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rebeca Rovista Brasilora Gg Estudos de Cinema e Audiovisual De repente, uma paixdo ‘Sem Titulo #1: Dance of Leitfossil de Carlos Adriano’* por Scott MacDonald? * 0 artigo original, intitulado “A SUDDEN PASSION: Carlos Adriano’s Sem Titulo #1; Dance of Leitfossi’, foi publicado em Film Quarterty, fall 2015, volume 69, Number 1, p 45-51.University of California Press, Oakland, CA ISNN 0015-1386 o-ISSN 1533-8630 ? Traduzido por Victor Scatolin, aka Walter Vetor; poeta, tradutor © performer. Trabalha com Traducéo e Performance Postica e suas atividades séio em sua ‘maioria inter-disciplinares. E poeta desde 2002, dedicando-se a tradugdo desde 2006, tendo traduzido neste tempo poesia @ prosa do inglés, francés, aleméo, russo e japonés. Devido ao interesse na érea de ligacéo entre sistemas verbals @ ndo-verbais, desenvolve também trabalhos ligando a poesia a outras areas como 0 video experimental, a performance @ 0 design. ‘e-mail: www.dessigno@gmail.com ° Professor no Utica College, da Universidade de Syracuse, Bard College, da Universidade do Arizona, Universidade de Hervard, Universidade de Colgate, ¢ Hamilton College, onde atuaimente ensina. Pesquisador da Academia de Artes & Ciéncias Cinematogréficas de Hollywood e-mail: smacdona@hamilton.edu rebeca Rovista Brasiloira de Estudos de Cinema e Audiovisual 1 Como explicar o fato de que, do nada, um curta-metragem aparentemente simples consiga ser tao profundamente tocante que, por um tempo, nao se consiga sequer deixar de olhar pra ele? Jonas Mekas disse uma vez que ele nao poderia escrever sobre um filme até que o tivesse visto umas vinte vezes - e eu vi umas Vinte vezes 0 flme Sem Titulo #1: Dance of Leitfossil, do cineasta independente brasileiro Carlos Adriano (finalizado em 2014), uma duzia de vezes-vistas atras." ‘Quando dei play a primeira vez no video de § minutos e meio, fiquei extasiado e estremecido pela justaposigo da cangéo popular portuguesa Moura (composta por Pedro da Silva Martins), sobre excertos da coreografia de Fred Astaire e Ginger Rogers retirada do flme Swing Time (dirgido por George Stevens em 1936, Ritmo Louco, em portugues). A verséo de "Desfado" de Ana Moura pareceu funcionar perfeitamente com a coreografia ¢ embora, como Amy Halpern-Lebrun me disse recentemente, “qualquer misica funciona com qualquer filme", quanto mais assistia a coreografia com aquela cangao peculiar e ouvia a misica com a coreografia, mais @ mais me parecia que, por mais dificil que seja imaginar, cada um destes elementos reciclados melhorava substancialmente um a0 outro. "Desfado" @ a coreografia de Swing Time so os dois elementos mais evidentes de Dance of Leitfossi, mas nao s&0 0s tnicos, @ 6 este terceiro que faz desse filme mais do que um simples © apreciadissimo video musical. Dance of Leitfossil comega com uma panoramica sobre uma foto de Vassourinha, cantor de samba outrora famoso no Brasil, que morreu em 1942 com 19 anos. A foto de Vassourinha foi retirada de A Voz @ © Vazio: A Vez de Vassourinha, flme realizado por Adriano e Bernardo Vorobow em 1998 — e Vorobow, flmado em uma breve Vinheta, € 0 outro elemento de Dance of Leitfossit: a vinheta 6 vista sels vezes. \esfado", de Ana “Depareisne com este video multo por acidente: a cineasta © midia-atsta Jonifr Proctor tinka dado 0 ‘meu nome @ algumas informages de conta para Carlos Adriano, que vitha preparando a montagem de um dossié sobre cinema de reapropriagdo de arquivo; € quando Adriano entrou em conta comigo, edie para enviar-me alguns de seus trabalhos. Ele colocou um DVD pelo corrio, © anexou um arquivo de Dance of Lotoss em um emai. rebeca os cinegi e Audiovisual Além disso, 0 que parece tratar-se de duas cenas da fronte de Vorobow (com a luz refletindo em seus éculos) é também visto durante a segunda metade do video — nna verdade, tanto @ vinheta quanto as cenas foram retiradas da cinebiografia experimental do inventor brasileiro Santos Dumont, realizada por Adriano: Santos Dumont: Pré-Cineasta?, finalizada em 2010.