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CAPITULO 4 FASES NA VIDA FAMILIAR no inicio de sua vida, anda com quatro és? A famosa pergunta da da vida huraana. Desde a fases da vida a com as Qual € o animal que, pernas, no meio com duas e no fim com tr esfinge a Edipo constata o carater ciclico Antigiiidade, a sabedoria popular descreve assim as fa humana: o homem entra no mundo engatinhando, caminhi préprias pernas quando adulto independente e precisa de uma bengala quando as forgas do corpo comecam a desaparecer. Nas mais diversas culturas, est4 claro que certas tarefas estao ligadas a determinadas fases da vida. Assim o livro de Eclesiastes diz: “Jovem, alegre-se na sua juventude e seja feliz nos dias da mocidade. Siga os impulsos do seu corag&o e os desejos dos olhos... Expulse a melancolia do seu coracgdo e afaste do seu corpo a dor, porque a juventude e os cabelos negros séo fugazes” (Ec 12.9s). Obviamente, o Antigo Testamento relaciona os prazeres da vida e a tarefa de divertir-se 4 juventude, enquanto a velhice esta ligada 4 dor e a tristeza. O que parece ser um ritmo biologico e natural é na verdade um esquema cultural. S4o possiveis outras interpretag6es das fases da vida, por exemplo uma vis&o que descarta a juventude como um periodo de tolice e perigo de ser levado por suas pulsées, mas louva os idosos disciplinados que superaram as tentagGes e assim adqui- riram a capacidade de ensinar e liderar outros na sociedade. Isso quer dizer que uma determinada cultura interpreta os fatos biologi- cos do ciclo da vida do ser humano desde o nascimento até a morte conforme os seus valores e a sua compreens&o dos papéis de homem e mulher na vida. Cada povo tem os seus ritos de passagem para comemorar as transigdes durante o ciclo da vida. Esses ritos transmitem aos indi- viduos o ideal de um ciclo de vida comum que existe numa deter- minada sociedade. Eles tém a fung&o de ajudar os individuos e o grupo social a assumirem a nova identidade social que os espera quando passam da infancia para a adolescéncia, quando casam e criam uma familia, quando nascem os filhos e quando um membro FASES NA VIDA FAMILIAR do grupo morre. Segundo a pesquisa classica de Arnold van Gennep, esses ritos contém elementos de separacdo, que marcam a despedi- da de uma fase para o individuo e 0 grupo, elementos de margem que fornecem subsidios preparatorios para poder entrar em nova fase de vida e elementos ritualizados da reintegragao no grupo SO- cial como membro que agora assumiu um outro status social. Batismo, Confirmac&o, matriménio e enterro s4o os ritos de pas- sagem com os quais a Igreja cristé acompanha as pessoas no seu processo de individuaca&o durante o curso da vida. O importante é que esses ritos sempre tém uma perspectiva familiar e social. Eles afas- tam a desordem e o distirbio criados quando um novo membro entra no grupo familiar através de nascimento ou casamento, quando o despertar da sexualidade se torna um perigo para as outras relagoes estabelecidas e quando um membro se afasta do grupo ou morre. Assim esses ritos s4o fatores fortes para manter a ordem da socieda- de, estruturar a vida dos individuos e definir responsabilidades. Constata-se que, na sociedade ocidental, a importancia dos tradicionais ritos de passagem esté em declinio. Quando dois namo- rados decidem morar juntos e criar filhos sem casar, mostrase uma tendéncia da sociedade de se preocupar mais com 0 individuo e excluir as relagdes particulares do cuidado publico. Para as familias isso significa um aumento de inseguranca e de estresse, pois nao esta claro quanto tempo o novo membro vai ficar na familia, quais as suas responsabilidades e os seus direitos (p.ex. em relagao aos bens da familia). Pesquisas sobre o indice de reajustamento social reve- lam que eventos como perder ou ganhar um membro da familia sao uma das maiores causas de estresse, que exigem bastante esfor¢o na adaptacgao (Hoffman, 1995, 85). Com a falta do rito de passagem perde-se um recurso importante para trabalhar o impacto. Porém, a sociedade tem a tendéncia de manterse estavel e substitui os ritos tradicionais de passagem por outros que parecem ser mais adequados a0 mercado. Lembramos aqui a eriacdo do “dia dos namorados”, “dia das mes” ou outros rituais de consumo (o carro do ano, a compra de moveis e eletrodomésticos quando se cria um novo lar) nos quais 0 mercado ocupa 0 lugar das tradigdes. Nao devemos nos enganar sobre a forga desse movimento. “A nogao de infancia foi descrita como uma invenc4o da sociedade ocidental do século dezoito e a de adolescéncia como uma invengao do século FASES. dezenove (...), relacionado aos contextos cultural, econédmico e politico daquelas épocas. A nogéo de idade adulta jovem como uma fase independente poderia facilmente ser reclamada como uma invencao do século vinte, e a das mulheres como pessoas indepen- dentes, como do final do século vinte, se é que isto ja € aceito atualmente. As fases do ninho vazio e da terceira idade também sao _ desenvolvimentos principalmente deste século, desencadeadas pelo menor numero de filhos e pelo periodo de vida mais prolongado de nossa época” (Carter e McGoldrick, 1995, 13). Parece também que os esquemas do ciclo da vida elaborados nas ultimas décadas por psicdlogos e socidlogos estabeleceram padroes ~ de um ciclo de vida “normal”, que se tornaram quase normativos como eram antigamente os ritos de passagem. Assim, os oito estagios/ do desenvolvimento psicossocial de Erikson funcionaram durante trés décadas quase como uma agenda liturgica de psicoterapeutas e assistentes sociais ‘no Ocidente. Com essa agenda nas mdos eles trataram as crises de identidade, fend6meno regular da juventude, interpretaram disturbios psiquicos das pessoas de meia-idade como sintomas de estagnac&éo e procuraram aumentar a sabedoria dos idosos. Nao descartamos o valor da tentativa de descrever empiri- camente as fases e o ritmo da vida. Mas essas descricées sfo sempre uma construgdo relativa. Até hoje os pesquisadores ainda nao conse- guiram chegar a um consenso sobre o numero de fases na vida. A contagem chegou a aleangar o numero de vinte e quatro estagios. Novas analises da teoria do ciclo da vida de Erikson destacam o individualismo desse modelo, a sua relatividade cultural e o enfoque masculino. Uma leitura feminista aponta com toda a raz&io que a maioria das atitudes, que nos oito estagios de Erikson (confiancga & versus desconfianca; autonomia versus vergonha e divida; iniciati- va versus culpa; industria versus inferioridade; identidade. versus confuséo de papéis; intimidade versus isolamento; generatividade versus estagnacao; integridade versus desespero) mostram a fragi- lidade da pessoa, 6 encarada como um fracasso do Eu e néo inte- grada no ideal de um desenvolvimento sadio. Aqui aparece uma perspectiva masculina “com uma capacidade deficiente para a intimidade, e...dificuldade em relacionar-se com sua vulnerabilidade, duvida e imperfeigao” (McGoldrick, 1995, 33). Erikson transmite i uma concep¢cdo da identidade feminina definida pela atratividade, pela busca de um homem e o “comprometimento com os cuidados as criancas”. Ele descreve e prescreve um tipo de identidade feminina / FASES NA VIDA FAMILIAR em nossa sociedade que exige da mulher primeiro “aprender a ser dependente e depois (para algumas) aprender a superar isso” (Aylmer, 1995, 170). A teoria do ciclo da vida nao pode ser dirigida por preconceitos comuns em relacdo aos papéis de homens e mulheres e desenvolver uma concepcao de identidade masculina ligada a auto- expressio e ao trabalho e de identidade feminina baseada nos relacionamentos e no auto-sacrificio para os