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ADMINISTRAÇÃO LOCAL 95

A utonom ia Científica e Didática do Direito


Municipal
P ro f. A l c id e s G r e c a
(Da Universidade Nacional do Litoral, da Argentina)

ALCIDES GRECA, O MESTRE Dalloz, Lino Neto, Ram iro Capablanca, Sebastián
Velásquez Picaluga, Adriano Carmona R om ay,
1. A presença neste instante, aqui entre José Marti, Adolfo Korn Villafane e outros.
nós, no III Congresso Nacional de Municípios, do
Sinto-me orgulhoso por ser da sua escola
eminente M estre Prof. Alcides Greca, da R epú­
doutrinária, é/e é um dos melhores mestres das
blica Argentina, é m otivo de júbilo, da maior sa­
Américas na matéria municipal. Forma, hoje eni
tisfação para os municipalistas brasileiros. dia, com Carmona Rom ay, WiTliam Munro, Car­
A sua posição cientifica, autor de um dos los Morán, Germán Barbato, Herbert Emmerich,
melhores tratados do continente americano sôbre de Lesseps Morrison, J . L yle Cunningham, A l­
a matéria municipal, intitulado “Derecho y Ciên­
berto Demicheli, Luiz Boffi, Carlos M ouchet e
cia de la Administración M unicipal” e a sua auto­ outros, um grupo de pioneiros da fase de sistema­
ridade como Professor de Direito M unicipal na
tização dos problemas m unicipais. O seu progra
Cátedra de “Direito Municipal Comparado”, da
ma de ensino constitui um fator positivo de evo­
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de San­
lução das idéias sistematizadoras.
ta Fé, além da de Direito Administrativo da Fa­
culdade de Ciências Econômicas de Rosário, da Acaba Alcides Greca de publicar um traba­
Universidade Nacional do Litoral, constituem algo lho dos mais im portantes: “Situação e Hierarquia
de grande relêvo e capaz de consagrá-lo como do Direito M unicipal”, inserido no vigoroso
uma figura singular no campo do Direito, da Ciên­ “Anuário dei Instituto de Derecho Público”, sob
cia e da Administração municipais em nosso con­ sua direção, da Faculdade de Ciências Econômi­
tinente . cas de Rosário, da Argentina. Êste seu estudo é
TJm M estre incorruptível, um professor ho­ um complemento em certos aspectos de trabalhos
nesto intelectualmente falando, um caráter dia­ anteriormente realizados, adicionando à sua expe­
mantino, um amigo dileto do Brasil, Alcides Gre­ riência, à sua cultura admirável e à sua constante
ca é um nome que dispensaria apresentação, en­ pesquisa científica.
tretanto, ela representa uma homenagem ao mag­ Alcides Greca é professor universitário, exer­
nífico líder municipalista das Américas. Alcides cita o jornalismo, amante da literatura, dedicado
Greca é um nome americano. à ciência, apreciador da arte, e um democrata
Esta é a terceira vez que vem ao Brasil, já convicto e honesto. Tem na vida a marca do
tendo ido em 1948 à Bahia, ao Rio e a São Paulo, exílio, como prova palpitante de sua coragem cívi­
realizando conferências e estudando o ambiente ca e de sua independência política (n o alto sen­
cultural e social brasileiro. De volta ao Brasil A l­ tido da expressão).
cides Greca escreveu uma das páginas mais cin­ Na política municipalista continental tem
tilantes, de sensibilidade literária, de psicologia Alcides Greca um lugar proeminente, destacado,
humana e social, de interpretação histórica, de digno de nota. Representa uma de suas pilastras,
amizade fraternal e sincera, de espiritualidade que um dos seus sustentáculos, um dos seus pontos de
traduziu no seu ensaio “Baianos e Bandeirantes”. apoio, seguro e firm e.
A minha amizade a Alcides é profunda, tem raí­
zes no m eu sentimento mais íntim o e no afeto • NOVOS RUMOS DA POLÍTICA MUNICIPALISTA
mais franco do m eu coração. Aprendi a admira- CONTINENTAL
lo desde 1945, quando iniciava os meus estudos,
a minha pesquisa científica, os m eus contatos 2. O Brasil anseia por uma política m u­
nacionais e internacionais, no campo do Direito, nicipalista continental mais coordenada e de pro­
da Ciência e da Administração municipais. pósitos de coesão mais acentuados. Acalentam
Aprendi nos seus livros os primeiros ensinamen­ os municipalistas brasileiros uma unidade de ação
tos sôbie a sistematização da ciência municipal. mais profunda das Nações Americanas. R eivin­
A sua monum ental obra de sistematização cien­ dicamos uma política continental municipalista
tífica, consubstanciada no seu tratado de quatro firmada nos pontos seguintes:
volumes, continuador das primeiras tentativas sis- 1.°) A unificação em uma única entidade,
tematizadoras do Direito, da Ciência e da Adm i da “Comissão Pan-Americana de Cooperação In-
nistração Municipais, de Posada, Carrera Justiz, termunicipal” e do “Instituto Interamericano de
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História Municipal e Institucional”, aparentemen­ dos seus Municípios. O estudo da política muni­
te com finalidades diversas, porém, praticamente cipalista continental está preocupando os líderes
com os mesmos objetivos; do movimento municipalista brasileiro. O Brasil
2.°) A integração dos líderes municipalistas adota em têrmos definitivos a doutrina municipa­
lista, assumindo hoje um papel preponderante nes­
nessa entidade única, sem exclusão de nenhum,
te aspecto, entre as Nações Americanas. Compa­
com o apoio de todos os Municípios e Nações
recemos, pessoalmente, a dois Congressos Inter-
Americanas;
americanos de Municípios, patrocinados um pelo
3.°) A consolidação da doutrina municipa- “Instituto tnteramericano de História Municipal e
lista nos países americanos, respeitando-se a ideo­ Institucional” e o outro pela “Comissão Pan-Ame-
logia de cada qual, as suas tradições históricas e ri&ana de Cooperação Intermunicipal”, e nota­
as suas tendências institucionais; mos em ambos que a posição do Brasil foi mais de
4.°) A unificação do pensamento municipa- expectativa, de apoio a t;iis entidades, sem contu­
lista consubstanciado nas resoluções e conclusões do assumir um papel de alta transcendência de­
dos Congressos Americanos realizados pelas duas corrente de sua situação histórica e doutrinária no
entidades acima mencionadas, formando-se urna campo das idéias municipalistas.
