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Terapia Cognitive-Comportamental para depressdo: um caso elinico Fundamentagio teérica © Transtomno Depressive Maior (TDM) & descrito pelo Manual Diagnéstico e Estatis- tico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) como a ocorréncia de um ou mais Episédios Depressivos Maiores (EDM), sem histérico de Episédios Maniacos, Hipomaniacos ou Mis- tos (American Psychiatric Association [APA], 2000). Os EDMs so marcados pela presenca de sintomas emocionais, cognitivos, fisicos comportamentais (Khandelwal, 2001). O primeiro EDM pode ocorrer em qualquer idade e, pelo menos, 60% dos individuos apre- sentam um segundo EDM. Jé a possibilidade de um terceiro episédio é de 70% e a de epi- sédios subsequentes & de 90% (APA, 2000). Os sintomas variam quanto a intensidade e a du- ragio e podem desencadear diversas deficién- cias (Ustun et al, 2004). Quando comparado a outros problemas de satide, a deterioracao da qualidade de vida das pessoas mostra-se mais significativa (Arnow e Constantino, 2003). (O TDM apresenta alta prevaléncia ao longo da vida, variando de 2% a 15%, sendo classifi- cado como o quarto principal transtorno, dentre 10s psicolégicos e fisicos (Ustun et al, 2004). Sem tratamento, tende a assumir curso crbnico, recor- rente e estd associado com o aumento de incapa- citagies (Solomon et al, 2000). Hi projegées de que, depois de doengas cardiacas, o TDM seré a segunda maior causa de doencas incapacitantes até o ano de 2020 (Levav e Wolfgang, 2002) Esse transtorno tem grande impacto tanto na vida do paciente quanto de seus familiares, com interferéncia nos relacionamentos inter- pessoais, atividades de lazer ¢ funcionamen- to psicossocial (Khandelwal, 2001). Muitas veres, pode levar a pensamentos, tentativas ¢ até mesmo & consumagao do suicfdio (Wulsin et al.,1999), Sendo assim, faz-se importante a investigacao de téenicas que auxiliem na redu- a0 dos sintomas. Existem boas evidéncias da efetividade de tratamentos farmacoldgicos e de protocolos de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCO) para 0 TDM (Dunn et al,, 2012; Cuijpers ef al, 2010; Cipriani et al, 2009). © tratamento com antidepressivos tende a ser a terapéutica de escolha (Cipriani et al,, 2009), porém, meta- anélises demonstram que os beneficios dos novos antidepressivos séo observados apenas em pacientes com depressio grave (Kirsch et al, 2008; Turner etal. 2008). Além disso, constatou-se que a TCC é efe- tiva no tratamento de depressao, tendo efeitos Contextos Cinios, vol 6,1, janeiro janho 2013 comparaveis aos de antidepressivos (Cuijpers et al,2008). Em uma série de estudos que ava- liam 0 tratamento do TDM, a Terapia Cognitiva (TC) demonstrou ser mais efetiva que outros tratamentos (Hollon etal, 2006, Jakobsen et al, 2011). Também apresenta custos menores em relagdo a abordagens farmacolégicas (Hollon et al,, 2006) ¢ efeito preventivo contra a depres- so recorrente, ultrapassando os efeitos obtidos com antidepressivos (Vittengl et al, 2007) Pacientes em EDM apresentam humor deprimido com foco cognitivo direcionado a aspectos negativos, sendo assim, sua visio a cerca de si, dos outros e de seu futuro é nega- tiva (Beck e Dozois, 2011). O objetivo princi- pal na terapia ¢ produzir mudangas nos pen- samentos e nas crengas do paciente para que, com isso, seja possivel modificar déficits com- portamentais, tornando essa mudanga dura- doura (Cuijpers et al,, 2008). A TC apresenta consistente suporte empirico para tratamento de transtornos mentais (Lemmens etal, 2011; Butler, 2006). O presente artigo intenciona, através de um estudo de caso, demonstrar os efeitos da Te- rapia Cognitivo-Comportamental no enfren- tamento do Episédio Depressivo Maior. Para isso, foi realizada avaliacio de sintomatologia ‘© mensuragao recorrente de humor. Também, tem-se como foco apontar processos que auxi- liam no processo terapéutico. Introdugao ao caso Ana é uma mulher, solteira, que mora com 0 pais ¢ trabalha em uma escola diretamen- te com adolescentes. A paciente foi atendida ‘em uma clinica escolar que tem por objetivo atender & populacao de baixa renda através de estagidrios, alunos de psicologia. O servigo tem por objetivo ampliar o papel do psicdlo- go através de atividades junto & comunidade € desenvolver formas éticas na formacao do aluno (Macedo et al,, 2008). © atendimento da paciente descrita foi realizado por uma es- tagidria de psicologia através do referencial Cognitivo-Comportamental. Esse atendimen- to foi supervisionado, semanalmente, por uma psicéloga, especialista em Terapia Cognitivo- ‘Comportamental, Problemas/queixas apresentadas ‘Ana buscou atendimento por se sentir in- segura em seus relacionamentos