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ae Az: E R.6 = GiasFalrons WW AL (orgs) Bicclegia (Me. Educ SS. S. forle 1 Casa do Prcedle ca , Zon, Capitulo 1 Psicologia e Educacao no Brasil uma andlise hist6rica Mitsuko Aparecida Makino Antunes Consideracées preliminares ArticulagGes estreitas entre a filosofia, a preocupaco com os fenémenos psicol6gicos, a educacio e a pedagogia sio encontradas na hist6ria do pensa- mento e das préticas humanas desde a Antiguidade. Sem desconsiderar o pensamento desenvolvido pelas diferentes civilizacbes, pode-se tomar a filosofia grega como uma das mais ricas fontes de estudo} nela, « teoria do conhecimento, os saberes psicolégicos e as proposicées educacio- nis para a juventude encontrani-se intimamente articuladas. As varias escolas filos6ficas t€m concepgdes diversas sobre o conhecimento, de como ele se processa e do método para produzi-lo, o que implica buscar explicagdes de ordem psicoldgica, assim como estas devem dar a base sobre a qual se deve sustentar 2 formacio dos discfpulos, iniciantes dessa prética intelectual. Para ilustrar essa afirmagio, podem ser citados os sofistas, dentre os quais Protégoras (para quem a educacio deveria ser fator de corrego das tendéncias, nnaturais) e Gorgias (que afirma que o conhecimento implica aprendizagem, & que esta necessita de aquisigao anterior e é obtida no plano pessoal). Pité- goras, fl6sofo pré-socrético, relaciona o conhecimento a suas formulacées sobre a alma; para ele, a eduicagdo deve ser gradual e diversificada, e o método Psicolo EDU pedag6gico deve considerar a aptidio do aluno. O conhecimento, a concepcio de alma e a pedagogia estdo articulados nas ideias de Socrates, sobretudo pela maiéutica, que € fundamentalmente autoconhecimento. Para Plato, com base na razio ¢ por meio‘da reminiscéncia, o ser humano chegaria ao mundo das ideias, lugar da verdade. Aristoteles estabelece a indugS0 como o principal meio de se chegar ao conhecimento e estabelece uma légica que deve reger tal processo. © pensamento medieval é também uma rica fonte de estudos para se compreender as relagdes entre filosofia e teologia, educagéo e pedagogia saberes psicol6gicos. A patristica, a qual tem Agostinho entre seus represen tantes, considera o homem como um ser em conflito ¢ inquietude, devendo a ‘educago propiciar as condigées para se chegar & revelagio divina. A escolés- tica afirma a base psicol6gica do ensino, échsiderando que o educando tem potencialmente o saber, mas que é necesséria a ajuda do mestre. A Idade Moderna, pela efervescéncia de ideias e pela amplitude de suas proposigées filosdficas, aumentou significativamente o espectro de anslise das relagées entre teoria do conhecimento, fendmeno psicolégico e educagio, proporcionando um relevante campo estudos, 0 qual estende para a contem- Poraneidade suas determinagées e nela ainda se faz presente. O racionalismo, ‘empirismo e o associacionismo, entre outras escolas filoséficas, constitufram- se em bases importantes para a compreensio do fendmeno psicoldgico que, por sua ver, determinaram maneiras de se conceber a educacdo e 0 processo pedagégico. Para Locke, representante do pensamento empirista, por exemplo, nfo ha ideias inatas, sendo a mente entendida como um papel em branco, do que decorre que 0 conhecimento se dé pela experiéncia, formulagao esta que teve forte impacto sobre os saberes psicolégicos e implicagées para a Educac&o © a Pedagogia. Muitos foram os autores modernos que, a partir da Filosofia, deram as bases para o desenvolvimento da Psicologia como ciéncia autdnoma. Pode-se dizer que a relagio entre Psicologia e Educagao, sobretudo em suas mediages com as teorias de conhecimento, faz parte da propria hist6ria do pensamento humano e constitui-se como complexo e extenso campo de estudo, Entretanto, embora reconheca essa ampla base de estudos, este texto trata mais especificamente das relagdes entre Psicologia e Educagao no Brasil. i i i { j Psicologia e Educagao no Brasi Para uma hist6ria das relacGes entre Pscologia e Educacao: pressupostos ‘A compreensio historica das relagdes entre Psicologia ¢ Educagéio no Brasil exige o esclarecimento de alguns pontos: as denominagées ¢ a natureza dessas relacées. Pricologia Educacional, Psicologia da Educagto, Psicologia na Educagéo, Paicologia Escolar, Psicologia do Escolar, entre outras, so expressées utili- zadas para expressar a érea de conhecimento que se ocupa das relagdes entre Poicologia e Educacéo. Ainda que sejam utilizadas &s vezes indistintamente, hha implicagdes tedricas e hist6ricas que subjazem & opgao por uma ou outra denominacao (Barbosa, 2011). Neste texto, serdo utilizadas as expressée Paicologia Educacional e Psicologia Escolar. Pode-se entender, grosso modo, a Psicologia Educacional como um dos fundamentos cientificos da Educagao e da pritica pedagégica ¢ a Psicologia Escolar como modalidade de atuacéo profissional que tem no processo de escolarizagdo seu campo de ago, com foco nas relagGes que se estabelecem na escola e em seus correlatos. ‘A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma ssub-drea da Psicologia, entendida esta dtima como érea de conhecimento. A area de conhecimento pode ser entendida ‘como corpus sistematico e organizado de saberes ... . Faz-se necessério, porém, considerar a diversidade de concepg6es, abordagens e sistemas te6ricos que compdem 0 conheci- mento, particularmente no ambito das ciéncias humans, das quais a Psicologia far parte. Assim, a Psicologia da Educagio pode ser entendida como sub-érea de conhe- cimento, que tem como vocagio a produgéo de saberes relatives ao fendmeno psicol6gico constituinte do processo educativo. ‘A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo Ambito profissional e refere-se a um campo de aco deter- minado, isto é 0 processo de escolariza¢lo, tendo por objeto a escola (¢ seus similares) ¢ as relagdes que af se } i I Psicologia é EoUCACAO estabelecemy fundamenta sua atuago nos