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LELIS ESPARTEL Engenheiro Civil Professor Emérito da ‘Universidade Federal do Rio Grande do Sul CURIO DE TOPOGRAFIA 9." Edigfo 5© Primeira Parte - TOPOMETRIA caPfTULO I PARTE GERAL GENERALIDADES § ¥—Conceitos fundamentais 1 —Objeto da Topografia. Definigio A Topografia tem por finalidade determinar 0 contorno, dimensio € posigio relativa de uma porgio limitada da superficie terrestre, sem Jevar em conta a curvatura resultante da esfericidade terrestre. Nestas condigées, pode-se, sempre, figurar em um plano a imagem da regido considerada, o que equivale a projetar sobre um plano, que se supée horizontal, nao s6 os limites da superficie a representar como todas as particularidades notiveis is ou artificiais, do terreno. Assim, a Topografia é uma ciéncia aplicada, baseada na Geometria e na Trigonometria, de ambito restrito, pois é um capitulo da Geodésia, que tem por objeto o estudo da forma e dimensdes da Terra. A Topografia se incumbe da representacao, por uma projecao orto- gonal cotada, de todos os detalhes da configuragéo do solo, mesmo que se trate de detalhes artificiais: .canais, estradas, cidades ¢ vilas, constru- Goes isoladas, etc. Esta projegio se {az subre umia superficie de nivel, isto é, sobre uma superficie definida pela propriedade de ser, em cada um de seus pontos, normal 4 diregio da gravidade: as projetantes dos diversos pontos a representar sao pois as verticais desses pontos. A esta projecdo ou imagem figurada de terreno da-se o nome-de planta ou plano topogrdfico. Ao conjunto dos métodos empregados para colher os dados neces- sitios para o tracado da planta dd-se 6 nome de Topometria, que se subdivide em planimetria e altimetria ou nivelamento. A planimetria é a representagdo em projecao horizontal dos detalhes existentes na superficie; a altimetria determina as cotas ou disténcias verticais de um certo numero de pontos referidos ao plano horizontal de projegio. 4 LELIS ESPARTEL A altimetria permite fixar, por meio de cotas ou quaisquer sinais convencionais, o relevo do terreno, isto é, a expressio exata de sua forma. 2~Distinglo entre a Topogratia e a Geodésia A Geodesia, com 0 auxilio da Geografia Matemdtica, se ocapa dos processos de medida e especificagdo para o levantamento e represen- taco cartogréfica de uma grande extensio da superficie terrestre de um Estado ow de um pais, projetada numa superficie de referéncia, geométrica ¢ analiticamente definida por pardmetros, varidveis em nu- mero, de acordo com a consideracao sobre a forma da Terra. No desenvolvimento do estudo da Geodésia, se considera a super- ficie em referéncia como o elipsdide de revolucio com parAmetros a e b, numericamente determinados. A Geodésia, que determina com precisio as malhas triangulares justapostas a superficie do elipsdide de revolugio terrestre determinan- do as coordenadas de seus vértices, é uma ciéncia que abrange o todo, ao passo que a Topografia se ocupa do detalhe de cada malha ou quadricula e, admitindo-a plana, adota processos da Geometria e Tri- gonometria planas, com ligacio ’s coordenadas de referéncia determi- nadas, como dissemos, geodesicamente. N§o resta duivida que elas se completam para a harmonia do con- junto, do qual resultam as cartas geograficas ou topograficas. 