base doutrinária única. Hoje não é possível ao nosso País manter
esta pálida atitude de expectativa e de apoio for­
Eis, senhores municipalistas brasileiros, refle­
xões para novos rumos da política municipalista mal às deliberações dêsses conclaves interameri-
canos de municípios. Terá, doravante, de assumir
continental, inspirada com a presença dos eminen­
um papel mais saliente, sem sentido exibicionista,
tes e consagrados M estres Aloides Greca e Carlos
porém falando com mais franqueza e mais auto­
Morán, no I I I Congresso Nacional de Municípios,
ridade, em virtude da sua projeção cada dia maior
especialmente convidados para assistirem aos nos­
no terreno cultural, científico e de liderança asso­
sos trabalhos, pela projeção continental, pela
ciativa nos assuntos municipalistas nas Américas.
orientação doutrinária, pela experiência e pelo
mérito cultural, científico e moral de ambos os A presença do M estre Alcides Greca nesse
líderes do grande m ovim ento municipalista con­ histórico I I I Congresso Nacional de Municípios
tinental . importa na comprovação dessa posição do Brasil
na política municipalista americana. A nossa po­
Carlos M orán merece os aplausos dos rnuni- sição é clara e de sentido unitário. Os nossos pro­
oipalistas brasileiros pela sua dedicação e boa pósitos estão definidos em nossas diretrizes dou­
liderança do nosso m ovim ento no âmbito conti­ trinárias. A evolução do pensamento municipa­
nental. Os nossos aplausos ao seu valor e ao m é­ lista brasileiro é algo surpreendente e digno de
rito de seus trabalhos. realce nas Américas.
D evemos render as nossas homenagens ao
O BRASIL CONSOLIDA SUA POLÍTICA MUNICIPALISTA consagrado municipalista Osório Nunes, um au­
têntico líder do municipalismo entre nós, pelos
3. C Brasil consolida a sua política m uni­
esforços que empreendeu junto aos poderes com­
cipalista e ajuda a traçar os fundamentos da nova petentes, especialmente perante o M inistério das
doutrina, nos aspectos filosófico, jurídico, cientí­
Relações Exteriores, para a vinda ao Brasil, neste
fico, cultural e ético. momento, do eminente Professor Alcides Greca,
A presença do Prof . Alcides Greca entre nós, em cooperação com Rafael Xavier, Em ilio Póvoa,
neste instante histórico marcante para o destino Araújo Cavalcanti, Delorenzo Neto, M achado Vila
do municipalismo brasileiro, representa o espírito e outros.
de unidade continental e dos sadios propósitos Ouçamos, pois, a palavra autorizada do Prof.
pan-americanos. Os municipalistas brasileiros não Alcides Greca, um dos melhores líderes do muni­
são isolacionistas, pelo contrário, lutam e traba­ cipalismo americano, que irá proferir mais uma
lham no sentido de uma unidade continental, pela magistral aula, dissertando sôbre o palpitante e
maior compreensão entre as Nações Americanas, atualizado tem a: “Autonomia Didática do Direito
com fundam ento na identidade cada vez crescente M unicipal.” Y v e s DE O L IV E IR A .

esta solenidade e êste qualificado au­ ção do direito municipal no campo das ciências

E
sc o l h i
ditório, em que, se encontram as mais emi­ jurídicas, à sua hierarquia, à sua autonomia didá­
nentes personalidades do movimento municipa­ tica e científica.
lista do Brasil — o país que caminha na vanguar­
Não é desdouro retificar e reconhecer o êrro,
da da América Latina na realização dos postula­ quando isso resulta de novos estudos, de profun­
dos da ciência com qüe nos preocupamos — para das meditações e da observação imparcial dos
formular a retificação fundam ental de uma dou­ fatos. Se a evolução é uma condição iniludível
trina que tenho sustentado na cátedra e nas mi­ do progresso, ainda mais o é no campo da cul­
nhas publicações. Pretendo referir-me à coloca- tura.
1
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Em 1917, quando publiquei a primeira edi­ cionando, entre outras, a de Álvaro B . de M aga­
ção de minha obra “Direito e Ciência da Adminis­ lhães, ao afirmar que “a comuna não é uma enti­
tração M unicipal”, eu dizia, no prefácio, que o dade estatal, nem política, mas adm inistrativa.
direito municipal é uma parte especializada do Em seu “govêrno”, acrescenta, não pratica atos
Direito Administrativo, e se encontra, como êste, de govêrno, e por isso não é govêrno” . M ecciona
em constante evolução, adaptando-se ao progresso também opinião similar de Levi Carneiro, à qual
que se realiza na estrutura do Estado. Na edição o autor parece aderir, embora .mais adiante diga:
ampliada de 1943, mantive-me na mesma posição “A função do município, no seu mais elevado con­
doutrinária. Nela eu coincidia com a tese de ceito político-social, há de ser proporcionar o con­
B ie l s a , sustentada em seu trabalho “Princípioi forto, a segui ança e a tranqüilidade de seus habi­
do Regime M unicipal”, circunstância que deu mo­ tantes. Cuida do desenvolvimento das relações
tivo a que o ilustre professor da Universidade de sociais, colaborando na formação de um verda­
La Plata, hoje Eva Peron, Adolfo Korn Villafane, deiro círculo de relações entre os entes hum anos.
denominasse a essa tendência adm inistrativa de Isto eqüivale, ao menos, em reconhecer as
“Escola do Litoral” . importantes funções políticas do município.
Confesso que não foi m eu propósito, ao de­ Em contraposição a estas opiniões, consigna­
fender essa tese, criar uma escola; entretanto, a remos as de outros eminentes professores brasi­
denominação teve certa repercussão mesmo fora leiros. Referir-me-ei, em primeiro lugar, à do exí­
das fronteiras da Argentina. Professores do Bra­ mio professor paulista Meireles Teixeira, que de­
sil e de Cuba atribuíram-lhe méritos, seja para clara: “de fato, se os municípios não constituem
adotá-la ou para contradizê-la. N a Argentina, jun­ meras criações do Poder Público, se não ficções
tou-se aos administrativistas o prof. Villegas Bal- legais, sãó agremiações sociais espontâneas, nas­
sabilbaso, em seu recente e grande tratado sôbre cidas em conseqüência da vida em comum de ca­
Direito Adm inistrativo. Êle nega ao Direito M u­ ráter eminentemente local. Meireles cita, para
nicipal a categoria de Direito autônom o. Entre­ robustecer sua opinião, uma frase do publicista
tanto, depois de argum entar a respeito, termina argentino Armando, para quem “os municípios são
dizendo: “E ’ certo que as atividades comunais, corporações territoriais que se assentam sobre
inquestionavelmente complexas e variáveis, apre­ uma base social, associações naturais que adqui­
sentam modalidades que derivam da evolução e rem forma independente do Estado, sem consti­
transformação das cidades, mas que não podem tuírem organismos artificiais criados por êste” .
modificar a natureza dos elementos constitutivos
das relações jurídicas, pelos simples fato de se Outro paulista, Barbosa de Campos Filho,
limitarem à aplicação do regime jurídico que as diz: “O município — todos o sabem — é a menor
regula na esfera m unicipal. Em síntese, poderia das unidades político-administrativas. E ’ menor
aceitar-se, por motivos de sistematização e como certam ente como extensão territorial, como valor
necessidade de valorização dogmática, o direito econômico, como índice financeiro; contudo, é de
administrativo m unicipal. O mesmo Greca — fundamental importância como elemento de vida
acrescenta — considera o Direito Municipal como política em seu sentido mais elevado, quando as
um a especialização do Direito Administrativo” . instituições se orientam pelos rumos democráti­
Serh chegar à tese extrema de K o r n V i l l a ­ cos. Outrossim, se diz, com grande fundo de ver­
f a n e , para quem os municípios “se definem osten­
dade, que não pode haver vida democrática na­
sivamente como Poderes do Estado, dotados de cional sem um a intensa vida democrática m uni­
cipal” .
autonomia política, isto é, como Repúblicas re­
presentativas”, considero hoje que os governos Homenageando ao meu qualificado contradi­
locais, por seus antecedentes históricos, por sua tar, o prof. Korn Villafane, term inarei estas cita­
organização necessariamente democrática e de ções reproduzindo a que êle faz de dois eminen­
aproximação, como tam bém pelos importantes tes publicistas argentinos da prim eira m etade do
objetivos que colimam na vida do Estado e da século passado, que têm a glória de haver estabe­
sociedade, devem ser considerados organismos po­ lecido as bases da organização de meu país. Juan
líticos e administrativos que se desenvolvem em Bautista Alberdi, o célebre autor de “As Bases”,
sua órbita própria, vale dizer, livres da ingerência transcreve os seguintes parágrafos de Esteban
ou avassalamento dos outros poderes do Estado, Echeverria, o não menos famoso autor do “Dogma
salvo no que é essencial ao funcionamento harmô­ Socialista”, que escrevia sob a tirania de Rosas
nico de tôdas as instituições criadas pela Consti­ êste luminoso pensamento, referindo-se aos mu­
tuição. Êsse o motivo por que discordamos de nicípios: “Esta instituição deveria ser educadora
Bielsa quando os considera meras autarquias ter­ como uma escola, conservadora e protetora como
ritoriais e, mais ainda, da jurisprudência da Su­ uma autoridade social. . . Pois bem: qual a insti­
prem a Côrte Nacional de Justiça e dos demais tuição que na história e na prática das socieda­
tribunais argentinos, ao sustentarem que são po­ des modernas, preenche de modo mais completo
deres delegados do govêrno estatal. essas condições? — A instituição m unicipal. Ela
Tam bém aqui, no Brasil, a teoria dos muni­ devera ser o princípio, a base sine qua non da
cípios autarquias tem seus cultores. Archivaldo organização da sociedade argentina. Para mim
Severo, em seu livro “O M oderno município bra­ está na organização do distrito municipal o germe
sileiro”, passa em revista algumas opiniões, men­ da organização do m eu país” .
