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LUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA SETOR DE EDUCACAO UOFPR _ "storia vaoucacio PROF. MARCUS LEVY BENCOSTTA Anos ——> CARDOSO, T. F. L. As Aulas Régias no Brasil. In: Maria Stephanou; Maria Helena Camara Bastos. (Org.). Historias e Memorias da Educacao no Brasil. Petropdlis: Editora Vozes, 2011, v. I, p. 179-191. fy y) AS AULAS-REGIAS NO BRASIL Tereza Fachada Levy Cardoso Vivemes numa s volvimento da dade que considera a educagdo um fator de desen- igura como um local onde se de uma educac3o para todos, piblica, seja uma heranga do século XVIII, do Tluminismo, ainda hoje 0 ovo bra sobre 0 momento ca eriagao da escola piiblica em todo o reino portugués, no qual se ineluia 0 Brasil, eseu desenrolar durante o periado de vigéncia do inaugurado com as Aulas Régias. Segundo a historiografia da educagio, o periodo compreendido entre ‘meados do século XVI (1549) emeados do século XVIII (1759) & con do como periodo “jes uma vez que 0 ensino ficava 20 encargo da Companhia de Jesus, instituigdo rel nas “escolas de escolas do ensi Embora gratuito, pois os padres da Companhia de Jesus eram remune- rados por El-rei, o ensino destinava-se primordialmente aos filhos da clas- se dominante. representada pelos donos de terras em geral, mas i também os indios, dentro dos objetivos pr Jesultas no Novo Mundo, ou seja, no sentido de recrutamento de fis es vidores, O saber era reservado a formacio de religiosos, fossem do clera secular ou conventual, ou entio servis para encaminhar os alunos & Un idade de Coimbra. Excluidos da educagdo estavam os escravos, a po- iio desprovida de posses e as mulheres. 180 Histérias e momérias da edueagdo no Brasil~ Vol. todo o reino portugués, Havia um contexto de crise aguda nas relagdes da ‘Companhia de Jesus com a Coroa portuguesa, que caminharam para diver- sgéncias inconcilidveis. Além disso, os jesuitas estavam softendo, naquele momento, rigorosa devassa por ordem do proprio Papa Benedito XIV. ‘Mesmo na América portuguesa, os jesuitas jé nfio contavam com 0 apoio de importantes setores da populagio, devido a muitos atritos, espe te com as autoridades governamentais (Cavalcanti, 2004) A expulsio dos jesuitas faz parte das reformas do Estado promovidas no reinado de D. José I eefetivadas pelo Ministro Sebastizo de Carvalho e Melo, 0 Marqués de Pombal (1699-1782). Essa medida dristica simbol uma ruptura do governo portugués com 0 pensamento escol uma tradi¢do de dois séculos, dando espago para a modemizagio que se pretendia com a criagio de um Estado secular ¢ regalista, dentro de um projeto de reformismo ilustrado de constituigio de um vasto e poderoso império (Lyra, 1994). Ennessa conjuntura que entra a criagdo de um novo sistema de ensino, que vai perdurar, no Brasil, de 1759 até 1834, e em Portugal até 1860. Inspirada no iluminismo portugués expressado nas obras de Verney ¢ Ri beiro Sanchez sobretudo, esta reforma dos estudos fazia parte de um con- junto de medidas mais profundas que devem ser compreendidas no con- texto de implantago do despotismo esclarecido em Portugal, caminho po- ico escolhido para conciliar a tarefa de modemizat 0 pais, com a preser- vagdio da monarquia absol AS RAZOES DA RI FORMA Dos ESTUDOS Em 1759, o governo portugués desmantelou toda uma estrutura admi- nistrativa escolar baseada na educagiio religiosa jesuitica, instituindo, em seu lugar, as Autlas Régias. O Estado luso estatizou o ens uum sistema determinado ¢ controlado pelo Estado, que pela assumia diretamente ‘embora a religido cat ica continuasse obrigatoriamente presente’. No campo ideolégico, percebemos a