familiares. Enfatizamos aqui que “tanto a autonomia quanto o apego sao objetivos adultos funcionais, no amor e no trabalho, para homens e mulheres igualmente. Entretanto, em nossa sociedade, cada sexo foi ensinado a perseguir um e a negligenciar ou abster-se do outro” (ibid., 170). De fato, o papel da mulher no ciclo da vida mudou signi- ficativamente nas Ultimas duas décadas. O controle da natalidade, o decréscimo de partos e a procura por uma profissao fez com que as mulheres entrassem em ambientes tradicionalmente masculinos. Porém, elas continuam assumindo a maior parte da responsabilida- de para com a familia. Elas vivem numa rede maior de relagdes do que os homens, envolvem-se mais emocionalmente e assim se tornam mais frageis e vulneraveis quando surgem crises como o divorcio ou a morte de um membro da familia (McGoldrick, 1995, 31). Falando em ciclo da vida, temos que manter uma perspectiva critica quanto as particularidades do desenvolvimento das mulheres e as prescricG6es ideologicas nelas contidas. Frente a um numero crescente de divércios e mudang¢as no ciclo da vida, causadas pela pobreza, surgem dividas em que medida podemos falar de um ciclo de vida normal. Mesmo assim, com certas restrigées, uma descrigdo das fases da vida é de grande importancia para a compreenséo da familia e das responsabilidades e tarefas dos seus membros 4 medida que supera a idéia de que a pessoa se desenvolve 4 parte da familia e leva em consideragao a variedade cultural da mesma e as mudangas internas e externas as quais ela esta exposta. Nas atuais sociedades ocidentais, observamos que todas as pesquisas apontam fases como “o namoro, 0 casamento, a chegada dos filhos, a adolescéncia, a partida dos filhos, o reajusta- mento do casal, o envelhecimento e o enfrentamento da morte” (oft- man, 1995, 88). Ha uma diferenga significativa entre o ciclo de vida de familias de classe média e familias pobres, 0 que exige que a abordagem de cada fase considere as mudangas no ciclo da vida causadas pela pobreza. Quando se fala em desenvolvimento, facilmente se cria a idéia de que a vida seria um fluxo continuo como um rio. A nosso ver, acontece 0 contrario no desenvolvimento da familia. As transigdes de uma fase para outra séo parecidas a uma cascata em que um desnivel de altura interrompe o fluxo continuo, causando um impacto violento, liberando energias desconhecidas e pressionando o rio para adaptar- se a um novo seguimento do seu curso. Assim como a agua numa cachoeira, também as familias como sistemas de relacionamento mudam a sua identidade no pulo de um nivel de organizacao e funcio- namento para outro. Quando surgem novas condig6es, por exemplo O nascimento de um filho, os mecanismos estabelecidos do sistema para manterse estavel comecam a funcionar mal. Procuram-se Mo- mentaneamente outras solugdes que permitem segurar o antigo funcionamento do sistema familiar. Quando esses fracassam, O aumento de estresse leva o sistema a um estado de crise, que provoca um colapso ou fugas, solugées disfuncionais para resolver 0 proble- ma. A crise confunde as relagées familiares, as emogées, os valores € © comportamento e exige que a familia busque uma nova forma de integrac&o, assim como o rio deve buscar um novo leito para continuar o seu fluxo apés ter caido na cascata (Hoffman, 1995, 86). a Adulto jovem Uma fase decisiva para a constituigaéo de uma familia é a saida dos adultos jovens da casa dos pais. Adultos jovens sao pessoas na faixa entre 18 e 30 anos, que trabalham ou terminaram uma formacgao profissional e, em grande parte, se auto-sustentam. A antiga formula- cao de Freud sobre o que é um adulto normal ainda nos parece adequada: uma pessoa que sabe trabalhar e amar. Para chegar la, um. adolescente tem que superar muitas vezes grandes dificuldades consigo mesmo e na familia. Para ele, a entrada no mundo profissio- nal é uma fase muito estressante. A tarefa de achar um emprego e de testar se este emprego é adequado traz sentimentos de duvida quanto ao proprio valor da pessoa. A competigaéo no mercado de trabalho e na cooperacaéo dentro das empresas pode irritar o jovem adulto e baixar a sua auto-estima. Jovens que tém dificuldades no emprego tendem a voltar para a familia, desencadeando assim conflitos que| afetam todo o grupo. Uma tentativa de solug&o pode ser um casamen-| to precipitado, em que o jovem passa de um ninho para outro e evita assim enfrentar a separacéo dos pais e o confronto com o mundo fora FASES NA VIDA FAMILIAR de casa. Geralmente, os pais tem expectativas em relacao aos filhos e os comparam a irm4os e primos. Depende muito da relacao entre pais e filhos se estes Ultimos se sentem na obrigacdo de cumprir as expectativas dos pais e sofrem quando no alcangam esse objetivo ou se eles decidem, numa atitude de protesto, fazer o contrario daquilo que os pais desejam. As mulheres enfrentam expectativas ambivalen- } tes. Por um lado, preparam-se para entrar no mundo profissional e, por outro, é esperado delas que se tornem boas donas de casa e que | um dia sejam mies dedicadas. A pressdo é maior quando as proprias | mes sao exclusivamente donas de casa. A situacéo econémica dificulta o ingresso no mercado de traba- Iho para grande parte dos jovens adultos. Muitos nao conseguem obter uma formagdo profissional. Isso resulta numa falta de perspec- tiva para o futuro. Os jovens adultos lutam, por um lado, para ter empregos e para estudar e, por outro, enfrentam a inseguranca de nao conseguir empregos que remunerem adequadamente. A estada prolongada de jovens adultos na casa dos pais pode ser causada por motivos financeiros ou pela propria familia. A demora no desligamento gera conflitos em muitas familias. Enquan- to usufruem do servico da casa, os jovens adultos nado se responsabi- lizam pela manutengéo da casa. Essa situagdo favorece a triangula- cao entre pais, filhos, avés e outros membros da familia. Nessa trian- gulacdo freqiientemente a m&e preocupasse tanto com os filhos, que esquece de dar atengio ao marido. O filho acaba competindo com o pai, e os dois desentendem-se e enfrentam-se constantemente. A mae, por sua vez, defende o filho e afasta-se sempre mais do marido. Um outro exemplo de triangulac&o é a alianca do pai com a filha contra a mae. O desafio maior para o jovem adulto € aprender a viver a inti- midade. Geralmente nessa fase sio experimentados os relacionamen- tos proximos com parceiros do sexo oposto. Muitos jovens convivem sem ser casados, outros tém diferentes parceiros com quem tém contatos intimos. Para a familia, esses contatos dos filhos com outras pessoas podem ser vistos como se 0 afeto que antes o filho dedicava ao pai, A m&e ou a um de seus irm&os fosse roubado. Podem surgir sentimentos de ciimes e brigas, sem saber exatamente a causa. Para © jovem isso significa, antes de mais nada, arriscar-se afetivamente para fora de seu ninho familiar na tentativa de se tornar independente de seus familiares. AMILIAR Os pais podem reagir de diferentes formas as atitudes de seus filhos. Para alguns, 0 comportamento liberal dos filhos na area da sexualidade pode ser um choque e motivo de brigas constantes. Outros talvez se resignem e nio ponham mais nenhum limite, crian- do quase um distanciamento dos filhos. Muitas vezes, os pais ndo se dao conta de que essa fase é um periodo de intenso estresse para os filhos. Eles aprendem a conviver com uma outra pessoa, tendo que colocar limites, deixar-se conhecer e aprender a conviver intima- mente com alguém de fora. Para os pais, essa fase de deixar que os filhos se separem deles vai depender, em grande parte, de como eles resolveram a sua propria separagaéo de seus pais e de como eles