3—Sumério histérico da evolugio da Topografia A Topografia, cujo significado etimolégico da palavra é “descrigao do lugar”, estuda os instrumentos, métodos de operacdo no terreno, cAlculos € desenhos necessérios ao levantamento e representacio gratica mais ou menos detalhada de uma parte da superficie terrestre. Os egipcios, os gregos, os arabes e os romanos nos legaram instru- mentos € processos que, embora primitivos, serviram para descrever, delimitar e avaliar propriedades rurais, com finalidades cadastrais; na Historia da Topografia, de Laussedat, sio mencionadas plantas e cartas militares e geograficas bem interessantes, organizadas nos primérdios da Topografia, ou, melhor, da chamada Geometria aplicada. Mas somente nos ultimos séculos, a Topografia teve uma orientagio orginica, passando do empirismo as bases de uma auténtica ciéncia, gtacas ao desenvolvimento notavel que tiveram especialmente a Mate- matica e a Fisica. A Carta de Franca, publicada no inicio do século xix pela Acade- mia Francesa e compilada pelo cartégrafo italiano Cassini, é 0 primeiro trabalho executado com técnica e estilo préprios. CURSO DE TOPOGRAFIA 5 Os aperfeigoamentos da mecAnica de préciséo introduzidos nos ins- trumentos topogrdficos, devidos principalmente aos geniais estudos do engenheiro suico Henrique Wild, do geodesista italiano Ignazio Porro, de Car! Zeiss, Pulfrich, Orel, da importante Casa Zeiss, e tantos outros, contribufram eficientemente para o progresso crescente da aplicagao dos métodos desenvolvidas pela Topografia, principalmente no‘ extraor- dindrio aperfeigoamento da fotogrametria terrestre € aérea, esta ultima dominando hoje-em dia a maioria dos grandes: levantamentos topogré- ficos, pela exatidao, presteza e custo mais reduzido dos trabalhos. Os progressos realizados na parte dptica dos instrumentos, devidos a Kepler (1600), Porro, Zeiss, Wild e outros; na medida direta das distancias, devidas a Porro, Bessel, Jaderin; na leitura de Angulos, devi- das a Vernier e P. Nonius, Bauerfeind, Zeiss, Wild; nos levantamentos _ topograficos devidos a Pothénot, Snellius, Hansen; na avaliagao mec4- nica das dreds, devidas aos aparelhos Amssler, Coradi, Galileo e outros, deram & Topografia o valor que realmente tem como ciéncia e como técnica no levantamento topométrico preciso do terreno e na represen- taco grilica equivalente, servindo como apoio de qualquer trabalho de Engenharia e Agrimensura. A Geografia e a Geodésia estao intimamente ligadas 4 Topografia, utilizando as primeiras observagdes astronémicas dos pontos de suas cartas, enquanto que os levantamentos geodésicos exigem processos rigorosos nas medidas, s6 possiveis com o emprego de grande precisio, como um alta azimutal de preciso, no passado, ou um Wild T3, um Zeiss 11 ou outros no presente, ménores, mais leves, mais precisos e mais cémodos de aplicacio. 4—Importincia da Topografia para o engenbeiro Ao se projetar qualquer obra de Engenharia, Arquitetura ou Agro- nomia, se impde o prévio levantamento topografico do lugar onde a mesma deverd ser implantada; dai a importancia da Topografia, que se incumbe do levantamento ou medicdo, que deverd ser precisa e adaptada ao terreno. Fazer um levantamento é proceder a todas as operacées necessarias para alcancar os objetivos da Topografia, isto é, a medicao de Angulos e distancias e a execugio dos célculos ¢ desenhos indispensdveis para representar, fielmente, no papel, os elementos colhidos no terreno. Todo o levantamento topografico comporta duas operacées: @) uma puramente geométrica, que consiste na determinacao de pontos, de maneira a realizar a ossatura do levantamento: é.0 que se chama o levantamento do “canevas”’; b) outra de-cardter nitidamente artistico, que consiste em represen- tar por convenges todos os detalhes do terreno; tais como divisas, ma- 6 LELIS ESPARTEL tos, rios, estradas, povoagées, etc., assim como sua conformago altimé- trica por curvas de nivel ou similares. Para esta segunda operacio, ha necessidade da exccugio de um desenho de imitacdo, que exige bons croquis de campo ¢ qualidades pessoais dos operadores, ao considerar © conjunto dos detalhes do terreno. Ora, a superficie do terreno nao é uma superficie qualquer, pois obedece a leis que a experiéncia e a teoria se incumbem de demonstrar; dai se conclui que o topégrafo, que tem muita responsabilidade em qualquer levantamento, por mais simples que seja, deve operar, fazendo todas as verificagdes possiveis ¢ necessdrias e desenhando com justeza, para evitar qualquer erro de apreciacio. Laboram em erro aqueles que julgam a Topografia uma simples aplicagéo da Geometria, pois cada vez mais se alarga seu campo de ago ¢ cresce a exigéncia em precisio e perfeiggo dos trabalhos que Ihe estéo afetos no campo da pratica profissional, principalmente da Engenharia. 