° A importancia de Vorobow em Dance of Leifossil 6 enfatizada pelo falo de que, na vinheta, ele 6 0 ator que atral diretamente a camera de Adriano (o © espectador). Ha um duplo significado na presenga de Vorobow no filme de Adriano. Até sua morle em 2009, Vorobow foi, de acordo com um de seus contempordneos, 0 cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012), o "Sr. Cinemateca” do Brasil, 0 "poeta da programacso de filmes". Vorobow fol diretor e programador da Sociedade ‘Amigos da Cinemateca de 1970 a 1975; coordenador e programador no Museu de ‘Arte Contemporanea da Universidade de Séo Paulo (MAC-USP) de 1972 a 1976; fundador, diretor € programador do Departamento de Cinema do Museu da Imagem © do Som (MIS-SP) de 1975 a 1985; foi também fundador, diretor & programador do Departamento de Difusdo © Programacéo da Cinemateca Brasileira de 1982 a 1999 e depois programador até 2009 — o Amos Vogel ou 0 Jonas Mekas do Brasil, talvez?° ‘Adriano 6, além de cineasta, um estudioso, doutor em cinema pela USP; e, até a morte de Vorobow em 2008, fol seu colaborador na série de filmes chamados por eles de Cinepostica. O filme sobre Vassourinha, um retrato do cantor construido a partir de uma vasta gama de documentos de sua vida (concluindo com uma visita a0 seu timulo, cena fimada por Carlos Reichenbach), & um exemplo da colaboracao deles. Vorobow © Adriano foram também parceiros na vida por 27 anos, ¢ isso dé o sentido de outro elemento do filme ainda nao mencionado: 0 uso frequente da tela preta: "Uma das cabogas falantes em Sanlos Dumont: Pré-Cineasta? & Ken Jacobs, cujo trabalho com Cinema des primérdios tem muito em comum com Adriano, * Vorobow também fol cretor de varios curtas-metragens: Depois da Lua ou Obrigado, Chacrinna (1969), © Discurso (1972), Minho Escola (1973), Cinema Paulista: Ovo de Codome (1974), antes de colaborar com Adviano, rebeca Rovista Brasiloira de Estudos de Cinema e Audiovisual Conheci Bernardo quando tinha 15 ou 16 anos... nossa relagao fol construlda lentamente (nos dois ou tr8s anos inicais; ele sempre foi t&o genti, delicado © respeitoso, to doce, sem nenhum ‘inconveniente’ nem qualquer aproximagao precipitada), mas forte o bastante para durar fielmente 27 anos, sem interrupgées. Como se diz, até que @ morte os separe. S6 mesmo o trabalho de uma vida, trabalho de um amor téo completo (amor de uma vida @ amor pelo cinema) poderia estar por tras da construgao de algo como Leitfossil, eu acho.” Durante todo © filme, a coreografia de Ginger © Fred & interrompida por momentos de tela preta; © estes momentos se tornam mais frequentes @ prolongados conforme o filme avanca, transformando o clima otimista da combinagéo entre a cangéo e a danga de Astaire e Rogers em algo simultaneamente sombrio ¢ alegre. O filme de Adriano 6, em suma, ambas as coisas: uma homenagem ao parceiro @ amado cineasta que se foi ¢ uma celebracao de seus 27 anos juntos. © titulo, Dance of Leitfossil, & uma evocacdo de Adriano 0 tebrico da cultura Aby Warburg, que era fascinado pela meméria e, em particular, por como as formas culturais de uma era prosseguem gerando impactos em eras subsequentes — uma ideia relevante 6 claro, para o uso que Adriano faz de artefatos culturais inteiramente recuperados, como 6 0 caso de Dance of Leitfossil. © titulo reflete, lteralmente, 0 complexo clima de perda e celebragao do video: 6 uma "danga" (um numero de danga 6 representado, imagem @ som “dangam” junto ao filme) e um “litfossil" — a imagem de Vorobow 6 um leitmotif, assim