interpessoais, fato que passou a intervir em varios ambitos de 26 Jéssica Camargo, lana Andretta sua vida. Como Ana mora com os pais, estes a ‘questionavam sobre nao estar em um relaciona- ‘mento sério, pois seus outros irmaos jé estavam casados. A paciente dizia estar sendo pressio- nada e nao se sentir bem, porém, por nao con- fiar nas pessoas, obrigava-se a ficar sozinha. Ao ser questionada a respeito de suas ativi- dades cotidianas, Ana relatava que tinha per- dido 0 interesse por muitas atividades e pre- feria ficar deitada chorando. Ela relatou que continuava trabalhando apenas para ter como pagar as contas, mas que sua vontade era de nao sair de casa. Ana chegou a terapia em Epi- sédio Depressive Maior. Seis meses antes de iniciar terapia, a pa- ciente estava obesa, tendo de buscar atendi- mento endocrinolégico, Ela modificou sua dicta alimentar e passou a praticar exercicios, conseguindo reduzir sua massa corporal. Po- rém, no momento do atendimento, ndo estava motivada a praticar exercicios e, muitas vezes, descontrolava-se, comendo muitos chocolates. Historia ‘Ana nasceu sem complicages em seu par to, Ela foi uma crianga timida, sempre ficava quieta sem falar com os colegas, tendo vergo- nha de conversar. No colégio, tinha poucos amigos e se sentia muito sozinha, além disso, sofria bullying (chamavam-na de gorda, ba- Teia), fato que a deixava triste. O pai nao a deixava sair, com isso, ela fi- cava sozinha, pois tinha vergonha de nao po- der fazer atividades fora do colégio com seus amigos. A partir dos 14 anos, ela passou a ter mais contato interpessoal e afirmou que “[sua adolescéncia] foi bem melhor que a infancia” (sic). Ela tinha mais amigos ¢, quando estava com eles, era espontanea e brincava com to- dos. Foi nessa época que conheceu seu primei- ro namorado, que foi infiel. Apds esse fato, ela nao estabeleceu outros relacionamentos sérios. © pai é autoritério e aposentado, ele impoe regras em casa, tentando controlar o que cada tum faz. Em alguns momentos, ele fala em for- ma de brincadeiras, sobre ela nao ter casado, ‘Ana sente que no tem espaco em casa. Tem dificuldades em estudar, porque 0 pai liga a televisdo com som alto em diferentes momen- tos do dia. Frente a isso, ela evitava falar com le, para que nao se sentisse “deprimida’ (sic), pois o pai a “rebaixa e diz.que nao acredita que eu ainda nao sai de casa” (sic), Recentemente, ela estava “ficando” com tum de seus amigos pelo qual se apaixonou, Contextos Clinios, vol 61 janeiro janho 2013 porém, ele ndo queria namorar, fato que a de- cepcionou e seu humor ficou deprimido. Em dezembro de 2010, Ana iniciou tratamento com um médico endocrinologista para ema- sgrecer, tendo uma dieta balanceada e realizan- do atividades fisicas frequentemente. Avaliagao © primeiro processo de avaliagao pelo qual a paciente passou foi a Triagem, porta de en- trada do paciente na clinica-escola. Esse pro- cesso tem por objetivo buscar informasées acerca do paciente, com 0 intuito de compre- ender o motivo de sua busca por atendimen- to psicolégico e assim lhe encaminhar para 0 atendimento mais adequado, de acordo com sua demanda (Perfeito e Melo, 2004), Durante o processo psicoterdpico, Ana foi avaliada através de multiplos critérios, sendo cles: (a) entrevista clinica; (b) mensuragao atra- vvés do Inventario Beck de Depressio (BDI-I}; (©) verificacao de humor a partir de escala ana- Iégica, sendo atribufdo, pela paciente, um va- lor de 0 a 10 para seu humor depressivo; e, (d) verificagao da presenca de sintomatologia des- crita no Manual Diagnéstico e Estatistico dos ‘Transtornos Mentais, DSM-IV-TR, para EDM. A entrevista clinica ocorreu nos primeiros encontros. Ao longo do proceso, a autoavatia- ‘0 de seu humor e a presenca de sintomato- logia se mantiveram. © BDII foi utilizado em quatro atendimentos, sendo eles: a triagem, a segunda, a quinta e a décima sessao. Esse ins- trumento, apesar de poder gerar aprendiza- gem em decorréncia da sua reaplicagdo, teve or objetivo verificar a intensidade dos sinto- ‘mas de uma paciente psicoeducada quanto a0 objetivo do instrumento, Apesar disso, no de- correr das sessées, 0 resultado do instrumento foi verificado através de relatos da paciente sobre sua semanaee seu estado de humor atual Descricao do tratamento e progresso do caso No process de triagem, Ana contou so- bre sua insatisfagdo com seus relacionamen- tos interpessoais e o quanto se sentia inferior {as demais pessoas, frente a isso, ela foi enca minhada para atendimento psicoterépico no referencial Cognitivo-Comportamental, com © intuito de ser auxiliada na identificagio de suas distorgSes cognitivas e consequentes alte- rages de humor.

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