98 R E V IS T A D O S E R V IÇ O P Ú B L IC O JU N H O DE 1954

Acrescentaremos, de nossa parte, que quase cia são comuns a todos os organismos do Estado
todos os publicistas argentinos concordam em onde haja administração e onde se organizem
que Rivadávia, ao suprimir os cabidos, sem dotar serviços públicos, pertençam êstes à Nação, às
as cidades de outra forma de govêrno local, pre­ províncias ou aos municípios.
parou o caminho para o advento da ditadura de Consideremos, primeiramente, o aspecto hit;-
R osas. tórico-institucional e vejamos como o direito mu­
Os diversos ramos das ciências jurídicas se nicipal tem categoria científica para ser conside­
distinguem por seus fins, seus meios de aplica­ rado como um ramo autônomo dentro das ciências
ção e suas fontes. A metodologia pode ser co­ jurídicas.
mum, o que dependerá, principalmente, das ten­ Certos ramos do direito público adquiriram
dências filosóficas do autor que os estuda. aparente preponderância em virtude, também, da
Nem as fontes, nem os fins, nem os proces­ aparente repercussão que se atribui à aplicação
sos de aplicação das normas são estritam ente os de suas normas positivas e ao enunciado de seus
mesmos no Direito Constitucional, no Direito Ad­ princípios básicos no desenvolvimento da vida
ministrativo e no Direito M unicipal. Existem, de dos Estados. Isto ocorre com o direito constitu­
certo, fins, meios e fontes comuns; entretanto, o cional e com o “pseudo” direito internacional.
que em um é de singular importância, nos outros Assim nos expressamos sôbre esta importante
é m eramente acidental. Tomemos, por exemplo, ciência jurídica, porque é necessário reconhecer
entre as fontes, o costume e a jurisprudência. O que, em que pesem os séculos transcorridos desde
costume é fundamental no Direito Constitucional, que as nações pretendem reger-se por normas de
bastante apreciado no Direito Municipal e de ne­ convivência, não se consubstanciou ainda em ver­
nhum a significação no Direito Adm inistrativo. dadeiras normas positivas, com as respectivas san­
A jurisprudência tem importância fundamental ções e os tribunais que as apliquem. Não obstante
no Direito Constitucional, ao passo que é muito a grande propaganda, o direito internacional é um
relativa no Direito Administrativo e no Munici­ direito em gestação. Os pactos assim como as
pal. Uma fonte que todos os autores esquecem, regras que regem a Sociedade das Nações só se
mas que tenho assinalado na cátedra e no livro: cumprem quando convêm às partes e êste não é,
as descobertas científicas e a técnica industrial por certo, o desider&tum do Direito.
revolucionaram e revolucionam, dia a dia, o cam­ O direito constitucional, como hoje o einten-
po dos serviços públicos, ao passo. que nenhuma dem, é um direito relativamente moderno, como
influência têm tido nos domínios do Direito Cons­ moderna é a formação das nações-estados que c
titucional. Eis por que os inglêses podem reger-se aplicam . D urante o regime feudal, vigoravam
por uma Constituição quase milenária mas devem cartas, pactos, foros e costumes, com normas e
estar em dia com as normas da administração matizes essencialmente locais ou regionais. Os
pública. príncipes, que atribuíam a seu poder uma origem
Vejamos sumariam ente os objetivos. O d i­ divina, não se regiam por constituições. Respei­
reito constitucional e o direito administrativo re ­ tavam, às vêzes, a tradição ou as cartas que êles
gulam a vida da Nação e de seus Estados; o Di­ mesmos outorgavam a seus súditos e que, não
reito Municipal vela pela vida da cidade e de poucas, êstes lhes arrancaram com as armas na
seus vizinhos. Aquêles asseguram a soberania, m ão. Famosas são as lutas dos bascos e dos co-
fazem efetivas as leis, estruturam e dão vida, à muneircs de Castela, caídos êstes heroicamente
forma de govêrno, asseguram os direitos e as ga­ nos campos de V ilalar.
rantias do cidadão, êste nos torna grata a vida, O direito municipal aparece desde logo no
proporciona o bem-estar o a saúde, am para a fa­ clã e se afirma na cidade-estado, que precedeu a
mília em suas necessidades imediatas e possibilita formação dos reinos e das nações. De comêço,
ao indivíduo desenvolver normalmente suas ativi­ tôdas as instituições políticas jurídicas e adminis­
dades no conglomerado social onde atua. A ação trativas são essencialmente locais.
daqueles direitos é m ediata e o cidadão está pou­ A única instituição de direito público que
co menos que inerme ante seus efeitos ou seus existe desde os albores da civilização e que sub­
agravos; no campo municipal tudo êle recebe de siste e subsistirá sempre, é a do govêrno comu­
primeira mão, contando com meios efetivos de de­ nal.
fesa. Sob as normas do direito municipal o ho­ O direito municipal é para o direito público
mem constrói sua habitação, adquire seus alimen­ o que a família e a propriedade são para as insti­
tos, acorre ao seu trabalho, educa seus filhos, des­ tuições de direito privado. O direito municipal
fruta de diversões, e mesmo depois da morte fem é a pedra angular de todo o direito público. Os
o lugar onde descansem os seus despojos. direitos políticos e as liberdades cívicas nasceram
Na instituição municipal, devemos atender, nas comunas. /
por conseguinte, a dois aspectos: o histórico-insti- O direito constitucional é, na realidade, um
tucional, que deve ser estudado à luz de uma ciên­ direito intermunicipal, cricunscrito ao território
cia própria, o direito público municipal, e 0 estri­ de um Estado, assim como o direito internacional
tam ente administrativo, em que se aplicam as será no futuro um direito entre nações; ou melhor,
regras e princípios que dão forma ao direito e à um direito superconstitucional aplicado a tôdas
ciência da adm inistração. Êste direito e esta ciên­ as nações.
