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- Elas podem ser distintivas, distintas, mesmo quando não procuram sê-Ia. A
definição dominante da "distinção" chama de "distintas" as condutas que se
distinguem do comum, do vulgar, sem intenção de distinção. Nestas questões, as
estratégias mais "lucrativas" são as que não são vividas como estratégias. São as
que consistem em gostar ou mesmo em "descobrir" a cada instante, como se por
acaso, o que deve ser gostado. O lucro da distinção é o lucro que proporciona a
diferença, o distanciamento, que separa do comum. E este lucro direto é acrescido
por um lucro suplementar, ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, o lucro do
desinteresse: o lucro que se tem ao se ver − e ao ser visto − como quem, não está
buscando o lucro, como quem é totalmente desinteressado.
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Entrevista a Didier Eribon a respeito de "La distinction", Libération, 3 e 4, novembro de 1979.
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P - Se toda prática cultural é uma colocação à distância (você inclusive
diz que o distanciamento brechtiano é uma colocação à distância do povo), a
idéia de uma arte para todos, do acesso de todos à arte, não tem sentido.
Seria preciso denunciar esta ilusão de um "comunismo cultural".
- Eu mesmo já participei da ilusão do “comunismo cultural" (ou lingüístico). Os
intelectuais espontaneamente pensam a relação com a obra de arte como uma
espécie de participação mística em um bem comum, sem raridade. Todo o meu
livro lembra que o acesso à obra de arte requer instrumentos que não são
distribuídos universalmente. E, conseqüentemente, os detentores destes
instrumentos asseguram para si mesmos os lucros da distinção, lucros tanto
maiores quanto mais raros forem estes instrumentos (como os que são
necessários para se apropriar de obras de vanguarda).
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P - As marginalidades, os movimentos de contestação, não
perturbariam, então, os valores estabelecidos?
- É claro, mas eu sempre começo pegando as coisas pelo outro lado e
lembrando que estas pessoas que se querem nas margens, fora do espaço social,
estão situadas no mundo social, como todo mundo. Chamo este tipo de sonho de
vôo social e creio que isso exprime muito bem sua posição de desajuste no mundo
social: a posição que caracteriza os "novos autodidatas", aqueles que
freqüentaram o sistema escolar até uma idade suficiente para adquirir uma
"relação cultivada" com a cultura, mas sem obter títulos escolares ou sem obter
todos os títulos escolares que sua posição social de origem lhes prometia.
Dito isto, todos os movimentos de contestação da ordem simbólica são
importantes, pois questionam o que parece evidente, inquestionável, indiscutível.
Subvertem as evidências. Foi o caso de Maio de 68. É o caso do movimento
feminista que não se elimina pelo fato de se dizer que é coisa de "burguesas". Se
estas formas de contestação freqüentemente incomodam os movimentos políticos
ou sindicais, talvez seja porque vão contra as disposições profundas e os
interesses específicos dos homens de aparelho. Mas é, sobretudo, porque,
sabendo por experiência que a politização, a mobilização política das classes
dominadas deve ser conquistada, quase sempre, contra o doméstico, o privado, o
psicológico, etc., eles têm dificuldades em compreender as estratégias que visam
a politizar o doméstico, o consumo, o trabalho da mulher, etc. Mas isto exigiria
uma análise muito longa... Em todo caso, ao deixar fora da reflexão política
domínios inteiros da prática social, a arte, a vida doméstica, etc., etc., nos
expomos a formidáveis reaparecimentos do que foi reprimido.
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lência suave dos novos ideólogos profissionais que freqüentemente se apóiam
numa espécie de racionalização semi-científica da ideologia dominante, contra os
usos políticos da ciência, da autoridade da ciência, ciência física ou ciência
econômica, sem falar da biologia ou da sócio-biologia dos racismos avançados,
isto é, altamente eufemizados. Em suma, trata-se de assegurar a disseminação
das armas de defesa contra a dominação simbólica. Seria necessário, também,
dentro da lógica do que acabo de dizer, deixar fazer parte da cultura
necessariamente política muitas coisas que a definição atual tanto da cultura
quanto da cultura política exclui... Não perco a esperança de que, um dia, algum
grupo possa assumir este trabalho de reconstrução.
P - Mas você não teme que suas análises (por exemplo, sobre o lugar
dos valores da virilidade no estilo de vida da classe operária) venham a
reforçar o obreirismo?
