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Psicossoctologii e sociologia clinica Vincent de Gaulejac \ soclologia clinica nao se opde a psicossociologia. Ao contiivio, ela tenta prolongar no campo sociolégico os dife- reiiies elementos do projeto “psicossociolégico”, tal qual foi eeenvolvido, particularmente pelos fundadores da Associa- (io dle Peaquina e@ Intervengao Psicossociais. Na Franga e, so- Hietide, Hos demais paises francéfonos, a sociologia clinica se ‘lia Ha filiagio a diferentes autores aos quais a psicossocio- login se identificou desde a década de 1950 (Enriquez, 1993). Hor que, entio, mudar de nome? Por que reivindicar uma outva etiqueta, querer se demarcar nela, preferir 0 termo so- ciologia clinica ao de psicossociologia? Nao se trata, para nés, ile pejeitar o aspecto “bastardo” da psicossociologia, que,.camo. (ioe Mhostta Max Pages no seu texto, se-afirmouCnas margens”, 5) diafite da ihstiticionalizagio da sociologia, da psicanalise e da petvologit, Ao contrario, a-razao de sua criatividade esta na HAP Opie sittiagio marginal) Assim como muitas criangas fio reconteecidas ou ilegitimas, trata-se de uma corrente tur- hulenta, cheia de vitalidade, que resultou em muiltiplas prati- cas em campos cliversificados. Este artigo é testemunha disso. | Texto original: GAULEAC, Vincent de. Psychosociologie et sociologie clinique, In Ausrer, N., GAutryac, V. de & Navripis, K. (orgs.). / wwontire psychosociologique. Paris: Desclée de Brouwer, 1997 Tyadugio de Norma Takeuti Vincent de Gauilejac Nao reconhecida pelas instituigdes “respeitaveis", parti- culapmente a Universidade © &CNRS;~@ psicossocialogia ¢ 0 apandgio de individualidades independentes @deassuciagGes ds vezes “grupelhos” — mais abertas, dinamicas e inovado- s. Muitos psicossocidlogos sao “marginais secantes”.* Sao periféricos, pm relacao as disciplinas de base de suas referén- cias, e 5a0 pouco reconhecidos pelas instituigoes que freqiientam. Tal pesicionamento os conduz a construir passa~ relas entre diferentes “Campos disciplinares, a buscar aliancas<7/ fora de-suas instituigées (quando as tém), a trabalhar com ob- jetos freqiientemente negligenciados em pesquisas sociolégicas e psicoldgicas. A sua confrontacao com a pluridisciplinarida- de © com a complexidade se dava antes mesmo que esses termos virassem moda. Dentre os psicossociélogos, muitos sao herdeiros do freudo-marxismo. Mas, muito cedo, eles ai identificaram im- passes ¢ renunciaram a construcao de uma metateoria globalizadora do homem e da saciedade. Entretanto, eles con- tinuaram perseguinde esse projeto,_principalmente nas suas pratieas. Interessaram-se pel individuo em situagad, recusan- do separar 0 individuo eo coletivo, 0 afetivo e o institucional, os processos inconscientes e as processos sociais. Por todas essas razées, sinto-me profundamente psicos- socidlogo, na medida em que as minhas pesquisas, o meu ensino e as minhas intervengdes sé centiam na relagao indivi dua/sociedade, Entretanto, o terme psicossociologia sempre nie trouxe problemas, uma vez que se trata menos de traba- lhar sobre as relagdes entre dois campos disciplinares que sobre as relagdes entre “o” social — que apresenta dimens 2, Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), Franga. 3. O termo secante é tirado da trigonometria. Se tomarmos unicamente no referencia a sociologia @ a psicandlise, o socidlogo clinico ocuparia, em telagdo aos dois campos disciplinares, um lugar mar: ginal, pois é refutado tanto num como no oulre, embora Se encontre justamente na intersecao das duas retas que cortam os dois campos. (N. dat) Psicossociologia ¢ saciologia clinica a7 emocionais, subjetivas, afetivas e inconscienles —¢ “o” psiquis- mo — enquanto modelado pela cultura, pe.a lingua, pelo mbolico & pela sociedade =, ao mesmo tempo que se trata de introduzir um questionamento mais fenomenoldgico sobre © gujeito” @.a sua ‘historicidade) isto 6, sobre as capacidades © as resistencias que conduzem os individuos e os grupos a produzirem a sua histéria, a quererem mudar 0 mundo ea operarem mudangas neles proprios Nessa perspectiva, 0 termo sociologia clinica permite orientar a reflexdo sobre trés pontos ‘lise das articy lerminismos sociais e os determinismos psiquicos; 2. 4 quentio do sujeito nas cléneias humanas e sociais; 1 1 (ini he Minica como condigio necessdria ao desenvolvi- Mento de uma soclologia critica, Nelerminismos sociais, determinismos psiquicos O individuo é multideterminado. Ele € 0 produto de umal historia complexa que diz respeito, ao mesmo tempo, a sua existéncia singular, portanto, ao seu desenvolvimento psiqui- co inscrito numa dinamica familiar, e A sua existéncia sacial, vista como a encarnagao das relacées sociais de uma época, de uma cultura, de uma classe social. Todas essas determina- (oes NAO so equivalentes, embora sejar dificilmente dissocidveis Apés a minha obra Nesrose de classe, na qual explorei a (tieslio da génese social de certos conflitos psiquicos, interes el me pela questao davergonha}\A vergonha é um sentimento jas raizes podem set identificadas no psiquismo, até nas suas nas mais inconscientes, e cuja génese estd associada a con- frontagio do sujeito com o munda social (Gaulejac, 1987 e 1996). Wa, ai, sobredeterminagdes de ordem sociolégica, que a paicandlise © a psicologia clinica tendem a subestimar. Ora, eam questao é essencial para o proprio sujeito, que nao pode © posicionar da mesma maneira quando considera tralar-se de um problema “psicolégico” advindo dele prdprio, dos seus desejos inconscientes, ou quando ela (a vergonha) é resultan- te de uma situagao social que o coloca em conflito consigo Be Lembremo-nos, a esse propésito,-de-vergonha pelos deportados, quando retornavam dys campos de concen- payee) O que eles tinham vivido era ae tal Pie, “insensato” que se tornava, para eles, algo indizivel-Nao se tratava, contudo, de¢enegacao) nem de recalque, mas sobre- tudo de um afrontamento a um contexto social do qual se pteferia nada saber, nem ouvir A possibilidade de dizer depende da capacidade de ouvir. Quantos nao sao os psicanalistas que deixam de ouvir os seus pacientes, na questéo da sua vergonha, por desconhecerem a situagao social a que ela remote? Devi 992). A ver- gonha, associada ao-desemprego e a exclusad, remete o individuo a si Beene rine Tam: beni Se inscreve nos humilha i jais, Certamente, pode-se tratar desses processos no plano ina vidual para tentar aliviar o individuo do sofrimen- | to psiquico que eles engendram. Mas talvez convenha, \ principalmente, agir também sobre os préprios processos, isto’) é, sobre a vjoléncia simbélica das normas estigmatizadoras Kae sobre as sittagdes socioecondmicas que geram o desemprego, © a exclusao ¢ que condenam os desempregados ¢ os excluidos ao retraimento sobre si mesmos. A vergonha é gerada a partir da identidade negativa que Ihe ¢ atribuida. Ha ai uma ferida narcisica que pode despertar antigas fragilidades -e isso é do registro da ajuda psicoldgica ~, mas a sua vergonha tem a ver, antes de tudo, com a desvalorizacao da qual os sujeitos sao objeto na nossa sociedade ~ ¢ isso é uma questio sociopoliti- ca (Gaulejac & Taboada Léonetti, 1997). Avvergonha se inscreve fuma selacsoisasiah Ela pode fa- zer eco as raizes inconscientes, cada individuo reagindo distintamente a uma situagao de humilhagao, em fungao dos componentes psiquicos proprios. Mas ela é indissocivel da relacdo social que confronta o sujeito com as normas do seu meio, com os valores da comunidade a qual ele pertence, O fundamento do sentimento de vergonha esta no elo que religa 4 ‘ » Psicossociolagia e sociologia clinica 39 cada incividuo a um grupo social, em referéncia a um sistema normativo ums A figura(do excluido revela a nossa propria vergonha. Se 1ejeitamos aquele que nos estende a mao, porque o considera- mos um vagabundo, um enganador ou um delingitente potencial, ¢ porque ele est4 nos remetendo a imagem daquilo {ie tememos nos tornar. Rejeita-se-a-relagiio, porque-se recu- Sa aidentificacdo. Coloca-se.o.outro a distancia, porque ele) incomoda. Essa relagao intersubjetiva, descrita aqui sumaria- mente; € profundamente social: Ela cristaliza as fraturas sociais que atravessam atualmente a nossa Sociedade. E um efeito da “luta por lugares” entre os que batalham para conserva-los, os sue procuram ter um lugar e 0s que nao mais-.tém. Estamos todos de acordo sobre uma luta contra ¢ lesemprege. Trata-se de um problema de-soei E, no entanto-odesempregado Vive como un envergonhado,\como se se tratasse de um fra- fanso pessoal, porqueés6 ele quem deve encontrar a solugao Pra o “seu” problema. Tra‘a-se de uma questao social (Castel, 195), que produz os efeites psicolégicos. Assim, torna-se es- feneial fazernos~a disting¢ao entre os determinismos tusloeconomicos e suas conseqiténeias psicolégicas. Ao querer- Hos Fesponder, no plano psicolégicd, a problemas de génese social, corremos e-riscd de aprisioharmos os individuos na Mpol@nela © ha culpabilidade. Mas, inversamente, ao esque- Forno or efeitos psiquicos das situagdes sociais'e econdmicas, tleisamos de compreender por que e como:os individuos se Mobilizam ou se desmobilizam para produzir a sociedade (Hine, 1999) A questao do sujeito Mile Nigar ha para um sujeito autonomo e livre, face aos Helerminiamon » ‘apsiquicos? Como pensar as leis HH Hominio one 6 conhecimento, produzido pelo proprio Bile, Pole modificar a agio dessas lets? a 40 + Vincent fe Gaulejac at CO sujeito, ao desenvolver o conhecifnento sobre ele Pron Sg } Prio, pode modificar a si mesmo. Alias, esse 6 0 pressuposto do funcionamento da maior parte das dématches terapéuticas. Ele ‘ pode, igualmente, intervir na prépria sociedade, contribuir para a sua producao e a sua transformagao, tornar-se um ator, um agente de historicidade. Da dindmica de grupos aos Uife- rentes ramos da socioandlise, do marxismo a intervencao sociolégica, muitos psicossocidlogos e socidlogos se fazem por- tadores de um projeto de mudanga, tanto pela sua produgao tedrica quanto pelos seus métodos de intervengao. Entretanto, se a questao do sujeito é constantemente pre- sente nas reflexdes inspiradas pela psicandlise, ela é menos desenvolvida no campo da sociologia, que, desde Durkheim, foi construida contra a Psicologia. O objeto da sociologia tradicional é compreender as regu- laridades objetivas que superdeterminaz ¢ rtamento dos ate s. A questao do sujeito foi, durante muito tempo, conside- rada como uma ilusao. “Conhecer é mostrar, la onde os atores acreditam ser sujeitos, que eles nao sao, no fundo, senao supor- tes de-mecanismos sociais qué 08 superam © que eles desco- nhecem’, observa Francois Dubet (1995) a propésito do lugar do sujeito na sociologia classica Contraessa sociologia cléssi- ca, ele defende uma sociologia da experiencia, que associa a H Frmearianeeiiaacic cujo objeto & “4 capacidade dos ato- res de construfrem.sua experiéncia, conferindo-Ihe uma coe- réncia. A heterogeneidade das légicas de acao implica um trabalho do ator, na construgao de sua experiéncia... é nesse préprio trabalho que se forma a atividade do sujeito” S6 podemos aderir a essa perspectiva, que nés préprios deléndemos, mostrando a dialética permanente entre 0 carter contradits i a necessidade do sujeito de se afirmar como tal. # pelo fato mesmo de estar submetido a miltiplos e contraditorios determinismos que 0 individuo é obrigado a fazer as suas escolhas, portanto, a desenvolver guia autonomia, Hé, desde entao, uma evidéncia sociolégica de que o ATOFSe COnstitui face ao sistema (Michel Crozier), de que o in- dividuo 6, a6 mesmo tempo, produto e produtor da socieda= de (Norbert Elias), de que wo 86 pode aproendé-lo na Psicossociologia e sociologia clinica 41 historicidade (Alain Touraine, Cornelius Castoriadis) ou como criador da historia (Eugene Enriquez). Porém, essa reabilitagao do sujeito na sociologia contem- Poranea continua dominada pelo projeto durkheimiano. Ela nao consegue integrar nos seus s stemas explicativ inam Ca propria ao sujeito. Quando Francois Dubet (1995: 117) utiliza 0 termo desejo (0 sujeito se manifesta no desejo e na ca- pacidade de dominar esta experiéncia”), esse desejo continua