufaturamos realidades”6, afirma Soares A
contemplação seria, na concepção de Soares, paradoxalmente, uma via de ação, ou
melhor, de criaçãp pois o “sonhador é que é o homem de ação.” 7 Soares, assim como
interpretamos, é um contemplador, mas sobretudo do sonhos8 (mas tambem nos
perguntamos: o que é a vida se não um sonho?) Nesta direção, sonhar é a ação, do
contemplador e o sonhador (Soares) é, por excelência, o homem que contempla.
Tambem gostaríamos de notar que a única ação que se permite Soares é a da criação
pois não é um agir9. Notamos que a estética do paradoxo, que pretendemos analisar, está
presente como uma postura artística nos escritos de Pessoa e de soares.
5
Assinalamos, como pretendemos desenvolver, que este projeto (de Soares)
resguardaria relações de afinidade com a proposta filosófica e, porque não, também
artística de Friedrich Nietzsche que declara que a vida só se justificaria esteticamente.
Nietzsche em diferentes períodos de sua obra afirma que “Só como fenômeno estético, a
existência e o mundo aparecem eternamente justificados" (GT/NT, Ensaio de autocrítica
5, KSA 1.17) e ainda "Como fenômeno estético, a existência é sempre, para
nós, suportável ainda" (FW/GC 107, KSA 3.464).
6
Pessoa, 2015, parágrafo 66, pag.10.
7
Pessoa, 2015, Parágrafo 90, p.120.
8
Assinalamos que mais a frente procuramos refletir sobre o fenômeno do sonhar.
9
Criar “ilusões reais” parece-se com a arte do sonhar que seria para soares uma
manifestação estética. Nota-se que se soares nos relata que o sonhador é o homem de
ação, ele paradoxalmente também considera que “arte de sonhar é difícil porque é
uma arte de passividade, onde o que é de esforço é na concentração da ausência de
esforço” (MANEIRA DE BEM SONHAR)
múltiplas e desassossegadas interpretações, posições e problematizações acerca daquilo
que chamamos ordinariamente de realidade ou vida. Nada em suas considerações é
acomodado, tudo segue um desassossegado pendor para certo espanto diante da
“realidade” que transcende as opiniões e seus lugares comuns sobre os fenômenos.
Para fins teóricos desta apresentação sublinhamos uma de suas considerações acerca da
realidade, mas gostaríamos de observar que pretendemos trabalhar as ricas variantes que
se apresentam nos devaneios inquietos e inquietantes do autor. A questão que
levantamos através do texto de Soares sobre o “real” e a “ilusão” parece aparentemente
se limitar ao campo filosófico, mas gostaríamos de defender que tal problematização é
evidente e fundante ao fazer literário/artístico do “autor”.
10
Mais adiante nos dedicaremos a questão da (criação) da alma.
11
Pessoa, 2015, parágrafo, p 289.
possibilidade da criação de novas sensações da(s) “realidade(s)”. Não podemos deixar
de sublinhar a centralidade do termo “sensação” no fazer poético de Pessoa e na prosa
de Soares como o elemento que por vezes é considerado o próprio meio do fazer
artístico. Para Soares haveria apenas a realidade da sensação. Recuperar a sensação no
fazer artístico aponta para uma radical inversão, deslocamento e torção em relação ao
problema e “projeto” ocidental e filosófico de (de)negação do sensorial em detrimento
do real e do verdadeiro, do conhecimento puro e da razão de um sujeito puro. Soares
proclama o valor das sensações mesmo que sejam ilusórias (ou justamente por serem
ilusórias elas vem-a-ser em sua realidade), afirma artisticamente a realidade das
sensações que foram (de)negadas ou recalcadas pela tradição ocidental como causa do
erro e do falseamento. Com ele, em nome do fazer artístico, as sensações seriam
evidenciadas e retornariam as mãos do artífice depois de um longo recalcamento em
nome da verdade. Deste modo para o “autor”:
O artista (ao menos Soares) teria como tarefa trabalhar com a realidade da ilusão
sensorial, das sensações tornando-as ou sentindo-as literariamente através de certa arte
de “tornar puramente literária a receptividade dos sentidos” 12. Parece-nos lendo Soares
que o real e a vida só são possíveis ou dignos mediante uma contemplação estética.