como 6 um cine-féssil ("a imagem de Bomardo neste filme pertence as ditimas flmagens que fizemos juntos em Paris em 2009"*). Embora o filme seja um conjunto in memoriam da relaglo \VorobowiAdriano, sua informacao vai muito além disso. ‘Assim que se percebe que Dance of Leitfossil é 0 primeiro filme que Adriano fez inteiramente sozinho desde a morte de Vorobow, torna-se mais claro que o filme 6, Para o cineasta, um avango pessoal — uma celebragdo nao s6 de um passado ” Adriano no e-mail a0 autor, 7 de margo de 2016. * Adriano me enviou em 7 de margo de 2015 uma pagina de suas notas sobre o flme, rebeca | 4 cinegi e Audiovisual querido, mas também de um possivel futuro criativo. De fato, a tensdo entre 0 tributo e @ nova liberdade aponta 0 paradoxo do titulo, que & Sem-Titulo#t & Intitulado: Dance of Leitfossil. E mais, Sem-Titulo#t? sugere que Dance of Leitfossil seja 0 primeiro do que Adriano assume daquilo que vira a ser uma série de videos, criados sob a rubrica de “apontamentos para uma auto-cinebiografia (em regresso)", que € 0 que aparece antes de Sem-Titulo#1: Dance of Leitfossil. ‘Adriano esté dando inicio a uma auto-cinebiografia, uma espécie de auto- cinebiografia, "em regresso", que acontece em reverso: comegando nao em sua juventude, mas no fim do que foi o centro de sua vida por décadas. Em outras palavras, a euforia do filme celebra tanto 0 passado @ 0 desejo presente de fazer uma arte da imagem em movimento, demonstrando que depois de um perfodo de luto, este desejo tem comegado a se expressar novamente. Enquanto este texto era escrito, 0 segundo episédio desta cinebiografia, Sem-Titulo#2: La mer Larme (2015), acabara de ser finalizado: trata-se de um filme de 31 minutos e 13, fotogramas, que justapée filmes dos primérdios sobre o mar com muitas verses da cangio popular "La Mer" (larme 6 a palavra em francés para légrima, e Vorcbow paira sobre Sem-Titulo#2 do mesmo modo como sobre a obra Sem-Titulo#7, tanto lenquanto perda quanto como forga criativa). 2 Tao livre quanto se pode sentir, Sem-Titulo#1: Dance of Leitfossil 6 construido de forma precisa. Os elementos sonoros @ visuais so cuidadosamente trabalhados. A versao de Ana Moura de "Desfado" 6 apresentada duas vezes, a primeira delas legendada com a tradugao de Adriano da letra, na segunda vez sem as legendas." A letra confirma o complex entrelagamento entre saudade e * © paradoxo do titulo me oi sugerito polo escror @cineasta José Michels. adriana ¢ cu iabaamos para spurs su radio ds lea de "Desa" ela (Come onsIVERSE 1: 1's my destnys wish tha I don’t elteve in destnyand my fe (“fd”) mot having any {fate alo sing it wel thus having even a sense any sense of what has no sense at aOh, what a sorrow is ‘his my jy, what ajo i his great sorrow.jto wait forthe day when Ido not wait ane more dao that one who never comes (but was once present here} CHORUS: Oh, how I miss having a longing fr shaving a tonsing {for someonelwh Is here, and doesnot exssfelag sad, jst for feting so wel feeling well, jst for beng so rebeca | 4 cinegi e Audiovisual {elicidade do filme, descrevendo um sentimento de tristeza de "sé por me sentir tao bem" © um sentimento de felicidades "s6 por eu andar to triste" — junto do narrador da cangéo se perguntando se, talvez, com sua tristeza-felicidade ele ossa ouvir “uma voz que fosse minha cantar alguém ca dentro", © titulo "Desfado" sintetiza a complexa mistura: 0 fado & 0 cancionelro tradicional portugués, geralmente melancolico € pesaroso; @ "des" 6 0 prefixo que indica 0 negativo; sendo assim, um nao-fado, um in-fado. "Desfado" é uma cangao de luto que 6 0 oposto da melancolia — apropriada para um filme no qual um futuro criativo, estimulado por Vorobow, comegara a emergi. Durante a primeira apresentagao de *Desfado* vemos trés excertos