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INTRODUGAO O mandonismo, como simbolo da interferéncia do poder privado nos dominios do poder publico, é constantemente revisitado Por socidlogos, historiadores e cientistas politicos que tem demonstrado a atualidade do assunto e sua importincia para compreensio da realidade sécio-histética do Brasil e, particularmente, da Bahia. A relevancia desses estudos redimensiona-se pela presenga, ainda constante na politica nacional, de exercicios conservadores e tradicionais num momento histérico que se pretende alicercado em praticas democraticas de representacao ampliada. O Estado da Bahia é um grande exemplo do exercicio do mandonismo tradicional nos momentos de renovacio do executivo ¢ legislativo estaduais, nao menos atuante nas eleicdes municipais. Ainda hoje, assiste-se, no Estado, a praticas protecionistas e clientelistas dos grupos que controlam a politica regional. As formas autoritarias de mando revelam-se desde a acio arbitraria da justia na defesa de interesses dos grupos politicos dominantes, até a formas de violéncia consideradas ultrapassadas na fase em que se encontra a democracia no pais. sos estudos que buscam definir a agio discticionétia chefes locais, analises orientadas por uma “oS privado ov guiadas pelo privilégio concedido ag mento do poder central, tém contribuidg preensio das especificidades locais e tegionais protagonizado pelos detentores do Poder ibuem para o entendimento das telacdes Os dive: e arbitraria dos localista do poder crescente fortaleci decisivamente para com do exercicio de mando local. Esses estudos contri estabelecidas com 4 esfera su) com o governo federal, n perior, o govetno do Estado e, até mo, 10 caso dos estudos destinados ao mesmo, Periodo Republicano. Nesse sentido, compreende-se que o estudo do fendmeno, devidamente conceituado para um determinado momento histético, torna-se obrigatorio mecanismos legais e extralegais que norteiam a atividade politica, e nao s6 das elites locais, mas, sobretudo, dos para aqueles que necessitam entender os mesmo partidaria, protagonistas da politica brasileira a0 longo da histdria. Longe de pretender encerrar a discussao em torno das implicagdes que tém levado a historiografia a generalizar conceitos de mandonismo ou coronelismo, objetiva-se, com o presente trabalho, mostrar como a estrutura politica e administrativa do Estado Imperial, aliada a uma cultura politica ¢ social baseada no desapego ao convivio democratico, fundamentou e orientou o comportamento politico dos chefes locais. Estes, ao exercerem 0 controle sobre o poder local, instrumentalizaram-no em favor de sua politica de potentados, que foi acompanhada das mais variadas formas de violéncia. Sao de conhecimento publico as praticas consagradas pelos chefes locais em suas politicas, sobretudo nos momentos eleitorais: a fraude, o voto de cabresto ea coercao econémica. No entanto, 0s mandos e desmandos nao se revelam apenas nos momentos de dis i putas e confrontos. As mais diversas formas de violéncia oa i a ipolam as disputas pelo controle politico local, estando presentes at Inti , inadas 20 e atuantes em toda a vida social das Ce poder extralegal dos chefes, e sao, consequent ° A ee também, da forma como se deram a ocupagao ¢ a ee r grupos ptivados no processo de formagao das comunidades oe in Este trabalho objetiva mostrar como 0S chefes locais la Imperial Vila da Vitdria, atual Municipio de Vitoria da Conquista, Regiao Centro-Sul do Estado da Bahia, investiram-se do Poe desde 0 processo de reocupagio da regiao e de constituigao do municipio. No controle da burocracia local, dela se apropriaram e desenvolveram formas variadas de desmandos sempre acompanhadas de praticas violentas. Desde o primeiro contato com os autéctones, até a constituicio e desenvolvimento dos orgaos da administrac’o local, os grupos privados, no comando desses postos, fizeram da violéncia e do desmando os fundamentos da politica local, que culminaram na “Tragédia do Tamandua”. Embora a “Tragédia do Tamandua” tenha acontecido em 1895, primeiros anos republicanos, optou-se por privilegiar o Impétio como momento de estudo. A op¢io deveu-se 4 propria tealidade historica do fendmeno e as evidéncias das observacées empiricas. O acompanhamento genealdgico das familias envolvidas na tragédia revela que, durante todo o século XIX, elas estiveram no controle politico local, detendo os postos de comando do poder, desenvolveram uma politica de potentados e, de forma violenta, impuseram-se diante da populacio local. Inicialmente, durante a conquista da regiao, adotaram uma conduta violenta sobte os indios que habitavam a rea e, posteriormente, aplicaram sobte os habitantes do municipio uma estratégia de controle social e politico por meio de leis e decretos elaborados e aptovados pelo legislativo local. As familias que detiveram Postos de comando na administragio local foram os Ferraz de Aratijo, Oliveira Freitas, Lopes Moitinho c Fernandes de Oliveira, todos grupos familiares Otiginarios de um tnico ttonco, do qual o patriarca foi o capitao-mor Joao Goncalves da Costa que, no século XVIII, com a sua familia, fo, ram og responsaveis pela conquista e pela ocupacio da regidio em que, grossy localizava-se 0 Municipio da Imperial Vila da Vitoria, Da conquista e reocupacao, resultaram a posse e o controle dos drgios publicos por essas familias, que eram fepresentadas no legislativo, no executivo local, na justica, enfim, em todas as instncias de geréncia da administracao publica local. Durante todo 0 século XIX, foram personagens sempre presentes na vida politica, social ¢ econdmica da vila. Além de administradores locais, os