Contudo, nota-se que Soares constantemente reitera a realidade do ficcional (ilusão
real), muitas vezes em detrimento da ilusão da “realidade”, tal qual numa hierarquia de
valores a “vida” do ficcional tivesse mais valor, mais dignidade, do que a “vida real”
que não passa de mera ilusão. Levantamos a hipótese, que apenas contemplada
esteticamente a vida teria valor justo porque esta teria apenas o sentido de ser uma
ilusão, portanto algo vazio de valor em si mesmo; enquanto a arte que é uma “ilusão”
real desde o início teria seu valor por ser uma realidade ficcional. Seria então o
ficcional, o estetizar que doa valor para uma vida que sendo ilusória por si só não tem
valor sendo oca e vazia de sentido em si? Soares avaliando a ilusão como real (no
duplo sentindo de realidade e nobreza) afirmaria o ficcional da arte já que “na arte não
12
Pessoa, 2015,388
há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio” 13. A arte seria a única ilusão
que não ocasionaria a desilusão, porque se apresenta como ilusão desde o princípio;
realmente ilusória a arte não desilude enquanto a ilusão da realidade desiludiria porque
pretende-se que seja realmente uma realidade. Neste sentindo, delineamos e esboçamos
certas questões e uma série de hipóteses que apontam para certas direções desde onde
pretendemos desenvolver este projeto.
Uma outra hipótese que levanto acerca da criação de alma(s) é que esta se
vincularia intimamente com o drama da criação heteronômica de Pessoa. Portanto
estaríamos ao refletir em torno do Livro do Desassossego, diante do fenômeno ou proto-
fenômeno da fabulação heteronímica de Fernando Pessoa. Por sua importância no
contexto do drama heteronômico do tornar-se outro, do outramento próprio do fazer
artístico de Fernando Pessoa, pretendemos desdobrar a questão da criação de almas
novas ou mudança de alma como um dos eixos do processo de criar novas “realidades”
(ilusórias) atrás do ficcionalizar ilusões reais (da arte literária). Para tal nos parece que
vida (anímica) e arte se entrelaçariam pois como soares afirma “quero ser uma obra de
arte, de alma pelo menos...”14. Neste sentido seu texto é radicalmente precursor, como
pretendemos avaliar, de uma questão que é fundamental para o âmbito artístico
moderno: a relação entre arte e vida.
13
Pessoa, 2015, parágrafo 270.
14
Pessoa, 2015, parágrafo 114.
15
Pessoa, 2015 parágrafo 155.
é um importante ponto que desejamos aprofundar. A arte de sonhar como propõe
Soares: “Viver do sonho e para o sonho, desmanchando o Universo e recompondo-o” 16
seria, em um outro plano das diversas camadas das possíveis interpretações de seu texto,
o liame, senão o fio condutor, destes três fenômenos (linguagem, realidade e homem ou
si mesmo) que nos parece apenas conceitualmente e para fins didáticos poderem ser
separados.
Neste sentido justificamos a pertinência deste projeto que busca, por meio de
uma leitura criticamente interpretativa do texto de Soares - a partir de noções que fazem
parte de seu arcabouço literário como ilusão, realidade, sensação, sonho e si mesmo -
uma releitura da “poética dramática” de Fernando Pessoa que evocaria todo uma
problemática em relação ao âmbito artístico da modernidade como, por exemplo, a
relação entre vida e arte, o outro como a relação da arte como “ilusão” e a “realidade”
etc.
16
Pessoa, 2015 parágrafo 413.
17
Pessoa, 2015 parágrafo 196.
elaboradas, avaliadas e deslocadas de seus sentidos ordinários no âmbito artístico da
criação “literária-pensante” de Fernando Pessoa e particularmente de seu semi–
heterônimo.
Metodologia -Como leitura referencial para elaborar o nosso tema principal acerca da
ilusão e realidade por meio de noções como si mesmo, sonho e sensação, bem como
esboçar nossa metodologia indicamos que encontramos nos próprios textos de Fernando
Pessoa, em suas variações heteronímicas, um campo privilegiado de diferentes
perspectivas e questionamentos acerca dos problemas levantados neste projeto.
Pretendemos contrastar suas diferentes avaliações acerca do tema e das noções que a
ele associamos para compreender o processo artístico do autor em questão. Fernando
Pessoa nos aparece como um artista que incessantemente reflete sobre o processo
criador que nos interessa, como já colocado, enquanto um enigma que pretendemos não
resolver, mas perscrutar. Neste sentido José Gil (1986,p.9..) afirma que “talvez nunca a
reflexão sobre o processo criador se tenha tanto e tão maciçamente integrado na obra de
um autor”. Realidade, ilusão assim como si mesmo, sonho e sensação concerniriam
reiteradamente por diferentes olhares à reflexão performática do próprio processo
criador de Fernando Pessoa. Como leitores de sua obra não há como ignorar esta
reflexão e tomá-la a sério como fio condutor privilegiado (mas não único) para analisar
o incessante movimento vital que a linguagem e o pensamento poético-questionador
assumem em sua obra18 . Elegemos, por exemplo, a perspectiva de realidade que esposa
Alberto Caeiro (que por sua vez é problematizada pelos outros heterônimos e Pessoa
ortônimo) para contrastá-la com a noção de sensação como única realidade de Bernardo
Soares para chegarmos não há um consenso que seria aniquilar o movimento próprio de
sua obra mas a uma problematização que diz respeito propriamente ao enigma ou
mistério do fazer artístico pessoano que se fundamentaria numa intensa polêmica de
perspectivas. Nesse sentindo, as obras dos diferentes heterônimos aparecem como um
profícuo campo teórico-artístico para desenvolver os questionamentos pertinentes ao
nosso projeto.