influéncia do movimento ilustra- dona proposta educacional entZo planejada, que pregava o progresso cien- tifico ¢ a difusio do saber, a0 mesmo tempo em que tentava manter pri 181 icos do Antigo Regime, como uma educagio especial para a nobre- ima composigao propria do despotismo esclarecido. Para a realizagao desse projeto politico, c tendo por corolatio a centralizagao ¢ a racionalizagao da estrut administrativa, explicitando suas atribuigdes e fortalecendo a hierarquia dentro dos érgiios encarregados de tais tarefas, com o emprego de quadros funcionais especializados. Esta exigéncia pds em evidéncia a necessidade urgente de se promover uma cultura de base, assentada na leitura, na escri {a, no efilculo elementar, sem esquecer 08 conhecimentos relacionados is obrigagdes rel s, além de que, para aqueles funcionérios que ocupassem posigdes de maior destaque dentro da estrutura admini «ra conveniente uma qualificagio literiria maior do que a necessit do funcionalismo, mi m tempos conturbados, de crise do sistema colonial e de expansio das idéias iluministas, essa reforma do Estado incluia um conjunto amplo de ‘medidas culturais, com vistas a cooptar intelectuais ilustrados e onde a edu- cagio tinha um papel de destaque. Havia a preocupagio constante coma dis- seminago dos “abominéveis principios franceses”, levando o govemo a ar- uitetar minuciosamente os passos da reforma do ensino, desde o que devia ser lido, como se devia ensinar, proibindo qualquer iniciativa individual dos agentes desse proceso, a menos que fosse solicitada pelo proprio rei importante destacar o pioneirismo de Portugal em relagio aos do Ocidente, na implantagio de um sistema escolar estatizado, como vi- rios historiadores da educago portuguesa ja apontam. De fato, verifica- ‘mos que as reformas da educagio promovidas na Europa no sentido de ins- tituirem a escola ptiblica deram-se na Priissia em 1763, na Saxdnia em 1773, na Austria em 1774, ibém em 1773, 0 processo de reformar a educagao se inicia na Poldnia e na Rissin (Cardoso, 2002). ‘A Reforma dos Estudos no foi um processo linear. Ao contritio, foi mar- cada por diferentes etapas de um longo processo de implantagio e de con dagiio da nova pritica. A primeira fase, iniciada com o alvaré de 28 de de 1759, caracterizou-se pela Reforma dos Estudos Menores em Port cram os estudos das primeiras letras ¢ das cadeiras de humanidades, A segunda fase deu-se com a Reforma dos Estudos Maiores, a de 6 de novembro de 1772, quando reformularam-se os estudos esp. ficos da Universidade de Coimbra e quando ocorreu também o primeiro ajuste visando garantir 0 éxito nos Estudos Menores, reforgando e ai Vol. 162 Histérias © mamérias da educago no Bras ando as providéncias inicialmente ordenadas em 1759. Donde se depreen- de que‘os anos de 1759 ¢ 1772 firmaram-se na historiografia como os dois ‘momentos da mesma Reforma dos Estudos, os quais efetivaram tacio de um novo sistema escolar, o sistema das Aulas Régias. O QUE ERAM AS AULAS REGIAS? Na Reforma dos Estudos Menores de 1759, a designagio de Estudos ‘Menores, como aparece nos documentos oficiais deste periodo, do mesmo modo que a de Excolas Menores, e de Primeiros Estudos, correspondia a0 ensino primério e a0 ensino secunditio, sem distingao. Depois de conclui- dos os Estudos Menores, o estudante habilitava-se a cursar os Estudos Maiores, ou seja, aqueles oferecidos pela universidade Os Estudos Menores etam formados pelas Aulas de ler, eserever ¢ con- tar, também chamadas de primeiras letras como, ali, ficaram mais co- nhecidas, e também pelas Audas de humanidades, que abrangiam inic mente as cadeiras de gramvitica latina, lingua