membros dessas familias foram, também, atores das diversas formas de manifestacio do mandonismo, cujo 4pice foi a “Tragédia do Tamandua”, um caso de lutas de familia resultante de intrigas interpessoais entre membros de grupos familiares. Esse litigio teve inicio com o assassinato de dois irmaos e, posteriormente, expressou-se na vinganca planejada e calculada por Calixto de ‘Almeida Freire — conhecido como o Anjo da Morte — contra os seus arquiinimigos: o subdelegado Afonso Lopes Ferraz Moitinho —o Santo Lenho — e o coronel Domingos Ferraz de Aratij modo, ptoprietario da Fazenda Tamandua, palco do seu tombamento e de seus familiares, num total de mais de vinte pessoas brutalmente assassinadas. A “Tragédia do Tamandua”, de forma contraria aos demais casos de lutas de familia nos quais estiveram, em lados opostos, grupos familiares diferentes, foi um conflito entre parentes que se altercaram numa contenda violenta, envolvendo homens publicos que instrumentalizaram, em seu proveito, as instancias da administracao local. Dai a diversidade das praticas de desmandos, tais como prisdes arbitririas, julgamentos forjados e parcialidade da justica. A incursio do poder privado dos proprietarios rurais nas instancias do poder publico é um instrumento que nao explica totalmente a violéncia adotada Por esses grupos quando estio no 23 comando ou envolvidos em situagdes de disputa pelo controle des- sas instituicdes. A violéncia implementada pelos grupos Privados, em atuagao nos étgaos publicos, resultou de uma cultura politica alicercada na dominagao e subordinasao. ; Nossa preocupagio em registrar a evolucao politica e admi- nistrativa local resultou da inexisténcia de estudos sistematizados sobre o municipio, da possibilidade de contribuir para futuros tra- balhos e da prépria necessidade de comprovar como as familias locais, protagonistas do “estudo de caso”, estiveram nesses postos durante todo o periodo estudado, O livro ampara-se em documentos inéditos, em sua maioria, Pata o acompanhamento da evolucio administrativa e politica do municipio, servindo-se ainda dos anais do poder local, tais como atas da Camara e correspondéncia dos administradores e juizes municipais ao presidente da provincia. A anilise do conjunto de leis ¢ dectetos da administracio possibilitou verificar como os donos do poder local, no exercicio das priticas administrativas, mostraram-se bastante modernos, se comparadas as suas atitudes ao que acontecia nos momentos em que estavam envolvidos na disputa e na manuten G40 do poder politico. Contudo, verificou-se, também, que essa postura modernizante foi recurso eficiente Para o controle da populacio e Pata o exercicio eficaz do mandonismo local. Os processos-civel e os Processos-crime, neste estudo, demonstram, por um lado, que ess pleno conhecimento da legislacgio tanto civil co €, pot outro, como, pelo controle sobre desenvolveram praticas clientelistas ¢ correligionatios. Os depoimentos dos descendentes do: envolvidos no “estudo de caso” fontes privilegiadas ‘es grupos detinham mo penal do Império essas instancias, eles Protecionistas para com seus Ss grupos familiares foram de fundamental importancia, uma vez que possibilitaram a comparacao entre a memoria i 24 Isnara Pereira Ing orno do fato e as conclus6es extraidas da anilise portante registrar aqui os limites colocados construida em t dos documentos. E im 5 para a analise historica pelos processos-ctime, uma vez que sig “contaminados” em razAo do contexto devem, sempre que possivel, ser considerados como fontes historicas de natureza diferente. O presente estudo objetiva documentos muitas vezes em que sio produzidos e mostrar como se configurou 6 mandonismo local na Imperial Vila da Vit6ria, interior do Estado da Bahia, durante pouco mais de cinco décadas: de 1840, data da a Camara municipal, a 1895, data em que a cidade posse da primeir: data en o em sua mais alta manifestacao: a “Tragédia assistiu ao mandonism do Tamandua”. O mandonismo local comumente conhecida como Regia verificados no mandonismo das outras regides do Estado. Tanto na Chapada Diamantina, como no Vale do Sao Francisco e na regiao cacaueita, pode-se observar um tipo de mandonismo com caracteristicas bastante diferenciadas daquele que se desenvolveu na Imperial Vila da Vitéria. Em funcao dessa diversidade, optou-se por identificar os na Regiao Centro-Sul do Estado, io Sudoeste, fugiu aos padrdes elementos de mando utilizados pelos chefes locais e os instrumentos que foram privilegiados para se manterem no poder. Foi uma preocupacio constante a identificacio das especificidades do mandonismo no municipio, com o intuito mesmo de distingui-lo das interpretagdes mais genéricas de mandonismo ou mesmo de coronelismo. Dentro desse horizonte, 0 caso de lutas de familia, verificado no municipio, nao representa apenas um caso de vingancga privada. _ aoe imersa nas redes do cotidiano da vila revelou que a ‘Tragédia do Tamandua” no se resume apenas a um caso de lutas de familia, mas ao apice das manifestacdes de violéncia politica, Sempre constante na Imperial Vila da Vitoria, uma vez que os seus Introducéo 25 CE protagonistas, detentores de fungdes publicas estratégicas — delegado de policia, juiz municipal, subdelegado de distrito — sempre estiveram em posigao de disputa e confronto entre si e com grupos tivais. Disputas, inclusive, que nao se verificavam apenas em momentos eleitorais, mas durante todo o exercicio da vida publica local. Para compreensio do mandonismo local, optou-se por nao atribuir um tnico fator, o econdmico, como determinante do poder exercido pelos chefes locais. Ao contratio, privilegiaram-se outros fatores, inclusive