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Rosvita de Gandersheim - WilsonAvilla
Rosvita de Gandersheim - WilsonAvilla
Wilson Avilla1
Abstract: This article presents notes on the life and work of Rosvita de Gandersheim,
medieval mystic, considered as a precursor of medieval female mystical writing. The
establishment of probable literary and conceptual parallels between two such distinct
authors - Rosvita de Gandersheim and George Bataille - in the time and purpose of
their writings, is sought preliminarily by the approximation of excerpts of erotic
inspiration in the work of the former, with the concepts of eroticism as cohesion of the
human spirit of the second.
Introdução
Ser alma feminina em uma época em que não lhe cabia o dom de pregar,
ensinar ou escrever, é algo que hoje causa espanto, não só pelas diferenças culturais,
mas pelo caráter de rompimento com o contexto de seu tempo, e ainda,
principalmente, pela enfática paixão pelo divino. Assim, as vozes e escritas dessa
alma, ou dessas almas, pensando na pluralidade de figuras que a compõem, soam
como uma espécie de transgressão, afirma Nogueira. Aliás, diz ela, uma tripla
transgressão: uma transgressão de gênero (mesmo que não deva ter o peso do
sentido moderno do termo); uma transgressão contra a ortodoxia da Igreja (quando
criticam explicitamente ou veladamente alguns dos seus hábitos) e uma transgressão
1Bacharel em Música, Bacharel em Direito, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Doutorando em
Ciências da Religião.
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dos limites da relação entre o humano e o divino (quando a alma e Deus se tornam
um só). (NOGUEIRA, 2015, p. 91)
O que a Igreja disse sobre as mulheres rapidamente se tornou o modo
como eram vistas pelas pessoas comuns, que por sua vez moldaram as expectativas
que a sociedade medieval tinha para as mulheres. (JUST, 2014, p. 3) Nisso estava
incluído o conceito de sexo como pecado, que foi solidificado no final do século XV,
lembra Just, com a publicação de todo um sistema de literatura penitencial que
abordava pecados sexuais. O Sínodo da Grã-Bretanha do Norte e o Prefácio de St.
Gildas em Penitência estavam focados principalmente em lidar com os pecados dos
monges e do clero, outros sínodos e publicações, no entanto, eram mais gerais,
aplicando-se às pessoas comuns tanto quanto para líderes religiosos. A Igreja
Medieval geralmente via as mulheres como inerentemente mais fracas que os
homens. Como o filósofo Philo ensinou, “o homem era superior à fêmea porque
representava as partes mais racionais da alma, enquanto a fêmea representava as
menos racionais” (BULLOUGH, 188 apud JUST, 2014, p. 3). Assim, embora homens
e mulheres experimentassem luxúria, eram as mulheres que geralmente eram
rotuladas como incapazes de se controlar. Em sua fraqueza, na visão daquele tempo,
elas levaram os homens ao pecado, prejudicando não apenas sua própria salvação,
mas também a da sociedade masculina. (JUST, 2014, p. 3)
Duby já decretou a Idade Média como uma “Idade dos homens”, segundo
Dabat. Ela aponta outros autores, de várias correntes historiográficas, como Régine
Pernoud, Caroline Walker Bynum, e Eileen Power, para citar apenas essas, que
insistem, no entanto, nas posições diversas, múltiplas e de destaque ocupadas por
mulheres em variados âmbitos sociais no período medieval. (DABAT, p. 21) Ela
também pontua que
não é por ser dominada socialmente, e cada vez mais acuada à invisibilidade
dos oprimidos, que nosso ofício de historiador/ra possa prescindir de atribuir,
na grande paisagem histórica, o devido espaço que cabe à metade feminina
da população: quando certas mulheres atingem níveis de reconhecimento
social e capacidade de atuar que lhes garantem presença, mesmo tímida,
nas fontes, que sejam resgatadas todas as facetas descritíveis dessa
participação à vida da sociedade medieval; quando não é o caso – as
camponesas, por exemplo - que o vazio correspondente inscrito na tapeçaria
da historiografia esteja na dimensão exata de sua presença efetiva no
passado. (DABAT, p. 52)
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2 Márcio Capelli, docente da disciplina Teologia e Cultura, do Curso de Doutorado em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo.