conseguiram enfrentar as diferentes crises na vida de casados. Para exemplificar, lembramos uma m&e extremamente apegada ao filho e ha muito tempo em crise matrimonial com o marido. No momento em que o filho arruma uma namorada, a m&e entra em panico e adoece, exigindo que o filho ocupe-se com ela todo o tempo. Convém lembrar que, nessa fase de filhos adultos, os pais também enfrentam situagées de crise,'tais como o envelhecimento, a aposenta- doria e a morte na geragdo anterior. Quanto melhor os pais conse- guirem lidar com esses aspectos, mais compreensivos eles serio com os filhos e permitir&éio que eles possam tornar-se independentes. E importante colocar que tornarse independente nfo significa um desligamento total da familia de origem. Sao precisos limites claros, que permitem que se possa sair de casa sem sentimentos de culpa. Casamento Normalmente os contos de fadas terminam dizendo que dois enamorados, depois de muitos conflitos, finalmente podem estar juntos, casar, ter filhos e viver felizes para sempre. Este também € 0 enredo de muitos filmes romanticos. Parece que, no auge do namo- ro, € totalmente esquecido que, ao casar ou morar juntos, muitas quest6es precisam ser negociadas: financas, costumes, rituais, trabalho, distribuigaéo de tarefas, lazer, etc. Alem disso, convém lembrar que um casamento envolve duas familias, que se unem em matrimonio e que de uma ou outra forma interagem com esse novo casal. Muitos dizem: “Eu nao caso com a familia dela, mas com ela”. Eles nao se lembram de que, mais cedo ou mais tarde, ter&o contatos com sogro, sogra, cunhados e outros familiares. FASES NA VIDA FY Ha duas redes de relagGes que se cruzam e interligam. Os pais dos noivos costumam dizer: “Ganhei mais um filho, ganhei mais (una filha”. Parece que com este ditado reclamam o membro da outra familia para a sua propria. Porém, isso nao acontece tao facilmente. Os lacos de lealdade para com a familia de origem geralmente sao profundos, e as familias podem defender-se contr: & perda de um membro através do casamento. Os recém-casados Pentem esse-conflito de lealdade. Ele tornase ainda mais forte quando resolvem morar na casa dos pais da noiva ou do noivo, Nesse Gaso, cada familia precisa encarar diretamente o que, de uma maneira mais sutil, acontece em todo casamento: enquanto uma familia sente a perda de um membro, a outra enfrenta mudancas complicadas através do ganho de um membro. O folclore das sogras 6 assunto para muitos livros. Parece que elas nio gostam de entregar seu filho a outra mulher e fazem todo 0 possivel para dificultar a vida dela. No conflito pelo poder, as duas mulheres disputam o filho, e talvez a nora sinta-se desabrigada e com saudades do seu lar e do seu tempo de solteira. A sogra, por sua vez, pode-se sentir ameagada pela concorrente mais nova e mais bonita na propria casa. Também ha muito enredo para romances familiares quando o pai nfo se acerta com o genro que mora e trabalha com ele. Ha pais que mantém inconscientemente 0 novo casal sob controle, dando, com as melhores intengées, tudo a eles: a casa, os méveis, uma mesada para a esposa, roupas. Até podem resolver administrar a conta bancaria para os dois jovens, que ainda nado tém muita experiéncia. Assim eles ficam poderosos. De uma maneira um pouco maliciosa podemos perguntar quem realmente casou com a noiva: o genro ou o proprio pai? As relagées entre sogro e genro e entre sogra e nora parecem ser sempre um bom motivo para triangulagdes que servem para encobrir um conflito existente entre mae e filho, por exemplo: a mae acusa a nora se o filho nfo a visita. Assim ela n&o precisa cobrar do filho por que ele n&o se importa com ela e ter medo de perdé-lo. Pais e filhos recém-casados devem separar-se suficientemente e achar um modo de conviver em que o novo casal pode desenvolver- se independente dos pais e, ao mesmo tempo, continuar emocional- mente ligado a eles (Haley, 1973, 52). Para os pais isso significa que eles devem dar apoio emocional aos filhos quando estes preciean. porém manter uma certa distancia. Faz sentido que a liturgia do casamento na igreja destaca a separacgado da familia de origem. “Por R FASES NA VIDA FAMILI 5 3 , a isso, um homem deixa 0 seu pai e sua mae e se une a sua mulher, eles dois se tornam uma so carne” (Gn 2.24). ignifi le Antigamente, casar significava a entrada para O status d adulto, porque estava relacionado 4 possibilidade de ter filhos em seguida. Geralmente, esse status valia, em primeiro lugar, para OS homens. “Até essa geracdo, as mulheres jovens eram dadas pelos pais para os maridos, sem nenhuma expectativa de desenvolver objetivos pessoais de vida ou as habilidades que levam 4 indepen- déncia econémica” (Aylmer, 1995, 169). Transparece aqui que anti- gamente a mulher era considerada um bem, uma dadiva para uma outra familia, pela qual o marido tinha que pagar um prego ou, como em alguns povos indigenas e na antiga cultura alema, a familia dela oferecia um dote ao noivo. Hoje em dia, muitos casais no Primeiro Mundo tendem a adiar 0 nascimento de seus filhos ou decidem ndo ter filhos porque a mulher nao quer interromper sua carreira e dedicar-se aos afazeres domésticos. O adiamento da paternidade faz com que a sociedade n&o.os olhe como adultos, mas como adolescentes que ainda nao acharam o seu lugar definido. Em algumas sociedades, casar ainda significa um caminho para a posigéo de adulto. Em muitos casos, pessoas também de-nossa sociedade s&o discriminadas se néo estaéo casadas, enquanto os valores dos jovens indicam o contrario: é melhor esperar com O casamento e n&o amarrar-se tao cedo a um parceiro. No entanto, a maioria dos casais ndo adia por muito tempo a chegada dos filhos. Um motivo forte para legalizar um relacionamento é a gravidez. Nesse caso, a presséo dos pais e da familia pode levar os jovens parceiros a tomarem decisGes precipitadas e jogar-se num casamen- to que nao tem muito fundamento. Entende-se a preocupagéo dos pais, que desejam um ninho para a crianga e querem seguranca financeira para mie e filho ou tém medo das fofocas entre parentes na vizinhanga e no bairro. Porém, eles devem lembrar que um casamento forgado cria mais problemas do que resolve. E, em geral. vale que ter filhos logo apés 0 casamento faz com que se queime uma etapa e o casal tenha pouco tempo para um ajustamento. ope eae diz: “Quem pensa ndo casa, quem casa nao pensa”. Parece que ha um pouco de verdade nisso, pois muitos passam mais tempo decidindo se vio comprar algo do qu aNeScolna do parceiro com o qual passaréo muitos anos de sua vida. A decisao de casar vem acompanhada, muitas vezes, de coisas que acontecem FASES NA VIDA FAMILIAR em nossa familia, como uma doenga ou a morte de um dos pais ou outra perda significativa, separaciio dos pais, desemprego dos pais, etc. Hé uma necessidade de preencher aquele vazio que a gente sente, e parece que 0 outro vai fazer isso, dando consolo e conforto. Quem resolve casar deveria se dar conta desses motivos secundarios de que, casando, ele parece cumprir uma missdo da sua familia. Nao é por acaso que a Igreja exige que cada casamento seja fundamentado na decis&o livre, no consenso dos dois parceiros. Significa que nenhuma forca exterior nem a pressi&o social, tampouco motivos para ajudar a familia ou resolver problemas como perdas, doenga, dificuldades financeiras devem ser motivo suficiente para casar. Os primeiros anos de casamento so um periodo de adaptagao mutua. O casamento foi descrito de uma maneira bastante sobria como um contrato entre dois parceiros. Um contrato niéio apenas no sentido juridico, em que se define a comunhao de bens, etc. & um contrato nAo escrito, As vezes