conhecimentos produzidos pela Psicologia cla Educagio, por outras sub ~éreas da Psicologia e por outras éreas de conhecimento. (Antunes, 2008, p: 470) Deve-se sublinkar que Psicologia Educacional e Psicologia Escolar, tendo foco e espectros diferenciados, ndo podem ser reduzidas uma & outra, mas esto intrinsecamente relacionadas. Para dar sequéncia a essa discussio, faz-se necessério catacterizar outras expressdes cortentes no Ambito das relagées entre Psicologia e Educacdo, destacando que também estas comportam interpretagdes diversas. Neste texto, adotam-se as concepgSes abaixo: Entendemos Educagio como prética social humanizadora, intencional, cuja finalidade € transmitir a cultura cons- trufda historicamente pela humanidade, O homem no nasce humanizado, mas torna-se humano por seu pertenci- mento ao mundo histérico-social e pela incorporagio desse mundo a si mesmo, processo este para o qual concorre @ educagio. A historicidade e a sociabilidade sio cons- Uitutivas do ser humano; a Educagio é, nesse processo, determinada e determinante: Acescola pode ser considerada como uma instituigéo gerada pelas necessidades produsidas por sociedades que, por sua complexidade crescente, demandavam formago de seus membros. A escola adotou ao longo da historia diversas formas, em fungao das necessidades a que teria que responder, tendo sido, em geral, destinada a uma parcela privilegiada da populagio, a quer caberia desempenhar fung6es espectficas, articuladas aos interesses dominantes de uma dada sociedade. Essa realidade deve ser, no entanto, compreendida também a partir de suas contradigdes, sobre- tudo a concepgio de escola como instancia que se coloca Psicologia e Educagao no Brasil hoje como uma das condigées fundamentals para a demo cratizacio e oestabelecimento da plena cidadania 2 todos, € que, embora niio seja 0 tinico, € certamente um dos farores necessétios e contingentes para a construgio de uma socie dade igualitériae juste. Sob essa perspectiva, a escola, tal como nés.2 conceberes, tem como finalidade promover «2 universalizagdo do acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, criando condigées para s aprendizagem € para o desenvolvimento de todos os membros da sociedade. A Pedagogia pode ser entendida como fundamentacio, sistematizacio ¢ organizacio da prética educativa. A preocupagio pedagégica atravessa @ historia, sustentando-se em diferentes concepgées filos6ficas, constituindo- “se sob diversas bases teGricas € estabelecendo varias proposigoes para a acéo educative. Com o desenvolvimento das ciéncias a partir da moderni- dade, o conhecimento cientifico tornov-se sua principal base de sustentacio. (Antunes, 2008, pp. 469-470) Relagdes entre Psicologia e Educacéo no Brasil Para expor brevemente as telagées entre Psicologia © Educagio no Brasil, propée-se, para fins didéticos, una peiodizagfo, que busca aglutinar elementos fque compem um todo coerente a partir das caracreristicas que se apresentam. em diferentes momentos hist6ricos. Seré apresentada! a hist6ria dos saberes psicol6gicos (Formulagdes sobre 0 psiquismo anteriores a0 reconhecimento da Poicologia como ciéncia auténoma) ¢ da Psicologia no Brasil, a partir dos seguintes periodos: 1. Pré-institucional (Periodo Colonial); 2. Institucional (géculo XIX); 3. Autonomizagio (1890-1930); 4. Consolidagio (1930-1962); € 5, Profissionalizaco (1962 em diante). Entretanto, considerando as trans- formacées da Picologia como ei€ncia e profsséo nos ultimos anos, pode-se + -AcexposigSo a seguir basins nas pesquisa exposas 005 textos de Antunes (2008) ¢ Mea € ‘Antunes (2003). | i | dizer que o momento atual constitui-se num novo perfodo hist6rico, o qual se caracteriza pela amplitude de suas agées e pelo compromisso social | Psicologia D> exBUCAERO | | Saberes psicoligicos e Educayao no Perioda Colonial: breves consideracties Os saberes psicolégicas produzidos no Periodo Colonial permaneceram por longo tempo praticamente desconhecidos. Mas, com os estudos de Marina ‘Massimi, esse perfodo tem sido ampla e sistematicamente conhecido; as produ- ges psicol6gicas descritas a seguir baseiam-se em suas pesquisas. Obras do Perfodo Colonial trataram da educagéo articulada ao fendmeno Psicol6gico, abordando temas como aprendizagem, desenvolvimento psicol6- ico, motivacio, jogos infantis, controle do comportamento, prémios ¢ castigos, personalidade, educacao feminina e educacao indigena. Alguns autores, como Alexandre de Gusméo e Mathias Aires, entre outros, Consideravam que 2 personalidade era mutivel, devendo a educaco trans- formar as tendéncias inatas, reconhecendo o papel do ambiente: “.. . um aspecto muito importante a ser salientado € o pressuposto ambientalista com relagdo A personalidade infantil e a confianga absoluta no poder da educagio como fator de determinagao do comportamento” (Massimi, 1984, p. 10). Premios e castigos como formas de controle do comportamento foram assuntos recorrentes, seja pata deferidé-los, criticé-los ou instar a moderacSo. Manoel de Andrade Figueiredo, considerava que 0 castigo poderia afetar a personalidade da crianga. Americus defendia que, a0 educador, caberia evitar 8 ocorréncia de comportamentos que pudessem vir a ser punidos. empirismo foi uma das bases para o entendimento da aprendizagem, concebida como produto da experiéncia. Também foram estudados os ritmos de aprendizagem. Manoel de Andrade Figueiredo tratou da educacio dos ‘meninos nudes (possivelmente hoje as criangas com problemas no processo de escolarieagao? ou as denominadas criangas com deficiéncia intelectual); para ele, essas criangas deveriam ser tratadas com prudéncia e sem punigées, para que 2 Prefere-se a expresso dificuldades no processo de escolarizagioe ndo difculdades de apren- dlzagem, pois aquela dz respito as condigses de ensino-aprendiagem, eesta a caracteritlas {que serlam inerentes& propria crianca, Psicologia e Educagdo no Brasil suas capacidades fossem apuradas. Foi também discutida a relacio