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76-Texto Do Artigo-168-1-10-20180711
76-Texto Do Artigo-168-1-10-20180711
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RESUMO
A mudança nas práticas docentes para superar os problemas de aprendizagem tem sido um dos
desafios das instituições de ensino, sobretudo quando a questão é educar para a autonomia e para
o senso-crítico. O que se propõe, neste artigo, é uma reflexão sobre as perspectivas de ensino-
aprendizagem e os desafios da aplicação da metodologia de aprendizagem por pares que realizamos
nos últimos dois anos no curso de Filosofia. As experiências e estudos mostram que as atividades
colaborativas, mediadas pelo professor que planeja e organiza suas aulas com maior foco na ação
dos estudantes, antes e durante as suas aulas, trazem resultados de aprendizagem positivos. Deste
modo, a proposta de aprendizagem por pares apresenta-se como uma das possíveis respostas para
o desafio da educação frente à apatia dos estudantes no ambiente universitário, bem como pode
contribuir para diminuir o individualismo nas salas de aulas, promovendo autonomia e criticidade
no processo educacional.
The change in teaching practices in order to overcome learning problems has been one of the
challenges of educational institutions, especially when it comes to educating for autonomy and for
critical sense. What is proposed in this article is a reflection on the teaching-learning perspectives
and the challenges of applying the paired learning methodology, which we have worked with in the
last two years in the Philosophy course at Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). The
experiences and studies show that collaborative activities mediated by the professor who plans
and organizes their classes with a greater focus on student action before and during the teaching
process, demonstrate positive learning results. Thus, the proposal of paired learning is one of the
possible answers to the challenge of education in the face of apathy of students in the university
environment. In addition, it can contribute to reduce the individualism in the classrooms, promoting
autonomy and critical thinking in the educational process.
1 INTRODUÇÃO
nas políticas para a educação no Brasil, enunciam a mudança, mas na prática mantêm-se presas na
cultura disciplinar transmissiva e paternalista.
Ao lado de um amplo conjunto de exigências de um perfil profissional considerado ideal,
existem aquelas, de outro tipo e, não menos importantes, que resultam dessas transformações
econômicas e sociais contemporâneas. Tratam-se de preocupações éticas, num leque amplo de
problemas sociais e ambientais, que também exigem uma resposta na atualidade. Pode-se afirmar,
assim, que a mudança nas práticas docentes para superar os problemas de aprendizagem têm
sido um dos desafios das instituições de ensino, sobretudo, quando a questão é educar para a
responsabilidade social.
Ao verificarmos, contudo, o perfil político-pedagógico de instituições de ensino
brasileiras, não é difícil encontrar, entre elas, aquelas que continuam com práticas tradicionais e
conservadoras. Conforme assinala Ira Shor: “Os programas de formação de professores são quase
sempre tradicionais e as escolas que eles frequentam não estimulam a experimentação” (Freire
& Shor, 1997, p. 27).
O risco que se corre, deve-se destacar, é o de acompanhar o discurso por uma nova educação
para o século XXI, que desconsidera a própria história da educação e suas contradições, que
exalta o subjetivismo e o praticismo, ignorando recursos indispensáveis ao domínio dos processos
cognitivos que levam ao conhecimento científico e filosófico. Ou, de outro modo, que reduzem
a aprendizagem a um processo individual, autônomo e independente, no qual os indivíduos
aprendem sozinhos.
Na Instituição em que exercemos a docência no curso de Filosofia, as políticas acadêmicas,
para a graduação, propõem uma gradativa transformação cultural na práxis de professores e
estudantes para se adaptarem às exigências da sociedade contemporânea ou, até mesmo, para
alterá-las quando for o caso (Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2016). Os professores são
estimulados a fazer experiências em vista da aprendizagem mais efetiva e colaborativa.
Ira [Shor]. O rigor é um desejo de saber, uma busca de resposta, um método crítico de
aprender. Talvez o rigor seja, também, uma forma de comunicação que provoca o outro
a participar, ou inclui o outro numa busca ativa. Quem sabe essa seja a razão pela qual
tanta educação formal nas salas de aula não consiga motivar os estudantes. Os estudantes
são excluídos da busca, da atividade do rigor. As respostas lhe são dadas para que as
memorizem. O conhecimento lhes é dado como um cadáver de informação – um corpo
morto de conhecimento – e não uma conexão viva com a realidade deles. Hora após hora,
ano após ano, o conhecimento não passa de uma tarefa imposta aos estudantes pela voz
monótona de um programa oficial.
Paulo. Você disse algo sobre motivação. Acho que essa é uma questão interessante. Nunca
consegui entender o processo de motivação fora da prática, antes da prática. É como se,
primeiro, se devesse estar motivado para, depois, entrar em ação! Você percebe? Essa é
uma forma muito antidialética de entender a motivação. A motivação faz parte da ação.
É um momento próprio da ação. Isto é, você se motiva à medida que está atuando, e não
antes de atuar (p. 14-15).
O professor é apresentado nesta proposta como o primeiro pesquisador, aquele que observa,
estuda os seus próprios alunos. Este professor estimula o estudo e o olhar crítico animando
e motivando para o aprendizado ainda maior. Mas em contraposição a esse perfil o que tem
prevalecido nas instituições escolares, grosso modo, é o que Shor denomina de “desativação” da
criatividade dos estudantes, como segue: “O currículo passivo baseado em aulas expositivas não é
somente uma prática pedagógica pobre. É o modelo de ensino mais compatível com a promoção
da autoridade dominante na sociedade e com a desativação da potencialidade criativa dos alunos
(Freire & Shor, 1997, p. 21).
Para Freire, as aulas expositivas não são um problema em si, apesar de, modo geral, elas
funcionarem como uma cantiga que entorpece, silencia e até leva os estudantes ao sono. Esse
tipo de aula pode ser utilizado, desde que em sua abordagem do objeto a ser conhecido exista a
orientação para o olhar crítico e que o estímulo a esse fim seja permanente, diz: “O importante é
que a fala seja tomada como um desafio a ser desvendado, e nunca como um canal de transferência
de conhecimento” (Freire & Shor, 1997, p. 54). Deste modo, faz todo o sentido repensar a prática
das aulas expositivas, sem se deixar cair em modismos, sobretudo, na medida em que reforçam a
cultura da passividade e a indiferença pelo debate.
Estudos como de Lemes (2013) têm mostrado que os estudantes estão concluindo as séries
básicas com grandes dificuldades para argumentar, construir pontos de vista e defender ideias. A
pesquisadora constatou que aos estudantes “não está sendo permitido ocupar o lugar autoral de
quem argumenta e defende seu ponto de vista” (Lemes, 2013, p. 7). Segundo ela, não estão sendo
oferecidas condições para o desenvolvimento de habilidades argumentativas, ao contrário, aulas
expositivas com o apoio de livros didáticos têm servido à mera reprodução de informações.
O ensino sobre conteúdos não pode ser separado da prática do pensar e interagir em torno
de problemas. Como propõe Novoa (2015, s/p), pode-se utilizar como exemplo “os métodos da
ciência: colocar problemas, fazer o diagnóstico, conhecer as diversas soluções, trabalhar com os
outros, experimentar novas soluções, comunicar os resultados”.
Na proposta de aprendizagem por pares, do professor da Universidade de Harvard (EUA), Eric
Mazur, desenvolvida para as aulas de Física, os momentos expositivos ganham outra importância, afirma:
Primeiro, as tarefas de leitura do livro, realizadas antes das aulas, introduzem o material. A
seguir, as aulas expositivas elaboram o que foi lido, esclarecem as dificuldades potenciais,
aprofundam a compreensão, criam confiança e fornecem exemplos adicionais. Finalmente,
o livro serve de referência e guia de estudo (Mazur, 2015, p. 10).
respostas dos estudantes. Caso o resultado mostre acertos superiores a 80% das respostas, como
passo final, o professor deverá encerrar a atividade com considerações conclusivas de modo a
dirimir possíveis dúvidas.