5— Divisées da Topografia Definido 0 campo que limita as operagées topograficas de campo em extensio, pode-se subdividir a Topografia em quatro partes princi- pais: a topometria, abrangendo a planimetria ¢ a altimetria, a topolo- gia, a taqueometria e a fotogrametria. Os processos de medida séo estudados sob o titulo genérico de topometria e se baseiam na Geometria aplicada Os elementos geométricos obtidos utilizando-se aparellios de medida, lineares e angulares. A topometria divide-se em planimetria ¢ altimetzia. Na planimetria as medidas, tanto lineares como angulares, sié cletuadas em planos horizontais, obtendo-se 4nguios azimutais ¢ distancias horizontais; na altimetria as medidas sao efetuadas na vertical ou num plano vertical, obtendo-se as distincias verticais ou diferengas de nivel e Angulos zenitais. O levantamento topografico & planimétrico quando as_projegées dos contornos € pontos medidos si0 representados sobre um plano basico horizontal de referéncia, ¢ altimétrico, quando sio medidas as alturas désses pontos com relaciio a um plano de referéncia de nivel. Para levantamento planimétrico sio empregados principalmente os teodolitos, que sio gonidmetros com circulos horizontais e verticais graduados. © levantamento pode ser ainda rapido ou expedito, comum ou topogrdfico propriamente dito, e de preciséo, cada qual exigindo instru- mental ¢ métodos adequados dé operacao no terreno. CURSO DE TOPOGRAFIA 7 O desenho topogrdfico constitui a representagdo em escala reduzida, por meio de sinais convencionais, ditos convengées topogrdficas, da forma do terreno levantado. Segundo a escala, grau de: preciso, detalhes e amplitude, tal dese- nho denomina-se esboco, planta ou mapa topografico, carta geodésica, geografica ou corografica. ‘As plantas topograficas devem ser sempre acompanhadas das cader- netas de campo, planilhas dos calculos ¢ memérias descritivas, desti- nadas a quaisquer verificagdes e detalhes complementares, bem como a indicagao de todos os trabalhos realizados durante a medicgao ou Jevantamento. A topologia, complemento indispensivel da topometria, tem por objeto o estudo das formas exteriores da superficie terrestre e das leis a que deve obedecer seu modelado. Sua aplicacao principal é na repre- sentagio cartografica do terreno pelas curvas de nivel, que sio as intersegdes obtidas por planos eqilidistantes paralelos com o terreno a Tepresentar. Na interpretagio das referidas curvas, obtidas diretamente ou por interpolagao, podem-se verificar as correcées na implantacao de pontos, quando erradamente assinalados na planta. Assim a altimetria pode ser representada corretamente, servindo-se dos postulados da Topologia. A taqueometria tem por finalidade o levantamento de pontos do terreno, pela resolugdo de triangulos retangulos aptos a Tepresenta-los, tanto plani como altimetricamente, ou, em outras palavras, dando ori gem a plantas cotadas ou com curvas de nivel, ditas plani-altimétricas. Sua aplicagao principsl € em zonas fortemente acidentadas, em morros e montanhas, onde oferece reais vantagens sobre os métodos topométricos, pois o levantamento dos pontos é feito com rapidez, maior exatidio e economia. As posigées destes pontos sio determinadas por