18
Além disso, José Gil investiga em sua obra as diferentes especificidades e
singularidades perspectivas dos heterônimos como forma de enriquecer a problemática
das sensações. Como fonte de nossas pesquisas o livro e pensamento de José Gil
colaborou para o material que apresentamos anteriormente a partir do qual elaboramos
nossa maneira a problemática da “realidade” e da “ilusão” na obra de pessoa,
particularmente a partir do “Livro do Dessassogo”, pois segundo o autor ocorrem ” que
“esclarecem os fundamentos da estética pessoano” (Idem, 1986, p. 11). Embora não
haja referência direta ao problema da realidade e da ilusão, mas sim as noções a ele
vinculadas por nós, pareceu-nos que este ampliaria e redimensionaria o debate proposto
vinculando-o a questionamentos fundamentais do âmbito artístico, da filosofia e do
pensamento ocidental. Neste sentindo nos balizamos tambem em textos como “A
república” de Platão que problematizaria, assim como a tradição muitas vezes o leu, a
questão da “ilusão” ou aparência e da “realidade” , assim como nos diálogos do livro X
refrência???? medita-se em torno da questão da mímesis artística, principalmente da
poesia enquanto arte puramente imitativa como criação de aparências distantes da
verdade. Desse modo, acredita-se que , podemos localizar a proposta de Bernardo
Soares (ainda que de maneira oposta ou própria) em sua afirmação da ilusão como
realidade e da sensação como elemento próprio do saber e fazer artístico. Acrescente-se,
ainda, textos como “Fédon” e Teeteto” que tratam do problema da aísthesis ou da
sensibilidade que nos serviram de base para refletir acerca de como a tradição
ocidental se orientou, tornando-os textos cânones, para tratar o problema das
sensações, do corpo e do conhecimento. Além dessas referências, baseamo-nos em
livros de Nietzsche como “O nascimento da tragédia” (ANO) contribuíram para pensar
a questão do sonho como um fenômeno que concerne ao fazer artístico (apolínio) e “A
Gaia ciência” (2012) que foi fundamental para a reflexão sobre uma série de
importantes questões como os valores da arte, da vida e da ilusão concernentes aos
problemas e hipóteses que desenvolvemos, como também para elaborar a questão que
abordamos em nosso texto da contemplação estética da existência.
Para além disto o perspectivismo tal qual o formula Nietzsche nos parece um
método coerente com este ritmo e deslocamento internos dos textos pois resguardaria
uma afinidade com o próprio processo de outramento de Fernando pessoa. Processo este
que propomos como método de leitura/escuta dos possíveis sentidos do texto aos quais
nos dirigiremos. Seria preciso renovar olhares, permitir-se diferentes afetos para
respeitar e acompanhar a cadência do movimento do sentidos de textos como os de
Fernando Pessoa. Nesta direção levantamos a questão de que o perspectivismo é um
método coerente a partir da derivação da problemática interna que os textos de Pessoa
suscitam. Segundo é enunciado por Nietzsche (Pessoa, 2015, paragrafo 90)
“Existe apenas uma visão perspectiva, apenas um conhecer perspectivo; e quanto mais
afetos permitimos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos,
soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo estará nosso “conceito” dela,
nossa “objetividade”
21
É preciso assinalar que no trecho citado de Nietzsche há o uso particular das aspas
em relação às noções clássicas do conhecimento como “conceito” e “objetividade”: o
uso das aspas pelo filósofo geralmente produzem um afastamento da utilização
tradicional e moral dos termos marcados por esse sinal. Nesse sentido, Nietzsche não
estaria propondo meramente uma nova utilização da noção de conceito e objetividade
que não deslocasse fundamentalmente seus valores e sentidos. Cremos que o uso das
aspas apontam mais para a fina ironia do autor em relação as noções de objetividade e
conceito do que uma mera inovação nos seus usos.
afinidade pode-se entrever no “método” de consideração das coisas sugerido por
Soares: