Você está na página 1de 111

MIGUEL ÂNGELO MICAS

UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO


DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2009
MIGUEL ÂNGELO MICAS

UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO


DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação do Centro Universitário Toledo-
Araçatuba, para obtenção do título de Mestre em
Direito

Orientadora:
Professora Dra. Samyra Haydée Farra N. Sanches

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2009
BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profª Dra. Samyra H Dal Farra N. Sanches

__________________________________________
Prof.

__________________________________________
Prof.

Araçatuba, _______ de _________________de 2009


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho com muito carinho as minhas


filhas, e a minha amiga especial que me apoiou
Claudinha.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter me dado forças e paciência para alcançar o meu
objetivo, e sabedoria para vencer mais essa trajetória da vida.
Agradeço a minha família que sempre me incentivou para que eu pudesse alcançar
mais este objetivo em minha vida;
Agradeço a todos os amigos que conquistei, pois sem eles não teria conseguido
forças para superar cada obstáculo destes anos;
Agradeço a todos os professores que com zelo e destreza puderam transmitir seus
conhecimentos a mim;
Agradeço a minha professora orientadora Dra. Samyra Haydee Farra N. Sanches
pela sua paciência e dedicação dispensada para que eu pudesse ter êxito nesta etapa da minha
vida.
E a todos que de maneira direta ou indireta me apoiaram para que eu chegasse ao
final desta trajetória.
“Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar
certo, na hora certa, no momento exato. E então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome... Auto-estima.
Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia, meu sofrimento emocional,
não passa de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.
Hoje sei que isso é...Autenticidade.
Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a
ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento.
Hoje chamo isso de... Amadurecimento.
Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma
situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o
momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo.
Hoje sei que o nome disso é... Respeito.
Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável... Pessoas,
tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou
essa atitude de egoísmo.
Hoje sei que se chama... Amor-próprio.
Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e desisti de fazer grandes
planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.
Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.
Hoje sei que isso é... Simplicidade.
Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas
menos vezes.
Hoje descobri a... Humildade.
Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o
futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece.
Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é... Plenitude.
Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me
decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e
valiosa aliada.
Tudo isso é... Saber viver!!!
Charles Chaplin.
RESUMO

No Brasil, a polícia apresenta composição complexa, pois é formada por duas instituições
distintas, com relativa divisão de funções. Um segmento é fardado, com administração
militar, e tem como principal atribuição o policiamento ostensivo. O outro segmento, de
natureza civil e atua como auxiliar do Poder Judiciário, por isto é chamado de Polícia
Judiciária e sua principal função é a apuração das infrações penais. A Polícia Judiciária é
dirigida por Delegados de Polícia de carreira, bacharéis em direito. Histórica e culturalmente a
Polícia Judiciária exerce suas atividades de forma apenas repressiva embora desempenhe
diversos papéis no Estado Democrático de Direito, incluindo o social. Diante do aumento da
criminalidade conclui-se que a repressão, utilizada pelas agências policiais para contê-la não
é, isoladamente, eficaz para combatê-la. Desse modo, surge a necessidade de se buscar
alternativas, em especial de prevenção ao crime. Para enfrentar o desafio de construir um
papel também preventivo para a Polícia Judiciária, tornando-a mais legítima e eficaz, o
presente trabalho apresenta uma alternativa que propõe a mudança de conduta da Autoridade
Policial, o Delegado de Polícia, que passaria a atuar com o objetivo de tornar efetivos os
princípios norteadores da nova ordem constitucional a fim de garantir e dar maior eficácia a
dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, promovendo a conciliação
e orientação em conflitos sem natureza criminal ou em crimes de menor potencial ofensivo,
ou ainda deixando de autuar em flagrante delito, de forma motivada, quando as circunstâncias
e a gravidade do crime assim indicarem, autores de crimes de pequena ou eventualmente
média gravidade. Na estrutura da Delegacia de Polícia haveria a criação de equipes
multidisciplinares, com profissionais do Serviço Social e Psicologia que auxiliariam a
Autoridade Policial na busca das motivações do crime e da personalidade dos envolvidos para
se encontrar soluções mais justas e adequadas já na fase pré-processual. Também
participariam se desejassem as pessoas atendidas, autoridades religiosas, para promover o
conforto espiritual e auxiliar na busca da solução pacífica e consensual do conflito. Um
profissional de jornalismo auxiliaria a Autoridade Policial em campanhas preventivas visando
a redução do medo e a insegurança pública. A participação da comunidade seria de
fundamental importância para o desenvolvimento da proposta e sua atuação se daria pó meio
do conselho comunitário de segurança que passaria a funcionar nas sedes das Delegacias de
Polícia, ao lado da Autoridade Policial, para auxiliá-la e promover estudos com vistas à
participação nas políticas públicas de segurança. Este novo modelo de Polícia Judiciária teria
incumbências preventivas e participaria ativamente da solução de conflitos que lhe chegassem
ao conhecimento com base nos modelos de polícia comunitária e práticas restaurativas. A
finalidade desta atuação preventiva seria buscar maior eficácia das garantias aos direitos
fundamentais e seus elementos jurídicos encontram supedâneo nas modernas teorias do
garantismo penal e do direito penal mínimo.

Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito, dignidade da Pessoa Humana, Polícia


Judiciária. Criminalidade, Repressão, Prevenção, Garantismo, Conflitos sociais, Conciliação,
Prisão, Polícia Comunitária, Práticas Restaurativas, Plantão Social, Equipes,
Multidisciplinares.
ABSTRACT