externos, como a estrutura politico-administrativa do Estado Imperial — heranca de uma cultura politica baseada na dominacao e na subordinagao — possibilitando que determinados grupos privados se apoderassem das instincias formais do governo local e, por intermédio delas, desenvolvessem as mais variadas formas de desmandos, sempre com uso corrente de violéncia. A necessidade de conceituar o mandonismo na Imperial Vila da Vitoria exigiu o estabelecimento de uma discussao te6rica com os estudiosos do tema. Sem pretender encerrar questo em torno do assunto, buscou-se, no Capitulo I, mostrar como os principais estudos acerca do mandonismo e do coronelismo entendem as telag6es estabelecidas entre o poder publico e o poder ptivado. Ao mesmo tempo, buscou-se salientar a importancia das interpretagdes no 4mbito local, as quais muito tém contribuido para esclarecer especificidades que as grandes abordagens nao abarcam e, ao mesmo tempo, pér em questionamento premissas que nio se verificam quando submetidas 4 lente do enfoque local. No Capitulo II, acompanhou-se a evolugao administrativa e judiciaria da vila e todo o processo de formagio e constituicéo das elites locais. Da mesma maneira, examinou-se a consolidagao das instancias formais do governo local nas maos desses grupos, mostrando como administraram e implementaram as politicas piblicas da localidade. Lsnara Perirg Ig No Capitulo III, analisou-se a vida politica dos Stupos familiares envolvidos na tragédia, pened a politica de ; luzia-se na pre: potentados desenvolvida por esses grupos tra a Ptesenca ini a . Com, ge da elite em todas as esferas da administra¢ao — 01 proven se que os elementos utilizados para a sua manutengao No por ‘. foram os mais diversos, sendo instrumento privilegiado o controle sobre as instancias da justica. : . ‘Tentou-se demonstrar, no Capitulo IV, a linha ténue que separa o mundo privado do mundo publico, a politico. Comprovou. se que a indefinicao de limites entre o publico e o paved constrdi situagGes nas quais as duas esferas se misturam. De tiveram outra conotacao as chacinas que precederam a Tragédia da Fazenda Tamandua, ocorridas nas fazendas Sussuarana e Pau de Espinho, Esta, palco do motivo que gerou a vinganga de Calixtinho — 0 Anjo da Morte — e seu bando de mocozeiros; aquela, o primeiro passo da vinganca implementada contra o Proprietario da Fazenda ‘Tamandua. Todas resultantes do desmando e da instrumentalizacio dos orgios piblicos por gtupos privados. A “Tragédia do ‘Tamandué” foi a extensio maxima de manifestaca em sua fase mais violenta e cruel somada aos pre Privada, aquela que s6 se efetiva quando realiza a0 fato que lhe dera origem. © do mandonismo ceitos da vinganca ida em grau superior REVISITANDO CONCEITOS Mandonismo, coronelismo, ptivatismo, familismo e muitos Outros conceitos sao utilizados para designar a interferéncia do po- det privado no dominio puiblico.! Muitas vezes utilizados como sindnimos das manifestacdes do poder privado no Brasil, tais con- ceitos sao constantemente revisitados por historiadores, socidlogos € cientistas politicos, que reiteram a atualidade do tema e a necessi- dade de analisar as especificidades tegionais nao s6 no sentido de tecuperar as historias locais, mas também de exercer um “continu- ar” da historia esquecida nas grandes sinteses. Com este capitulo, busca-se avaliar as Ptincipais abordagens conceituais do mandonismo local, algumas vezes denominado coronelismo, destacando-se os principais elementos que os historiadores tém utilizado pata definir a incursio do poder ptivado nas instituigdes publicas. Com esta revisio historiografica, nao se objetiva adequar 0 objeto em estudo a qualquer um desses conceitos, mas sim defini-lo, a luz da historia e de seus métodos, temporal e “Richard Graham utiliza o conceito de clientelismo em seu estudo sobre a trama Politica brasileira no século XIX (1997). mein Pera “caso de lutas de familia” resultante do controle violento das instancias ptiblicas locats por grupos privados. Revisitando 0 processo de colonizagéo do pais ¢ de al, é possivel verificar que esses historicamente, como um . . . tacio da sociedade colo’ ae implantag: io de uma fela¢ao violenta entre processos se deram por meio colonizadores e colonizados. Subordinagao € dominacao an Os P bre os quais a nova sociedade foi alicergada. Disso, instrumentos sol i q Pecan demandas politicas ¢ resultou a formacao de uma populasa a a a sem conhecimento minimo de seus direitos civis e politicos (VASCONCELOS, 1995; OLIVEIRA VIANA, 1974; CARVALHO, 1995). . — . Essa formagao social € encontrada na vida publica, nascida dessa forma de hierarquizagio, e também nas relagdes privadas. Desde 0 Periodo Colonial, até pelo menos fins do século XIX, vé- se que a violéncia permeou as relacdes interpessoais no cotidiano da vida em sociedade, verificando-se, conseqiientemente, sua extensio codificada nas relacGes politicas. A violéncia tornou-se parte integrante dos setores fundamentais da vida em comunidade e configurou-se nas relagdes vicinais de cooperacao e parentesco. A presenga constante de ruptura € de tensio no seio da vida em comunidade é elemento que aparece nao como fenémeno irelevante de oposicio, mas como constitutivo da relacéo comunitiria (FRANCO, 1968, p. 25) incorporando o Ptoptio processo de socializacao. : Machado de Assis, a0 tegistrar as memotias de seu heréi, Bras Cubas, fornece al; a guns exemplos da violéncia Ptesente no ano e da falta de limites nas relacdes sociais: 29 Renisitando_conceitos _—_—_—_—_———_ estava fazendo, e, nio contente com 0 maleficio, deitet um punhado de cinza ao tacho, e, nao satisfeito da travessura fui dizer 4 minha mie que a escrava € que estragara 0 doce ‘por pitraca’; e eu tinha apenas seis anos. Prudéncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias, punha as maos no chio, recebia um cordel nos queixos, a guisa de freio, eu trepava- lhe ao dorso, com uma varinha na mao, fustigava-o, dava mil voltas a um € outro lado, e ele obedecia - algumas vezes gemendo - mas, obedecia sem dizer palavra, ou quando muito, um ‘ai nhonhé’, ao que eu retorquia: — Cala a boca, besta! [...] outras muitas facanhas desse tipo, eram mostras de um génio indécil, mas devo crer que eram também expressoes de um espirito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiragio; ¢ se as vezes me repreendia, a vista de gente, fazia- © por simples formalidade: em particular dava-me beijos (MACHADO DE ASSIS, 1971, p. 30-31). Tempos depois, 0 herdi obsetvava o seu ex-escravo com comportamento similar ao que recebera quando crianca. Um comportamento que parece representar um ato condicionado, necessario e também sem limites: [.-] eu, em crianga, montava-o, punha-lhe o freio na boca, e desancava-o sem compaixio; ele gemia e sofia. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos bracos, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condi¢ao, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, eia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera (MACHADO DE ASSIS, 1971, p. 100). Nao ¢ dificil compreender as conseqiiéncias sociais e politicas desse comportamento estendido aos membros da elite governante. A violéncia na politica, expressa nas manifestacdes do mandonismo, esteve imersa nas praticas litigiosas inseridas nas correntes do cotidiano e era delas resultante. A complexidade da sociedade brasileira nao foi acompanhada de uma diminuicio da violéncia; ao contratio, o incremento da organizacio politica ¢ administrativa nacional foi acompanhado pela institucionalizacao i violéncia na politica. Nao se verifica, dessa forma, 7 pa : © Brasil, 2 teotizacio de Norbert Elias (1993, v: 2) de que a violéncia tende a diminuir « A se modificar na medida em que aS Ce Se tornam Mais complexas. As formas de representagao que i desenvolveram no Brasil foram acompanhadas de ce violentas e de ages arbitrarias por membros da elite politica Beconal Oo autoritarism, como forma de atuagio politica, foi o instrumento privilegiagg pe nN ran das praticas autoritarias da elite Politica no Brasil tem levado a historiografia a interpretagoes Coens Sobre o poder discricionario dos grupos privados, as quais nao Fespondem as peculiaridades do mandonismo local nos cae 2 interior do pais. A anilise dos principais trabalhos revela a preméncia de estudos regionais e mais localizados. No que se tefere 4 Bahia, essa necessidade torna-se mais impetativa uma vez que os estudos das tegides do interior do Estado tem demonstrado diferentes formas de manifestagao do mandonismo. Nesta breve revisio historiografica, optou-se por Privilegiar 0s ptincipais trabalhos que elaboraram generalizacées sobte o assunto ¢ alguns estudos de caso referentes 4 Bahia, sem se pretender um levantamento exaustivo, mas com o Unico objetivo de demonstrar as diversidades comprovadas no “estudo de caso” em anilise. Mandonismo, coronelismo e mesmo familismo sao conceitos que tém levado alguns estudiosos a visdes diferenciadas da estrutura politica e administrava do Brasil. De um lado, estio os autores que atribuem grande importincia ao Poder local como mictoesfera da — Poe utura politico administrativa do Estado; de outro, tem-se uma 31 ritando_conceitos Entre os autores que atribuem grande importancia a0 localismo na politica nacional, esta Pereita de Queiroz. A autora analisa a influéncia do mandonismo local, que, na sua perspectiva, sobrepée-se ao poder central nas trés fases da vida politica nacional. Assim, [-.] paralelamente ao mandonismo que se afirma em todas as ocasides como o poder mais forte, veio-se desenvolvendo também um poder central. Este nfo € sendo uma tentativa durante a Colénia. Durante o Império confunde-se com 0 mandonismo local [...]. Finalmente, durante a Primeira Republica, o poder central principia a se desvencilhar do coronelismo ¢ a constituir uma forca independente com a qual é preciso contar; chega mesmo a um equilibrio de forcas, e governo central e mandées politicos tratam-se de poténcia pata a poténcia (1976a, p. 33). Conclui Pereira de Queiroz que a forte influéncia do mandonismo local, mesmo paralela ao processo de centralizagao do Estado, é resultante da permanéncia de uma estrutura social baseada no latifiindio e na escravidio: De Portugal viera para o Brasil o tipo de familia patriarcal, que no reino comegara a decair sob 0 reinado de D. Manuel e que encontrou no Brasil, para revigorar e perdurar, as seguintes condigées: latifindio e escravidao, que tornavam o chefe de familia senhor sobre grande extensio de terra mal policiada e sobre grande quantidade de gente (1976a, p. 44). No municipio, estavam localizados os interesses imediatos dos latifundiarios, senhores de gente e de coisas. Tornados proprietarios dos destinos locais, os latifundiarios comandavam a politica de acordo com seus interesses. Sua acao nao se limitava as fronteiras de seu municfpio de influéncia, ao contrario, a politica local, que em torno deles acontecia, determinava a composicao das = Isnars Prins jot Peri por sua eZ do Gabinete. Assim, segunde Império, em lugar da centralizacig, ia era a s co que havia era a sua fragmen. Camaras provinciais ec Pereira de Queiroz, durante 0 do poder nas maos do imperador, jetari icolas. tacao nas maos dos proprietartos agricol: a ‘As modificagdes no ambito politico administrativo, advindag republicano, na interpretacao da autora, nao alteraram 0 centro da politica ae locais, agora configurado na pessoa do coronel. O ee petmanecen como instrumento privilegiado dos chefes locais. . coronelismo nada mais é do que a forma assumida pelo mandonismo local, a partir da Proclamacio da Republica, apesat dea denominasio de coronel ter aparecido ainda na segunda metade do Império (QUEIROZ, 1976b, p. 172).O fendmeno que, durante o Império, se mantivera 4 veio 4 tona na Republica, demonstrando um pacto tacito: com a implantacao do regime sombra, [J entre o presidente ou o chefe estadual e a massa votante se interpunham os coronéis € entio tinha ele de se entregar a trabalho muito habilidoso com o fim de harmonizar e coor- denar as diferentes cortentes e influéncias de modo a se man- terno poder (1976a, p. 117-118). A autora parece petceber nesse pacto uma diminuicio do poder dos mandées locais, a0 afirmar que o “chefe municipal tinha de se acomodar com dois poderes diferentes: 0 governo do Estado e 0 governo da Repiiblica” (1976a, p. 125). O que 0 novo jogo politico demonstra, na realidade, é uma funcio especial do papel dos chefes locais na politica, agora institucionalizada nao s6 local ¢ regionalmente, mas também nacionalmente. O fenémeno do coronelismo, configurado na Primeita Republica, fundamentou-se no poder econdmico e politico do coronel, acompanhado das relagdes de solidatiedade vertical (relagoes entre classes sociais diferentes) e horizontal (telagdes no interior de uma mesma classe social) dentro dos gtupos de parentela. Todo Revisitando conceitos 33 ————_—_—_—C “ §L coronel era integrante de uma Patentela, podendo os grandes coronéis ul trapassar os limites da sua Propria e absorver outras aliadas. O poder econémico dos coronéis é relativizado pela autora, a0 concluir que, durante a Primeira Republica, a simples propriedade de gtandes quantidades de terra nao era fator de tiqueza. Isto 6 se verificava quando havia por parte do Proprietatio capital suficiente para sua exploracio. O comércio foi o instrumento eleito pata se fazetem fortunas, e sua Conservacao e ampliacio se davam por herancas e casamentos. pelos grupos de Parentela, que difetenciados dos “clas” ou das “familias extensas”, » Constituiam-se em niicleo extenso de individuos unidos por parentesco de Sangue e eram formados por vatias familias micamente independentes. Pata o comando da Parentela, é condicao sine q#a non o catisma do coronel que é, nucleares econo logicamente, o seu chefe. Esses grupos podem ser igualitarios, semelhantes A estrutura clinica na qual predomina a solidariedade horizontal, ou heterogéneos, baseados na solidatiedade vertical e horizontal. Observa a autora que os lacos de solidatiedade nao levam intrinsecamente 4 harmonia e que as disputas entre esses grupos, lutas de familia, podem, inclusive, teforcat a solidariedade interna: “a quebra da solidariedade do Conjunto maior agia como um fator de reforco podetoso da solidariedade interna dos conjuntos menores, adversarios entre si” (1976a, p. 183), Com esses fundamentos e utilizando a tipologia de Jean Blondel (1957), Pereita de Queitoz interpreta a forca eleitoral dos coronéis com base em trés tipos de estrutura cotonelistica: 0 mando direto, quando o coronel controla sua Parentela pessoalmente e com auxilio de cabos eleitorais; o mando indireto, quando um coronel lidera outros Coronéis de menor influéncia; € 0 mando colegial, quando coronéis dominam zonas diferentes ¢ di letém poderes equiparaveis, 34 Isnara Pereing lop ne) ao explicar os fundamentog Bi tora, E importante notar que a au! : P o faz mediante anillise € constituicio do fendémeno do coronelismo, ; dos aspectos mais internos da sociedade a 5 wo basso que, ag tentar explicar a extingao do mesmo ee laa ASPectos extrinsecos a estrutura de seu desenvolvimento, ou seja, “xplica ° desaparecimento do coronelismo pelo crescimento demogrifico, pela industrializacao e pela urbanizagao. : : Anilise diversa sobre coronelismo foi desenvolvida em Coronelismo, enxada e voto por Victor Nunes Leal (1975) que concebe 0 mandonismo, assim como o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganizacio dos servigos publicos locais como caracteristicas da politica tradicional brasileira, que sao, na tealidade, caracteristicas secundirias do “sistema coronelista”. Nunes Leal nao desenvolve uma andlise do mandonismo local no decorrer da histéria politica nacional, apesar de considera-lo existente durante a Colonia e o Império. Sua atencao esta voltada, nica e exclusivamente, para um fendmeno proprio da Primeira Republica, o coronelismo como sistema Politico historicamente definido e localizado: 35 Rerisitando_conceitos. ueiroz, 0 autor considera 0 politica dos chefes promisso Assim como Pereira de Q enfraquecimento paulatino da influéncia social e locais nesse periodo, situagao que os condiciona ao com| com os chefes hierarquicamente superiores. E, reverso do espelho desse sistema de compromisso ¢ 0 reconhecimento mutuo pelo chefe local, 0 coronel, e pelo governo estadual da importancia politica de cada um. Em sua interpretacao, a pratica politica do coronel redimensiona-se internamente no mandonismo e no filhotismo: o primeiro, entendido como perseguigao aos adversarios; o segundo, como favorecimento aos aliados. As duas situag6es, expressas como caracteristicas secundarias do coronelismo, nesta interpretacao, fo- ram, durante o século XIX, na Imperial Vila da Vitoria, as molas mestras que orientaram a vida politica local, especialmente no que se refere 4 atuacao da justica e da policia. Como sera visto, 0 con- trole sobre estas atividades foi o instrumento privilegiado pelos chefes