entre apren- dizagem e faixas etérias. Outro tema identificado por Massimi (1984) foi a educagio da crianga na familia. © desenvolvimento infantil foi abordado sob vétios aspectos: sensorial, motor ¢ intelectual. O papel do jogo no desenvolvimento da crianga foi também discutido nesse periodo; destaques devem ser dados a Azeredo Coutinho, para quem 0 jogo revelava a personalidade da crianga, e a Fernéo Cardim, que estudou a brincadeita em criangas indigenas. Os estudos de Massimi mostram que a educagéo da crianca foi objeto de estudo no Perfodo Colonial, explicitando o estabelecimento de relagées entre saberes psicolégicos e praticas educativas, Muitos assuntos entio tratados permaneceram como objetos de estudo em periodos posteriores, ¢ alguns per- manecem até hoje. Os estudos da autora demonstram que a articulagéo entre Psicologia e Educagao no Brasil é mais antiga do que se aceitava até enti ‘A educagio feminina também foi tematizada no Brasil Colénia. Encon- tram-se, em varias obras, estudos sobre os costumes indigenas, abordando as relagées de género e a comparagio com a sociedade portuguesa, na qual ‘a mulher era considerada inferior, por sua inconstdncia ¢ variedade (Massimi, 1984), justificando a inexisténcia da instrucao feminina, Massimi cita autores que defendiam a educacéo feminina, como Feliciano de Sousa Nunes, que negava a ideia de inferioridade mental da mulher, ou Azeredo Coutinho, que escreveu os Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Gléria, que deveria ser uma escola feminina, mas que nfo chegou a se concretizar. ‘As obras estudadas por Massimi eram impressas em Portugal, pois eta proibida a impresséo de textos na colénia. Foram escritas por membros das camadas dominantes, sob as condigées de exploragéo da colénia pela metr6- pole, sendo que seus interesses revelavam-se, por exemplo, na questo sobre a aculturagio de indigenas, o controle do comportamento da crianga para a formagdo “moral”, que se telaciona & necessidade de controle da metrépole sobre aqueles que aqui viviam. Entretanto, havia contradigées, como a origi- nalidade de muitas dessas ideias, que anteciparam questdes que s6 mais tarde seriam tratadas ou pela abordagem de certos temas de maneira pouco comum para 2 época. Essas ideias refletem também as contradig6es da colonizagio, Psicologia EDUCACAO. manifestando relagdo de acordo ou confonto com os interesses coloniais. Para se compreender as relagdes entre Psicologia e Educagéo no Brasil, é importante considerar as ideias produzidas nesse momento hist6rico, pois elas mostram as mais antigas raizes dessas relagdes. Saberes psicaldgicos e Educacdo no século XIX As mais importantes fontes para a producio de saberes psicolégicos no século XIX foram as instituigées de ensino superior, secundério e normal e algumas instituigdes de caréter médico, criadas a partir vinda da Corte portu- guesa para o Brasil. Particularmente relevantes foram as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro (fundadas como cadeiras em.1808, passaram A condigao de faculdade em 1832) em que, em muitas teses defendidas por seus formandos, foram tratados assuntos educacionais relacionados ao fendmeno psicolégico, com prescrigées para as escolas. Os titulos de muitas dessas teses so indica- tivos da maneira como o assunto era tratado, como mostram esses exemplos: Dissertagdéo sobre a Educacéo Fisica e Moral (1843), de Joaquim Antonio da Rocha; Proposiges a respeito da Inteligéncia (1843); Da Educagdo Fisica, Intelec- tual e Moral da mocidade do Rio de Janeiro e sua influéncia sobre a savide (1874), de Amaro Ferreira das Neves Aronde; Da instrugdo ao vagabundo, ao enjeitado, ao filho do proletério e ao jovem delinquente: meios de faxé-la efetiva (1874), de Carlos Arthur Busch Varella; 2 estas somam-se algumas teses intituladas Higiene Escolar. Essas teses demonstram as ideias médicas da €poca, legitimadas Por seu estatuto de ciéncia, que deveria explicar a conduta e estabelecer normas para ela. A escola, nesse contexto, constituiu-se em objeto de saneamento fisico e ‘moral, com base em projetos higienistas, com foco na formacdo moral, visando A normalizacio do comportamento dos alunos, pela ago repressiva As condutas tidas como perniciosas. Mais diretamente ligadas 4 Educagao, as escolas normais, criadas no Brasil a partir da década de 1830, ainda que bastante incipientes, foram instituig6es que trouxeram, pela preocupagio com a metodologia de ensino, contribui- ges para o conhecimento sobre a aprendizagem ¢ o desenvolvimento da crlanga. Em meados desse século, comecaram a ser mais explicitas as ideias que Psicologia © Educagdo no Brasil relacionavam saberes psicolégicos e Educagao. No final do século, contudo, as ideias entio produzidas no Ambito das escolas normais jé se aproximavam mais daquilo que posteriormente seria denominado de Psicologia Educacional Na iiltima década do século XIX, j4 apareceram disciplinas com a deno- ‘minagdo Psicologia. Em 1892, um projeto de lei, de Paulo Egidio, propunha a0 Congresso Legislative da Provincia de Sao Paulo, a cadeira de Psicologia e Pedagogia para as escolas normais. ‘Autores como Locke, Rousseau, Pestalozei, Herbart e Spencer, que trataram da educacdo e a relacionaram a questdes de natureza psicol6gica, eram estu- dados no ambito da Filosofia. Na disciplina Pedagogia, tratava-se da educagao das faculdades psiquicas, como a inteligéncia, as sensacdes ¢ a vontade; da aprendizagem; do uso de recompensas e castigos, e do desenvolvimento psico- Iégico. Deve-se lembrar que esses temas #f éram tratados no Perfodo Colonial e continuaram sendo objetos de preocupagio posteriormente. Ideias préximas ao escolanovismo comegaram a ser introduzidas no pats, ainda de maneira assistemética. Essa concepsio viria a ser uma das mais importantes bases para o estabelecimento das relagdes entre Psicologia e Educagéo nas primeiras décadas do século XX. Com a instalagéo da corte portuguesa no Brasil, e depois com 