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O direito internacional é ainda um direito da Universidade de Havana, o professor Carmona


débil, em plena infância. O direito constitucio­ Romay, mediante proposição fundam ental apre­
nal, ao contrário, já é vigoroso e chegou a plena sentada ao Congresso Interam ericano de M unicí­
m adureza. O- Direito Municipal, mais maduro pios que acaba de se realizar em M ontevidéu.
ainda, às vêzes cede o passo a seu robusto filho, Não obstante Carmona Rom ay tenha versa­
legando-lhe noções ou princípios que lhe são ne­ do com mais profundeza os aspectos jurídicos e
cessários para que se afirm.; e progrida. políticos da instituição comunal, podemos classi­
No direito municipal existe, como o decla­ ficá-lo como o verdadeiro sociólogo ’do municipa-
ramos anteriormente, uma parte que se refere a lismo. Suas definições sôbre direito municipal e
normas administrativas, com especialidade a ser­ govêrno local nos permitem esta apreciação. Ca­
viços públicos e organização financeira, que são be destacar, além disso, que para chegar a esta
comuns à organização do Estado em todos os seus admirável síntese se requer um conhecimento
aspectos. Entretanto, há outra parte mais im utá­ cabal das mais diferentes escolas do direito e ha­
vel, que tem Suas raízes no passado e que é ante­ ver compulsado as obras dos grandes tratadistas
rior ao próprio Estado, em suaa formas atuais de que a sustentam . A referência a Kreusse, Arhens,
estruturação. Eis por que a instituição municipal Del Vechio, Giner, Kelsen, Nitti, Salandra, Posada,
não deve ser considerada como uma criação do Wagner, Duguit, Jèze, Fleiner, Storni, Hauriou,
direito constitucional. Afirmamos, com todo fun­ Renard e outros comentaristas é suficiente para
damento, que o direito consriíucional é uma con­ demonstrar a dedicação assídua do professor Car­
seqüência, uma derivação d ) direito comunal. mona ao estudo das ciências políticas e econômi­
Assim como existem oí; direitos naturais do cas.
homem, pode-se dizer que existe um direito natu­ O Professor Carmona, embora qualifique de
ral municipal, aplicável a tcdos os núcelos urba­ notabilíssima proposição a definição do ilustre pu­
nos do m undo. Êste direito natural municipal blicista uruguaio Alberto Demicheli, no Congresso
compreenderia os seguintes postulados: Pan-Americano de Municípios de Havana, contu­
a ) livre autodeterm inação do munícipe para do não a aceita, por considerá-la sob a influência
eleger seus governantes; da tendência da filosofia positivista do direito e,
b ) legislação local própria, referente tam ­ acreditamos também, por ser insuficiente. Segun­
bém a problemas locais (costumes, trânsito, edili- do Demicheli, “o município é um a vasta rêde de
dade e tc .) ; serviços locais, de caráter especializado e técnico,
que exigem para sua eficaz prestação um regime
c) organização dos serviços públicos locais
descentralizado de govêrno autônomo” . Para Car­
(comunicações, iluminação, saúde, esgotos, águas
mona Romay, “o município é a sociedade local
potáveis, polícia e tc . );
transfamiliar, politicamente organizada, com­
d ) recursos próprios, vedados ao Estado preendida dentro de uma extensão superficial na­
nacional ou provincial. turalm ente determ inada pelas necessárias relações
Passemos agora a elucidar o mais importante de vizinhança, com o mínimo de condições preci­
aspecto dêste estudo: a definição do direito mu­ sas para atender às despesas do próprio govêrno".
nicipal . Sendo tôda definição uma descrição sintética
A instituição política primogênita do mundo, do definido, em que se deve apresentar o essen­
o govêrno da comuna, que aparece ao se consti­ cial ou o realmente importante para chegar ao seu
tuírem as primeiras aglomerações sociais, não têm conhecimento, consideramos que na definição pro­
sido de definições concretas, universalmente acei­ posta pelo Prof. Carmona nada falta e nada é
tas. H á grande disparidade de critérios, tanto ne dem ais. Quando define o município, envolve seus
legislação como na doutrina, para se estabelecer elementos constitutivos: a aglomeração, social, a
o que se deve entender por administração ou go­ extensão territorial, a organização política, as re­
vêrno local. Não aconteceu o mesmo com a ins­ lações de vizinhança e o mínimo de condições eco­
tituição política do Estado, que aparece posterior­ nômicas necessárias para a garantia de govêrno
mente, e cujas definições chegaram a concretizar- próprio. Só poderíamos objetar que faltaria men­
se em fórmulas quase axiomáticas, já clássicas por cionar as condições de subordinação do município
sua constante repetição. moderno a um todo maior, que é o E stado. Da
Confessamos que, embora tenhamos dedica­ mesma forma que a cidade, é um a célula no vasto
do boa parte de nossa vida e vários volumes ao organismo da nação. Entretanto, esta aparente
estudo do direito e da ciência da administração omissão fica justificada na definição que nos pro­
municipal, passamos por alto sôbre êste transcen­ põe para “govêrno m unicipal”, ao dizer que êste
dente aspecto de ambas as m atérias. Engloba­ “é o conjunto de órgãos ou poderes da sociedade
mos, em um extenso capítulo, a definição de cida­ infra-estatal, instituídos para promoverem a satis­
de, fazendo referência especial às cidades da Amé­ fação das necessidades peculiares da coletividade
rica; porém admitimos que seu corolário lógico e a prestação dos serviços públicos locais, de acor­
devera ser a definição da instituição local chama­ do com a constituição e dentro da extensão terri­
da a reger seu desenvolvimento político, social, torial atingida pela jurisdição do município” .