coordenadas retan- gulares x, y € z, com as quais os mesmos permanecem individualizados no espago. Os aparelhos empregados para esses levantamentos plani-altimétri- cos so 0s taquedmetros (tachis, rapido, e metron, medida), que podem ser, principalmente, normais ou estadimétricos e redutores ou auto- redutores. Ignazio Porro, em.1823, foi o precursor desse importante processo de medida das distancias horizontais e verticais, e ao qual denominou de “celerimensura” com as férmulas celerimdtricas de avaliagio das coordenadas X, Y ¢ Z. A fotogrametria, levantamento fototopografico, parte importante da Topografia, relegada no passado a um plano secundario, ¢ considerada como apéndice desta, ¢ hoje justamente classificada em primeiro plano, 8 LELIS ESPARTEL tornando-se 0 método principal para determinar o relevo do terreno, principalmente de grandes extensées. Nos grandes levantamentos, ¢ até mesmo nos menores, nfo se empre- gam tanto 0s laquedmetros e as réguas ou miras graduadas, chamadas estddias, mas sim as cdmaras fotograficas, isto ¢, os fologrdmetros ov fototeodolitos ¢ o restituidor fotogramétrico. A Topografia continua, entretanto, a ser auxiliar indispensivel da fotogrametria, pois que serve, por um lado, para estabelecer a ossatura geométrica do relevo, € por outro, para auxiliar em medidas comple- mentares no terreno de detalhes encobertos ou tornados invisiveis pela vegetacio. ‘As enormes dificuldades apresentadas nos relevos topogriificos de montanhas elevadas sao vencidas pela Fotogramietria, tanto assim que estd sendo empregada em larga escala por todos os servicos cartogrii- ficos do mundo. A fotogrametria pode ser terrestre ou aérea, chamada Aerofotogra- metria, Esta ultima, com aparelhagem modernissima e cada vez mais aperfeigoada, tem o seu raio de acdo ampliado dia a dia, e nao ha mais obra publica ou privada de importancia que nao a utilize para base de seus problemas e projetos. Em nosso curso, que ndo ¢ especializado, mas que procura atender aos reclamos da técnica que progride sem cessar em tados os campos da atividade humana, procuraremos esclarecer os princ{pios fundamen- tais ¢ basicos da Fotogrametria, na Parte aplicada déste Curso. Em cursos de extensio universitaria e num futuro Instituto de Fotogrametria que se criar§, ainda, em nosso vasto Pais, bem como na literatura técnica sobre o assunto, que é bem vasta, encontrarao os interessados a fonte para to util aperfeigoamento técnico e cientifico em Fotagrametria. 6 — Agrimensura A medida das superficies agrarias foi a primeira tarefa de que se incumbiu a Topografia desde a antiguidade, razio por que a mesma era chamada agrimensura. Hoje, entretanto, este vocdbulo indica a parte da Topografia que trata da medida e da representagao planimétrica de superfi cies, bem como sua diviséo em parcelas, de acordo com condigées preestabelecidas, Sabemos que a planimetria de uma fracdo ou extensio de terreno representa, em uma dada escala, nao a superficie efetiva, isto é, a que leva em conta todas as ondulagées do terreno, mas sua projegio sobre © plano de referéncia horizontal. Ora, nao é de crer que sob 0 ponto CURSO DE TOPOGRAFIA 9 de vista agrario seja a superficie efetiva a que interessa. De fato, as culturas de Arvores como as plantagées, crescendo no sentido vertical, sio de certo modo proporcionais ao desenvolvimento horizontal do terreno. Além disso, a superficie efetiva do terreno, quer por vontade do homem, quer por efeito dos fenémenos enddgenos € exdgenos ter- restres, pode mudar continuamente de forma, enquanto a projecdo horizontal nao muda. Assim, os métodos de projecdo, adotados na Agrimensura ou na Diviséo e Partilha de terras sao os mesmos adotados nas outras partes da Topografia.

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