0 governo imperial, muitas transformag6es ocorreram, levando & criagio de institu gbes que respondessem aos costumes da lite lusitana. Estas se constitufram como bases para a produgao ‘de ideias relativas aos saberes psicol6gicos ¢ & Educagdo que, nese momento, eram produzidas principalmente em institui- goes de ensino. A educagio, embora seletiva ¢ excludente, passava a ser necesséria para a crescente trbanizacdo que, entre outras coisas, carecia de mais pessoas alfabe- tizadas. Entretanto, essa caréncia permaneceu por muito tempo e faz parte da hist6ria da Educago brasileira até recentemente. Essas preocupagdes deman- davam conhecimento psicolégico, uma vez que este seria uma das bases para dar sustentacéo teGrica & Pedagogia, principalmente no que dizia respeito & aprendizagem e ao desenvolvimento infantil. ‘A produedo de ideias desse periodo gerou as condicdes para que os saberes psicol6gicos, oriundos principalmente da Europa, fossem incorporados pelo Psicologia é tue eo pensamento educacional brasileiro. E importante que se compreenda também que faz parte desse processo 0 avango da Psicologia na Europa e nos Estados Unidos que, paulatinamente, comegou a ser trazida para o pais por alguns brasileiros que realizavam seus estucios em universidades europeias. Movimentos pela modemizagio do Brasil, principalmente sustentados pelos ideais liberais, surgiram no final do século XIX. A Educagio ocupava importante funcio nesse projeto, 0 que levou a um intenso debate, que inte- grava a necessidade da Psicologia como fundamento cientifico para os novos fins ¢ préticas educativas, gerando as condigées para que ela conquistasse seu espago como frea espectfica de conhecimento, o que permite afirmar que, no ‘momento seguinte, jé se pode falar propriamente em Psicologia, que vai grada- tivamente sendo reconhecida como ciéncia auténoma. Psicologia e Educaco na vitada do século: Autonomizacao (1890-1930) Nese momento histérico, muito do que se produziu em Psicologia no Brasil ainda o era no interior de outras reas de conhecimento. Entretanto, esse perfodo se caracterizou pela gradativa introdugio da Psicologia, jé considerada como ciéncia autOnoma, oriunda da Europa e dos Estados Unidos, e por seu reconhecimento como érea especifica de conhecimento. ‘As décadas iniciais do século XX foram ricas em debates e movimentos. A jovem Repiblica, dominada pelo modelo agrario e por seus interesses, tornou- -se objeto de questionamento por intelectuais que defendiam a modernizagio do pats pelo ingresso no mundo industrializado. O projeto de uma nova nacdo exigia a formagdo de um homem novo, que pudesse responder as exigencias de tum novo modelo produtivo e de novas relagdes de trabalho, cabendo & Educacao essa tarefa, por meio de uma pedagogia também a altura dos novos tempos, © escolanovismo, que se tormou hegeménico no pensamento educacional brasileiro. Nessa época foram realizadas as Reformas Estaduais de Ensino da década de 1920, baseadas nos pressupostos escolanovistas; houve a mudanga e o incre- mento do ensino nas escolas normais; a publicagéo de obras etc. Diretamente articulada a essas mudangas, a Psicologia assumiu papel fundamental, consti- tuindo-se numa das principais bases cientificas desse projeto. easton Psicologia e Educacao no Brasil Algumas realizagées ilustram esse processo. Em 1890, foi criado o Pedago- gium, um centro de produgéo de conhecimento e estimulo para a inovagao educacional, no qual foi instalado o primeiro laboratério de Psicologia no Brasil, planejado em Paris por Binet, com a colaboragio de Manoel Bomfim, que 0 dirigiu por cerca de quinze anos. Paradoxalmente, Bomfim criticou as pesquisas feitas em laborat6rio, cujas condigées artifciais e limitadas no permitiam a apreensio da complexidade e das miltiplas determinacées do psiquismo, pois este teria uma natureza hist6rico-social, desenvolvendo-se nas relagbes sociais, pela mediacéo da linguagem. A obra de Bomfim representa uma concep¢o de Psicologia e de Psicologia Educacional que no encontrou acothimento em sua época; embora esquecido por décadas, a andlise de sua obra na atualidade demonstra a antecipagio de varias formulagbes que hoje seriam identificadas com a Psicologia Sécio-hist6rica. Duranteadécada de 1920, realizaram-se varias reformas estaduais de ensino, fundamentadas nos prinefpios da Escola Nova. As escolas normais foram um de seus alicerces, com a funcao de formar professores para esses projetos educa- cionais, contando, inclusive, com laborat6rios de Psicologia. Alguns pioneiros da Psicologia no Brasil, como Lourengo Filho e Isafas Alves, foram alguns dos responséiveis por essas reformas. A pedagogia escolanovista elegia a Psicologia ‘como um de seus principais fundamentos, a partir de estudos sobre desenvol- vimento da crianga, aprendisagem, relagio professor-aluno, acrescentando-se 0s testes pedagdgicos e psicolégicos, considerados como meios para a racio- nalizagéo da prética educativa. As escolas normais de So Paulo, Fortaleza, Salvador, Recife e Belo Horizonte so exemplares desse processo. Assim, as escolas normais tornaram-se 0 campo por exceléncia para o ensino de Psicologia, permanecendo apés a década de 1930 e dando as bases para 6s futuros cursos de Pedagogia das Faculdades de Filosofia, Ciéncias e Letras (FFCL), nos quais a Psicologia tornou-se disciplina do ensino superior, como também ocorria nos cursos de Filosofia. Nas escolas normais, havia a cétedra de Pedagogia e Psicologia (mais tarde desmembradas), pela qual a Psicologia se difundiu e de desenvolveu. Eminentes psicélogos educacionais estrangeiros tiveram suas obras traduzidas e vieram ministrar cursos, trazendo o que havia de mais recente na psicologia europeia; dentre eles, pode-se citar Piéron, Walther, Simon Psicologia EDUCACAO Claparede. Nas escoles norms também foram produsidas pesquisas, principal- ‘mente em seus laborat6rios, além da publicacao de livros para uso dos alunos, denere o: quas: Edveagao da