secreto, negociado e renegociado em milhares de interagées na convivéncia didria. O seu contetido sao os papéis do homem e da mulher, a diviséo de poder, atitudes como atividade e passividade, o jeito mais afetivo ou mais frio e distante de contato, a religiosidade, a estética, a divisio de trabalho, a decis&o sobre o lazer, a maneira de lidar com o dinheiro, 0 jeito de fazer sexo, a organizacdo das férias, a interagao com os familiares, o envolvimento com a comunidade, o engajamento politico. O contra to de casamento define coisas elementares como o qué comer, a divisio de tempo durante o dia e a semana, a decorac&o e a organi- zacao do lar. O casal deve decidir a forma de relacionamento com o circulo de amigos, que normalmente muda depois do casamento. Essa negociag&éo do contrato, que deve ser refeita de tempos em tempos, absorve muitas energias do casal e freqiientemente é motivo de brigas. A maioria dos divércios acontece nos dois primei- ros anos de casamento. Quer dizer, indica um fracasso do contrato. O eixo central desse contrato é inconsciente e consta no motivo imaginario da escolha do parceiro. A psicanalise diz que todo jndividuo tem trés possibilidades de escolha amorosa: podemos amar no outro aquilo que nos somos, quer dizer aquilo que é parecido conosco, a nossa, propria imagem; podemos amar no outro aquilo que nos queremos Ser, O ideal do nosso eu; podemos amar no outro a imagem dos nossos pais, que, na infancia, eram o primeiro alvo do nosso desejo (Freud, 1914 (1995), 24s). A escolha do nosso VIDA FAMILIAR parceiro resulta no desenvolvimento de um inconsciente interligado das duas partes no casal, a colusio da qual ja falamos no capitulo anterior. Os parceiros no casamento néo compartilham apenas uma historia intima, que vai aumentando e se aprofundando a cada ano. Cada um assume um papel no imaginario do outro, e na convivéncia diaria desenvolve-se uma certa ressonancia em que um corresponde ao imaginario do outro. Assim os dois moldam a maneira de viver a sua relagdo em func&éo das imaginagGes (Eiguer, 1989, 30ss). A fantasia de um marido machista, que se imagina um heréi que conquista a mulher, preserva-a contra 0 mundo 14 fora e fica muito ciumento quando ela quer relacionar-se com outras pessoas, pode corresponder a fantasia de uma esposa que deseja ser conquistada por um “verdadeiro homem”, que Ihe permite viver em seguranga © numa certa dependéncia cémoda, Os dois estabelecerao a sua relacéo conforme sua imaginacéo inconsciente. O conflito se esta- belece quando, na coluséo, um nao corresponde mais a fantasia que eles tiveram em comum. Além desse processo de “inter-fantas- mizacgao” (Higuer, 1985, 43ss), o casal desenvolve um “eu familiar”. Componentes desse “eu familiar” séo o sentimento de pertencer a familia, que esta ligado a filiac&éio e presente em todo discurso familiar; o “habitat interior”, a representacao fantasmAtica do lugar, da casa em que a familia mora e que a protege, porque ela € um corpo fantasmatico sem pele e casca; e oS ideais do Ego, que seriam “uma representacao da perfectibilidade do grupo em relacao a seu proprio destino” (ibid., 40ss). Familia com filhos pequenos ‘A ressonAncia entre as fantasias inconscientes e a criagdo de uma fantasia tipica da familia acontece também quando o casal vive o impacto do nascimento dos filhos. O sistema do casal abre-se para formar um grupo estavel. Com o nascimento do primeiro filho o grupo familiar tornase um fato historico irreversivel. Nao é mais possivel separar-se sem seqiielas. A existéncia do filho é a marca historica do casamento que permanece, mesmo quando o casal decide divorciar-se. Ambos os parceiros vivenciam a chegada do primeiro filho como uma. perda. Talvez o pai nao se preocupe tanto que a chegada do filho vai afetar profundamente a relagéo com a esposa e a vida profissional. Depois do nascimento da crianga, ele sente que a atengdo da esposa volta-se ao nené, e ele se torna mais FASES NA VIDA FAMILIAR periférico. De repente, a crianca vira um concorrente na busca da atencdo da esposa, fato que gera sentimentos de citime e de culpa, especialmente em homens que fantasiam as suas mulheres mais como uma figura materna. O indice de infidelidade dos homens durante a gravidez e depois do nascimento de um filho aumenta. Os homens procuram a atencfio e o consolo de uma outra mulher. Alguns podem tornar-se delingiientes, para chamar a atengao e apa- gar sentimentos de culpa. Reacées infantis de homens que bebem excessivamente ou procuram prostibulos durante a gravidez e o periodo do parto so freqiientes e so apelos para que a esposa se preocupe com o aspecto infantil do marido (Pincus, Dare, 54s). Algumas sociedades primitivas atenderam essas tendéncias dos homens, permitindo a eles 0 couvade, quando os proprios homens fazem de conta que entram em trabalho de parto e deitam-se numa cama, tendo um periodo de pés-parto. Para prevenir tais reagées é necessario que o pai participe da preparacao da esposa para O parto e, na medida do possivel, esteja presente durante o parto. Um forte ideal nos casais de hoje é o da igualdade entre homem e mulher. Porém, o desequilibrio no casal, causado pela chegada de um filho, traz 4 tona estruturas de desigualdade. Surge a questdo: quem cuida do filho, quem ganha mais, onde achar um emprego para garantir o cuidado do filho (Bradt, 1995, 238)? Logo fica evidente que ainda nao ha igualdade real. Apesar das tentativas sociais e legais, a tendéncia € que as mulheres assumam 0 cuidado do filho conforme o modelo das suas mfes, uma atividade familiar que nao fornece status social. O status social adquire-se no mercado de trabalho, que permanece dominado pelos homers. Muitas mulhe- res e poucos homens abandonam o trabalho para cuidar da crian¢ga recém-nascida.” Esse fato contribui para as dificuldades que mulheres podem ter em aceitar seu filho. Apesar de uma boa preparagdo para o parto, correm o risco de entrar em depressfo, especialmente quando falta apoio por parte do pai (Pincus, Dare, 53). O sentimento de perda agrava-se com a sobrecarga e o cansa¢go fisico. Mas uma mae admitir que ela sente raiva do seu bebé e, de vez em quando, quer rejeitalo é algo dificil e percebido como uma culpa, pois todo mundo espera dela a maior alegria. A depressao acompanha maes com filhos pequenos que vivem anos num mundo muito restrito, lavando fraldas e dando comida e atenc&o aos filhos. acdo dos as grandes cida- almente quando as, as _ As condigées sociais interferem desde 0 inicio na rel pais com as criancas. Em familias de classe média n; des, os pais se superenvolvem com os filhos. Especi os outros parentes esto longe ou as relacdes nao sao muito bo crianeas preenchem o vazio deixado pela falta desses contatos- Essas criancas vivem isoladas, relacionam-se quase exclusivamente com os pais, porque a familia nfo se envolve na comunidade. Outro extremo, muito mais freqiiente no Brasil, é 0 escasso contato entre Pais e filhos. Quando ambos os pais trabalham o dia inteiro para sustentar a familia, os filhos precisam ser cuidados por terceiros (creches, empregadas, avos...) e geralmente recebem menos ateng&o. Para a crianga é importante, no primeiro ano de vida, uma relacao constante e estavel com os progenitores ou uma pessoa que cuida dela. Por isso nos preocupa o costume de largar os filhos a partir do terceiro més de vida numa creche, onde eles esto expostos ac cuidado de pessoas geralmente nao qualificadas e emocionalmente pouco envolvidas com as criangas (Bowlby, 1981; Spitz, 1988). Uma, pesquisa entre os bebés da FEBEM (Fundagado Estadual do Bem-Estar do Menor) em Sampaio Viana (S40 Paulo) mostra que, em 1995, esteve internado um numero maior de criangas brancas em perfeito estado de satide (86% de 180 criangas) porque os pais nd&o tinham condigées financeiras para criaé-las (cerca de 40% tém pais e recebem visitas, 48,3% nao recebem visitas). Esta também € a situacao de muitas maes solteiras pobres, que, mesmo querendo assumir suas criangas, sentem-se obrigadas a entregalas a FEBEM ou dalas para adoc&o. Os nenés “vivem apertados, em bercos grudados, sem espago para brincar. Seguem uma rigida rotina com hhorario para comer, dormir, tomar banho e até trocar fralda. S&o pegos no colo apenas uma vez por semana, quando um parente vem visitar ou quando brincam com um voluntario”. 