In Brazil, police have complex composition, because it is formed by two different institutions,
with relative division of functions. A segment is uniformed, with military administration, and
he/she has as main task the ostensible policing. The other segment has civil nature and acts as
assistant to the Judiciary, for that is call of Judiciary Police and its main function is the
investigation of criminal offenses. The Judicial Police is headed by Deputy Police career, in
bachelors law. Historically and culturally the Judiciary Police performs their activities in
repressive but only plays various roles, formal and informal, in the Democratic State of Law,
including the media. Faced with rising crime conclude that the repression, used by police
agencies to tell it is not, in isolation, effective. There are the needs to seek alternative
arrangements, in particular the prevention of crime. To meets the challenge of building a
preventive role also for the Judicial Police, making it more legitimate and effective, this work
creates an alternative that proposal which proposes to conduct of the Police, the police Officer
who will work with order to make effective the principles of the new constitutional order to
ensure greater efficiency and to human dignity and reduction social inequalities, promoting
reconciliation and guidance on conflicts without criminal or crimes of lower offensive
potential, or also reported leaving in flagrante delicto, so motivated, when so indicate, the
authors of minor crimes or, average severity. The structure of the Police station there is
proposal of the creation of multidisciplinary teams, with professionals of the Social Work and
Psychology to assist the police in the investigation also the motivations of those involved in
crime and to seek fair and adequate solutions in the pre-procedure. Also participate if they
whish people attended, religious authorities, in order to promote the comfort and spiritual help
in the search of the peaceful and consensual solution of the conflict. A professional journalism
to help the police in preventive campaigns aimed at reduction the public fear and insecurity.
Community participation is essential of the proposal and its performance will be given
through Community Security Council that would work in the headquarters of the Police
station, next to the Police Authority, to assist them and promote studies in order to participate
and guide the public policies of security. This new model of Judiciary Police have preventive
tasks and actively participate in resolving disputes brought to it by using the techniques of
conciliation, mentoring, community policing and restorative practices. The purpose of this
preventive action is to search for more effective guarantees of fundamental rights and their
legal aspects find supedâneo guaranteed in the modern theories of criminal and penal law
minimum.

Keywords: Democratic state of law, Judicial police, crime, Repression, Prevention,


Guaranteed; Social conflict; Conciliation; Prison; Community Police; Restorative practices;
Social duty; Multidisciplinary teams.
Lista de Siglas

CESeC - Centro de Estudos de Segurança e Cidadania


CONSEG - Conselhos Comunitários de Segurança
DDM - Delegacia de Defesa da Mulher
DISE - Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PRONASCI - Programa Nacional de Segurança Cidadã
RG - Registro Geral de Pessoas
SENASP - Secretaria Nacional de Segurança Pública
SUSP - Sistema Único de Segurança
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
I - A Polícia Judiciária e seus Papéis no Estado Democrático de Direito .......................... 15
1.1. O Papel Institucional e Formal da Polícia Judiciária ......................................................... 15
1.2. O Papel Repressivo e Informal das Agências Policiais e o Poder de Polícia da Polícia ... 19
1.3. O Papel Social Formal e Informal da Polícia Judiciária.................................................... 24
1.3.1. Segurança Pública como Direito Social Formal e Polícia Judiciária ............................. 24
1.3.2. Fatos de Natureza Social e o Papel Social Informal da Polícia Judiciária ..................... 26
1.3.3. O Boletim de Ocorrência sem Natureza Criminal e Polícia Judiciária .......................... 27
1.4. O Papel da Polícia Judiciária no Regime Democrático ..................................................... 30
1.5. Construindo um Papel Preventivo para a Polícia Judiciária .............................................. 35
1.5.1. O Papel Preventivo da Polícia Judiciária e alguns princípios Constitucionais do Estado
Democrático de Direito ............................................................................................................ 39
II – CRIMINALIDADE E ATUAÇÃO POLICIAL ........................................................... 46
2.1. Ocupação Espacial das Cidades ........................................................................................ 47
III – ELEMENTOS JURÍDICOS PARA A ATUAÇÃO PREVENTIVA DA POLÍCIA
JUDICIÁRIA .......................................................................................................................... 55
3.1. Estado de Direito - Garantismo Penal................................................................................ 59
3.2. Garantismo Penal e Polícia Judiciária ............................................................................... 63
3.3. Prevenção e Garantismo Penal .......................................................................................... 65
IV – TÉCNICAS DE PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE E O PROGRAMA
NACIONAL DE SEGURANÇA CIDADÃ (PRONASCI) .................................................. 69
4.1. Justiça Restaurativa............................................................................................................ 69
4.2. Polícia Comunitária ........................................................................................................... 75
4.3. A Política de Segurança Pública voltada a Prevenção da Criminalidade do Governo
Federal ...................................................................................................................................... 81
V - PROPOSTA ALTERNATIVA DE PREVENÇÃO Á CRIMINALIDADE
CONDUZIDA PELA POLÍCIA JUCICIÁRIA ................................................................... 84
5.1 Funcionamento Permanente do Conselho Comunitário de Segurança na Delegacia de
Polícia ....................................................................................................................................... 86
5.2. Equipes Multidisciplinares Atuando ao Lado da Autoridade Policial ............................... 89
5.3. Plantões Sociais ................................................................................................................. 94
5.4. A Asistência Religiosa ....................................................................................................... 97
5.5. A Publicidade Preventiva feita pela Polícia Judiciária ...................................................... 98
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 101
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .................................................................................... 105
10

INTRODUÇÃO

A motivação desta pesquisa nasceu da experiência do autor como dirigente


de unidades da Polícia Judiciária há mais de 20 anos e pretende demonstrar que é possível
redimensionar o poder da polícia, de cultura repressiva, também para a prevenção, com o
objetivo de prestar serviços públicos que atinjam os fins constitucionais do moderno Estado
Democrático de Direito.
Sempre que ocorre um crime é porque houve falha dos mecanismos estatais
que deveriam preveni-lo.
A prevenção é realizada de diversas maneiras, mas pode-se, sucintamente,
classificá-la em formal e informal. A prevenção formal é a colocada em prática pelo Estado
através de suas instituições. A informal é a exercida pela sociedade (família, religião,
comunidade, etc.). Ambas têm o objetivo de impedir a prática de um crime.
A prevenção geral formal de crimes é feita por um segmento fardado da
polícia. No Brasil, esse segmento é denominado de Polícia Militar e existe apenas a nível
estadual. A principal função desta instituição estatal é a de atuar ostensivamente, ou seja, de
forma visível, por isso é fardada (com vestimenta uniforme e destacada). A finalidade é a de
conter o ímpeto de pessoas que eventualmente desejam praticar uma conduta considerada
crime pela lei. Como é impessoal é chamada de prevenção geral.1
O crime é um fato social que está descrito de maneira abstrata (anterior a
sua realização) na lei penal. A esta descrição é atribuída uma pena que tem dupla função:
preventiva e repressiva. É preventiva porque a ameaça da pena tem a finalidade de incutir
temor de sua aplicação às pessoas e com isto impedi-las de praticar um fato social que está
descrito como crime (prevenção geral abstrata).
A seleção dos fatos sociais descritos pela lei penal como crime, com a
conseqüente previsão de pena, feita pelo legislador, é chamada de criminalização primária.