Infancia Anowmal de Intelligencia no Brasil (1913), de Clemente Quaglio; Nogdes de Pychologia (1916) e Pensare Dizer: estado de symbole no bensament « na inguagem (1923), de Manoel Borin Peycholopia (1926), de Sampaio Doria; Test Individual de Ineligencia (1927), ¢ Os testes ea reorganizagdo Escolar (1930), de Isafas Alves, Ulisses Pernambucano, médico e diretor da Escola Normal Oficial de Pemambuco, criou, em 1925, o Insticuto de Psicologia de Pemambuco - mai tarde Instituto de Selecto ¢ Orientagdo Profissional (ISOP). Com professoras ormalistas, foram realzadas vérias pesquisas em picologia educaciona, ahordando testes pedagcgicos, testes psicolégicos e sua padronizagdo pars 4 realidade brasileira e vocabulério de escolares. A primeira escola para ctiangas om defciéncia intelectual foi criada por Pemambucano, que defendia para estas 0 atendimento no ambito educacional, € nfo sua reclusio, como eta entio comum. Como parte da Reforma de Ensino de Minas Gerais, foi criada a Escola de Aperfeigoamento de Professores de Belo Horizonte, fonte de signifcativa Produgao em Psicologia Educacional, sob a direggo de Helena Antipoff. Ela também fundou a Sociedade Pestalozei no Brasil; criou o trabalho educa, clonal da Fazenda do Rosétio, pioneiro na educagao de criangas superdocadas ¢ ¢educagdo cual, entre outras des. Antipoff foi uma proficua original pesqui- sadora, destacando-se as investigigSes que deram base &crttica que fasin ja desde a década de 1930, a0 uso e& interpretagio dos testes psicologicos, alee tando que os fatores sociceconémico-culturas eram também determinantes dos resultados obtidos, Foi autora de muitos trabalhos publicados em perid- dicos brasileiros de Psicologia e Educagéo, Kalas Alves, na Escola Normal de Salvador, também contribuiu para o desenvolvimento da Psicologia Educacional no Brasil, sendo uma dos pioneitoe fa difusdo, aplicacao, revisio e adaptagio de testes poicol6gicos e um de seus defersores para a organizagéo escolar. saas Alves também realizow a partis de ¢studos com seus pr6pros filhos, uma longa pesquisa sobre o desenvolviments da crianca. Psicologia e Educagio no Brasil qd ‘A Escola Normal de Fortaleza foi uma das bases pata a Reforma do Ensino do Cearé, realizada por Lourenco Filho, com a finalidade de formar educadores conformes aos objetivos da reforma, na qual também foi criado um laborat6rio de Psicologia, que permiti a continuacdo das pesquisas sobre maturidade para leitura e escrita que ele jé vinha realizando na Escola Normal de Piracicaba, ‘Uma importante instituigéo para o desenvolvimento da Psicologia no Brasil foi a Escola Normal de Sao Paulo, pelo ensino de Psicologia, pela produgao de seu laboratério, pelos cursos ministrados por psic6logos estrangeiros e por ter sido a base para a cétedra de Psicologia Educacional da Seco de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Cigncias e Letras (FFCL), da Universidade de So Paulo (USP). Foram catedraticos dessa escola: Sampaio Déria, Lourenco Filho ¢ Noemi Silveira, todos considerados como pioneitos da Psicologia no pais. Seu laboratério, criado em 1914, produziu pesquisas sobre grafismo, atenco, tempo de reagio, meméria, associagio de ideias, raciocinio infantil, tipos intelectuais e outras. Mais tarde, esse laborat6rio foi integrado A cétedra de Psicologia Educacional da FFCL da USP ‘As escolas normais foram fundamentais para o desenvolvimento da Psico- logia em geral e para a Psicologia Educacional em particular. Muitos pioneiros da Psicologia no Brasil foram ligadas a educagdo, e outros campos de atuacéo psicol6gica tiveram sua origem em preocupagées educacionais. A atualizagio teérica, incorporando o que estava.sendo produzido na Europa ¢ nos Estados Unidos, o ensino, a producéo'de obras, a presenca de psicélogos estrangeitos, ‘a producao de pesquisas e a fortnagio de profissionais que viriam a fazer parte i do primeizo grupo de profissionais que exerceriam atividades propriamente da & rea de Psicologia podem ser creditadas em grande parte ao desenvolvimento da Psicologia no campo da Educagio. A Poicologia como ciéncia auténoma teve seu desenvolvimento poten- cializado pela conjuntura politica brasileira, cujas demandas poderiam, pelo menos parcialmente, ser satisfeitas por essa rea de saber. Mas, como toda realidade é essencialmente contraditéria, a produgdo psicol6gica ndo era homogénea, incluindo propostas que nao se alinhavam com o projeto liberal. Bomfim, Pernambucano e Antipoff podem ser considerados como protagonistas de movimentos diferenciados, comprometides com propostas progressistas e essencialmente democriticas. Psicologia e EDUCATRO Psicologia e Educagao no século XX: Consolidagdo (1830-1962) A Paicologia, nesse perfodo, consolidou-se no Brasil como érea de conhe- cimento € prética. Ensino, pesquisa, publicagdes, criagio de associagSes e realizagio de congressos articulavam-se ao estabelecimento do campo de aco da Peicologia que, da Educagao, ampliava-se para a organizacéo do trabalho e aclinica. O ensino de Psicologia continuou tendo nas escolas normais uma de suas principais bases, dando, mais tarde, origem as cétedras de Psicologia Educa- ional nos primeiros cursos de Pedagogia, que, por sua vez, constituitam-se como alicetces para os primeiros cursos de Psicologia a partir de 1962, A cétedra de Psicologia Educacional da Segiio de Pedagogia da FECL da USP teve sua origem na Escola Normal de Sao Paulo, de lé trazendo o laboratério de Psicologia e sua catedrética, Noemi Silveira. Airida'em Séo Paulo, destacaram- -se, no ensino de Psicologia, o Instituto Sedes Sapientize, a FECL Sao Bento, a Pontificia Universidade Catélica de Sa0 Paulo (PUCSP) ~ especialmente por seu Instituto de Psicologia, dirigido por Enzo Azzi - € a PUC de Campinas, No Rio de Janeiro, a Universidade do Brasil teve sua cétedra de Psicologia e de Psicologia Educacional ocupada por Lourengo Filho. Helena Antipoff, em Minas Gerais, foi catedrética na Universidade de Minas Gerais e