3 Plano de aula da disciplina Teologia e Cultura, do Curso de Doutorado em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo – Tema: Literatura através do corpo: religião e erotismo em escrita feminina. Prof. Marcio
Capelli Aló Lopes. Primeiro semester de 2020.
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1. Dados biográficos
4Plano de aula da disciplina Teologia e Cultura, do Curso de Doutorado em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo – Tema: Literatura através do corpo: religião e erotismo em escrita feminina. Prof. Marcio
Capelli Aló Lopes. Primeiro semester de 2020.
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2. Obra
mais aulas da antiguidade clássica que exibiam, seus escritos foram aparentemente
negligenciados na Idade Média e sem influência antes do Renascimento. Nos últimos
tempos, seus trabalhos foram traduzidos e as adaptações modernas de suas peças
receberam desempenho limitado.5
Seus poemas históricos fornecem material valioso para o início da história
alemã. Influenciada por Terêncio, escreveu em latim peças teatrais nas quais
apresentava figuradamente questões teológicas, a fim de difundir a doutrina cristã. O
tema do martírio mereceu destaque, sendo o foco central da peça Sabedoria,
ambientada no tempo do imperador romano Adriano.
Em latim, ela escreveu oito lendas, seis peças de teatro e dois épicos.
Rosvita criou as lendas a partir das Escrituras Sagradas, dos Evangelhos
apócrifos ou de histórias de vidas de santos. As peças de teatro foram escritas a partir
do modelo do escritor romano Terêncio, que também escreveu seis peças. Eles tratam
da vitória da fé e da pureza sobre o poder e a sedução. Trata-se de comédias morais:
Gallicanus (Galicano), Dulcitius (Dulcício), Callimachus (Calímaco), Abraham,
(Abraão), Paphnutius (Pafnúcio) e Sapientia (Sabedoria).
Não se sabe se tais esboços dramáticos foram alguma vez representados,
se ela os escreveu apenas como exercício literário, utilizado apenas para a distração
de suas companheiras do convento ou se tiveram um público maior, com uma
encenação propriamente dita.
Os escritos de Rosvita de Gandersheim dão provas de que ela estava
familiarizada com as obras dos Pais da Igreja, como Santo Agostinho, e com a poesia
clássica, ainda em vigor na época dela, incluindo as obras de Virgílio, Horácio, Ovídio,
Terêncio e outros, que são citados em suas obras. Costa registra que na
comédia Sabedoria, por exemplo, que narra o martírio das santas virgens Fé,
Esperança e Caridade, supostamente acontecido no tempo do Imperador romano
Adriano, a personagem principal - a mãe Sabedoria - é apresentada como uma mulher
extremamente sábia que, além de ministrar a educação religiosa cristã, transmite,
também, conceitos importantes para a formação intelectual laica, como, por exemplo,
da matemática. (COSTA, 2017, p. 2)
5https://www.encyclopedia.com/religion/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/roswitha-gandersheim,
visualizado em 02/06/2020, à 16:25 h.
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3. Características da obra
lembra que isso é expresso por meio de uma linguagem erótica que é uma mescla de
paixão e transgressão.
Por tal razão, o objetivo destes apontamentos é ousar um estudo que crie
paralelos entre os escritos, havendo, obviamente, a possibilidade de, ao final, como
em toda empreitada de averiguação, mostrarem-se incongruentes.
George Bataille foi influenciado por Marcel Mauss, antropólogo, pelos
escritos do Marquês de Sade, pelo pensamento de Hegel e Nietzsche. E influenciou
uma geração posterior de autores como Jacques Derrida, Michel Foucault, Phillipe
Sollers, Jean Baudrillard, Giorgio Agamben e Jean-Luc Nancy, conforme ensina
Galantin. (GALANTIN, 2008, p. 9) O propósito de Bataille era buscar a coesão do
espírito humano, que uniria desde a santa até o voluptuoso. Só por tal diretriz já é
possível ver algumas convergências entre ele e Roswitha.