locais. O autor compreende que o coronelismo é também resultante da falta de autonomia dos municipios 0 que, de um lado, enfraquece © poder publico municipal permitindo a hipertrofia do poder privado dos donos de terras; e de outro, permite a subordinacio do coronel ao governo estadual, posto que a politica discricionaria dos coronéis “nao poderia assumir as proporgdes habituais sem o apoio da situacao politica estadual” (LEAL, 1975, p. 44). A falta de autonomia municipal proporciona aos chefes locais uma autonomia “extralegal” que é legitimada pelo governo estadual: [...] a sua opiniao [do chefe local] prevalece nos conselhos do governo em tudo quanto respeite ao Municipio, mesmo em assuntos que sao da competéncia privativa do Estado ou da Unido, como seja a nomeagao de certos funcionarios, entre os quais o delegado e os coletores. E justamente nessa autonomia extralegal que consiste a carta-branca que 0 governo estadual outorga aos correligionarios locais em cumprimento da sua OY Lsnara Persia ty prestagdio no compromisso tipico do ‘coronelismo’ (LR, AL, 1975, p. 44). Com esse mecanismo, 0 governe estadual subordinoy og los coronéis, outorgando-lhes 0 “direito» municipios aos desmandos d : i ‘ipais & nomeacio das autoridades municip: Se idedes as violéncias e arbitrariedades cometidas nas localidades. Por outro é iu a funcio de legitimador q, lado, o coronel também assumiu ¢ ; ; 7 7 governo estadual e federal, uma vez que possuia a for¢a cleitoral que se concretizava na sua capacidade com o governo do Estado. Vale lembrat que, pata 0 autor, a forca didtia sio os elementos mantenedores e fazendo “vistas grossa» de negociar ou trocar favores eleitoral e a propriedade fun do coronelismo. Sao apontados, como fatores para a sua superacio, a modificagaéo na estrutura agraria do pais, 0 processo de industrializacao, o desenvolvimento dos meios de comunica¢io, o aperfeigoamento do processo eleitoral e a vitalizagao do municipio pela Constituigio de 1946 (LEAL, 1975, p. 256-257). Diferentemente de Victor Nunes Leal, Raimundo Faoro (1996) retorna ao processo de formagao do Estado brasileiro para justificar o surgimento do coronelismo. Conclui o autor que a Proclamagéo da Republica, com o novo Estado em busca de legitimagao politica e estabilidade social, consolidou a nova ordem com a “politica dos governadores”, instituida por Campos Sales (1898-1902), alicercada no poder dos coronéis: [Ja suptemacia tuteladora do poder pablico, agora secionado nos Principados e ducados estaduais, continuou a operar, num molde pr6ximo ao regime colonial, no qual o particular exercia, Por investidura ou reconhecimento oficial, funcées publicas FAORO, 1996, p. 631), , fungdes p O coron : : discetnimens, el, assim, exercia uma funcao politica alheio 20 entre o poder estatal e og fins privados, Na realidade, 37 eae eee EE ee eames stragao publica no ambito ticos em fungao das Nesse sentido, exercia 0 oficio de complementar a adminis local por meio de grupos politicos nao monoli dissensdes oriundas das disputas entre familias locats. se Ayu [..] 0 fendmeno coronelista nao € novo. Nova seta a sua coloracio estadualista ¢ sua emancipagao no agrarismo republicano, mais liberto das peias e das dependéncias econdmicas do patrimonialismo central do Impétio (FAORO, 1996, p. 621). O poder do coronel origina-se de um “pacto nao escrito” no qual Ihe é reconhecido e outorgado um poder justificado pela forca eleitoral que possui € que sera acentuado na passagem do regime imperial para o republicano que, desejoso de legitimacao, [..Jatrelard os chefes politicos municipais ao governo estadual, com a attofia dos micleos locais, o que em tese significava atrelar 0s monarquistas aos freios republicanos, realizar eleig6es sob o dominio das situagdes estaduais (FAORO, 1996, p. 623). Os republicanos temiam que a autonomia dos municipios resultasse em anarquia e violéncia que viesse a desintegrar 0 pais em varios potentados locais capazes de eleger deputados e senadores. Ocorre que, apesat do federalismo, o controle central de todo esse processo pertence ao poder central. E ele, em ultima instancia, o dono do poder. O governador subordina as eleicdes municipais, cujo aliciador de votos é 0 coronel, mas a correlagio de forcas entre este e 0 governo estadual é, segundo o autor, inversamente proporcional: “sempre que o poder estadual se eleva e se fortalece decai o poder municipal” (FAORO, 1996, p. 626). Mas, a forca deciséria sera sempre a do governo central, na medida em que comanda a politica econdmica e financeira, restringe © poder coronelista que tende a se tornar desnecessirio ¢ Linara Pervirg jentemente, torna também desnecessarias as relacées eit nsequen| : istemas estadual ¢ federal. : _ “centralistas” e “localistas demonstram \ cor os s Essas teses . imento do pode penas aparente. O fortaleci Poder loca] ¢ . loxo 4] 7 ~ parad centralizagio do Estado nao Sic vo processo de progress! 