60% dessas criangas mostram sintomas de depress&o infantil e passam “por periodos de doencas que incluem diarréias, infecgdes respiratorias e desnutri- ao” (Folha de Sao Paulo, 9 de julho de 1995, caderno 3, p. 4). A instituigao recebe trés bebés por dia, enquanto “a média de adoc&o é oito por més”. Em tais institui¢goes precarias criasse uma futura geracéo de marginais, criminosos e doentes mentais. Entenda-se que n&o queremos fazer propaganda para uma volta das mdes aos lares, abandonando o emprego. No entanto, considera- mos fundamental que a crian¢ga seja cuidada no seu primeiro ano de vida por uma pessoa que a ama, a qual ela pode se acostumar, que FASES NA VIDA FAMILIAR lhe da plena aten z A i hor Sek ¢&0 e na qual os pais podem confiar. O mel indicador Se a cri 2 e e e ianca esta sendo bem cuidada é ver se ela esta contente. E importante que primeiro o casal e, mais tarde, os jovens pais reservem tempo suficiente para desenvolverse e amadurecer ma nova fase da vida. Pais e m&es com filhos pequenos estéo diante da tarefa de desenvolver relacdes intimas com seus filhos. Isso exige que os pais participem do servigo de casa e da educacéo, passem um tempo com cada um de seus filhos individualmente. A sua simples presenga our casa e 0 som da sua voz séo importantes. A presenca e a voz do pai interrompem o par fechado entre mie e crianga e abrem a entrada no mundo. Porém, os pais devem aprender com seus filhos e preocupar- Se com os diferentes passos de desenvolvimento. Facilmente pai e me podem tornar-se téo sérios e preocupados com a educacao dos filhos, que perdem o senso de humor e nao brincam mais com eles. Certamente os pais sio modelos para os filhos, e o melhor que eles podem fazer é mostrar-Ihes como lidar com as falhas e a imperfeicao. A crianga encontra na mie e no pai as pessoas que cumprem as. suas necessidades fisicas, tornam-se os primeiros alvos do seu amor, representam a lei que proibe ou permite e enviam a crianga ao mundo. N&o pretendemos entrar na descrigao das fases do desenvol- vimento psiquico da crianga. Sob o ponto de vista familiar, destaca- mos que os investimentos psiquicos e as identificagdes da primeira infancia desembocam no estabelecimento de um vinculo familiar da crianga (Biguer, 1989; Puget-Berenstein, 1993), indicam-Ihe uma posigao no grupo e uma missio no mundo. Ela participa do “Eu familiar”, correspondendo as expectativas e aos ideais que os seus pais projetam em cima dela. importante notar que, a partir das identificagdes sociais de meninos e meninas, este eu desenvolve-se de uma maneira diferente e gera uma percepcaéo diferente do mundo. Os meninos desenvolvem um raciocinio légico em relagado & realidade e a problemas morais em que, abstraindo de situagdes concretas, estabelecem hierarquias de poder e de valores, subme- tem-se a convengoes até chegar a um julgamento individual (Gilligan, 1982, 35ss; 43). Segundo Gilligan, o eu masculino esta “definido através de separagao” (ibid., 46), enquanto o eu e a visio de mundo e o julgamento moral das meninas est&o enraizados “numa rede de conexao, uma teia de relacionamentos que é mantida por um processo de comunicag4o” (ibid., 43). A VIDA Fi Com a entrada da crianca na creche e na escola a familia vive mais uma perda, que exige dela novas adaptacées. Os filhos entram no mundo externo, afiliam-se aos professores como adultos significa- tivos, fazem amizades e participam da competicao entre os colegas. Eles precisam de pais que os apdiam e desafiam, abrem a casa para amigos, interessam-se pelo mundo da escola e os orientam em suas tarefas, nos seus problemas com outros no dia-a-dia e especialmente em questées intimas. Os pais que acompanham seus filhos no seu caminho como criangas revivem com eles consciente e inconsciente- mente as fases da sua propria infancia. Isso pode causar problemas quando eles reagem de uma maneira que eles mesmos rejeitam: de repente batem nos filhos, exigem demais deles e perdem a paciéncia. A convivéncia com os filhos é uma chance para os pais de aprenderem e procurarem novas solugG6es para si mesmos. Familia com filhos adolescentes Paulo e Ana foram chamados ao colégio por causa do filho Rodrigo, de 15 anos. O professor de classe, que conversa com os pais, diz que ha queixas de varios professores sobre 0 mau comportamento do rapaz e suas notas baixas. Ele responde com palavrées aos professores, conver- Sa nas aulas, nfo presta atengao e briga com os colegas, implicando principalmente com as meninas. Conros alunos menores ele é bruto e os machuca nos intervalos das aulas. Os deveres também nao sao feitos pontualmente. Paulo e Ana falam ao professor que eles nao sabem 0 que fazer, porque em casa Rodrigo também esté criando problemas, brigando com o irmao menor, agredindo a mae e desbocando o pai. A noite e nos fins de semana, ele insiste em sair com sua turma, e os pais nao sabem como colocar limites. Provavelmente ha muitas familias que nao sabem como e o que fazer com o filho adolescente. Sabe-se que a adolescéncia é uma etapa dificil para o jovem e que nessa fase ele se pergunta: “Quem sou eu? O que posso fazer de importante? Que valor eu tenho?” Ele esté em busca de sua identidade como homem e mulher. Para se tornar adulto o jovem precisa separar-se interiormente de seus pais, mas também exteriormente. Um dia, ele tera a sua propria vida. Ao mesmo tempo ele esta crescendo muito fisicamente e se da conta de que esta num corpo diferente. Ha fortes fantasias sexuais em sua cabeca e surgem sentimentos de timidez e de culpa. Também é a €poca em que a sociedade pede que ele se decida vocacionalmente e escolha uma profissa4o. FASES NA VIDA FAMILIAR Se olharmos para uma familia com filhos adolescentes, pode- mos dizer que ali as coisas estao fervendo muitas vezes e que ha uma situacdo de crise na familia, que mexe com todas as geracées. Para os jovens, muitas vezes, os pais parecem intteis e até inimi- gos. Para os pais, é dificil aceitar 0 estilo de vida dos adolescentes e a sua instabilidade social. Eles querem que os jovens se preparem para que possam sobreviver no mundo adulto, para que sejam alguém. Os pais recordam-se da sua adolescéncia com um certo romantismo e lembram dos bailes, dos namoros e das coisas importantes que fizeram. Muitas vezes, dizem aos filhos: “No meu tempo, a gente...” Os adolescentes reagem normalmente com criticas e acham os pais ultrapassados (Pittman, 1990, 228). Eles vivem uma forte concorréncia com o pai do mesmo sexo, desafiam-no e testam. Na busca de sua propria verdade eles se comparam e provisoria- mente se identificam com tracos da imagem dos pais e com modelos alternativos encontrados na cultura adolescente. Assim, a filha de quinze anos pode vestir clandestinamente uma blusa da mae para encontrar-se com o namorado (Garcia Preto, 1995, 228). ‘Ao verem o filho t&o instavel, os pais comegam a questionar sua propria vida e o relacionamento que tiveram com seus pais. Muitos ‘entram em crise. Pode ser que para eles 0 proprio matriménio nao