na Escola de Filosofia de Minas Gerais. A pesquisa foi outro campo em que a Psicologia Educacional teve signi- ficativa produgao nesse perfodo, iticluindo instituigées escolares e institutos de pesquisa educacional, como: Escola de Aperfeigoamento de Professores de Belo Horizonte; ISOP de Recife; Niicleo de Pesquisas Educacionais da Municipalidade, no Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Surdos-mudos; Instituto de Educago de Porto Alegre; Escola Normal da Bahia e Universidade da Bahia e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE), entre outros. ‘Varios periédicos de Psicologia e de Educacao foram criados, tornando-se importantes divulgadores da Psicologia Educacional, além do grande incte- mento da publicagao de livros nessa érea. Psicologia e Educacio no Brasil Nesse perfodo, o estabelecimento de uma pritica baseada na Psicologia marcou a consolidagio da Psicologia no Brasil, tendo ainda a Educagéo como seu principal substrato. Varios servigos de natureza educacional tinham a Psicologia como uma das modalidades de atendimento. Destes, podem ser destacados: Servigo de Psico- logia Aplicada do Instituto Pedagégico de So Paulo; Sociedade Pestalozzi; Escola para Anormais, em Recife; Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos (INEP); Fazenda do Rosétio; Departamento Nacional da Crianga; Instituto de Selegio e Orientagao Profissional da Fundacéo Getilio Vargas (ISOP-FGV), entre outros. ‘As ages nos campos do trabalho e da clinica tiveram suas origens também em questdes ou demandas educacionais. A orientacio educacional, susten- tada teoricamente pela psicologia, foi uma das bases para 0 desehvolvimento da Psicologia do Trabalho, assim como muitos psicblogos-educadores partici- param do desenvolvimento dessa rea. As primeiras iniciativas no campo da Psicologia Cifnica também tiveram suas origens em demandas educacionais, particularmente a necessidade de compreensio ¢ intervengéo sobre criancas com problemas no processo de escolarizagio; as Clinicas de Orientagéo Infantil de Sio Paulo e do Rio de Janeiro, a Clinica Psicolégica do Instituto Sedes Sapientiae e o Abrigo Social de Menores de So Paulo foram instituigées pioneiras nesse campo. A\lém da Psicologia ensinadla como disciplina especifica nos cursos normais de Pedagogia, a Psicologia também comparece como importante susten- téculo te6rico para a didatica e a metodologia de ensino, fundamentos da prética educativa. Experiéncias educacionais originais, que contavam com a Pricologia como uma de suas bases teéricas, foram desenvolvidas na Escola Experimental da Lapa, na Escola de Aplicagio da USP e nos Gindsios Vocacionais em Sio Paulo, £ inegavel a profunda articulagdo entre a Psicologia e a Educagao nesse periodo, Pode-se afirmar que o principal fundamento cientifico da Educaggo era a Psicologia e, a0 mesmo tempo, que o principal campo sobre 0 qual a Psicologia se desenvolveu foi o educacional. Essa relacao nfo foi, porém, isenta de criticas, muitas das quais s6 posteriormente formuladas. €q b> Psicologia EDUCACAO Percebe-se que a Pedagogia, ao sustentar-se principalmente na Psicologia, acabou por softer um psicologismo, que tendia a reduzir 0 processo educativo a apenas uma de suas dimensdes, perdendo a totalidade que a compunha, Pelos curriculos dos cursos Notmais e de Pedagogia podia-se ver um claro dominio de disciplinas psicoldgicas e de fundamentos da Psicologia em disciplinas de cardter pedagégico, 0 que acarretava uma interpretagio limitada e compro- metida do processo educacional. Esse foi um dos determinantes da tendéncia a se atribuir a0 aluno a responsabilidade pelos problemas cuja origem estava no processo de escolarizagio, e nfo em suas disposicées psicolégicas, como dificuldades para aprender, problemas emocionais decorrentes das relagdes familiares, comprometimento intelectual etc. E posstvel afirmar que o denomi- nado fracasso escolar foi produzido, pelo menos em parte, pela maneita como Psicologia e Educagao se articularam e produzicam interpretagées. suposta- mente cientificas, que deram base a agées prejudiciais a0 educando e a seu processo de escolarizagao. A utilizagdo de testes psicolégicos, muitas vezes néo adaptados para a reali- dade da crianga brasileira, foi um dos fatores que contribufram para a rotulagao de alunos, diagnosticando-os precariamente como “deficientes” e os enviando para escolas especiais, subvertendo seu propésito original que era o de dar atendimento educacional adequado as necessidades educativas da crianga, e transformando-as em espacos de segregacio e de negacéo de uma educagio realmente capaz de promover dprendizagem e desenvolvimento. Havia, no entanto, contradigdes. Muitos dos trabalhos realizados nesse encontro entre Psicologia e Educagao trouxeram contribuigées relevantes e comprometidas com 0 desenvolvimento de uma educagio mais igualitéria € democratica. Os trabalhos desenvolvidos por Antipoff, Pernambucano ¢ outros partiram de concepgdes de Educagio e de Psicologia que buscavam a construgdo de uma educagio voltada aos interesses da maioria da populacéo, ‘hum momento hist6rico em que a educaco era privilégio de uma minoria e sua organizagdo respondia aos interesses da elite. Nesse periodo, ocorreram transformagies significativas na sociedade brasileira, com a implementagio do modelo politico-econémico desenvolvi- mentista, A Psicologia, sobretudo por meio de suas técnicas, contribuiu com ‘0 novo modelo, servindo aos interesses dominantes. Por outto lado, trabalhos Psicologia e Educagio no Brasil realizados pela Psicologia também assumiram compromissos com os interesses populares, embora eles ndo tenham logrado tornar-se, naquele momento, hegeménicos. Psicologia e Educagéo no sécula XX: Profissionalizagao (a partir de 1962) A profissio de psicélogo foi reconhecida em 27 de agosto de 1962, pela lei 4119, que também estabeleceu os cursos de Psicologia e seu curriculo minimo, Foi também formada uma comissio para canceder o