Nos momentos de verificação das porcentagens de acertos os estudantes precisam atingir,
pelo menos, 35% de acertos, para a formação dos grupos e, pelo menos 80%, para que o professor
possa decidir pela finalização do processo. Nos casos em que não se atinja 35% de acertos, o
professor deverá realizar uma nova apresentação introdutória, com maiores considerações ou,
inclusive, orientar os estudantes para um novo estudo do material. Na sequência, o professor
poderá repetir a questão conceitual ou, até, propor uma nova. Nos casos em que não se alcance a
porcentagem de 80%, conforme apresentado, o professor também fará uma nova apresentação do
tema e conduzirá os estudantes na realização de uma nova discussão de grupo.
A aprendizagem por pares apresenta-se como uma das metodologias ativas em que o
professor planeja e organiza suas aulas com maior foco na ação dos estudantes, antes e durante
as suas aulas. Como uma das suas principais contribuições está a mobilização dos estudantes para
atividades interativas com a finalidade de aprofundamento de temas de estudo. O professor tem
um papel fundamental em todo o processo, porque a essência da proposta é que os estudantes
compreendam bem o que estão estudando, com o máximo de profundidade possível.
Dos quinze anos de docência no ensino superior, utilizamos a aprendizagem por pares nos
últimos dois anos. A utilização da metodologia, intercalada com as aulas expositivas dialogadas, tem
criado novas oportunidades de aprofundamento de ideias e problemas em torno dos conteúdos
curriculares, pois favoresse a interação crítica e dialógica, na perspectiva consagrada por Freire
(1994). Essa perspectiva de ensino-aprendizagem tem sido um diferencial importante no uso
que temos feito no curso de Filosofia, à medida que desenvolvemos uma das competências mais
importantes para o profissional da área, a capacidade de argumentação, comunicação e síntese de
ideias de modo autônomo e também colaborativo.
Os testes conceituais mostraram que os resultados, depois da discussão em grupo, são
bastante superiores àqueles alcançados na etapa individual. Não é incomum os resultados dos
testes passarem de menos de 50% de acertos, para mais de 80% de acertos. O que nos permite
inferir que a interação entre pares, além de fazer com que os estudantes revejam suas posições e as
informações sobre o assunto, ainda possibilita a compreensão e a aprendizagem de questões novas.
A elaboração de questões conceituais tornou-se um grande desafio, porque percebemos que
quanto mais problematizadoras, mais intensa era a interação entre os estudantes. Assim, buscamos
preparar questões que tenham um contexto relacionado com as leituras de estudo programadas e
com as reflexões realizadas em sala. Atentando também para que elas apresentem uma dificuldade
ou um desafio teórico e prático.
A rigor, o que nos move é a busca de uma prática docente que possa criar novas experiências
de aprendizagem. Tudo isso, tendo em vista o desenvolvimento do senso-crítico e, para que os
estudantes eduquem-se na tradição dialógica consagrada pela história da filosofia, do pensamento
autônomo.
As experiências e estudos têm mostrado que a proposta de aprendizagem por pares apresenta-
se como uma das possíveis respostas para o desafio da educação frente à apatia de estudantes
no ambiente universitário, podendo, inclusive, ajudar a romper o individualismo exacerbado nas
salas de aulas e promover maior colaboração no processo educacional. Apesar de não ser um dos
objetivos das disciplinas que ofertamos, com a utilização de testes conceituais e o diálogo entre
pares, parece haver, também, o desenvolvimento da comunicação e da argumentação. O contato
com o grupo nos mostra que, mesmo os estudantes mais tímidos, participam a procura de expor
suas ideias e compreender o que o colega pensa sobre o assunto. O que se verificou, ainda, é que
REFERÊNCIAS
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