estendidos: da coreografia de Ginger e Fred, a qual, claro, pode ser lida como uma metéfora do longo relacionamento de Adriano € Vorobow. Durante a primeira metade do filme, cada excerto da sequéncia originalmente em preto e branco apresenta uma tonalidade levemente allerada: grosso modo, a primeira é azulada; a segunda, esverdeada; e a terceira, dourada — talvez sugerindo as ténues variagdes que ocorrem numa relagao continua e duradoura. Cada um dos excertos é mals longo dos que vém na sequéncia: primeiro dura 69 segundos (com uma unica pausa de 5 segundos proximo ao fim do trecho); a segunda (apés seis segundos de escuridéo), 21 segundos; 0 terceiro trecho (visto depois de 30 segundos de lappy VERSE 2: Oh, if ony could not sing and not feel sorrtior not having anything 10 be sorrs ‘aboutJmaybe I could hear ithe silence that would flloa vice that would be my own, singing ere inside Oh Yohat mixfortane is my good luckjoh, whet ood luck is my mixfortane ving in the uncertainty tha nothing i more crtainthon the great certainty of not Being certain abou anything JCHORUS: Quer 0 deste que eu no cia no destino © mou fado 6 nem tor fade nenfum/Cantd-te bem sem sequer 0 ter sentiol!Sent4o como ninguém, mas no ter sentido algumvAl que tristeza, esta minha alogtiatIAl que alogria, esta tio grande tisteza/Esporar que um dia eu no espore mais um ciaiPor au saudadelISaudades do tor alguémlQue aqui esti © nao existalSenti-me tristolIS6 por mi bbemiE slegre sentisme benv'S6 por eu andar t80 tiste/Al se eu pudesse nBo cantar ‘al se eu pudesse'llE lamentasse nie tor mais nenhum lament/Talvez ouvisee no eilinclo que izesse/Uma vou {que fosse minha cantar alguém ca dentroVIAi que desgraca esta sorte que me assiste/Ai mas que sorte fu Wver tao desgracada/Na incerteza que nada mals corto existalAlém da grande certeza de néo estar que nunca vem @ que aqui esteve presenisliAi que saudadel/Que eu tenho de ter ie 80 ceria de nada rebeca Rovista Brasiloira de Estudos de Cinema e Audiovisual escuriddo, interrompido apenas por um segundo, imagem dourada de Vorobow) 6 divido em dois: uma pega de 6 segundos 6 seguida (apés aproximadamente um ‘segundo de escuridao) por uma pega de 4 segundos (a primeira parte de Dance of Leitfossil se encerra quatro segundos depois, com um breve flash de Vorobow tingido de azul) ‘A segunda metade do filme, com a segunda apresentagao de "Desfado’, introduzida por duas linhas que evocam 0 pensamento de Marcel Duchamp sobre os ready-mades (a segunda linha aparece acima da primeira): "APESAR DO BISINAO REPETIRY." Excertos da coreograia, desta vez apresentados por inteiro fom branco © preto, so mostrados em curtos fragmentos, quase lampojos das cenas, separados por diferentes duragées de escuridéo da tela (durante a segunda metade do fie, as varias imagens de Vorobow s8o por inteiro em P88 também). Alguns fragmentos se repetem, e certas partes nao se encaixam inteiramente a ordem dos excertos como séo apresentados durante a primeira metade do filme. Vejo isto como uma afirmagao de Adriano de como as memérias de pessoas amadas que perdemos se tomam menos constantes, menos penetrantes conforme 08 anos passam — enquanto ainda tém 0 poder de surpreender a qualquer momento que seja, estejase alegre ou triste. A exuberdincia de Dance of Lelfossil pode obscurecer a preciso de construgéo do filme de Adriano, e embora seja talvez inevitavel que uma cangao e uma série de imagens deem a impressao de estar sincronizadas uma vez ou outra, é claro também que ele consegue cronometrar imagem som a ponlo destes se entrelagarem de inumeras maneiras. Hd um momento durante a primeira metade do video onde Ginger e Fred batem palmas ao mesmo tempo das palmas que ocorrem junto ao ritmo de *Desfado"; e perto do fim da segunda metade, Astaire