anda bem. Quando recorrem aos proprios pais para obter ajuda, per- cebem que estes estdo velhos e precisam ser cuidados. Ai o mundo comega a desabar. Na adolescéncia surgem novos triangulos, como os filhos e os avés contra os pais ou um filho e a mie contra o pai. Pode-se dizer que um adolescente na familia traz os pais de volta as fantasias do passado e questiona os valores que eles téme torna as regras ultrapassadas. Os pais séo desafiados no seu papel de pai e de m&e ao mesmo tempo em que se desfazem dos sonhos que tiveram para seus filhos. Também é importante observar que 0° adolescente necessita mais dos pais nessa idade do que quando tinha 6 a 12 anos. Mesmo que 0s adolescentes maiores neguem a ne- cessidade dos pais, estes nado devem esquecer que sio importantes para os filhos (Pittman, 1990, 226). Com certeza é dificil para a familia lidar com um jovem instavel, principalmente quando ha uma crise na familia. O adolescente precisa de estabilidade no lar, mas nado oferece nenhuma. nao percebem a, beleza fisica e 0 uma pena quando os pais ham com medo para o poder e a vigor dos seus filhos. Os filhos ol! sabedoria dos pais, fazendo com que estes se sintam feios, velhos € cansados. Os pais, por sua vez, fazem com que os filhos se sintam inuteis e insatisfeitos. Antigamente, os jovens amadureciam sexualmente em torno dos dezesseis anos. Hoje, a menarca e 0 amadurecimento sexual masculino acontecem mais cedo. Isso significa que os pais devem preparar-se para o fato de que seus filhos comegam suas atividades sexuais mais cedo. O medo de uma gravidez nao desejada pode leva- los a assumir uma atitude rigida de proibigao. Se os pais querem evitar que os filhos fagam as coisas clandestinamente, eles deve reagir com uma certa flexibilidade, permitir o namoro em casa, na medida do possivel conversar sobre as experiéncias e tentar colocar certos limites. Apesar de uma liberalidade maior entre jovens de ambos os sexos com a vida sexual, “as adolescentes continuam a apresentar um maior comprometimento emocional em suas expe riéncias sexuais do que os garotos” (Garcia Preto, 1995, 227). As diferengas entre os sexos marcam também a busca de iden- tidade dos jovens. Para as mulheres, essa busca acontece através de “relacionamentos de intimidade e cuidado” (Gilligan, 1982, 176). Os homens buscam estabelecer a sua identidade mais através do distanciamento e do trabalho. Para tornar-se adultos devem aprender a viver a intimidade, que para as mulheres ja sempre esteve presente (ibid., 175s). A cultura 4 qual pertence a familia tem uma forte influéncia no modo de viver a adolescéncia. Nos paises anglo-sax6es € no centro e norte da Europa, os jovens desligam-se relativamente cedo da familia. Nas familias de origem italiana, hispanica e portu- guesa, ha uma tendéncia de manter os filhos sob a tutela dos pais até © casamento (Garcia Preto, 1995, 233). Fatores econédmicos se sobre- podem nas tradi¢gées culturais e produzem fenémenos paradoxais. Ha indicios de que, também nos paises do norte, os adolescentes tendem a permanecer na casa dos pais quase até os trinta anos por causa de dificuldades para entrar no mercado de trabalho. Entre os sem-terra e a populagao das favelas urbanas ha muitos filhos de pequenos agri- cultores que n&o tiveram espaco na terra. As familias pobres da cidade precisam da contribuigdo dos jovens para a renda familiar e os mantém em casa. Os altos custos de vida e a violéncia contribuem para uma permanéncia prolongada dos adolescentes em casa. Ritos de passagem como a tradicional festa dos quinze anos e a Confirmacéo ajudam as familias a aceitarem a situacao diferente FASES NA VIDA FAMILIAR dos jovens. Por ocasido da Confirmacéo estes S40 considera 7e sujeitos maduros para responsabilizar-se por sua vida de f6- Ta cionalmente a partir da festa dos quinze anos, uma moga € C aa rada jovem mulher e pode ir a bailes e festas, namorar @ SOM permissao dos adultos, preocupar-se com O outro sexo. Cele a essas datas valoriza os jovens e lhes transmite a consciéncia status social em que estdo entrando. Tarefa basica para uma familia com adolescentes 6 manter aberto o didlogo entre pais e filhos. Isso fica dificil quando os pals véem a adolescéncia como uma falha de carater e nado como uma fase onde ha uma porc&o de obstaculos a serem vencidos para chegar a fase adulta. § como uma corrida de carros numa estrada ruim, De vez em quando, o carro parece quebrar. Porem, normal mente chega bem ao fim. Levando a adolescéncia dos filhos com paciéncia e tentando nao dramatizar os conflitos, os pais podem, muitas vezes, perceber que, depois de alguns anos, as coisas mudam positivamente. Um dia provavelmente haveré uma nova aproximar ¢Hio dos seus filhos, que até 14 conseguiram definir-se profissional- mente e, talvez, terdio a sua propria familia. Fase da meia-idade Hoje em dia, a fase da meia-idade dura muito mais tempo do que antigamente. O aumento da expectativa de vida faz com que os casais que ficam juntos podem viver 20 ou 30 anos sem filhos em casa. E um mito dizer que os casais nessa fase enfrentam um vazio, que 0 abandono do ninho pelos filhos traz sérios conflitos aos pais, principalmente 4 mae. Uma pequena historia ilustra isso: “O pastor, o sacerdote e 0 rabino... debatiam em que momento comega a vida. O sacerdote disse: ‘A vida comega no momento da concepgéo, quando o esperma invade o 6vulo’. O pastor afirmou com insisténcia: ‘A vida comega no nascimento com o primeiro sopro de ar de Deus’. Porém o rabino, que era mais velho e sabio, disse: “Vocés dois séo muito jovens para sabé-lo, porém a vida somente comeca realmente quan- do os filhos saem de casa e 0 cachorro morre’” (Pittman, 1987, 263). Com a saida dos filhos 0 casal geralmente sente-se mais livre. As mulheres podem dedicar-se com mais intensidade ao trabalho ou a interesses particulares. Se anteriormente elas permaneciam em casa, agora estéo livres para seguir a sua propria carreira. Enquanto os VIDA FAMILIAR homens entre 40 e 60 anos aposentados. Porém. recebem ume, aposentadoria que nao é suficiente para o sustento. Isso significa que eles encerram uma carreira profissional para seguir outra. Muitos enfrentam problemas de desemprego e se sustentam com biscates, Assim, a fase da meia-idade é para a maioria dos brasileiros uma época de grande inseguranca financeira e, conseqiientemente, de uma vulnerabilidade maior a crises, como alcoolismo, divorcio, depress&o, ataques cardiacos, etc. As limitagdes sao, por outro lado, também uma chance. Ao contrario da maioria dos paises do Primeiro Mundo, ainda é possivel comecar a estudar nessa idade, iniciar uma formagao profissional com a expectativa de ter sucesso. Com a saida dos filhos o casal passa, de repente, grande parte do seu tempo sozinho e se confronta com a tarefa de reajustar a sua relacdo. Pode ser que eles descubram que viveram antes quase que exclusivamente em funcdo dos filhos e agora sentem a dificuldade para achar um assunto e reaproximar-se. Se antes o casamento nio andava bem, é provavel que os velhos conflitos voltem. Homens passam pela famosa crise dos quarenta, entram em panico porque come¢am a se sentir velhos e pensam que “isso aqui nio pode ter sido tudo”. Para as mulheres, essa fase é relacionada a menopausa, em que a mudanca hormonal produz mudangas fisicas. A atragao sexual pode diminuir em funcdo de fatores biolégicos e, mais importante ainda, porque o casal acostumou-se a uma rotina de fazer sexo uma, vez por semana, numa, data fixa, sem sentir muita atragao fisica. Ambos podem procurar a satisfagao que lhes falta no casamento em casos extraconjugais e na relacdo com um parceiro mais novo. Esses casais correm