1
Art. 144, parágrafo 5º., da Constituição Federal de 1988: Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública;...
11

Se, contudo, determinada pessoa não se intimida e pratica o fato descrito


como criminoso pela lei a ela será imposta a pena, como castigo ou retribuição pelo mal que
causou, mas também para servir de exemplo a outras pessoas, desencorajando-as de praticar
aqueles fatos selecionados pela lei penal (prevenção geral concreta).
Para que haja a efetiva aplicação da lei penal, o fato criminoso ocorrido e
sua autoria precisam ser investigados. Essa apuração é feita pela Polícia Judiciária, outra
instituição estatal, mas de caráter civil, que atua de maneira formal e por meio de um
procedimento chamado Inquérito Policial.2
No Brasil são duas as agências policiais, uma militar e outra civil. Exceto a
prevenção formal e geral as polícias atuam repressivamente, ou seja, atuam após a prática do
crime e com a finalidade de impor penas aos seus autores.
A repressão é um ataque direto apenas aos efeitos da criminalidade e causa
um aumento extraordinário na população dos presídios que, sem política adequada, produz
mais criminalidade. É dirigida especialmente às camadas menos favorecidas da sociedade.
Houve tentativas de combater a criminalidade com a edição de leis mais
severas, com aumento das penas para crimes mais graves. Esse modelo teve preferência
política porque representa uma resposta mais rápida à sociedade e atende, satisfatoriamente, a
manutenção da escala vertical da sociedade.
A sensação é de que apenas com repressão policial a criminalidade pode ser
enfrentada. E da polícia é exigida maior atuação repressiva, apesar disto não há diminuição da
criminalidade.
Conclui-se que a repressão, isoladamente, não é eficaz no combate à
criminalidade. Feita de forma seletiva causa injustiças e pode ter efeito inverso, ou seja,
contribui para o seu aumento.
A Polícia Judiciária precisa cumprir sua função social de proporcionar
segurança pública com eficiência e ao mesmo tempo não servir de instrumento de manutenção
das desigualdades sociais.
O desafio é encontrar alternativas a este modelo repressivo que possam
contribuir para a redução da criminalidade e ao mesmo tempo atender os objetivos
fundamentais do Estado Democrático de Direito. A presente pesquisa pretende trazer uma
proposta de atuação policial preventiva como resposta a esse desafio.

2
Artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988: Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia
de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
12

Ao falar em “funções de polícia judiciária” a Constituição Federal de 1988


alargou as atribuições dessa instituição que também e concomitantemente fará a apuração das
infrações penais, exceto as militares (artigo 144, § 4º, da CF).
As atribuições conferidas à Polícia Judiciária pela Constituição Federal de
1988, portanto, não se resumem na atuação repressiva e esta não esgota seu potencial de
participação democrática. A Polícia Judiciária pode e deve atuar na prevenção à
criminalidade.
Destarte, buscar uma nova dimensão das atribuições policiais, adequando-
as a realidade social parece ser uma atitude positiva e necessária para contribuir efetivamente
com a prestação jurisdicional penal mais justa e legitimar a atuação da Polícia Judiciária
orientada pelos princípios do Estado Democrático de Direito.
A diversidade de atuação permitiria uma mudança significativa na cultura
dos policiais.
Entende o autor deste trabalho que é possível reduzir o número de
procedimentos, policiais ou judiciais, que visam à repressão unicamente, manejando
adequadamente os instrumentos jurídicos colocados à disposição das Autoridades Policiais,
como o instituto da antecipação da tutela da liberdade provisória, da conciliação, das práticas
restaurativas e da polícia comunitária, para buscar outros meios de solução de conflitos, como
o reparatório, terapêutico e conciliatório. (ZAFFARONI E PIERANGELI, 2002, pg. 60).
A grande maioria dos registros de ocorrências policiais relativas a
pequenos delitos e a fatos sem natureza criminal não chegaria à fase judicial e os de média
gravidade teriam uma investigação mais detalhada em relação às causas e às pessoas nela
envolvidas se fossem adotadas medidas mais adequadas.
Em face deste novo modelo de atuação, caberá à Polícia Judiciária a busca
de novos incentivos jurídicos que lhe dê possibilidades para investigar também as causas do
crime que lhe chega ao conhecimento para uma atuação preventiva e mais eficaz.
Destarte, a Polícia Judiciária terá, necessariamente, maior participação na
vida comunitária e a consciência de que a desestruturação da família, a ocupação desordenada
do solo, a educação, a cultura e a miséria, dentre outros, também podem ser elementos que
contribuem para a formação da personalidade desviada e nortear suas atuações para medidas
de prevenção às condutas criminalizadas.
É que, “para avaliar o controle social em um determinado contexto, o
observador não deve deter-se no sistema penal, e menos ainda na mera letra da lei penal, mas
é mister analisar a estrutura familiar (autoritária ou não), a educação (a escola, os métodos
13

pedagógicos, o controle ideológico dos textos, a universidade, a liberdade de cátedra, etc.), a