grega, lingua hebraica, retéri- ‘ca e poética, mas foram acrescidas ao longo dos anos com outras cat como por exemplo filosofia moral e racional, introduzida a partir de 1772. ‘So mais tarde, apds a Independéncia do Brasil, 6 que os Estudos Meno- res aparecem separados, nos documentos oficiais, em dois niveis distintos, © primeiro com o titulo de ensino primdrio, instrugdo priméria; e 0 segun~ do, referente & educagio secundaria, como ensino das humanidades, ou Aulas de estudos menores, mantendo a denominagao original. A partir de 1835 no Brasil ¢ 1836, em Portugal, & que o ensino secundirio passow a re- unit as Atlas, ou cadeira: , em estabelecimentos de instrugo se- cundatia denominados de liceus, embora desde 1825 ja houvesse uma pro- posta aprovada pelo governo de implantar um liccu na capital da provincia de Pernambuco, O sistema de ensino implantado com a Reforma dos Estudos Menores de 1759 baseava-se, portanto, nas Aulas de primeiras letras e nas Aulas de humanidades, que cram denominadas de maneira geral de Aulas Régias. oportuno assinalar que no Despotismo Tlustrado a palavra régio tem um carter ambiguo, porque ao mesmo tempo em que remete a figura do mo- afor Alas que pertenciam 20 Estado e que nfo pertenciam 4 Igreja. educagio manifestava-se o Regalismo. 12. As Aulas Réias no Brasil 183 A IMPLANTACAO DAS AULAS REGIAS A primeira etapa da Reforma dos Estudos iniciou-se com o alvari de 28 de junho de 1759, que continha Jnstrucdes minuciosas quanto i imple mentagao da reforma em todo o reino, ¢ instituia, ao mesmo tempo, o cargo de Diretor de Estudos, a quem cabia cuidar do planejamento, execucao ¢ controle dos professores na metrépole ¢ colénias, inclusive das sangdes a am sujeitos os mesmos, que em iiltima inst&ncia seriam agentes “a centralizadora ¢ estatizante, foi ram-se os primciros exames para professores régios de Granvitica Latina no Rio de Janeiro. Entretanto, em 1765 no havia ainda sido nomeacdo ne- hum professor piblico no Brasil, embora os concursos jit houvessem se realizado. No Rio de Janciro, ‘corre em do 0 novo sistema piiblico de ensino, no Reino portugués. Diante desse quadro, a populagao bra tes, oua generosidade alhei do. Nao havia disputa entre a escola piiblica e a particular nesse contexto, 0 ‘que nfio deixa de ser um paradoxo, porque a Coroa portuguesa t ‘grande empenho em elaborar uma legislacio bastante restri 5a, comprometida com uma idéia de tanto paraa implantagio da escola publ particular, scm no entanto promover condigdes reais de aplicabilidade da ‘mesma. Sequer durante o Império brasileiro se observa essa disput vez, que a escola piblica nunca preencheu as necessidades da populagio, portanto a escola particular mantinha um espaco de atuagao que cra com- plementar e nao concorrente. Aliis, merece registro que, no Brasil em geral, havia um incentivo do Estado para a proliferagio do ensino particular, tanto no periodo em que ainda era América Portuguesa ou jé como pais independente, durante 0 Império, Traduzia-se essa politica por diferentes meios, como por exemplo © descaso ¢ a omissio quanto aos assuntos da educagio publica, a neces: dade de dividir a tarefa com a sociedade, a pritica das subserigdes pop res para arrecadar fundos, o incentivo ¢ a parcer dades € as- sociagdes voltadas para a promogio da instrugo, 184 Histérias e memérias da oducagdo no Brasil Vol. Professores concursados mas nfo empossados, falta dos livros reco- mendados pelo Alvari de 1759, disputas politicas, enfim, os obsticulos para que as Aulas Régias se efetivassem na pritica foram tantos, que em 4 de junho de 1771 um novo alvaré passava para a Real Mesa Censéria toda