uma caixa-preta. Como pensar o sujeito como ser desejante? Se © Sujeito se manifesta no desejo, como pensar o desejo de ser Sujeito? Nao se pode responder a essas questdes sem se apoiar nas contribuicées da psicandlise e sem integrar na andlise a dimen. so inconsciente. Nao se pode pensar a questao-do: ms InScrevé-lo numa dupla determinagéoySocial e Patquieatod ° Jindivicuo 6 0 produto de uma historia, Sta condensa, de um / lal; 6 Conjtnto dos fatores s6cio-histéricos que interyém no Proceso de socializacao e, de outro, 0 conjunto de fatores in- ) Wapslquicos que determinam a sua personalidade Contudo, parécem-nos vas as tentativas de construgao de iva Melaleoria na qual o social eo psiquico sejam englobados Hin 80 conjunto. Cada um desses registros obedece a leis de Haltttezay diferentes, Sao “realidades” diferentes que convém estiidar como tais, sem assimila-las pela-construgao de méto- apropriados, Se esses fendmenos sao ligados Phiite Hi, he eles se influenciam reciprocamente, gles nao so folalinente auténomos: Ssilenonia relativa clo social e do psiquico apres Hine CONEY Can para o pesquisador: PAP HG, Welsarde submeter a compreensao dos proces- HH Peliiticoe aon mecanismos que regem os processos HHAE &, HiVersamente, de integrar a dinamica do psiquis HE MN elemento cle compreensdo da realidade social; PHF HIG, COnstruir problematicas complexas que permitam PeHadd ae \ HEH ns HAI AHIAY KH mLijodtir v4 SAA HNP AAILOOR AN GuAin vle Ae acha confrontado om sua dow 8 conceit ta Hiculag ae infliéncias, os pontos de ancoi aos, 1993), Ou seja, negAD, NO eonjun. WHO enHOm procenson ( A da lil 42 Vincent de Gaulejac existéncia. E pelo fato de o individuo estar submetido a miltiplas influéncias e a exigéncias conflituosas pata.as quais ele procura elaborar respostas, estratégias e projetos. Entre a ilusdo determinista e a ilusao de onipoténcia, o sujeito dispde de uma margem de iianobra limitada pelo jogo ae constrangimentos culturais, econdmicos, institucionais, E se ele procura ser criador da histéria, resta ainda um agente das forcas sociais, atuando nele, que é 0 eu (da teoria freudia- na) “agido” por forcas inconscientes que ele procura dominar. Para Fernand Dumont (1993), “... a sociologia clinica se encontra, na confluéncia de duas sociologias possiveis, todas as duas legitimas”: uma sociologia das estruturas — ciéncia propriamente objetiva dos fendmenos sociais — e uma sociolo- gia do individuo, que diz respeito “as condutas das pessoas € que corresponde a uma construgao incessante retomada do universo social”. Ha uma tensao dialética entre esas duas posturas socio- logicas. Convém, pois, nos posicionarmos no nucleo dessa tensao, como socidlogos e como clinicos, nao para colocarmos em oposica aspectos, mas para continuamente Sociologia clinica /sociologia critica Adesconfianga da sociologia em relagao a clinica nao data de hoje. De um lado, porque a nocao implica a idéia de cuida do, que nao é adequada quando se fala do social: hao se “trata” uma sociedade. De outro, porque ela conota uma estra- tégia de tipo t ter ipeutico que €normalmente, Pe como necessariamente normalizadord. Enfim, porque ela abarca, nela mesma, umanogao de implicacao pessoal que suscita for- tes resisténcias, Podemos, alias, nos perguntar se na escolha de se tornar socidlogo nao est subentendido um desejo de dis- tanciamento e de objetivacao, permitindo ao individuo se situar'afastado da agao e da implicagao, Claude Javeau opée a sociologia critica A a clini- ca; “uma, tentada pelo jardim da Academia e pelo afastamento Psicossociologia e sociologia clinica 43 do Aventino,*a outra, pela sedugao dos contratos alimentares e dos dominios do poder” (Bolle de Ball, 1994) Na oposicao e, as vezes, no desprezo da maioria dos so- cidlogos franceses aos psicossocidlogos, pode-se identificar uma desconfianca radical em relagao aqueles que respondem a demanda dos solicitantes, percebidos como agentes do po- der. S6 cai na graca desses socidlogos a sociologia reflexiva, nao implicada nas relages de poder, independente em relacao