medicina (a orientação “anestesiante” ou puramente organicista, ou mais antropológica de sua
ideologia e prática) e muitos outros aspectos que tornam complicadíssimo o tecido social.
Quem quiser formar uma idéia do modelo de sociedade com que depara, esquecendo esta
pluridimensionalidade do fenômeno de controle, cairá em um simplismo ilusório”.
(ZAFFARONI E PIERANGELI, 2002, pg. 62).
Esta pesquisa tenta demonstrar que o pensamento preventivo de atuação
policial encontra supedâneo científico e doutrinário e sua aplicação resulta em benefícios para
a administração da justiça, com reflexos na prestação jurisdicional no Estado Democrático de
Direito.
Os elementos jurídicos da proposta preventiva são encontrados nas teses do
Garantismo e do Direito Penal Mínimo (Teoria Crítica do Direito).
As idéias centrais da alternatividade no Sistema Penal, contudo, são
recentes e competem com o longo predomínio das idéias positivistas e da reação estatal
legitimada na defesa social.
Por isso, não se abandonou por completo a dogmática jurídica que pode
coexistir com essas teorias e completarem-se para comporem os fundamentos jurídicos da
proposta preventiva desenvolvida neste estudo.
O tema, ainda que difícil, é muito interessante já que dá uma nova visão de
Polícia Judiciária, procurando alargar sua atuação no campo preventivo. O estudo teve por
objetivo chamar a atenção para a possibilidade de um novo sistema de trabalho policial que
contribuirá para a legitimação da atuação da Polícia Judiciária perante a comunidade e
redução dos índices de criminalidade com o conseqüente aumento da segurança pública
interna.
O trabalho, desenvolvido com pesquisa bibliográfica e sócio-jurídica, foi
dividido em cinco capítulos demonstrou que a Polícia Judiciária pode ter atuação apenas
repressiva. O autor propôs a criação de plantões sociais, com equipes multidisciplinares, para
que a Polícia Judiciária assuma funções também preventivas
O primeiro capítulo teve o objetivo de demonstrar que a Polícia Judiciária
exerce vários papeis no Estado Democrático de Direito e a possibilidade de se construir um
papel preventivo para a instituição, com uma atuação da Autoridade Policial voltada à
prevenção, em especial aos crimes de pequena e média repercussão.
A criminalidade foi analisada sucintamente no segundo capítulo. Duas das
causas estudadas pela sociologia, a ocupação do solo nas cidades e a desestrutura familiar
14

foram abordados detalhadamente porque seu conhecimento facilita o planejamento das ações
preventivas da proposta.
No terceiro capítulo o autor trouxe a fundamentação jurídica que legitima a
atuação policial preventiva.
Os modelos de prevenção à criminalidade existente foram objetos do
quarto capítulo. A justiça restaurativa e a polícia comunitária foram pormenorizadas porque se
identificavam com a proposta alternativa preventiva que foi conduzida pela Polícia Judiciária
e que é objeto do quinto e último capítulo.
A proposta de atuação preventiva trás contornos de como será feita a
prevenção pela Polícia Judiciária.
15

I - A Polícia Judiciária e seus Papéis no Estado Democrático


de Direito

Neste capítulo, o autor desta pesquisa pretende fazer uma breve análise da
história, cultura e estrutura da Polícia Judiciária e também dos vários papeis que ela
desempenha no sistema penal e demonstrar que sua função institucional formal tem conotação
repressiva.
A crítica criminológica e até pesquisas com dados históricos revelam que
as agências policiais, incluindo a Polícia Judiciária, sempre foram utilizadas como longa
manus do Estado com a finalidade de manter o poder da classe dominante. Pode-se afirmar
que a esse respeito às agências policiais exercem também um papel político informal.
Em razão da grande procura das unidades de Polícia Judiciária pelas
camadas mais pobres da sociedade para resolver conflitos de cunho social, principalmente por
não haverem outras instituições que lhes dêem esse amparo, a Polícia Judiciária exerce um
papel social, também informal.
Será necessário construir um papel preventivo para a Polícia Judiciária já
que as leis não prevêem atribuições preventivas para a instituição.
Os principais atos do dirigente da Polícia Judiciária, a Autoridade Policial,
são exclusivamente repressivos e, em sua maioria, atingem as classes mais pobres da
sociedade. Para uma adequação desses atos ao programa preventivo de combate à
criminalidade, será necessário, por parte da Autoridade Policial, uma interpretação principio
lógica e conforme a Constituição Federal que enfatize principalmente o princípio da
dignidade da pessoa humana.

1.1. O Papel Institucional e Formal da Polícia Judiciária

A polícia estadual, de forma geral, é composta por duas instituições. A


prevenção geral de crimes é feita por um segmento fardado da polícia. No Brasil esse
segmento é denominado Polícia Militar. A principal função desta instituição é a de atuar
ostensivamente, ou seja, de forma visível, por isso é fardada (com uniforme).
16

Para que haja a efetiva aplicação da lei penal, o fato criminoso e sua autoria
precisam ser investigados. Essa apuração é feita pela Polícia Judiciária, outra instituição
policial, mas de caráter civil, que atua de maneira formal e por meio de um procedimento
administrativo denominado Inquérito Policial.
Para o cumprimento das funções previstas na Constituição Federal de 1988
a Polícia Judiciária conta com uma estrutura física e humana. É a única instituição policial
dirigida por agentes públicos com formação jurídica como requisito: o Delegado de Polícia de
carreira.
O papel institucional da Polícia Judiciária está delineado no artigo 144,
parágrafo 4º., da Constituição Federal, assim redigido:

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a


competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
exceto as militares.

Câmara Leal, (apud NILSSON,1996) conceitua as funções institucionais da


polícia judiciária nestes termos:

Tomando providências para disciplinar a ordem e segurança e prevenir infrações, a polícia


exerce sua função normal, cuja necessidade social determinou sua criação e organização.
Nessa esfera, sua missão é de ordem administrativa. Tomando, porém, providências para
assegurar a ação da justiça, fornecendo-lhe os elementos de investigação e fixando o
delinqüente no distrito da culpa, para repressão do crime e punição do criminoso, a polícia
torna-se agente auxiliar do poder judiciário e assume, portanto, uma atividade de feição
judiciária. Administrando a vigilância e prevenção, é o órgão administrativo, mas
auxiliando a justiça repressiva e punitiva converte-se por desclassificação, em órgão
judiciário auxiliar.