O pensamento battailliano é deslumbrado com o corpo, e o coloca em
perspectiva erótica, sob as potências incendiárias da carne. Diz ele: “do erotismo, é
possível dizer que ele é a aprovação da vida até na morte”. Sua explicação para isso
é que do ser em queda, somos levados àquilo que, ao mesmo tempo que é
ultrapassado pelo erotismo, é também a sua chave: a reprodução. A aposta na
imanência é radical, o ser começa quando começa o corpo, entendido como
instaurador do abismo que separa um homem de outro homem, o que nos condena a
uma solidão absoluta cujo império cessa apenas com princípio de outro, o império da
morte: “Cada ser é distinto de todos os outros. Seu nascimento, sua morte e os
acontecimentos de sua vida podem ter para os outros algum interesse, mas ele é o
único interessado diretamente. Ele só nasce. Ele só morre. Entre um ser e outro, há
um abismo”. Esse abismo receberá o nome de descontinuidade – os termos
descontinuidade e continuidade são as chaves para compreensão daquilo que o
erotismo põe em jogo.6
A fim de apresentar a oposição fundamental entre continuidade e
descontinuidade do ser, Bataille incursiona àquilo que, na história da vida, precedeu
a reprodução sexuada. Obviamente, trata-se da reprodução assexuada, na qual o ser
simples, unicelular, divide-se formando dois núcleos: “de um só ser, resultam dois”.
Esses dois seres são descontínuos com relação ao ser único que os originou (existem
como causa da morte do ser originário), e são também descontínuos um com relação
ao outro. Ao contrário dos seres sexuados, nos seres assexuados unicelulares, a
morte do indivíduo coincide com a reprodução. Logo, o ser unicelular não se
decompõe, mas se dissolve no nascimento de dois novos seres.
No caso dos humanos (um dentre outros seres sexuados), apenas no nível das
células reprodutivas, a morte coincide com o nascimento de um novo ser. O embrião
é o resultado da fusão mortal (oposta à divisão mortal dos seres unicelulares) entre o
óvulo e o espermatozóide, esses “dois pequenos seres descontínuos”. Desse modo,
na origem da vida está a origem do abismo, a origem da solidão do ser descontínuo
que somos: o embrião surge a partir dos cadáveres de dois outros seres descontínuos,
o óvulo e o espermatozóide.
É preciso, no entanto, passarmos do espermatozóide ao homem, do óvulo à
mulher, para entender que a radicalidade de nossa solidão coloca e é colocada em
jogo pelo que Bataille chama de erotismo. Fazendo isso, entenderemos porque o
homem é um animal-paradoxo, antônimo de si mesmo “e livre para se assemelhar a
tudo que não é ele no universo”.
Então que há o erotismo dos corpos, que é quando os humanos se “cansam de
ser a cabeça e a razão do universo” e, transgredindo o interdito, o impossível, fazem
do abismo uma possibilidade precária de encontro dos seres, precária porque tal
encontro não destruirá a descontinuidade, seus corpos não serão dissolvidos um no
outro. Do que Bataille está falando?
Esse homem e essa mulher são, cada um, estruturas fechadas, corpos
fechados. Eles se apaixonam e, então, querem violar o corpo um do outro, abri-lo.
Tiram a roupa, eis a primeira violação, a violência erótica se põe em jogo com a
liberação das aberturas e aperturas dos corpos. O ato decisivo é o de tirar a roupa,
ele promove o obsceno, a transgressão do impossível que promoverá o encontro –
ainda que precário.
Retroagindo a partir da leitura de O erotismo, podemos afirmar que, mais do
que qualquer outra coisa, Bataille visava encontrar um campo de articulação de todas
as questões fundamentais da experiência e do espírito humanos. Esse campo é o do
erotismo, o do corpo como dispêndio improdutivo, exuberância, soberania dos
excessos sobre toda forma social de constituição de uma vida moderada, isto é,
lamentável.
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5. Considerações finais
Referências bibliográficas
Referências webgráficas
http://www.revistasisifo.com/2017/11/roswita-de-gandersheim-e-o-papel-psico.html
https://www.encyclopedia.com/religion/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-
maps/roswithagandersheim
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https://rua.ua.es/dspace/bitstream/10045/52867/1/Roswitha-von-Gandersheim.pdf
https://en.wikisource.org/wiki/Plays_of_Roswitha_(1923)/The_Prefaces_of_Roswitha
https://www.britannica.com/biography/Hrosvitha
https://www.jstor.org/stable/10.5149/9781469657325_crosby.7?Search=yes&resultIt
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https://www.jstor.org/stable/4174049?readnow=1&refreqid=excelsior%3A625d0c262
a783af7020f36011fdfe6db&seq=1#page_scantab_contents