7 a lementares, um: eis. Na realidade, sao comp: , uma vez que a incompati inci te, a crescente ci zack formacao do Estado e, principalmente, a entralizacio politica e administrativa tiveram nee ae peice locais sua base de apoio, os quais, em troca, oe o paternalismo do poder central. Nas eleigées para o legislativo estadual 7 federal, o poder local, com seus lideres, referenda a politica centralista sem prescindit de sua influéncia nas localidades. Marcel Bursztyn (1985) demonstra isto muito bem em seu estudo sobre a Paraiba. Estudo também inovador foi desenvolvido por Maria de Lourdes Janotti. De acordo com sua interpretacao, o coronelismo tem uma estrutura “bastante plastica, adaptando-se a sucessivos momentos hist6ricos” (1981, p. 80). Assim, para ela, 0 coronelismo nada mais é do que uma vertente do mandonismo sempre presente na Colénia, no Império e na Republica: [-] no caminho que o Estado Percorreu em busca de sua centralizacao, foi obtigado a ceder, em muitos aspectos, ao poder local. Embora nio se possa afirmar que todo fazendeito ou todo grande comerciante era um coronel, também é impossivel desvincular o coronelismo do mandonismo local (1981, p. 39). Discussa i S40 5 ae © seminal em seu trabalho refere-se ao fim do ‘Onelismo, A plas tick eee . . Mesmo apg dade de sua Politica o permite sobreviver 39 Revisitando_conceitos “ee TT ambos utilizam na conquista do eleitorado o empreguismo, 0 favoritismo, a barganha eleitoral, o compadtio e a violéncia” (1981, p- 82). Alguns tragos comuns entre os lideres populistas eo tecnocrata sto também percebidos por Joao Gualberto Vasconcelos que os ve como atores politicos com raizes no imaginario politico e social do coronel: [--] mesmo que o populismo seja um fenémeno politico da era Vargas, nao ha risco em afitmar que ele comecou a existit na Republica Velha, e afirmar também, sem tiscos de errar, que sua acao politica sempre foi muito proxima da do coronel. Sao personagens que nasceram da mesma raiz, da mesma logica politica (1995, p. 95). Outros estudos sobre mandonismo ou coronelismo desenvolvem abordagens locais nas realidades estaduais sem, contudo, fugir das andlises generalizantes. Alguns deles constroem seus proprios referenciais tedricos Para a abordagem do tema, a exemplo de Bursztyn (1985), ja citado, e de Eul Soo-Pang (1979), em seu estudo cobre 0 coronelismo e as oligarquias baianas. Neste trabalho, setao privilegiados os estudos referentes ao Estado da Bahia, com objetivo mesmo de diferenciar as manifestacdes de mandonismo no interior do Estado e de caracteriza-lo no presente “estudo de caso”. Pang elege 0 petiodo de 1889 a 1930 para estudar o Coronelismo eas oligarquias na Bahia. Construindo um modelo préprio de interpretacio, justifica sua opcao pela Primeira Republica por consideré-la um momento de transi¢io nao apenas social ¢ econdmica, mas também Politica das classes dominantes, ‘I endo como referéncia as andlises de Tocqueville, que observou uma ctise de legitimidade e de eficiéncia, no governo, no periodo de transicio da monarquia aristocratica para a republica democtatica, Pang Lomas Peis to o Brasil da Primeira Repridi, rsonalistas, COMO os corong, feridos em lugar da autorig, i 1979, p- 9). Dessa forma, 7 cio das oligarquias tradi; ionaig identifica uma situagao similar 9 i e1 quando “os lideres informais, P i re brasileiros, sao freqiientemente P’ : setado” ( formal ¢ distante do Estad en ‘ jul coronelismo proporcionou 4 maf no poder. a dos momentos de transigie Com essa u cafater patrimonialista - erces do coronelismo ¢ oo caracteristica propt i el a brasileira, com a ira os alic concepcao weberiana, construit uenn cen on incas. Dessa forma, 2 todas as suas nua ise e instabilidade. Para Pang. fodo de crt desenvolveu em um period a formacao politic: coronelismo ¢ um [..] exercicio de poder monopolizante por um coronel cyjg legtimidade e aceitagio se baseiam em seu status, de senhor absoluto, enelefortalecem, como elemento dominante nas instituigdes sociais, economicas € politicas (1979, p. 20). O autor nao considera como base do coronelismo a Ptoprie- dade fundiaria. Para ele, as mudancas ocorridas no Brasil, entre 1850 ¢ 1950, alteraram a estrutura de classe de uma sociedade predomi- nantemente agraria. A auséncia de um Estado forte e centralizado nesse petiodo favoreceu o desenvolvimento do coronelismo. A tese elaborada por Pang difere significativamente daquela de Victor Nunes Leal em seu Coronelismo, enxada e voto. No artigo sabiamente intitulado O coronelismo e 0 coronelismo de cada um, Leal (1980) diferencia o reafirmando que o “seu” coronelismo é tesultante de um momento Particular do mandonismo consubstanciado numa teia de compromiss. i 7 é 4 p 5 teciprocos em funcio da decadente influéncia social los chefes locais d seu conceito do de Pang, f f Revisitando_conceitos 4t atribuir o sfatus de senhor absoluto ao coronel, ou as expressdes de mando do sistema coronelista” (1980, p. 13). A periodizacao que Eul-Soo Pang faz do fendmeno tem seu inicio no século XVIII e 0 apogeu, na Bahia, nos anos 20 ¢ no periodo de 1933-1937 com Juracy Magalhaes. Em seu estudo do processo politico-partidatio, diferencia varias faccdes oligarquicas que disputaram o poder estadual na Bahia, caracterizando os grupos de acordo com sua composicio: [.- familiocratico, dominado por uma familia extensa; tribal, chefiado por um “padrinho” influente que acata autonomia dos membros associados; colegiado, organizado através de partidos ¢ com rodizio de liderangas; e petsonalista, unido pelo carisma do lider (PANG, 1979, p. 39-45). Para ele, foi o tipo familiocratico que caracterizou os coronéis da Bahia. Dos autores analisados, além de Joao Gualberto de Vasconcelos, Pang é 0 que mais se preocupa em analisar a violéncia institucionalizada pelos grupos privados, concluindo que ela remonta ao cla brasileiro, 4 familia extensa, que, proprietatia de exércitos particulares e ocupante de cargos puiblicos, lutava pelos mais diversos motivos, “por questdes de terras, de aguas, por disputas cleitorais freqiientemente por crimes passionais” (PANG, 1979, p. 24), Pang explica a legitimacio da violéncia desses grupos, em primeiro lugar, pelo exercicio de cargos publics por eles obtidos €, em segundo, pelo fato de os exércitos colonial ¢ imperial serem telativamente pequenos e concentrarem-se Principalmente nas Cidades costeiras, ao passo que [--] em muitos Municipios