A instituição, no entanto, tem diversas atribuições que vão muito além das
funções de Polícia Judiciária e da apuração da infração penal e sua autoria, como, v.g., a
expedição de importantes documentos públicos (trânsito, antecedentes criminais, etc.), bem
como os registros de fatos de interesse jurídico sem natureza criminal e prestação de serviço
social, este de caráter informal.
17

Por exercer funções públicas relevantes que exige tomada de decisões com
certo poder discricionário, o Delegado de Polícia é intitulado Autoridade Policial.3 Para seu
auxílio há um quadro de funcionários públicos denominados agentes da Autoridade Policial,
ou simplesmente policiais civis.
A Autoridade Policial é o Delegado de Polícia, incumbindo-lhe por
dispositivo legal a mantença da ordem social e a tranqüilidade coletiva. Possui, assim, poder e
exerce autoridade. Poder e autoridade que devem ser empregados unicamente a serviço da
população.
Nilsson (1996, p. 93) afirma que só “é autoridade o funcionário que está
investido no poder de mando, que exerce coerção sobre pessoas e coisas, que dispõe do poder
de polícia, ou seja, discricionariamente, nos expressos termos previstos na lei”.
No Brasil o cargo de Delegado de Polícia surgiu com o Decreto nº. 120, de
31 de janeiro de 1842, que regulamentou a Lei nº. 261, de 3 de dezembro de 1841. O nome
Delegado de Polícia foi usado pela primeira vez no Alvará de 10 de maio de 18084, para
designar a autoridade policial da Província, que representava o Intendente Geral (NILSSON,
1996, p. 93).
As funções da Polícia Judiciária são exercidas em sedes próprias chamadas
Delegacias de Polícia ou Distritos Policiais.

3
Código de Processo Penal - Art. 4º: A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território
de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Artigo 144, §
4º da Constituição Federal: "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares". Damásio Evangelista de JESUS adverte que o "conceito processual penal de autoridade policial é
mais restrito do que o do Direito Administrativo na medida em que este último alcança todos os servidores
públicos”. Assim, o artigo 301 do CPP, tratando do flagrante compulsório, acentua que ‘as autoridades policiais
e seus agentes’ deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. A lei faz distinção entre os
termos ‘autoridade e agente policial’, indicando que nem todo agente policial será autoridade". Será considerada
autoridade policial, exclusivamente, aquela com poderes para conceder fiança, presidir o inquérito e requisitar
diligências investigatórias, tomando todas as providências previstas no artigo 6º do CPP, ou seja, somente os
Delegados de Polícia. No IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado nos dias 29 e 30 de agosto
de 1997, em São Paulo, SP, através do Comunicado de n.º 20, de 16 Outubro de 1997, na Resolução de Matéria
Criminal, em seu item 7, por maioria decidiu-se que a Autoridade Policial a que se refere à Lei n.º 9099/95, é o
Delegado de Polícia".
4
No Brasil, pode-se dizer que a Polícia ganhou o primeiro sopro de vida institucional com o Alvará de 10 de
maio de 1808, assinado pelo príncipe regente, criando, a exemplo do que já existia em Portugal, o cargo de
Intendente-Geral da Polícia do Brasil. Em 03 de dezembro de 1841, através da Lei n° 261, que reformulou o
Código Criminal do Império, logo no Título I, é criada a Instituição Policial, estabelecendo-se a hierarquia entre
Delegados e Sub-Delegados, chamando-os de AUTORIDADES POLICIAIS, subordinando-os ao denominado
CHEFE DE POLÍCIA. O projeto de Código de Processo Penal de Frederico Marques, na Exposição de Motivos,
já dizia: “Mantém o Projeto a designação “Autoridade Policial” em lugar de “Delegado de Polícia”, por abranger
a primeira os funcionários públicos que exerçam a mesma atividade, tanto nos Estados como na Polícia Federal.
Distingue-se, ainda, a Autoridade Policial de seus agentes. Tem-se a primeira como pessoa que, investida por lei,
dirige as atividades da Polícia Judiciária, no âmbito de suas atribuições” (FOGOLIN, Marco Antônio Scaliante.
Autoridade Policial, conceito e tratamento. São Paulo, Revista ADPESP, ano 19, nº. 26, dezembro de 1998, p.
55).
18

As Delegacias de Polícia, onde são exercidas as funções da Polícia


Judiciária, permanecem abertas durante o dia e também à noite. Têm acesso físico facilitado,
diferente de outras repartições, públicas ou privadas, que exigem procedimentos ou
identificação antes do ingresso no seu interior. Por isso foram, sem dificuldades, alvos de
ataques de um grupo criminoso organizado5. Nem mesmo em estabelecimentos de saúde, que
também funcionam ininterruptamente, é tão fácil o acesso ao médico, v.g. A Autoridade
Policial é a única a receber cidadãos sem necessidade de audiência previamente marcada.
O autor deste trabalho fez uma pesquisa no município6 em que exerce suas
funções e a Delegacia de Polícia foi apontada pelos entrevistados como a segunda repartição
pública mais procurada pela população, ficando atrás apenas da Prefeitura Municipal. Setenta
e um por cento (71%) das pessoas entrevistadas disseram que antes de procurarem outra
repartição, passaram primeiro pela unidade policial para obterem informações. Quando se
pesquisou os motivos que levam os cidadãos a procurarem o auxílio de órgãos ou entidades
públicas, descobriu-se que os “conflitos interpessoais” estão entre os principais, e que neste
particular, dentre os demais órgãos públicos, a unidade policial é a mais procurada7.
Podemos sentir, com isto, que a Delegacia de Polícia é uma instituição
democrática e de apoio à cidadania, e não, (como imaginam muitos), uma agência policial que
age com truculência na apuração de crimes.
Hodiernamente, as Delegacias de Polícia Especializadas fornecem
atendimento mais racional e qualitativo em relação a determinados fatos de maior incidência
num determinado universo, como é o caso das Delegacias de Defesa da Mulher (D.D.M.) e
Delegacias de Investigações sobre Entorpecentes (D.I.S.E.). Nestas são onde mais se sentem
as necessidades de um aprofundamento da investigação em relação aos motivos do fato
criminoso e pessoas nele envolvidas para a busca de uma resposta, não apenas repressiva, mas
também como medida eficaz para solução do conflito.