a administragio ¢ dirego dos Estudos das Escolas Menores do Reino ¢ seus dominios, extinguindo a Diregio-Geral dos Estudos e marcando o ini- cio da segunda fase da Reforma dos Estudos. O governo admitia o fracasso na implantagio da primeira fase do siste- ma de ensino e se propunha, com a lei de 6 de novembro de 1772, a promo- incrementar a oferta escolar. Foram ts 0s obje- tivos principais dessa segunda fase, os quais traduziam as preocupagdes cen- trais do governo pombalino. O primeiro deles seria o esforeo em reformar os Estudos Maiores, substituindo os antigos Estatutos da Universidade de Co- um adequado a0 mento ilustrado. O segundo objetivo pretendido se traduz através da criagio de um imposto especifico, 0 do Subsidio Literario, langado em 10 de no- vembro de 1772, para financiar as reformas ento em andamento no campo da educagio, principalmente aquelas relacionadas aos Estudos Menores. No entanto é o terceiro objetivo, em relagio & Reforma dos Estudos de 1772, 0 relangamento, na pritica, das Aulas Régias, o que mais de perto nos interessa. A lei de 6 de novembro de 1772 ordenou cfetivamente 0 es- tabelecimento, nas principais cidades do pais, das Aulas Régias de Prime! ras Letras, de Gramitica Latina e de Lingua Grega, fundando novas Esco- las de Estudos Menores. O preimbulo desta lei deixa claro que a educagao nfo era obrigatéria ¢ 10 no era a populagao em geral, partindo o governo do princi era “impraticavel” montar uma rede escolar que abrangesse todo io do reino Iuso e dominios. Portanto, visando o bem do “interesse € que se classificavam os stiditos em grupos diversos, ou seja, 0 go rava apenas, nesta Lei, o destino profissional dos estudantes 3s de ler, eserever ¢contar”. Quanto as para os estudos”, chegariam “A precisa instrugo da Lingua Latina”, destinando-se, por nenor némero deles, a univer- sidade, ou seja, “as Faculdades Académicas que fazem figurar os homens nos Estados” (Cardoso, 2002). 2. As Aulas Régias no Brasil ‘Mapa dos Professores e Mestres das Escolas Menotes e das terras em que se acham estabelecidas as suas Aulas ¢ esco- las neste reino de Portugal, e seus Dominios”, que fa tura dos da- dos referentes as Awlas, com a localizagao das mesmas em todo o Reino, com seus dor Analisando, além deste “Mapa” que acompanhava a Lei, os outros da- dos referentes ao Ultramar e, especificamente, o item América, encontra- mos um levantamento total de 837 mestres necessirios para as Aulas Ré- gias para todo 0 Reino ¢ seus dominios, e destes, quarenta ¢ quatro eram indicados para exercerem suas fungdes na colénia brasileira, que foram as- sim distribuidos: Quadro I - Distribuigdo das Escolas Menores no Brasil ordenada pela lei de 6 de novembro de 1772 Ler, escrever, |Latim |Grego |Retérica | Filosofia icontar Rio de Janeiro 2 2 1 1 1 Bahia 4 3 L 1 1 Pernambuco 4 4 1 1 fi Mariana 1 1 : L 2 ‘Sio Paulo 1 1 : 1 : Vila Rica 1 1 : - - S. Joao del 1 1 : - . Rei Pard 1 1 : 1 : Maranhiio 1 1 : - - Total 7 is | 3 6 3 (Quadro elaboredo a partir dos dudes comtidos em anes dei de 6 de nov 186 Histerias e memorias da educago no Brasll~ Vol, | Quanto & distribuigio dos mestres pelas Aulas, deu-se conforme a ta- bela abaixo: Tabela 1 - Bri Aulas Régias Primeiras Letras Retérica Filosofia Estes dados apresentam de forma inequivoca a supremacia numérica das Aulas Régias destinadas & metrpole, 95%, ficando o Brasil, sua colé- nia mais importante, em segundo lugar na distribuigdo do restante das A Jas pelos dominios lusos, com 5%. Em relagio a distribuigao interna, des naram-se maior mimero de Aufas para Pernambuco, contemplado com 2 riaglo de onze delas, depois a Behia, com dez, ¢ em