registro de psicélogo aqueles que provassem atuacéo nesse campo. Assim, os primeiros psicdlogos registrados eram formados em outros cursos, dentre os quais os de Pedagogia; muitos destes foram também professores dos primeiros cursos de Psicologia, Menos de dois anos depois, veio o golpe de 1964 a instauragio da ditadura militar: Repressao violenta aos oponentes € uma politica de interna- cionalizagéo da economia, capitaneada pelos Estados Unidos, foram as bases do novo governo, que interferiu em varios setores da sociedade, entre eles a educagao. Os acordos MEC-USAID promoveram a Reforma Universitéria de 1968 e a lei 4692/1971. A Reforma Universitéria ampliou 0 ensino superior pela privatizagdo; muitos cursos de Psicologia foram criados em instituigées privadas, aumentando consideravelmente 0 niimero de psicélogos, muitos dos quais com formacao precétia €com possibilidades restritas de insergao profissional. A educagao basic foi organizada em 1° e 2° graus, aligeirando os contetidos e, neste tiltimo, eliminando as disciplinas humanistas e impondo ‘uma profissionalizacdo que nunca se efetivou; a Psicologia foi uma das disci- plinas eliminadas do curriculo, junto com Sociologia e Filosofia (Os campos de atuacao do psicblogo conformaram-se Aquilo que se desen- volvera no perfodo anterior, qual seja: educacSo, trabalho e clinica; pesquisa € ensino eram atividades em geral relacionadas aos campos de atuagio. Se antes a educago constitufa-se no principal campo de atuagio para a Psico- logia, nesse momento a clinica passou a ser a modalidade preferida de atuacéo para graduandos e jovens psicélogos, seguida do campo da organizagéo do trabalho. Psicologia EDUC A diminuigao do interesse pelo campo educacional somou-se as criticas ue, a partir de meados da década de 1970, comegaram a set feitas a relagio que se estabelecera entre Psicologia e Educacio até entdo. Havia, de um lado, a critica de educadores ao psicologismo e, por outro, a critica de alguns psicé6- logos & atuagio da Psicologia Escolar baseada numa perspectiva clinica, que adotava 0 modelo médico de interpretagio e atuagéo sobre os fendmenos educacionais. ‘A Paicologia, muitas vezes tratada de maneira aligeirada e desprovida de profundidade teérica, ou baseada num modelo naturalista de cunho médico, contribuia para uma visio superficial e equivocada do psiquismo no processo educacional, promovendo interpretagées que contribufam para a manutengéo de uma educagéo desigual, cujos determinantes eram atributdos, sobretudo, & crianga e & familia, tirando do foco interpretativo as relagbes sociais @ pedagé- gicas que se travavam no interior da escola. Os testes psicolégicos, por seu uso ¢ interpretacio, tomaram-se um dos principais alvos de critica, pois contri- buiram para a excluséo de grande contingente de criangas dos bancos escolares, sendo a elas atribuida a responsabilidade por esse processo. Os problemas escolares (institucionais) eram tidos como problemas de aprendizagem (indi- viduais), encobrindo os fatores intraescolares que os determinavam. A Psicologia Escolar, por sua vez, claborava criticas contundentes & forma de atuagéo corrente nesse campo. Q modelo médico dava base a interpreta- Ges patologizantes e a uma atuacao terapéutica sustentada no atendimento individual do educando, em vez de uma disposicfo para uma atuacéo de cardter pedagégico e coletivo. © trabalho de Maria Helena Patto foi um marco na critica a psicologia escolar hegeménica, mostrando que o fracasso escolar nio era o resultado das condig6es intrinsecas & crianca, mas produzido pelas e nas relagdes escolares. Alguns trabalhos de Psicologia Escolar, no entanto, sustentaram suas aces ‘num modelo educacional, intervindo diretamente no espago escolar e numa ago conjunta com outros profissionais da escola. Dentre outros, podem ser citados o trabalho do Servigo de Psicologia Escolar da Secretaria da Educagéo dd Prefeitura Municipal de Sao Paulo, sob a coordenacéo de Yvonne Khouti, ¢ © Pré-Leste, desenvolvido por Sérgio Leite, na regio de Mogi das Cruzes, em Sto Paulo, Psicologia e Educagao no Brasil Esses trabalhos foram fundamentais para a elaborago de novos modelos de atuagio do psicélogo escolar, comprometidos com os interesses das classes popu- laces, tendo em vista uma escola democrética e inclusiva, que pudesse garantir a todos 0 acesso ao conhecimento, por meio de uma aprendizagem efetiva, que produzisse o desenvolvimento integral e pleno de todos os educandos. ‘Actitica & Psicologia Educacional e Escolar no foi um fator isolado, mas uma das expresses do movimento geral de critica & Psicologia como ciéncia e profisséo. A busca de concepgées ¢ formulagées teéricas que dessem conta da complexidade do psiquismo ¢ ao mesmo tempo estivessem enraizadas em nossa realidade e em seus problemas e a busca de modalidades de atuago que se comprometessem com os problemas reais da populagio brasileira (¢ latino- americana), sobretudo das classes populares, tornaram-se objetivos comuns ‘a um grupo de psicélogos. Articulado a isso, foram criadas associagdes como a Associagdo Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), redirecionadas as aces de Conselhos Regionais (e posteriormente também do Conselho Federal de Psicologia) e Sindicatos de Psicélogos, assim como a participacio de parte significativa da categoria em varios movimentos sociais pela demo- cratizagio do pats. Psicologia e Educagao na virada do século XX para o século XI: ampliacdo da atuacéo e comprom/sso social Muitas criticas iniciadas em meados da década de 1970 foram se fortale- cendo e se consubstanciando em elaboragoes teGricas baseadas em concepgdes criticas de homem, sociedade e conhecimento, fundamentando a mudanga das praticas tradicionais da Psicologia e gerando condigées para a emergéncia de novas priticas, comprometidas com as necessidades e interesses das classes populares, gestando, assim, novos campos de atuagéo para o psicélogo. No campo da Educagdo podem ser