5
O PCC – Primeiro Comando da Capital – organizou vários ataques a Delegacias de Polícia e postos policiais
em São Paulo no ano de 2006 (Souza, 2006).
6
Município de Castilho, interior do Estado de São Paulo. População de 16.580 habitantes. (Fonte IBGE, posto
de Andradina).
7
Pesquisa de campo realizada pelo autor no município de Castilho exclusivamente para este trabalho, nos meses
de agosto e setembro de 2008. Foram entrevistadas 176 pessoas em todos os bairros da cidade, inclusive fora do
perímetro urbano. Questionou-se: 1) Qual repartição pública você mais procurou no ano para solucionar
problemas? 2) Você procurou por uma delegacia de polícia durante este ano? Você pode informar qual motivo
levou a procurar uma repartição pública: () documentos; () conflitos com outras pessoas; () assuntos relacionados
a imóveis; () assuntos relacionados à família, etc.? Foram feitos questionários escritos, com explicações para
preenchimento e espaço para respostas. A folha foi colocada dentro de um envelope e entregue a pessoa para
responder com prazo de 2 dias, quando então seriam recolhidos os envelopes. Foram distribuídos 500 envelopes
e recolhidos houve aproveitamento com respostas e em condições de atender à pesquisa 176. Não houve registro
da pesquisa ou qualquer detalhamento técnico, porque serviria exclusivamente a obter dados para este trabalho.
19

Destarte, nas unidades de Polícia Judiciária deságuam, em maior


proporção, fatos que requerem uma solução mais ampla do que a repressão orientada pelo
sistema penal. A solução mais eficaz dos conflitos, com reflexos no índice de criminalidade,
necessita de uma atuação mais complexa que a apuração do fato criminoso e sua autoria e
exige uma investigação técnico-profissional dos motivos do crime e das pessoas nele
envolvidas.
Pode-se aproveitar o fluxo de conflitos que chegam às unidades policiais
para conhecimento, avaliação e aplicação de formas alternativas de solução de conflitos, com
a finalidade, também, de prevenir à criminalidade.

1.2. O Papel Repressivo e Informal das Agências Policiais e o Poder de Polícia da Polícia

Sabe-se que o poder de polícia é inerente ao Estado e que vários órgãos o


exercem. Em linhas gerais, o poder de polícia é definido como sendo a atividade do Estado,
consubstanciada em um conjunto de atribuições conferidas à Administração Pública, com a
finalidade de disciplinar ou restringir direitos e liberdades individuais em favor do interesse
público.
Nilsson (1996, p. 91), citando o Juiz Cooley (Constitutional Limitation,
New York, 1903, p. 829), assevera que:

O poder de polícia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de
regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão
também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e
de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e garantir a
cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível
com o direito dos demais.

Segundo o citado autor (1996, p. 91), “foi Marshall, no caso Brown vs.
Maryland, em 1827, quem empregou a primeira vez a expressão “police power”, a qual voltou
a ser usada dez anos mais tarde, no caso Mayer of New York vs. Miln, tornando-se, depois,
costumeira”.
O Poder da polícia, espécie do gênero poder de polícia, é mais específico,
portanto, mais nítido. Em linhas gerais é definido como o poder de restringir direitos e
20

liberdades individuais para a preservação da ordem pública e na prevenção ou repressão de


crimes. 8
Em relação ao poder da polícia, ensina Moraes (2008, p. 21) que:
Inicialmente, no que tange à sua origem etimológica, registra-se que o termo polícia é
originário do grego “politéia”, passando para o latim “politia”, e representava o conjunto
de leis ou regras impostas ao cidadão (de cidade, ou “civitate”), com o fito de
assegurar a moral, a ordem e a segurança pública”, ou significando ainda a limpeza,
a organização, à civilidade, visando, enfim, a tranqüilidade e a segurança do grupo
social (grifos nossos).

A atividade administrativa é comum a todos os órgãos do Estado. Contudo,


quando se fala em poder da polícia quer significar o órgão (civil ou militar) da Administração
que tem por finalidade garantir a ordem e a tranqüilidade públicas.
O poder da polícia, no entanto, segundo abalizadas críticas, tem sido
desvirtuado e acaba sendo utilizado para a implantação ou manutenção de um regime de
governo.
Muniz (2001, p.1), pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, em entrevista ao
site ComCiência, lembra que ao longo de quase 160 anos da história da polícia no Brasil as
organizações policiais estiveram empenhadas para a proteção do Estado contra a sociedade,
ou seja, desde que criadas elas foram, por força de lei, forçadas a abandonar as funções
estritamente policiais para assumir papel de instrumento de imposição da ordem advinda do
Estado. “O fazer polícia significando defender o Estado contra o cidadão é algo que está
bastante claro na farta documentação histórica, legal e formal existente” (grifos nossos).
Destarte, historicamente as agências policiais foram a longa manus do
Estado e exercem, por isso, um poder exclusivamente repressivo. Se não, vejamos:
No ano 1.000 a.C., no Egito, os “guardas” eram facilmente identificáveis
pelos bastões que carregavam porque possuíam uma bola de metal com o nome do Faraó a
que serviam (MORAES, 1986, p. 97).
No mundo Ibérico os policiais eram tidos como dignitários e suas funções
eram exercidas por cidadãos conhecedores das leis. As funções de polícia e magistratura
concentravam-se na mão de uma só pessoa que estava a serviço do governo (Ibid, p. 99).
No Brasil, a idéia de polícia foi introduzida quando D. João III outorgou a
Martin Afonso de Souza uma carta régia para estabelecer a administração, promover a justiça
e organizar o serviço de ordem pública nas terras que conquistasse na colônia. O primeiro
8
Esta dedução pode ser extraída das atribuições da polícia enunciadas no artigo 144 da Constituição Federal de
1988.
21

governador geral do Brasil tinha a “alçada no crime e no civil”, segundo as Ordenações


Manoelinas, então vigentes em Portugal e nas colônias, e era o encarregado de determinar a
abertura, conduzir e mesmo sentenciar os processos, podendo, inclusive, impor a morte, sem
apelação e nem agravo (Ibid, p. 100).
As estruturas das agências policiais, como visto, foram criadas e mantidas
pelo Poder, de maneira que sua finalidade acabava sendo o cumprimento da vontade da classe
dominante, ou seja, eram orientadas ou manipuladas a cumprir e servir àqueles que detinham
o poder.
Verifica-se, assim, que o nascimento da idéia de polícia prende-se à
repressão para preservação da ordem pública (formal) e do sistema de governo (informal).
No Brasil, a polícia sempre esteve ligada, e ainda está, culturalmente, à
repressão e ao poder político. Essa verdade foi traduzida em fatos por Neder e Cerqueira Filho
(2006, p. 19):