terceiro lugar vinha o Rio de Janeiro, com sete Atlas. Em 11 denovembro de 1773, um novo al Escolas Menores, entretanto no item América enconti para apenas duas novas Awlas, uma de Gramatica Latit a local mos a permis ea outra de ler, lade de Rio das Mortes, em Minas mente inalterado o quadro anterior. Como passar dos anos novas Aulas foram sendo erindas, como Filoso- fia Racional e Moral, Desenho ¢ Figura, Lingua Inglesa, Lingua Francesa ¢ até Aula de Comércio. So coma lei de 15 de outubro de 1827, que tomou obrigatéria a instala- io de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império brasileiro, o governo imperial sinaliza com uma pre- ‘ocupagio em ampliar o acesso escolar. Entretanto a educagio ainda nio era obrigatéria e conforme o artigo 179, § 32 da Ci tinava-se apenas aos cidadios livres. Uma situagao muito eomum encon- trada na documentagio era.a falta de aulas em escolas criadas por vezes hi eserever e contar, ambas ps Gerais, mantendo-se, portanto, 187 12. As Aulas Régias no Br A VIGENCIA DAS AULAS REGIAS As Aulas Régias abrangeram um periodo importante, durante o qual a lustrado se firmou em Portugal. O Rio de Janeiro assumiu em 1763 a posigio de sede do viee-reinado, consolidando-se no cenario politico-cultural brasileiro, passando & condi¢do de sede da monar- quia portuguesa em 1808. Em 1822, o Brasil tornou-se nagao independen- te, constituindo-se em Estado Imperial ¢ Constitucional, e nesse quiadro conjuntural destaca-se, ainda, a abdicagao do Imperador D. Pedro I, em 1831, em favor do imperador menino, D. Pedto Il, além da ins governos regenciais, quando o Brasil passava, pela primeira vez, ‘vernado por brasileiros natos. $6 em 1834, por ocasiao do Ato que esse sistema foi extinto ¢ substituido por outro, descentral Trata-se, portanto, de um longo perfodo que abarca diferentes conjun- turas, durante 0 qual o sistema de ensino piblico, inaugurado com as Aulas Régias, se manteve quase inalterado em suas caracteristicas essenciais: 0 carter centralizador,a falta de autonomia pedagégica, a existéacia de dois, niveis de ensino ~ Estudos Menores e Estudos Maiores ~ e 0 acesso & edu- cago restrito a uma parcela da populagio. Por isso mesmo, manteve um conjunto de elementos que funcionaram com uma estrutura organizada, pressupondo uma unicidade, caracterizando-se como um sistema. A alteragio desse sistema caracteristico do ensino publico, implantado com as Aulas Régias, ocorteu em 1834, com a Lei de 12 de agosto, que 0 substituiu por um outro sistema de ensino, caracterizado pela descentraliza- ‘iio, uma vez que tanto o ensino fundamental de ler, escrever e contar, quan- to oensino médio das humanidades ficaram a cargo das Assembléias Legis- lativas provinciais. Dessa forma, 0 poder central limitava-se a promover a educagio no Municipio Neutto e a educagio superior (Sucupira, 1996). AULAS REGIAS: ALGUNS ASPECTOS A escola era uma unidade de ensino com um professor. O termo escola cra utilizado com o mesmo sentido de cadeira, ou seja, uma Aula Régia de Gramética Latina, ow uma Aula de Primeiras Letras, correspondia, cada ‘uma, a uma cadeira especifica, o que representava uma unidade escolar, uma escola, Cada aluno freqiientava as Alas que quisesse, nio havendo articula- gto entre as mesmas, De modo geral, chamavam-se mestres aos que ensina- ‘yam as primeias letras ¢ professores aos de todas as demais ca ‘As aulas eram dadas na casa do préprio professor e apenas ev mente aproveitou-se um prédio anteriormente ocupado pelos je: 188 FHistérias © moméras da edueago no Brasil Vol.1 outro tipo de convento, para local de e Assim, nio era preciso haver ise. Foi s6 na década de 