sapateia duas vezes com um movimento de dar um passo atrés com seu pé em sincronia precisa com uma batida dupla da cangao. As vezes, as palavras da masica também “sincronizam” com a imagem. Por exemplo, conforme Ana Moura Por exemplo, ha @ sugestéo de Duchamp que, sendo os lubos de finta usados por um artista ‘manufaturados @ pré-fabricados (ready-made), devemos concur quo todas as pinturas do mundo 880 © que chamou de "readymades sided” (ready-mades estimulados) ¢ 630 também obras de colagem. rebeca os cinegi e Audiovisual canta “Ai que saudade / Que eu tenho de ter saudade / Saudades de ter alguém / ‘Que aqui esta e no existe", vemos primeiro a vinheta de Vorobow — "que aqui esté" precisamente: a tela fica prota no “néo existe’. E, as vezes a letra metaforicamente "sincroniza" com a passagem para a escuridao, como quando o narrador da cancéo indica uma possivel voz “que fosse" a dele, “no silencio". Suis jungdes de letra, musica e imagens pontuam frequentemente Dance of Leitfossil. 3 Cineastas brasileiros provavelmente reconheceriam Vorobow © Adriano, entonderiam as implicagdes mais profundas de Dance of Leitfossi! — 0 filme venceu o prémio de melhor curta-metragem da Abraccine (Associago Brasileira de Criicos de Cinema) no festival E Tudo Verdade, de Séo Paulo (Sem-Titulo#2: La mer Larme ganhou 0 mesmo prémio este ano) — mas os cineastas americanos, assim que puderem compreender a complexidade emocional que conferiu essa energia ao filme de Adriano, reconhecerdo provavelmente que Dance of Leitfossil tem muito em comum com dois eléssicos curtas-metragens norte-americanos, sendo que cada um deles homenageia alguém de importancia seminal ao cineasta fem questo, ¢ ambos os filmes combinam imagens reutiizadas com composigo musical jé existente: Marilyn Times Five, de Bruce Conner (Marilyn Vezes Cinco, varias verses, 1969-1973), © Glorial, de Hollis Frampton (1879) — Adriano conhece ambos," Marilyn Times Five reine 0 que era aquela época um filme soft-pom — talve cenas descartadas de uma flmagem — de uma mulher que Conner supunha ser originaimente uma jovem Marilyn Monroe (tratava-se na verdade de Arline Hunter, uma sésia de Marilyn) com cinco repeticbes da gravagéo “I'm through with love” (de Gus Khan ¢ Matt Maineck), cangao que Marilyn tornou famosa no filme de Billy Adcano: "Eu _conhogo esses fmes (Gira! de Hols Framplone Maryn Times Five de Bruce Conner ).. Mas eu nunca penseineles em relacdo dreta com o meu" — email revisado para o autor em 8 de Margo de 2015; “Eu nto posse dizer que eu w devidamente os dois fimes (0 do Frampton v apenas on- line: 0 do Conner apenss Ia respeto..”. — email revisado para o autor, 19 de abil de 2015, Notes {que Frampton 6 roferenciado em Santos Dumont: Pré-Cinoasta’ rebeca os cinegi e Audiovisual Wilder, Some Like it Hot (Quanto mais quente melhor, 1959). Ao longo de Marilyn Times Five 0 espectador @ introduzido a repeticbes sucessivas da cancéo, combinadas a diversas selegdes das filmagens de Hunter quase nua por inteiro, atuando de modo sugestivo, em alguns momentos com uma garrafa de coca-cola & uma magé — 0 montante de imagens val sofrendo redugées até a tela ficar escura, durante a quinta repeticao, durante 109 segundos da cangao de 152 segundos. 