Se colocarmos o foco de nossas lentes para as instituições policiais (policias militares e


policias judiciárias no modelo federativo pactuado por Rui Barbosa no início da
implantação da ordem republicana, por exemplo), podemos observar uma tal permanência
de longa duração na cultura política e jurídica destas instituições. [...] Os momentos
considerados como marcos históricos de ruptura política na história republicana, como a
Revolução de 1930, ou o retorno para o Estado de Direito em 1945, passando pelo
nacional-desenvolvimentismo e mesmo pelo golpe militar de 1964, por exemplo, não
implicaram mudanças institucionais estruturais significativas nestas instituições acima
mencionadas (instituições policiais e judiciais), que diferenciassem radicalmente do
modelo jurídico-institucional de sua reforma no início da República. Nem mesmo os
acalorados debates da Constituinte de 1988, quando as forças do campo democrático
experimentaram um momento de muitas vitórias políticas e ideológicas, foram capazes de
empreender grandes mudanças na estrutura das instituições policiais [...] Saímos de uma
ditadura militar sem uma séria discussão sobre sua reforma e sobre os efeitos políticos e
ideológicos da não-mudança nas políticas de segurança pública.

Embora o direito moderno evolua para a busca de limites para o poder


institucional da polícia, as agências policiais continuam sendo as executoras diretas dos atos
punitivos e ligadas, consequentemente, à repressão e ao poder político.
Portanto, o poder da polícia reside e sempre residiu na repressão. Este
poder funda-se na possibilidade de impor ou recomendar um castigo, o que causa temor. O
medo das pessoas pelas agências policiais, em razão do seu poder, acaba sendo o fundamento
do seu uso pelo Estado para manter um regime de governo, ou seja, o poder e estrutura das
22

agências policiais são usados para manter a ideologia do controle social9. É oportuna a
observação de Batista (2002, p. 168):

[...] as elites que sempre governaram o país usaram-nos historicamente, enquanto


funcionários do Estado, para os serviços mais difíceis, mais brutais e brutalizantes,
inclusive algumas vezes para serviços sujos; usaram-nos e mantiveram-nos bem longe de
qualquer coisa importante; bons para a porta da garagem, porém sem nenhum acesso à
sala de visitas.”

Apesar disto, no Brasil, este poder de polícia da polícia: a repressão, foi


mitigado e encontrou maior recuo nas críticas que passou a sofrer após a nova ordem
constitucional inaugurada em 1988. A fiscalização das agências passou a ser exercida por
diversos órgãos e de múltiplas formas (interna ou externa). A repressão baseada na tortura e à
margem da lei, amplamente difundida durante o militarismo, experimentou acentuada queda
com a edição de leis que proíbem e punem estas práticas10.
Os paradigmas autoritários e desumanos de combate ao crime foram
abolidos pela nova ordem jurídica. As agências policiais foram surpreendidas por uma
legislação mais democrática que exigem uma atuação menos repressiva de seus quadros.
Paralelamente, houve aumento de organizações e associações para o crime e maior acesso de
criminosos a novas tecnologias. Com isto, os policiais se viram despreparados para o
enfrentamento deste fenômeno e passaram a justificar suas existências intensificando o
combate a média e pequena criminalidade que, para o Estado, foi conveniente, pois em
relação ao controle social a polícia continua a desempenhar bem o seu papel político.
Esta atuação policial causou um aumento considerável na população
carcerária que redunda, evidentemente, na crise do sistema penitenciário, que não estava
preparado por não ter políticas públicas destinadas a atender a demanda.
Este modelo altamente repressivo e seletivo teve inspiração norte-
americana, no programa denominado “Tolerância Zero”. A década de 1980 ficou marcada nos
USA pelo “endurecimento” de seu sistema de justiça criminal em relação ao crime. Desde
então, a população prisional dos USA vem aumentando regularmente, tendo crescido de
aproximadamente 500 mil para dois milhões de indivíduos em vinte anos (Blog da Segurança,
2007).

9
Controle que o Estado exerce sobre a sociedade para legitimar a ideologia do governo. Ideologia é considerado
um estilo político que indica e prescreve aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o
que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e
como devem fazer (Lopes, 1997, p. 133-134).
10
Em especial a Lei 9.455/97, sobre a tortura.
23

Moraes (2008, p. 54) chama a atenção para o fato de que:

Os presídios estão lotados de criminosos e o povo continua amedrontado, do lado de fora.


Entretanto, qualquer pessoa medianamente informada estranha que a superlotação
carcerária brasileira, composta de “perigosos bandidos”, apresente mais de 95% de
indivíduos sem instrução e efetivamente pobres, não tendo condições sequer de pagar um
advogado para sua defesa.

Naspolini Sanches (2006, p. 160), citando matéria da revista Veja


intitulada: A Punição Inútil salienta que “de cada dez presos, três cometeram delitos banais,
como roubar tijolos ou uma lata de leite”.
O sistema penitenciário, de notórias rebeliões e famosos criminosos,
dispensa maiores comentários quanto à sua rudeza e às nefastas conseqüências que traz
àqueles que a ele são levados. Dois ditos populares são suficientes para se ter uma idéia do
que representa as prisões: “É escola do crime”. “É o inferno na terra”.11
Desvenda-se o papel, também informal, das agências policiais no atual
Estado Democrático de Direito: a repressão aos pobres.
Acuados, dentro e fora dos presídios, sem assistência nem opção, os
pequenos e os eventuais criminosos encontram na associação e no trabalho organizado uma
forma mais racional de buscarem seus anseios e se tornarem mais fortes com a prática do
crime.
Entende o autor deste trabalho que a atuação apenas repressiva em relação
à pequena e média criminalidade possibilita o recrutamento de seus autores pelo crime
organizado ou a associação a outros criminosos, e isto gera mais criminalidade.
Torquato Avolio (1995, p. 17) capta essa realidade e salienta:

A criminalidade nos grandes centros toma proporções de uma velada guerra civil, em que
se digladiam poderosas organizações criminosas. Entre a apatia da sociedade
(caracterizada por uma generalizada descrença na Justiça e no Parlamento) e a ineficiência
do Estado (agravada pelo descompasso no paralelismo processo-Constituição) instala-se o
que poderíamos denominar de uma “atual crise da Justiça. Que se distingue pela
ineficiência dos mecanismos repressivos, conduzindo a uma vexatória e ameaçadora
impunidade dos infratores, em todos os níveis da sociedade” (grifos nossos).