1870 escolares para funcionarem endo 0 primeiro deles no Rio de Janeio. Quanto ao processo de sclegiio dos professores denominados de régios a partir de 1759, fez-se sempre através de concurso, e em geral pelos se- guintes motivos: abertura de novas Aulas, aposentadoria, morte ou afasta- mento do professor que ocupava a cadeira. Publicava-se entio um edital, na cidade ou vila onde haveria 0 exame, lando 0 cargo & vaga, ou seja, o professor era nomeado para uma de- terminada vaga e, em geral, nos requerimentos de inscti¢do para o exame ndidato indicava a vaga que pretendia o transferéncia de lugar, sé em casos excepcionais. Oprocesso de exame para professores réj te, dos comissérios de estudo nomeados pelo passando, com a extinelio deste eargo, & cor nadores ¢ bispos, ¢, depois da Independéncia, aos governadores ¢ p dentes das As: ias Provinciais. Uma vez aprovados nos exames, os professores recebiam um documento que os autorizava a lecionar. O coneurso para professor piblico nfo estabelecia un wo de ‘dade para o candidato ao cargo, pelo menos até a decisio de 10 de dezem- bro de 1830, quando 0 govemno declarou de maneira clara que os menores de 25 anos no poderiam ser nomeados professores de primeiras letras. ficowacargo, iretor geral dos Estudos, *téncia dos vice-reis, gover- Os exames cram gratuitos e nfo se exigia dos candidatos a professor régio ou ao ensino part joma ou comprovante de habili- tasio para o cargo pretendido. Como nfo havia prova de aula, somente um exame de gramatica e outro de matemitica, quem ji lecionava nfo levava gem. O concurso funcionava, ao mesmo tempo, como ga- rantia da qualidade do ensino, além de fornecer um estatuto profissional pata o mestre. No alvard de 1759, El-rei estabelece que os professore gio de nobres, incorporados em direito comum, e especi digo Titulo de prafessoribus et medicis”. Isto significava passat da condi- ‘20 de plebeu a de pessoa honrada, ou seja, ganhar um le politica, que trazia vantagens na ascensio so: como a isengo de determinados impostos, a possi dade de ocupar postos destinados & nobreza, a exclusio de penas infames, ‘ou ainda o privilégio de nao ir para a prisio. Do universo das pessoas hon. 12, As Aulas Régias no Gras 189 cluidos desse universo. Na relagdo das honras concedidas aos stiditos, ca- bia & categoria dos letrados, consti réis formados, o g1 Entretanto, para os plebeus, pri 'nho da ascensio social era ainda mais reduzido do que para os da metr6po- le, esta poderia representar uma oportunidade tinica, menos por qq beneficio pecunidrio e mais ia, Outros eaminhos para obter distingo podiam ser também o i de Coimbra ou uma das condecoragdes concedidas pelo rei Os professores pill propria I necessério as aulas também ficavaa seu 20; levar-os meninos d missa ao menos em um domingo ao n a educagio civica; arcar com as despesas relativas no seu treit sos, ou seja, recebido em trés parcelas no ano e variava muito, em fungao da localizagio da escola, ou seja, as localidades de maior popula¢ao em cidades de maior porte rece! mais, decrescendo essa qua fessor de ler, escrever ¢ contar, por exemplo, podia receber entre 80S000 ¢ 1508000. Mas também dependia da cadeira que lecionavam, podendo variar ‘no periodo col or exemplo, entre 808000 réis para um substitute de primeiras letras, até 460S000rs, para um professor de Fi mesires ¢ mestras recebiam salarios iguais, desde 1759 a a legislagio e que comprovamos em iniimeros document Alls, o salirio foi alvo de reclamagdes constantes durante todo 0 perio- do das dulas Régias, no apenas no Brasil, mas também em Portugal. Os au- ments de s eram dados ao mesmo tempo para todos os