o risco de grandes conflitos familiares e de separac&éo. Geralmente, as mulheres abandonadas pelos maridos ficam sozinhas. Para um casal de meia-idade fazer sexo tem o significado de reafirmar que um pertence ao outro e transmitir mais seguranca, O medo de perder o amor do outro pode desencadear comportamentos neuroticos, que perduram até a velhice. Uma pergunta a casais de meia-idade: Como podemos reavivar a atraciio e viver a sexualidade FASES NA VIDA FAMILIAR iva? (Willi, 1991, 104) As mulheres que de uma maneira mais criat: s&0 mais dependentes entram facilmente em depress4o, e os Casals podem viver um divorcio emocional. Um anda ao lado do outro S0m eeuita conversa, voltado a seu proprio mundo de amigos e afazeres- Mas essa impress4o pode enganar. Mesmo casais que parecem estar desengajados um com o outro ou amarrados nas pequenas prigas Go dina-dia sentem-se profundamente interligados por sua historia oo Siticuldades que venceram juntos. Eles conhecem-se profunda- tmente, e isso pode ser a chance de uma nova abertura de um para com o outro. Agora eles tém a possibilidade de desenvolver ativida Ses em comum em clubes, na igreja ou no negocio. Especialmente para casais com uma grande diferenga de idade pode ser enrique- Podor quando o parceiro mais novo participa fora de casa de ativi Gades econémicas, sociais ou politicas e traz novos assuntos, infor mages e impulsos para casa. Da mesma forma, © contato com 0s filhos adultos tem um aspecto enriquecedor. Comumente nessa fase 0 casal 6 exigido a ocupar-se com seus pais, que agora estdo velhos e precisam do atendimento dos filhos. Bm muitas situagdes, as mulheres que estavam livres do cuidado dos filhos agora sao requisitadas para cuidar dos pais que estdo invalidos. Para muitos pode parecer que nunca teréio um espago em sua vida de adultos sem ter cuidado de alguém. Além do esfor¢go fisico de cuidar da geracéo mais velha, também ha despesas com meédicos, 0 que pode onerar bastante o orgamento do casal. Sob uma perspectiva emocional, sentir que os pais estdo velhos e precisam de apoio pode causar depressdo, pois néio hé mais uma geracio a frente a quem se pode recorrer em busca de apoio quando emerge uma crise na, vida. A preocupacéo com a morte também comeca, e as pessoas se dio conta de que uma grande parte de sua vida passou. Em torno dos 40 anos inicia um processo de auto-avaliacao. As pessoas perguntam-se 0 que ainda conseguem em termos profis- sionais, como est4 o casamento, o que falta. A aceitac&o dos limites na carreira e na vida intima nao é facil. A chegada dos netos traz de novo movimentagao para a casa dos avos. Nem sempre eles estéo na feliz situag&éo de curtir a presenga dos netos sem grandes preocupac6es e responsabilidades. ‘A sua funcgdo de dar apoio aos filhos jovens adultos torna-se, as vezes, quase uma, profissio. Avés aposentados assumem o papel de segundos pais dos seus netos, cuidando-os durante o dia enquanto o pai e a mae estéao no trabalho. Especialmente quando as trés a angas. Se a avoe m conflito sobre geracdes moram sob o mesmo teto pode surgir um responsabilidade pela autoridade em relacao as cri poe os Estos se feitasian numa relacéo de mae e filhos, a mae ee dessas criancas entra automaticamente no papel de uma irma mary velha. Mae e filhos parecem ser irmAos, e todos sao filhos da avo. resultado dessa constelag&o s&o conflitos sobre a autoridade de duas mulheres e problemas disciplinares na relagaéo mée-filhos. Familia na velhice Para Roberto (72 anos) e Vera (76 anos), festejar os cinqtenta anos de seu casamento foi um momento muito importante. Ambos tinham criado seus filhos, mudado de cidade e formado um novo circulo de amigos, enfrentado crises financeiras devido a faléncia de sua firma, além do problema de satide de Roberto, que o acompanhou durante toda a vida. Na festa conseguiram reunir seus filhos, netos, alguns bisnetos e uma grande roda de amigos. Parecia que todos esses anos tdo dificeis até tinham passado ligeiro, e agora curtiam um momento tranquilo em que podiam viver com mais satide e tinham ainda energia para mais alguns anos. Financeiramente também estavam independentes, pois haviam conseguido economizar um pouco depois que os filhos sairam de casa. Quatro anos depois de festejar as bodas de ouro, a vida do casal mudou drasticamente. As crises de asma de Roberto voltaram com maior freqiiéncia, e Vera tinha receio por ele. Vera também n&o conseguia mais administrar sua casa. As forgas no eram suficientes para fazer tudo. Os filhos estavam muito preocupados com os pais e viam que assim eles nao podiam continuar, O casal insistia em ter sua independéncia. Para Roberto, 0 mais importante era continuar tendo o seu carro e poder se Jocomover sem pedir a outros. Como a situag4o se agravava, os filhos, que sempre foram muito unidos, decidiram que o casal moraria com a filha mais velha, que tinha uma casa suficientemente grande para acomodar os pais. Roberto e Vera aceitaram com certa relutancia, sob a condigéo de que Roberto podia manter o seu carro. Para eles isso significou mudar de cidade e desligar-se dos amigos. Vera logo fez novas amizades, enquanto que para Roberto foi muito dificil. Ele estava isolado, sentia-se fraco e doente. Depois de um ano, ele faleceu de ataque cardiaco. Vera sobreviveu a ele durante oito anos. O caso de Roberto e Vera mostra aspectos tipicos da vida familiar na velhice. A medida que aparecem os sinais de envelheci- mento fisico, aumenta a preocupagao de toda a familia com a possibilidade de o velho casal poder viver de maneira independente. Muitos idosos fazem todo o possivel para provar que ainda sao FASES NA VIDA FAMILIAR capazes de resolver as coisas sozinhos. Essas atitudes sao malt? importantes, pois deixar 0 ambiente particular, a propria cast, 0 apartamento com os méveis e as coisas pessoais é uma derrota, POT que indica que entraram no ultimo estagio da vida. O ambiente ott que as pessoas idosas vivem é para elas, muitas vezes, aquilo que restou do mundo depois de sucessivas retiradas do mundo socia- Igualmente o carro é um simbolo de liberdade e participacao na vida. O deslocamento para a casa de um filho ou para um asilo sign® fica em parte a morte social das pessoas idosas e exige grandes esforcos de adaptagdo delas e do resto da familia. Quando pais idosos comegam a morar com a familia de um filho, abrem-se novas possibilidades e novas dificuldades de relacio- namento. Os idosos que lidam com a perda precisam de novo espacgo fisico e emocional dentro do novo lar. A convivéncia diaria com oS pais pode atrapalhar inicialmente a intimidade da familia do filho e reativar antigos conflitos nao resolvidos. Pode surgir uma luta de poder entre as mulheres, quando a avé quer assumir 0 comando contra a vontade da dona de casa. As criangas podem ficar com ciumes ou muito preocupadas quando a atengao dos pais voltase mais aos idosos. Numa convivéncia feliz, os avés podem aliar-se aos netos e transmitirlhes experiéncias importantes e algo da sabe doria que adquiriram durante a sua vida. A convivéncia tornase mais problematica quando a pessoa idosa se envolve em trian- gulacées, aliando-se aos netos ou a um dos pais contra o outro. Disturbios psiquicos da velhice e doencas que exigem um cuidado especial complicam a situacéo. De repente, os filhos vivem um conflito de papéis. Eles continuam sendo filhos, porém agora tém que assumir uma postura de autoridade em relac&o aos proprios pais e colocar limites. Grande parte do cuidado dos idosos doentes em casa ainda permanece nas maos das mulheres, que tém que coadunar essa tarefa com o trabalho. Mesmo se a maioria das pessoas idosas vive independentemente ou