econômico e adm inistrativo. Êste vazio veio a Concordamos am plam ente com o professor
ser preenchido pelo nosso mestre e ilustre colega cubano quando declara que, cientificamente, é in­
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sustentável o sistema da escola legalista, que dei­ de atividades e objetivos da nação e das provín­
xa ao arbítrio do legislador a criação, modifica­ cias em m atéria de progresso e educação, o que
ção e supressão de municípios. Diferimos apenas alguns autores denominam “poderes concorren­
no processo para combatê-lo. Êle opta pela con­ tes” . A mesma tese deve ser aplicada ao se rela­
veniência de consignar nas Cartas Constitucionais cionarem as atividades do Estado com o muni­
definições concretas do que se deve entender por cípio .
“município” e “govêrno municipal”, assim como Relativam ente ao máximo de atribuições ou­
por uma enumeração de suas atribuições; nós torgadas ao govêrno local, podemos citar o exem­
optaríamos pela adoção do sistema da “carta plo do regime de “m agistrat” da Alemanha Im pe­
livre”, que não deixa de ter seus riscos, mas que, rial . As autoridades municipais tinham faculda­
pelo nosso critério, satisfaz totalm ente aos postu­ des de iniciativa em tudo aquilo que não afetava
lados da autonomia e entrega aos munícipes a a Constituição do Im pério. Por isso mesmo, as
mais ampla liberdade para a elaboração de sua cidades alemãs daquele tempo se distinguiam
forma de govêrno local. O sistema da carta livre como as mais higiênicas e mais bem administra­
foi defendido no Congresso de Petrópolis pelos das do mundo.
delegados paulistas e pelo eminente professor e Reconhecemos que as exigências da vida mo­
publicista do Rio Grande do Sul, M achado Vila, derna, particularm ente para a realização eficiente
que se lhes juntou expressando que no Estado de obras públicas, nos conduzem à necessária for­
gàúcho a autonomia municipal tivera sua mais mação de organismos de cooperação e coordena­
cabal realização nesse sistema. ção intermunicipal, ou a direta intervenção do
Não somos partidários da inclusão de defini­ Estado. A planificação em geral, construção de
ções, tanto nas leis como nas Cartas Constitucio­ rodovias, a realização de serviços de comunica­
nais dos Estados. Será preciso buscar sempre os ção, de energia elétrica e de água potável, entie
conceitos básicos das grandes instituições políti­ outros, exigem, nos grandes aglomerados de nú­
cas na doutrina de mestres consagrados. Salvo cleos urbanos justapostos, uma organização inter­
raras exceções, nenhuma carta constitucional mo­ municipal com a conseqüente intervenção regu
derna define o que se deve entender por Repú­ . ladora do E stado. Êsses organismos têm sido
blica, por Nação, liberdade, democracia, poder de objeto de nosso estudo especial.
polícia ou justiça. O mesmo critério se deve ado­ Outro aspecto interessante da definição do
tar com relação à instituição municipal. Se bem prof. Carmona, que devemos destacar, é aquêle
acreditemos que os elementos constitutivos da ins­ em que declara que o município “compreende
tituição política mais velha do mundo estejam uma extensão superficial naturalm ente determi­
fora de tôda discussão, contudo devem adotar-se nada por necessárias razões de vizinhança” . Se
certos têrmos e cercá-la de determ inadas garan­ os legisladores do Uruguai e da Província de Bue­
tias para que não seja desnaturada. nos Aires tivessem levado em conta êsse elemen­
Ante essa dissidência, concordamos com Car­ to essencial do município, não haveria a anoma­
mona Rom ay em que as atribuições do govêrno lia que atualm ente apresentam quanto à sua ju­
local devem ser m atéria de enumeração, sem que risdição territorial. As referidas municipalidades
isso deixe supor, como muito bem o declara, se se constituíram sôbre extensões de território que
excluam seus poderes originários, que têm exis­ compreendem todo um departam ento com suas
tência na própria índole da instituição. diversas populações, distanciadas umas das ou­
Aceitar a tese de que somente são assuntos tras. Na Província de Buenos Aires, por exem­
da competência do govêrno da comuna os que plo, acontece que cidades de mais de 50.000 ha­
não competem ao govêrno do Estado ou aos con­ bitantes são administradas no local por uma sim-
selhos, assembléias e governadores provinciais ou p h s delegação, e com escritórios, e agem em re­
departam entais, será catalogar o município em presentação das autoridades comunais que resi­
uma espécie de “receptáculo institucional de resí­ dem em outra população de menor importância.
duos”, inadmissível por sua origem histórica e por O sistema, conforme esclarecemos ao comen­
sua indiscutida gravitação na vida cívica dos tá-lo em nossa obra não corresponde à verdadeira
povos. finalidade do govêrno comunal, que consiste em
Esta posição doutrinária de Carmona Rom ay dotar todo centro povoado de uma administração
é a que cabe, e como acertadam ente dizem os exclusiva e autônom a.