do interior, o Estado nfo possuia meios de fazer cumptira leie 0 funcionamento da justica; esses vazios foram rapidamente preenchidos pela ustica de Salomio, do pattiatca e de seus exércitos paticulares (PANG, 1979, p. 25), by riacao do poder Pitblic, ainda no século XVin Jonia receberam titulo, Dessa forma, segundo ele, 4 aprop’ pelo privado foi um processo rapido, ja que, e criadores da Col 0s principais plantadores i coroamento de seu Prestj, militares de coronel ou de capitéo-mor gio social e econdmico. Um outro estudo foi desenvolvido pot Gusti nel como agente do na regio e membro de uma “burguesia aca exportadores. A propriedade fundiasia, produ a ao capital, foi, na regiao, @ condigao bisica de exercicio lo mando coronelista que, apesat dessas especificidades regionais, guardou semelhanca com © mandonismo local prevalecente na Republica Velha em todo o pais. Por nao poss os chefes locais da regiao cacaueira adotaram uma postura mais legalista. A utilizagio de bacharéis em direito pelos proptietarios rurais, em Ilhéus, teve um aspecto bastante relevante: sobre a Bahia, especificamente sobre 4 avo Falcon. Sua anilise avan¢o do capitalismo ueita” de produtores ¢ tora de cacau, aliad, regiao cacaueira, marxista percebe 0 coro cuirem prestigio junto ao Estado, [..] detendo o poder de fato, os coronéis buscavam de toda maneira amparar-se 0a forma da lei, orientando seus aliados bacharéis para ‘servigos’ de toda ordem no sentido de se beneficiarem das contingéncias e desampato dos pequenos lavradores (1995, p. 94). Segundo o autor, o numero de advogados na regido superava até mesmo o de médicos. ‘A questio central desenvolvida pelo autor refere-se 20 fato dea burguesia cacaueita de Ilhéus, apesar de ser a classe mais rica do Estado, nao conseguir impot-se politicamente como lideranca regional. Conclui que, diferentemente da regiao da Chapada Diamantina e do Sio Francisco, a zona cacaueira nao conseguiu produzit formas de mando personificadas num tnico coronel. O dinamismo econémico da tegiao eos conseqiientes conflitos abertos ela posse if . pela posse da terra permitiram uma sucessao de chefes regionais no 43 Revisitando_conceitos. . : rn nao tendo a regio produzido nomes que s¢ destacassem poder, " de Matos e Franklin historia politica do Estado, tais como Horacio Lins de Albuquerque. Ocorre, no entan! mandonismo e coronelismo como similares. Elegendo a Primeira ismo to, que o autor utiliza o conceito de Republica como recorte temporal, afirma que “oO mandoni atingiu seu apogeu durante a Republica Velha” (FALCON, 1995, p. 13) e, mais adiante, afirma que esse momento se constitui num “periodo épico do coronelismo” (FALCON, 1995, p. 14). Mesmo chamando a atencfo para as especificidades regionais do seu “estudo de caso”, nao diferencia os conceitos que tém levado os historiadores aincorter no erto de adaptacdes de paradigmas a realidades histéricas locais e bastantes diversificadas, como é 0 caso do proprio mandonismo na regio cacaueita por ele estudado. Entre os demais trabalhos sobre 0 mandonismo no interior do Estado da Bahia, ha duas dissertagdes de mestrado em Ciéncias Sociais da Universidade Federal da Bahia: a de Dora Leal Rosa (1973) ea de Maria Alba Guedes Machado Mello (1989). Actescente- se a esses estudos a contribuicao do jornalista Walfrido Moraes com Jagungos e herdis (1973), brilhante andlise sobre a familia e a lideranca de Horacio de Matos na regio das Lavras Diamantinas. O estudo de Leal Rosa (1973) baseia-se na andlise da combinagao dos seguintes fatores: familia extensa do tipo patriarcal, grande propriedade e isolamento. Este trabalho teve como objeto a trajet6ria politica do coronel Horacio de Matos e dos membros do seu grupo familiar, senhores proprietarios de terras e de garimpos na Chapada durante o periodo de 1912 a 1930. A autora, utilizando © conceito de coronelismo de Victor Nunes Leal, analisou os mecanismos de posse da terra; as familias, com seus lideres; os coronéis; as relagdes estabelecidas internamente nos grupos de parentela e dessa com a ordem publica; e, conseqiientemente, as disputas pelo controle do poder na regiao. Isnars Perig ntre 0 coronel e a ordem Pi a coronelista configura-se numa yj, . ma locai efes locais, con momentos, 0S ch ” Ntrolad,, mao dupla. Em alguns ioe e condiciona dos 20s ince” go submett , werno federal, sao 8 ee pelo go tens axoanemok, © & BM etal gy, Analisando as relacoes © demonstra como 0 siste! : One eal i arlament politicos regi der local sendo obrigado a pi aE Com o, se submete ao por b arantir sua autoridade diante da forca armac, an aoe = O exemplo maior a Sonus Sertane. dos aa ee co oo Matos, resultante da politica de = liderada por Hor: 4 0 sucessor 20 governo do Estado, impl di 7 » Jose implementada contr: Joaquim Seabra. ha pela suc se detente (l if 6-1920) caminhava para que O seu antecessop ‘errao 7 José Joaquim Seabra (1912-1916), ve ao a ae de Matos, conseguindo o apoio dos coronéis ocals a regio es decidiu pelo apoio ao grupo politico de oposi¢ao liderado Por Ruj Barbosa, no qual figuravam os mais plana) politicos do Estado, Com a realizacio do pleito, tanto a oposi¢ao quanto o governo diziam-se vitoriosos. A oposicao, que tinha como candidato Paulo Martins Fontes, denominou o pleito de “Orgia de Fraude e Sangue” (MORAES, 1973, p. 82). A partir desse momento, Horacio de Matos liderou a Revolucao Sertaneja, sitiando e invadindo as cidades da regiéo rumo @ capital do Estado, do que resultou a acio intervencionista do governo federal, em 23 de fevereiro de 1920, com o envio de tropas do exército a0 Estado. essio do governador Anténio Muni,

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