- Você sabe; quando eu escrevo, temo muitas coisas, isto é, muitas más
leituras. O que explica a complexidade de algumas de minhas frases, coisa de que
me criticam freqüentemente. Tento desencorajar previamente as más leituras que
muitas vezes eu posso prever. Mas as observações que coloco entre parênteses,
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um adjetivo, aspas, etc., só sensibilizam aqueles que deles não necessitam. E
numa análise complexa, cada um retém a parte que o atrapalha menos.
Dito isto, creio que é importante descrever os valores da virilidade na classe
operária, pois é um fato social como qualquer outro, embora freqüentemente mal
compreendido pelos intelectuais. Entre outras razões, porque estes valores que
estão inscritos no corpo, isto é, no inconsciente, permitem compreender muitas
condutas da classe operária e de alguns de seus porta-vozes. Evidentemente não
apresento o estilo de vida da classe operária e seu sistema de valores como um
modelo, um ideal. Tento explicar a importância dada aos valores da virilidade, à
força física, notando, por exemplo, que se trata de um fato que se refere a pessoas
que praticamente só contam com a sua força de trabalho e, eventualmente com a
força de combate. Tento mostrar em que medida a relação com o corpo
característica da classe operária está na origem de todo um conjunto de atitudes,
condutas, valores, e que esta relação permite compreender a maneira de falar, de
rir, assim como a maneira de comer ou de andar. Eu digo que a idéia de virilidade
é um dos últimos refúgios da identidade das classes dominadas. Tento, aliás, mos-
trar os efeitos políticos, entre outros, que pode ter a nova moral terapêutica
incessantemente divulgada nas campanhas publicitárias pelos jornalistas de
revistas femininas, psicanalistas de pobre, conselheiros conjugais, etc., etc.... Isto
não quer dizer que eu exalte os valores da virilidade ou suas utilizações, quer se
trate da exaltação do machão, predisposto aos serviços militares (o lado Gabin-
Bigeard que inspira aos intelectuais um horror fascinado) ou do uso obreirista do
estilo bom menino de linguagem franca e simples que permite economizar a
análise, ou pior, silenciar a análise.
P - Você diz que as classes dominadas têm apenas um papel passivo nas
estratégias de distinção, que elas não passam de um "contra-ponto".
Portanto para você não existe "cultura popular".
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depois, eu gostaria, gostaria muito mais, é claro, que lessem o meu livro...
P - Mas você mostra bem a união que existe, na classe operária, entre a
relação com a cultura e a consciência política.
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N. T. - CFDT: Confédération Française Démocratique du Travail
CGT: Confédération Générale du Travail.
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freqüentemente são retraduzidos sob a forma de conflitos de gerações. Mas para
tornar estas instituições mais precisas, seria necessário fazer análises empíricas
que nem sempre são possíveis.
3
N. T. - Libération: jornal humorístico de esquerda.
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N. T. – Enarcas: os que se formaram na Escola Nacional d e Administração (ENA).
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isso que, contra o anticientificismo que está em moda e que delicia os novos ideólo-
gos, eu defendo a ciência e mesmo a teoria quando ela consegue uma melhor
compreensão do mundo social. Não se trata de escolher entre o obscurantismo e o
cientificismo. "Entre dois males, dizia Karl Kraus, eu me recuso a escolher o
menor".
Perceber que a ciência se tornou um instrumento de legitimação do poder,
que os novos dirigentes governam em nome da aparência de ciência econômico-
política que se adquire nos cursos de ciências políticas e nas Business-schools,
não deve conduzir a um anticientificismo romântico e regressivo, que sempre
coexiste, na ideologia dominante, com o culto aberto à ciência. Trata-se antes de
produzir as condições de um novo espírito científico e político, liberador porque
liberado das censuras.
- Meu objetivo é contribuir para impedir que se diga não importa o que sobre o
mundo social. Schoenberg disse uma vez que ele compunha para que as pessoas
não pudessem mais escrever música. Eu escrevo para que as pessoas, e
principalmente os que têm a palavra, os comunicadores de massa, não possam
mais produzir, em relação ao mundo social, um barulho que tenha a aparência de
música.
Quanto a dar a cada um os meios de fundar sua própria retórica, como diz
Francis Ponge, de ser seu próprio e verdadeiro porta-voz, de falar ao invés de ser
falado, esta deveria ser a ambição de todos os comunicadores de massa que
seriam, sem dúvida, algo inteiramente diferente daquilo que são, se tivessem o
projeto de trabalhar para seu próprio desaparecimento. Podemos até sonhar, ao
menos uma vez...