0 filme de Conner 6 evocagdo apaixonada e emocionante, além de um adeus cinematografico a Marilyn, que morreu em 1962, com apenas 36 anos (0 final, uma cena de 5 segundos de "Marilyn", faz mengo a sua morte misteriosa, bem como a escuridao que interrompe toda a filmagem ao longo de Marilyn Times Five). Em Gloria! Frampton combina uma listagem muito bem-humorada de dezessels ‘premissas” sobre sua avé materna, que nascera em 1896, nos primérdios do cinema, @ morreu em 1973, nos primordios do video digital, com duas sequéncias, de uma verséo muda da histéria do Finnegan's Wake.” As premissas so organizadas por ordem numérica, na qual estas “foram apresentadas a mim" © Incluem indicagées alfabéticas irdnicas de Frampton [que aparecem entre colchetes] sobre quao confiavels essas premissas the parecem hoje: 4. Que nés pertencemos ao mesmo grupo de afinidade, compartilhamos um lago sanguineo. (Al 2, Que outros pertencem ao mesmo grupo de afinidades © participam do mesmo lago. [Y] As premissas confimam o humor melancélico do dispositive de enquadramento dos dois excertos reticados de uma comédia muda que dramatiza o tradicional conto de Finnegan sendo ressuscitado pela presenca de espiritos (alcodlicos)."* Mesmo a cangao que toca através da longa passagem da tela verde responsavel 'N.T: Trata-se, no fime de Frampton, de uma aluslo & historia do pedreiro Tim Finnegan, que durante £04 voldio, 0 receber golas de ulsque no roslo,ressuscta.€ sobre este mito que James Joyce ergue sua monumental obra homénima, 140 texto intoko de Gloria! encontra-se em Seott MacDonald, Screen Wings (Berkeley: University of California Press, 1995): 92:93, rebeca Rovista Brasiloira de Estudos de Cinema e Audiovisual pelo centro do filme (logo apés Frampton listar suas premissas) 6 divertida, j4 que a quinta premissa é “Que ela lembrou, até o fim, de uma cangéo que foi tocada no seu casamento por dois jovens mineiros iriandeses que tinha levado a gaita ea guitarra, Ela disse que soava como um qué-qué de patos; achava que a musica chamava-se ‘Lady Bonapart™. [A] — a mdsica soa mesmo como um qué-qué de patos. Marilyn Times Five, Gloria! e Dance of Leitfossil s80 exemplos cinematograficos. daquilo que em poesia seria chamado de elegia — embora a natureza da combinagao de celebragao e lamentagao sejam complexas e diferentes em cada pega. Se em Marilyn Times Five a celebracao foi temperada com lamentagéo, em Gloria! a evocagio de Frampton de Fanny Elizabeth Catlett Cross beira 0 exuberante (em retrospecto, o bom humor inteligente de Frampton pareca surgindo ‘como uma premonigao contundente junto de seu préprio confronto com a morte: Frampton morreu de c€ncer do pulméo em 1984) A carga emocional de Dance of Leitfossil nao & muito mais otimista que as outras elegias americanas, ele também vai além de uma compreenséo atual dos estagios do sofrimento, que geralmente s4o apresentados como um processo de 5 estégios composto por negagao, raiva, barganha, depressdo e, por ultimo, aceitago (as vezes essa trajel6ria emocional ¢ dividida em sete estagios). Provavelmente, Adriano ja passou jé pelas fases regulares do sofrimento — mas este filme sugere muito mais que aceitagao. Os trés estagios do luto, para Freud — perda, suspensdo do ego, reinvestimento gradual em novas pessoas, objelos ou atividades — parece um pouco mais proximo do que se sente em Danco of Leitfossil - contudo, esse “reinvestimento gradual" parece também ser menos daquilo que & comunicado pelo filme. © que Dance of Leitfossil demonstra 6 0 éxtase de renascer criativamente — apesar da perda, da dor, da saudade e do temor da morte. Para Adriano, a vida do 6 uma danga da morte, uma danse macabre — muito pelo contrario. Aqui, a morte do amado e a perda da parceria criativa se transformaram num novo reconhecimento da capacidade criativa sedenta por regenerar-se. Adriano pode estar ainda saudoso de seu relacionamento com Vorobow, claramente ainda sente a falta dele — mas 0 que ¢ revelado pela imagem amavel da evidente alegria de rebeca Rovista Brasiloira de Estudos de Cinema e Audiovisual espirito de Vorobow, repetida com mais e mais frequéncia conforme o filme avanga, é @ gratidéo de Adriano para com o professor que nutriu sua criatividade de modo tao eficaz, de modo que o jovem homem possa agora experimentar essa nova criatividade