a forga do dinheiro, livre de definir por ela mesma os seus ob- jetos, as suas problematicas e os seus métodos. Como se essas. condig6es fossem necessarias para se ser livre, independente e critica, Essa atitude encontra-se em mudanga. Jé mencionamos Frangois Dubet, 0 qual convida os seus colegas a se orientarem para uma concepcao “clinica” e analitica da sociologia. Nao sabemos por que ele coloca 6 termo clinica entre aspas. Deve " para melhor sublinhé-lo, na medida em que ele nao Ihe é habitual. Mas talvez também porque ele provoca um pouco de modo, Na seqiiéncia do seu texto, quando proclama a nece: tlade de orientar a sociologia em direcao ags métodos clinicos, ele aerescenta “mas claro, em diregao aos métodos” (p.119), Io $e 6 Método clinico fosse, @ priori, suspeito, porque lhe lallaria rigor, na medida em que nele h4 lugar paraia subiefi- “ldliisle. sim dominio que,em todos os tempos, tem levado os Hridlogos aos abismos da perplexidade, Ponstata-se uma evolugao similar em Pierre Bourdieu, HP ta Obra A profissio do socidlogo, considerava uma “maldi- #1 tle socidlogo ter de lidar “com objetos que falam’’. Sua PP pando com a cientificidadé conduzia-o igualmente a HONAY 4 Musto biografica e a suspeitar de todos os méto- HOHE Privilogiavam a palavra do sujeito. Nos seus trabalhos PE He Ples, as coisas mucaram. A palavra torna-se um ele- MPN Heal da materia sociolégica, Em A miséria do mundo, POT FOI 8 vepuinte fras “Apresentamos aqui os t D Abn 4 A pebon tevrttnoty + day vote colinas de Roma para.onde se retiroy 18 68 patviciog, em. 494 a.€. (Noda Ty 44 Vincent de Gaulejac ulheres nos confiaram a proposito dificuldade de existir” (Bourdieu, a uma cente- temunhos que homens e m de sua existéncia e de sua 1993), Sao oitocentas paginas de testemunhos par na de paginas de comentarios. Hé ai uma guinada surpreen™ dente. A palavra, que era uma maldicdo, torna-se esse cial. Zn Contudo, ha sempre um “perigo”, na medida em que Bour- dieu insiste em multiplicar as precaugoes quanto ao uso que ele faz. disso: De inicio, devemos ter cautela em proteger aqueles que de- \ positaram confianca em nds... € necessario, sobretudo, tentar 1s aos quais exporiamos as suas pa- = 9 colocé-los ao abrigo dos perigos : Javras, pelo abamdono sem protecao que poderia levar a0 desvio do sentido. (p. 7) | Perguntamo-nos quem tem mais necessidade de ser Pro= tegido: os jovens dos bairros acostumados a andar as voltas com a violéncia urbana, ou o gocidlogo confrontado com.uma palavra viva, diante da qual parece siderado pela forga da ex- pressao! Surge, e icdo quase messianica em ntao, uma proposi que os socidlogos devem, por meio de “uma escuta armada”, proteger 0 sujeito de um tisco de desvio de sua palavra. A oni: poténcia do saber retorna aqui com forca, e a nossa questao é: até que ponto P. Bourdieu esta consciente de suas proprias pro- jecdes ou, em outros termos, se ele esta mesmo compreenden- io os efeitos da transferéncia e da contratransferencia- numa entrevista de pesquisa, Na falta dessa andlise, cle se, protege: Numa outra obra, Bourdieu defende a abordagem clinica lises socioldgicas. A ati- que ele op6e aos usos cinicos das anal tude clinica consistiria “em buscar na andlise dos mecanismos a 5 TOS ne sociais os instrumentos para ‘ter éxifo__no mundo social ou para orientar stag estratégias no mundo intelectual” (Bourdieu & Wacquant, 1992; 182 e sg,). Ele preconiza, assim, uma atite de auto-reflexiva que qualifica de “autoterapia’, Nie se trata de uma anélise das projegdes inconscientes, NO sentido psicas nalitico do termo, mas de uma socioandlise que consiste em, Mentificar os determinismos sociais: “Nao paro de recorrer A sociologia para tentar desembaragar o meu trabalho dos del minismos sociais que pesam, freqiientemente, sobr Psicossociologia e soctologia clinica 45 socidlogos”. Ele invoca, assim, “o inconsciente cientifico” do socidlogo, isto 6, “a verdade mais intima do que somos... ins~ Nerdade mais:inuma crita na objetividade, na histéria das posigdes sociais que tivemos no passado ¢ ocupamos