com os filhos, uma parte crescente passa a Ultima fase de sua vida em asilos. A populagéo de idosos no Brasil esta crescendo. Com isso também aumenta o numero de pessoas que nfo tem lacos familiares e precisa de algum cuidado institucional. O grande problema da terceira idade ~ a soliddo - pode ainda aumentar em tais instituigdes. Nao raramente os idosos sentem-se abandonados no asilo, mesmo que pesquisas no Primeiro Mundo mostrem que a grande maioria dos idosos em asilos mora perto de um filho ou de um parente e recebe VIDA FAMILIAR visitas. Parece que o asilo como ambiente publico que oferece novos contatos sociais e novas ocupagdes n&o consegue preencher para muitos a lacuna do afastamento da familia. Infelizmente, a infra- estrutura e a formacdo dos atendentes ainda é deficitaria e contribui para a imagem do asilo como um “depdsito de velhos” até a morte. A saida definitiva do mercado de trabalho depois da aposenta- doria tem efeitos sociais e psicolégicos. A aposentadoria da maioria dos brasileiros n&o Ihes permite uma vida digna, torna-os dependen- tes dos filhos e delimita muito a sua capacidade de agir, de viajar, de lazer, alimentagéo e moradia. Assim a velhice torna-se uma fase de extrema preocupacdo na vida. Para os homens, parar de trabalhar é um momento decisivo que exige deles procurar algo que substitua o trabalho. Naturalmente, o interesse volta-se mais para a familia e a casa. Ha homens que investem tanta energia nesse ambiente, que as esposas sentem-nos como critica e concorréncia permanente. Isso pode levar a sérios problemas no casamento. A tarefa dos aposenta- dos € achar uma ocupacdo adequada. Depende muito de como eles definem o tempo livre: como perda da identidade profissional ou co- mo nova liberdade para assumir compromissos sociais, religiosos e familiares. Ideal seria que eles planejassem a vida como aposenta- dos. Para as mulheres que em nossa sociedade ainda definem a sua jdentidade mais a partir do seu papel como donas de casa, 0 passo para a, aposentadoria é mais facil. Blas sempre cuidaram da, casa e enxergam agora uma chance para fazer 0 que antes nfo consegui- ram. Casais que sempre tiveram uma vida sexual ativa tenderao a continuar sexualmente ativos. No entanto, ha em geral uma diminui- cao do interesse sexual, e a freqiiéncia de contatos sexuais nao importa mais tanto. “Na velhice, significados em niumeros tém pouco a ver uns com Os outros. Cada unido sexual entre pessoas ha muito devotadas reciprocamente representa uma afirmagao que vai além do prazer do momento. Anos de afeto impregnam a ocasido. Se for apenas um contato por més, talvez seja um contato que renove trés, quatro ou cinco decénios de intimidade. Cada membro do casal conserva a sensagéo de ser desejavel e a identidade de pessoa sexualmente viva” (Kastenbaum, 1981, 83). Existe uma tendéncia entre pessoas idosas, especialmente entre vitvos e vitivas, de considerar-se sexualmente aposentadas, despedir-se da parte sexual de sua vida e negligenciar a sua aparéncia pessoal. Ao assumir uma atitude pré-sexual, elas retnem-se de novo mais em grupos do FASES NA VIDA FAMILIAR mesmo sexo: circulos para homens ou para mulheres. EB necessario que haja uma maior abertura ao tema da sexualidade na velhice, uma maior descontracéo entre as proprias pessoas idosas e uma maior aceitaca&éo das suas necessidades na vida publica. ‘A crise da aposentadoria, 0 medo de doencas, de tornar-se dependente ou da morte do parceiro preocupam os casais velhos € provocam solucées neuréticas. Assim, a esposa doente pode tornar- se 0 centro e 0 unico conteado da vida de um homem que nao tem condic6es de encarar a soliddo e a perda da identidade profissional. Um casal de pais idosos dispée-se a ajudar os filhos na criacdéo dos netos de uma tal maneira que eles mesmos se sobrecarregam e ficam estressados e os filhos sentem os pais invadindo a sua vida. Se n&o se preocupasse tanto com os netos, esse casal entraria em sérias brigas e cada um teria medo da morte. A probabilidade de que a mulher deve enfrentar a morte do seu marido é quatro vezes maior do que o contrario. Com 0 apoio dos filhos ela tem boas chances de superar as fases do luto e reorganizar a sua vida como vitiva. Parece que isso é mais dificil para os homens. As reagées de luto na velhice podem desencadear sintomas psiquicos que precisam ser tratados. O luto crénico, em que a pessoa idosa tem. alucinagdes com a presenga do falecido, nega a morte ou organiza toda a sua vida em func&o da memoria dele, n&o precisa ser a Ultima solucéo. Também vitivos e viivas tém a possibilidade de entrar em novas relagées intimas e recasar-se ou juntar-se a um novo parceiro. As reagoes dos filhos oscilam entre a aceitacéio e a rejeicuio do recasamento ou do novo parceiro. Muitos nado querem uma madrasta ao lado do pai, principalmente se ela quer assumir as funcdes de mie. A lealdade para com o parceiro falecido e com os filhos desperta sentimentos de culpa no idoso que resolve casar de novo. Ao entrar na casa onde o outro viveu com seu parceiro, o idoso nfo perde apenas o seu ambiente costumeiro, mas de repente enfrenta as recordacgées do cénjuge morto como um fantasma que impede uma nova intimidade. Um casal de idosos enfrenta no recasamento uma boa parte dos problemas de uma familia reconstituida, como a rejeicao dos filhos do outro e a preferéncia pelos préprios filhos ou o problema de sentir- se sempre comparado e inferior ao cénjuge falecido. Lembramos, mais uma vez, a pergunta da esfinge. O homem é aquele ser que de madrugada anda com quatro pernas, ao meio-dia com duas e de tarde com trés. Bonito é quando alguns vivem a tarde de sua vida, outros, carregados nos bracos dos seus pais, enxergam pela primeira vez o brilho do sol. Também os velhos néo precisam padar sozinhos e confiar apenas na estabilidade da sua bengala. Eles podem contar com aqueles que estdo vivendo o meio-dia da sua vida e que, na maioria dos casos, estao dispostos a apoia-los. Ninguem esta seguindo seu caminho totalmente sozinho. Também aqueles que = encontram no auge da sua forca, da sua carreira e da sua vida socia: precisam dos outros, do homem ou da mulher que esta a seu lado, dos amigos que cruzam 0 caminho ou os acompanham por um tempo. Precisam da esperanga, da criatividade e da vontade de viver dos pequenos, daqueles que vém depois e ainda nao conseguem andar sozinhos, bem como da experiéncia e sabedoria dos velhos que dependem demasiadamente deles. No ciclo da vida familiar, todas as geracdes esto presentes ao mesmo tempo. Ha uma troca permanen= te de lugares, papéis, tarefas e experiéncias. Cada geracdo vai entrar no lugar da outra. Ela vai sentir os prazeres, as frustracoes, limita gdes, derrotas e vitorias de cada fase. Num processo de troca permanente, as geragdes s&o como a agua de um rio. Entre a fonte e boca o rio passa por muitas curvas, correntezas e cascatas. Ele esta sempre em fases diferentes, encontrase em constante transformacao. Bile nasce e morre ao mesmo tempo. Quando a 4gua sai da fonte- para fazer o seu caminho, a Agua do mesmo rio desemboca no oceano. Mas todas as Aguas pertencem ao mesmo rio. Bibliografia AYLMER, Robert E. O langamento do jovem adulto solteiro. Em: CARTER, Betty e ‘MCGOLDRICK, Monica (org.). As mudangas no ciclo de vida familiar: Uma estrutura para a terapia familiar, 2° ed., Porto Alegre: Artes Médi- cas, 1995, p. 169-174. PUGET, Janine, BERENSTELN, Isidoro. Psicandlise do Casal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. BRADT, Jack O. Tornando-se pais: Familias com filhos pequenos. Em: CARTER, Betty e MCGOLDRICK, Monica e colaboradores. 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