consideranda de sua proposição, é tam bém “à ne­ Os inconvenientes do sistema buenairense
cessária conseqüência da autonomia e não de uçna são múltiplos e graves. Os centros urbanos de
descentralização adm inistrativa ou de uma cha­ escassos habitantes são escravizados pelos que têm
m ada autarquia m unicipal” . uma população mais numerosa, desde que, dis­
A ação do Estado nacional ou provincial em pondo de maior número de eleitores, adquirem
matéria de obras públicas, comunicações, saúde, influência decisiva Via eleição das autoridades
educação, cultura, polícia, fomento industrial, as­ municipais. As pequenas populações que têm,
sistência à população, não deve excluir a ativi­ seus problemas e seus anseios, devem contar, para
dade paralela e às vêzes mais eficaz, das autori­ resolvê-los, com a conformidade de outros núcleos
dades locais. N a Argentina, admite-se, de acôrdo estranhos, quando não antagônicos. A Câmara
com preceitos de sua Constituição, a coexistência Municipal deixa de ser uma corporação de bons
ADMINISTRAÇÃO LOCAL 101

vizinhos para converter-se em um pequeno parla­ ressante memorandum em que passou em revista
mento, com todos os seus defeitos e inconvenien­ os programas de 23 universidades dos Estados
tes. A sede, um tanto afastada das autoridades Unidos, nas quais se preparam profissionais para
municipais, obriga os vereadores e munícipes do­ as carreiras de urbanista e de administrador mu­
miciliados nas vilas tributárias a realizarem ver­ nicipal. As principais universidades dos Estados
dadeiras viagens cada vez que têm de se ocupar Unidos organizaram am plam ente os estudos urba­
de assuntos da localidade ou de negócios relacio­ nísticos, dividindo-os em vários cursos. Entre
nados com a administração municipal. elas nos limitamos a mencionar as de Columbia,
O sistema uruguaio-buenairense correspon­ Cornell, Washington, Americana, da Califórnia em
de, de certo modo, à estrutura dos burgoá-conda- Berkeley, da Califórnia do Sul, Chicago, Michi-
dos inglêses, que se explicam na Inglaterra pela gan e Nova Iorque.
sua devoção à com m onlaw. Cabe assinalar que O municipalismo em nossa América Latina
mesmo nesse país o município com jurisdição ter­ não tem êstes auspícios, salvo o vigoroso movi­
ritorial de condado é uma exceção. mento no Brasil e o não menos apreciável do
Estudemos agora o aspecto didático da m até­ grupo de estudiosos de Havana, de onde partem
ria. Observaremos prèviamente que se algumas as iniciativas dos Congressos interamericanos de
vêzes dizemos municipalismo e outras direito mu­ m unicípios.
nicipal, é porque entendemos que, embora não O Brasil tem um grande líder em Rafael
sejam têrmos antagônicos, não têm precisamente Xavier, que não se dá tréguas em suas campa­
o mesmo conteúdo. O municipalismo envolve, de nhas. Tem uma fé apostólica porque, como bem
certo, o direito municipal, mas tem uma acepção disse, “o municipalismo representa o caminho
mais ampla, no sentido de que além do aspecto certo para a instauração neste país de uma autên­
jurídico-institucional do govêrno local, se englo­ tica democracia. A autonomia municipal, dentro
ba nêle a ciência da administração, na qual têm da elevada educação cívica, possibilita a forma­
papel preponderante o urbanismo e . os serviços ção do elemento humano com que se constituem
públicos. Tam bém no direito administrativo, e se consolidam os regimes de liberdade. '
Bielsa na Argentina e Brandão Cavalcanti no B ra­
sil, ao tratarem separadam ente o essencialmente Outro campeão desta titânica emprêsa, Osó­
jurídico e o que concerne à arte ou ciência de rio Nunes, proferiu estas proféticas palavras, que
adm inistrar. faço minhas e oxalá algum dia se cumpram tam ­
bém na Argentina: “Quando o município brasi­
Nos países mais adiantados do mundo não
leiro, com métodos modernos, torne a assumir a
só se separa atualm ente o ensino das ciências que
posição que lhe compete na estrutura nacional, re­
concernem ao município, como também se criaram
presentando uma garantia de progresso e nunca
numerosos institutos, onde se cursam disciplinas
um fantasma de atraso para as populações, o B ra­
destinadas a prover de técnicos e administradores
os governos locais. sil terá alcançado a etapa decisiva de sua exis­
tência como povo” .
Desde 1911 existe em Dusseldorf (Alema­
nha) uma Universidade dedicada exclusivr mente Como bem vemos, Nunes e Xavier, no pre­
ao ensino de todos os ramos da administração mu­ sente, dão as mãos a Alberdi e Echeverria no pas­
nicipal . Em Frankfort do M ein inaugurou-se ern sado argentino, para apreciarem as virtudes de
1914 uma Faculdade para estudo do desenvolvi­ um autêntico municipalismo como o melhor ca­
mento geral das cidades, o que se denomina Goe- minho no sentido da revitalização da vida demo­
thianasuckembergiana, em homçnagem ao poeta crática de nossos povos.
Goethe, que em 1832 havia propiciado a criação Um Estado que arrasa as liberdades locais,
de universidades destinadas ao preparo de fun­ que prescinde do municipal, poderia comparar-se
cionários que devem adm inistrar as cidades. ao acam pamento de um Exército, onde tudo tem
Na Universidade de Berlim criou-se uma a mesma formação, onde tudo é dirigido, de onde
faculdade de ensino urbanístico. Na França, desapareceu tôda a iniciativa para obedecer a
criou-se em 1909 a Escola de Altos Estudos de uma só vontade, a um a só voz de comando.