no presente” (p. 164). A ana- lise da trajet6ria social do pesquisador, das categorias de pensamento, das referencias teoricas- metodolégicas que ele utiliza, 6, assim, uma preliminar da pratica cientifica. Nao se trata Wé cair no subjetivismo, mas de procurar ’no objeto cons- truido pela ciéncia as condigoes sociais de possibilidade do sujeito |grifo do autor] e os limites possiveis dos seus atos de objetivacao”. (p. 185) O pesquisador deve se inscrever nesse movimento dialé- tico entre o sujeito e 0 objeto de pesquisa: As condicées de possibilidade do sujeito cientifico e as do seu objeto sio uma 86, e a todo progresso no conhecimento das condicées sociais de producao dos objetos cientificos cor foaponde um progresso no conhecimento do objeto cientifico, e vice-versa A pesquisa consiste, assim, em se interrogar permanente- ‘yente sobre cla prépria, suas condigoes de produgao, a cons- {i 10 dos seus objetos, as escolhas tedricas, 0 estabelecimento jv leur inatrttmentos, bem como sobre as aspiragoes, as proje- A Heh © os desejos que « quisador poe em pratica nas suas Wividades. ~ . Tne tipo de analise que procuramos suscitar num semi- dijo le inplicagao e de pesquisa, denominado “Historias de Vili eocullas ledricas”. Trata-se de analisar as relagoes entre Historia familiar, a trajetdria social e os investimentos tedri o) feequivadores, Procuramos, assim, explicitar as yah #8 Icleals que colocamos em acao, por intermédio de ohijetos de estudo e das nossas praticas, ¢ apreender os eapliciion & implicitos que af se ins revem.” Hieed do poder ¢ um principio integrante de uma em- Ale enajtiinn. A construgio do saber implica um desejo sie dabrsontoiie de changement soot, 0. 1, janbo 1996, Uni vil 46 Vincent de Gaulejac de apropsiagao e de onipoténcia. Do mesmo modo que 0 psi- canalista deve estar permanentemente atento aos ecos que a sua pratisa produz no seu proprio inconsciente, 0 socidlogo dove desenvolver uma vigilancia ativa sobre os determinismos sociais de sua atividade, Uma verdadeira reflexao critica sobre a pratica sociolégica s6 pode se desenvolver a esse prego. Eat que a sociologia pode ésclarecer 0 psicossociologo: na sua ca- pacidade de evidenciar 0s determinismos sociais da histéria individual, bem como nas superdeterminacdes institucionais das suas praticas. ib Ts50 mostra que a sociologia esté cada vez mais preocupa- da com questées que os psicossocidlogos ja colocam ha al- gum tempo, mas sobre as quais ela também guarda uma desconfianga profunda, em relagao a uma corrente suspeita dé K “pictogsmer “Nie que mediz respeito, nao posso validar. uma separagao entre a sociologia e a psicologia, separagao historicamente compreensivel, mas cientificamente contestével. Na minha pratica € no met ensino, procure permanentemente, de um lado, cor-vencer os sociélogos quanto a necessidade de integrar em suas andlises as causalidades psiquicas e, de outro lado, convencer os psicdlogos quanto a necessidade de levar em conta os processos sociais. Sobre isso, sinto-me profundamente psicossocislogo. E, contudo, nao creio que a psicossociologia possa se impor hoje totalmente como uma disciplina das cién- cias humanas, justamente porque ela é fundamentalmente bastarda.<:porqie ela permaneceré assim. Ela s6 pode existir num enite-d is/ jum inter-dito, numa relagao conflituosa en- tre tfias logicas Causais irredutiveis tma a outra. Ha algo de irreconéilidvel entre “psiquico” e “social”. Isso conduz nao a escolher o seu terreno, como alguns preconizam, mas a se si- tuar num campo e “conversar” com todos aqueles que sofrem do dogmatismo monodisciplinar. a“ Psicossoctologia e sociologia clinica 47 Referéneias bibliograficas Auuner, Nj Gautiac, V, de & Navaipis, K. (orgs.). L’Aventure Psychosociologique, Paris: Desclée de Brouwer, 1997. Boru pn Bat, M, La démarehe clinique en sociologie, Reoue de VInstitul de Sociologie, Bruxelles, 1994, Bourpnu, P. (org.). La misere du mone, Paris: Seuil, 1993, Bourpiiu, P. & Wacauant, Ly Réponse: Paris: Seuil, 1992. 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