destacadas duss instncias de trans- formagéo, diretamente articuladas uma 2 outra: a base teérica da Psicologia Educacional e a pritica da Psicologia Escolar. A busca eo desenvolvimento de bases te6ricas sélidas em Psicologia, coe- rentes com concepg6es de homem e sociedade que se comprometem com a transformacSo social na diregio da satisfagdo das necessidades ¢ interesses das Psicologia “EDUCA maiorias, tém sido marcas significativas de parte da produgdo de conhecimento na dea, o que permite sua gradativa incorporacéo aos contetidos presentes na formagao de novos psic6logos. No que diz respeito & prética da Psicologia Escolar, é posstvel identificar atuagées comprometidas com a transformagéo da Educagao, principalmente ‘no Ambito da escola péblica. O trabalho coletivo com os demais profissionais da Educagio, a socializagao de conhecimentos psicolégicos de base teérica sélida como condigéo mediadora da pritica educativa, a intervencao no Ambito da prética pedagégica, entre outras formas de atuacSo, tém consti- tuido aportes relevantes para a Educagio e contribu(do para a transformagao do processo de escolarizacio nos varios segmentos da educago formal € informal. A amplitude de atuagio do psicélogo escolar estende-se para os varios protagonistas do processo educativo, como educandos, educadores, familia e comunidade, assim como se estende para todos os segmentos da educagio formal, incluindo, entre outros, a educagio de jovens e adultos e 0 ensino superior, hoje acessfvel a parcelas da populagdo que até entdo estavam alijadas desse nivel de ensino (Marinho-Araujo, 2009), Deve-se dar destaque a atuacao da psicologia escolar no rompimento de velhos ciclos de excluséo, como a deficiéncia, 0 conflito com a lei, as questées de ordem étnico-racial, entre tantas outras formas de sofrimento social. Entretanto, como a realidade nac'é homogénea, concomitante ao desen- volvimento dessa perspectiva, ffersistem ainda teorias (ou o aligeiramento delas) © préticas baseadas naquilo que tem sido jé por algumas décadas criticado. Hi que se reconhecer, por outro lado, que esse movimento foi, e €, heterogéneo, pois hd segmentos que tomam a dian- teira do processo, outros que respondem mais tardiamente «, claro, outros que resistem. Essa catacteristica, porém, no € exclusividade da Psicologia no Brasil, nem da Psico logia Escolar em especial, mas condigdo do préprio process historico, que nunca homogéneo nem ocorre em bloco. (Antunes, 2003, p. 167) Psicologia e Educagio no Brasil Em resumo, pode-se dizer que muitos foram os avancos da Psicologia, da Psicologia Educacional e da Psicologia Escolar. Os estudos ¢ pesquisas na rea tém sido potencialmente desenvolvidos, com a incorporacio € a construgSo de teorias sélidas, fundamentadas em concepg6es que concebem o psiquismo , complex e multideterminado; mais que como fendmeno hist6rico-so isso, sao formulagées tedricas que se baseiam em concepgées progressistas de homem e de mundo, condiglo esta necesséria para dar base a uma atuacao comprometida com a transformagio da realidade educacional na diregio de uma educagio democrética, igualitéria ¢ radicalmente inclusiva, Consideracées finais Essas anélises histGricas sobre as relagdes entre Psicologia e Educagao no Brasil so apenas um breve resumo de um conjunto muito mais amplo de pesquisas que tém sido realizadas por pesquisadores de varias regides do pais, Atualmente, é relativamente grande o ntimero de pesquisadores que se dedicam aos estudos sobre a hist6ria da Psicologia no Brasil sob diferentes focos cerelativos a diferentes perfodos hist6ricos; a Educagéo tem sido um dos campos 10 de pesquisas nessa perspectiva. ‘mais proficuos para a realiza Entretanto, pode-se afirmar que hé ainda muito o que se pesquisar sobre as relagdes entre Psicologia e Educagéo ho Brasil, pois esse breve resumo & apenas uma interpretacdo possivel, necessariamente transformavel, que demanda novas incurs6es sobre esse campo que comporta uma riqueza inestimével a ser identificada e conhecida. ‘Ainda que se reconhega as limitagdes deste texto, é possivel arriscar alguns pressupostos derivados da anélise histérica das relagées entre Psicologia Educagio, tais como: a Psicologia tem contribuigéo a dar a Educagio; tem que ser uma Psicologia que fornega uma base te6rica para a “compreensio dos processos psicolégicos que constituem o sujeito do processo educativo e sio necesséirios para a efetivacSo da acto pedagégica” (Antunes, 2008, p. 474); ¢ necessério considerar os sujeitos do processo educativo em sua concreticidade, isto é, como sujeitos histéricos e sociais; deve ser uma Psicologia que teco- nheca e se comprometa com todos os protagonistas da Educagéo: edueandos, 4d Psicologia eEDUCACAO educadores, familia © comunidade; precisa atuar na perspectiva do trabalho Coletivo com outros profissionais da Educagio, comprometendo-se com uma atuacio mais ampla, como a contribuigdo na elaboragao de projetos politico- -pedagOgicos e na gestio de politicas piiblicas. Muitos sdo os desafios da Educagao brasileira, como muitos sio os desafios que essa realidade impde a Psicologia. Essa é a condigéo para o desenvolvi- mento da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil. Psicologia e Educacdo no Brasil Referéncias Bibliogréficas Antunes, M. A. M. (1991). O processo de autonomizacao da Psicologia no Brasil (1890-1930) ‘ena contribuicao aos estudos em Historia da Psicologia. Tese de doutorado, Pontificia Universi dade Catolica de Sao Paulo, Séo Paulo, Antunes, M. A. M. (2004). A psicologia no Brasil leitura hitrica sobre sua constswigdo, S80 Paulo: EDUC e Ed. Unimarco, ‘Antunes, M. A.M. (Org). (2004). Histéria da psicolagia no Brasil: primeos ensaios. Rio de Janeiro: Ed. da UERY, Antunes, M. A. M, (2008, julho(dezembro). Psicologia escolar ¢ educacional: histéria, compromissos ¢ perspectivas, Psicologia Escolar e Edueacional. 12(2), 469-475. Barbosa, D. R, (2011). 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