professo- mesmo dentro de uma mesma regio, ou ainda cidade sm certos casos até anos, trazendo dificuldades aos professores, que no entanto pers Quanto primento de suas obrigacdes, até a Independéncia a preocup geral, era observar apenas a sua conduta pessoal. Nesse caso, 0 piroco, 0 chefe de policia ¢ os pais dos alunos eram as principais fontes de informa- io de que dispunha 0 poder do Estado, representado nesse caso pela Real Mesa Censéria. a er 190 Histérias @ memérias da oducagto no Brasil Vol. Depois da Independéncia, essa responsabilidade passou a ser das Ca- maras Municipais, que continuaram responsveis por esta tarefa principal- ‘mente depois de 1834, quando outro sistema de ensino, descentralizado, foi implantado. ‘Na tentativa de padronizar os procedimentos de avaliago destinados no s6 is escolas piblicas, mas também s particulares, o governo munici- palizou, com uma lei especifica sobre a matéria, a Lei de 1° de outubro de 1828, a fiscalizacao da casa-escola, que compreend exame do estado fisico de suas instalagdes. E foi reforcada posteriormente por outras medida legais que visavam manter o cumprimento dos interes- ses piiblicos que 0 da vida privada do professor, de sta familia e por veres até de alunos que, los de outras localidaes, moravam em pensdes que alguns professores ‘mantinham na mesma residéncia Quanto a avaliagdo de desempenho dos professores e das aulas publi- cas, também ficou a0 encargo das Camaras Municipais, a quem competia “vigiar sobre as escolas de instrucdo primdria da mocidade”, conforme determinado na mesma Lei de 1828 CONSIDERAGOES FINAIS. A implantagdo das Aulas Régias representou a imposigio de um proje- to, que fazia parte do sistema de dominagao do reino de Portugal, mas no qual se engajaram os intelectuais luso-brasileiros comprometidos com no- vas idéias surgidas com a Revolugao Cientifica ca Ilustrago. De qualquer forma, a instituigao das Aulas Régias representou um avango em sua época por procurar contemplar novos referenciais dentro de uma perspectiva que seu tempo reclamava. Entretanto, tais avangos encontraram seus limites naqueles mesmos em que esbarrou o pensamento iluminista na cultura politica portuguesa, que buscava absorver tais principios filoséficos em seu funcionamento, sem alterar, porém, as formas tradicionais ce dominagao e de exploragio. A permanéncia praticamente inalterada do sistema das Atlas Régias no Brasil da virada do século XVIII para 0 seguinte, estendendo-se ainda rante todo o primeiro reinado, deveu-se a continuidade dos modelos de pen- samento em nossa elite cultural. Existiu um grande descampasso entre 0 pretendido pelo governo monirquico — tanto 0 portugués quanto o br 0, apés a Independéncia — e aquilo que as condigées sociais e econémicas iriam a permitir, dentro de um modelo prociutivo excludente, escravista e pautado numa mentalidade que contribuia para se perpetrar tal situagio, 12. As Aulas Régias no Brasil 191 0 Ato Adicional a Constituigio, promulgado em 1834, que conferiu maiores poderes és provincias, também Ihes permitiu a geréncia do proprio sistema de ensino, deixando a cargo das oligarquias locais 0 exercicio ou do da educagio, que aqui deve ser entendida como possibilidade de liber- tagao do homem ou, em sentido oposto, como forma de sua dominacio pe- los setores politicos locais. REFERENCIAS CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As luzes da educacdo: findament raizes historicas e pratica das Aulas Régias no Rio de Janeiro: 1759. 1834, Braganga Paulista: Edusf, 2002. CARVALHD, Laerte Ramos. As reformas pombalinas da educagiio. 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