florescendo, e partilhar uma nova por cinema, onde quer que Dance of Leitfossil seja exibido. ‘Adriano & um homem ainda relativamente jovem, mas para um professor de cinema de 73 anos, seu video foi uma paixdo repentina. Hemingway admirava a tourada porque ela expressava, quase diretamente, o que o filme de Adriano sugere: @ proximidade da morte como se o chifre do touro a0 passar to perto do ‘corpo do matador produzisse a elegante danca do toureiro. Néo estou me recuperando de uma perda no mesmo sentido que Adriano esteve — embora tenha perdido amigos e familiares, e saiba que metade da minha vida esta agora ficando pra tras — mas continuo a ser saudoso do sentimento que Dance of Leitfossil expressa e a capacidade de estar criativamente vivo durante o tempo que me resta, Para mim, o filme de Adriano & uma vitamina de cinema; assisti-o todos os dias, por meses, a fim de lembrar a mim mesmo que é assim que eu posso, & devo, me sentir a respeito do tempo que tenho diante de mim. ia de vivre com aficionados Scott MacDonald Em 2011, a Academia de Artes e Ciéncias Cinematograticas de Hollywood homeou MacDonald pesquisador da Academia. Ele foi nomeado para um cargo honorério na Anthology Film Preservation Archives Film Preservation em 1999 MacDonald 6 autor da série A Critical Cinema: Interviews with Independent Filmmakers, agora em cinco volumes (Berkeley: University of Califomia Press, 1988, 1992, 1998, 2004, 2005). Seu livro Avant-Garde Film/Motion Studios (Cambridge University Press) foi publicado em 1993; Screen Writings: Scripts and Texts by Independent Filmmakers (Califémia), em 1995; e The Garden in the Machine: A Field guide to Independent Films about Place (Califémia) em 2001 Publicou trés livros sobre as instituigdes que vém mantendo vivo © cinema alternativo: os volumes complementares Cinema 16: Documents Toward a History of the Film Society and Art in Cinema: Documents Toward a History of the Film rebeca Rovista Brasilora Gg Estudos de ot cinegi e Audiovisual Society (Philadelphia: Temple University Press, 2002, 2006) e Canyon Cinema: The Life and Times of an Independent Film Distributor (Califérnia, 2008). Adventures of Perception (Califérnia), uma colegao de ensaios e entrevistas, foi Publicado em 2009; American Ethnographic Cinema and Personal Documentary: The Cambridge Turn, in 2013; Avant-Doc: Intersections of Avant-Garde Film and Documentary (Oxford University Press), uma colegao de entrevistas com cineastas que trabalharam na area entre o "documentario" e “filme de vanguarda", em 2014. Seus artigos e entrevistas tém aparecido em érgaos como Film Quarterly, Artforum, October, The Chicago Review, American Studies, Natural History, ISLE (interdisciplinary Studies in Literature and Environment), Millennium Film Joumal, Framework, Feminist Studies, ¢ outros veiculos. Foi curador em eventos cinematogréficos no Museu de Arte Modema de Nova lorque (MoMA), Anthology Film Archives, 0 Centro Pompidou, SFMoMA, Pacific Film Archive, Harvard Film Archive, @ outros locals. Tem lecionado histéria do cinema e programagao cinematogréfica no Utica College, da Universidade de Syracuse, Bard College, da Universidade do Arizona, Universidade de Harvard, Universidade de Colgate, e Hamilton College, onde atualmente ensina e programa a F..L.M. (Forum for Image and Language in Motion) Series. Nota do Autor: Gloria! esté disponivel pela New York Film-makers’ Cooperative, ¢ incluido no DVD, A Hollis Frampton Odyssey. Marilyn Times Five pode ser disponibiizado por contato. através do. e-mail bruceconnerfilms@gmail.com. Carlos Adriano pode ser encontrado no Facebook: https:/mww.facebook.com/carlos.adriano.397fref=ts Submotido om 21 do dezembro de 2015 | Aceito om 22 de dezombro do 2015

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