Paris, incorporada im ediatam ente à Universidade Os países do mundo, de intensa vida muni­
e que outorga títulos de urbanista. Esta institui­ cipal, apresentam as mais belas cidades, onde tudo
ção se transformou depois no Instituto de U rba­ está organizado* onde prim am o conforto, a ordem
nismo, que se divide em duas seções: a Escola N a­ e a lim peza. Tais as cidades dos Estados Unidos
cional de Administração M unicipal e c Instituto e do C anadá. Ao contrário, nos países onde se
de Urbanismo propriam ente dito. pretende da capital dos Estados, dirigir a açã
Desde 1921 existe na Bélgica o Instituto de municipal, acontece o que disse um turista inglês
Altos Estudos, a cargo de eminentes urbanistas. ao se referir a uma cidade do interior da Argen­
O ensino de urbanismo na Grã-Bretanha foi im­ tina, que visitara: “Naquela cidade as rodas dos
plantado nas Universidades de Sheffield, Leeds, carros eram quadradas” . Tais eram os saltos que
Bristol, Dublin, Londres e Liverpool. o veículo dava devido ao calçamento desigual,
i A American Society of Planing Oficial, com até chegar ao hotel.
sede em Chicago, dirigida pelo eminente urbanis­ Desde 1921 a Faculdade de Ciências Jurídi­
ta W alter H . Blucher, publicou, em 1942, inte­ cas e Sociais da Universidade Nacional do Lito-
102 R E V IS T A D O S E R V IÇ O P Ú B L IC O ----- J U N H O DE 1954

ral, era a única da Argentina que havia incluído Já dissemos que o direito municipal é ante­
em seu plano de estudos o ensino do direito mu­ rior ao direito constitucional, que é o pai do direi­
nicipal como um ramo autônomo, do direito pú­ to constitucional e, por conseguinte, de certa ma­
blico. Nas outras, o direito municipal se estudava neira, o é também do direito administrativo. Pior
somente em seu aspecto constitucional, mediante ainda é sua colocação no direito federal. O direito
dois ou três temas que se acrescentavam aos pro­ municipal existe, ou deve existir, tanto no regime
gramas de direito público estadual. federal como no unitário. Poderia afirmar-se que
Com a criação desta cátedra, a Universidade dentro dêste último devera ser mais rigoroso, des­
do Litoral colocou-se à altura dos verdadeiros in- de que é a única defesa da cidadania perante a
terêsse do país, adiantando-se ao que já se re­ absorção pelo govêrno central.
clama como uma necessidade em outros institutos No memorartdum que levei às autoridades da
de ensino superior. Universidade Nacional do Litoral, em 1944, pug­
A incompreensão ou a deficiente formação nando pela manutenção de suas assinaturas no
de alguns interventores, assim como de pretensos plano de estudos de sua Faculdade de Direito, eu
reformadores dos planos de estudo universitário, dizia, entre outras considerações, que essa casa de
era o entrave ao ensino desta matéria, exatamen­ estudos não devia preparar sòmente hábeis advo­
te em momentos em que se propiciava seu estudo gados que aprendessem a defender com êxito o
especializado até nos parlamentos, como aconte­ interêsse dos seus clientes; devia dar-nos verda­
ceu no Brasil e como ocorreu, igualmente, nos re­ deiros homens de Estado, para que, no futuro, não
centes Congressos interamericanos de municí­ tivéssemos que lam entar o fracasso dos universi­
pios. tários no govêrno; devia, sobretudo, criar um
O verdadeiro líder continental da luta em grupo de homens que atuassem conscientes de
prol da criação de cátedra onde se ensine a ciên­ seus deveres dentro da grande aglomeração social.
cia municipal, nas Universidades da América La­ A supressão do ensino do direito municipal acen­
tina, foi e continua sendo o meu querido amigo tuaria ainda mais aquela tendência profissiona-
Yves de Oliveira. Assim o demonstrou já em
lista que criticava. .
1946, em sua conferência da Bahia, com a qual
inicia sua alentada e valente obra “Doutrinação Muito se fala — acrescentava — em nossos
M unicipalista” . Voltou a fazê-lo no manifesto que. dias, das deficiências que se observam diària-
apresentamos nessa cidade, em 16 de novembro mente nos homens chamados a dirigir os destinos
de 1948. Ofereceu proposições, unanimemente dos povos. Estas deficiências não são apenas de
aprovadas, no Congresso Interam ericano do M u­ ordem moral; são também, e em maior grau, de
nicípio de Buenos Aires, em M ar dei Plata, e no ordem técnica. Falta capacidade, faltam conhe­
mais recente, em 1953, realizado em M ontevidéu. cimentos para que a ação do govêrno se torne
A esta ação sem desfalecimentos se segue a apre­ eficiente.
sentação de um projeto de "Aliomar Baleeiro, na
Câmara dos Deputados do Brasil, que hoje cul­ Muitos cidadãos cheios de honradas inten­
mina com a criação da cátedra na Universidade ções fracassam na gestão da coisa pública por
de São Paulo. falta de conhecimentos especializados e por terem
O pouco direito municipal que hoje se ensina de recorrer aos que lhes proporcionam outros, nem
nas Faculdades de Direito da Argentina, está sempre animados das mesmas boas intenções.
diluído nos tem as de um chamado direito público Onde mais se sente essa falta de capacida­
provincial, que, na realidade, é direito federal. de e eficiência, é na administração de nossos mu­
Fazem-se algumas referências ao mesmo no estu­ nicípios. Os males que o regime municipal apre­
do do direito constitucional e do direito adminis­ senta não se curarão sòmente com leis e medidas
trativo. Trata-se de um mau e ineficiente ensino, drásticas do govêrno. E ’ necessário que o fator
que só consegue m inistrar noções sumárias. humano seja moral e tècnicamente competente.

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