A crise da segurança, a ineficiência do Estado, a descrença na justiça têm,


em parte, sua origem, segundo entendimento do autor desta pesquisa, na incapacidade do
Poder Público de prevenir, de forma adequada e eficaz, à criminalidade e utilizar de forma
equivocada as agências policiais, empregando-as apenas na repressão.

11
Ditos populares em relação ao que representa os presídios na concepção popular.
24

Em face do que foi dito fica claro, destarte, que as agências policiais
exercem um papel político informal de natureza exclusivamente repressiva, dirigido as
camadas mais pobres da sociedade com o fim de manter o controle social, por isto são tidas
como longa manus do Estado.

1.3. O Papel Social Formal e Informal da Polícia Judiciária

1.3.1. Segurança Pública como Direito Social Formal e Polícia Judiciária

O direito à segurança pública é, portanto, um direito social e,


consequentemente, um direito fundamental.
Os direitos sociais, como direitos fundamentais, podem ser exercidos sob
dois aspectos: o das instituições e o das pessoas. Para as instituições que detêm parcelas de
poder o seu exercício deve ser instrumento de tutela e satisfação de direitos fundamentais.
Portanto, é tarefa das instituições buscarem a harmonia social para permitir o livre
desenvolvimento da pessoa humana. As instituições devem adotar como finalidade a busca da
dignidade humana e a redução das desigualdades sociais, princípios da base da nova ordem
jurídica e norteadores do Estado Democrático de Direito.
A instituição policial, órgão do sistema penal, não pode fugir a essa
responsabilidade e sua atuação deve estar voltada a este ideal, envidando esforços na tarefa de
pacificação social e na busca incessante de soluções para conflitos com o menor custo social
possível (atuação preventiva).
Também o policial, individualmente, terá a mesma responsabilidade de
oferecer segurança pública com qualidade e observando os postulados do Estado Democrático
de Direito. O policial é um cidadão e na cidadania deve encontrar sua razão de ser. É igual a
todos na sociedade, agente de direitos e deveres. Contudo, emblematiza o Estado em seu
contato mais imediato com as pessoas e tem especial permissão para o uso da força, no âmbito
da lei, que lhe confere natural e destacada autoridade para contribuir para a construção social,
havendo em seu agir um fundo pedagógico. Essa dimensão pedagógica, claro, não se
confunde com dimensão demagógica, não o eximindo de sua função técnica principal de
25

intervir nos momentos de crise, atuando com mais eficácia se estiver consciente da
complexidade causal que vai do social ao psicológico (BALESTRERI, 1998, p. 19).
Agências e policiais fornecem e são responsáveis pela qualidade de um
importante direito social, o da segurança pública. “O desiderato dos direitos sociais, como
direitos a prestações, consiste precisamente em realizar e garantir os pressupostos materiais
para uma efetiva fruição das liberdades [...]” (Sarlet, 2007, p. 303). Ao oferecer segurança
com qualidade, atuando preventivamente e dispondo de maneira racional da repressão, a
instituição policial estará cumprindo de maneira adequada sua função social.
A polícia está em posição de garante em relação ao direito social de
segurança pública. Bobbio (1992, p. 25-64) chama a atenção para a problemática das
garantias do direito. Uma coisa é falar de direitos e outra garantir-lhes proteção efetiva. Sobre
isso pondera o referido autor que: “à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas
torna-se cada vez mais difícil. Os direitos socais, como se sabe, são mais difíceis de proteger
do que os direitos de liberdade”.
À efetivação de direitos correspondem garantias para seu exercício. O
direito à segurança é, em parte, garantido pelo Estado por meio das agências policiais. Estas,
para desempenharem bem suas funções, necessitam dividir tarefas e buscar novos
instrumentos de atuação.
O direito à segurança deve merecer, ainda, especial atenção quanto ao seu
custo social. A atuação policial deve ter excelência para que não se produza injustiças.
As “cifras da injustiça”, formada pelo número de inocentes processados
(condenados ou não), são apontadas por Ferrajoli (2006, p. 196-197), para quem “os custos da
injustiça, por seu turno, são, neste diapasão, injustificáveis [...]”. A isto pode se fazer um
paralelo em relação aos custos da ausência de atuação preventiva da Polícia Judiciária.
Se agir de forma preventiva a Polícia Judiciária reduzirá consideravelmente
as cifras da injustiça. Sua atuação será, assim, legítima.
26

1.3.2. Fatos de Natureza Social e o Papel Social Informal da Polícia Judiciária

Outro aspecto importante é a proximidade da Polícia Judiciária com a


população. Pessoas com menos recursos financeiros procuram as Delegacias de Polícia,
inclusive, para consultas simples, orientações das mais variadas ou até mesmo para relatar
suas desventuras. De qualquer forma, a procura é sempre grande porque as pessoas desejam
resguardar direitos, obter informações, buscar auxílio, fazer denúncias ou pedir providências
em relação à segurança pública ou conflitos interpessoais com ou sem natureza criminosa.
Souza (1982, p. 129) salienta que a população em geral tem se valido da
Polícia a fim de encaminhar os problemas que os munícipes mais humildes não têm ou não
sabem a quem apelar. “A porta da Polícia é a mais próxima e a mais fácil”, segundo esse
autor.
Poncioni Mota, em artigo intitulado “A Polícia e os Pobres, Negociação e
Conflitos em Delegacias de Polícia do Rio de Janeiro” (1992, p. 4), retrata bem esta realidade
ao afirmar que:
A constatação da alta freqüência de atendimentos aos chamados "casos sociais" no âmbito
das delegacias de polícia, bem como a incorporação dessas situações de cunho social,
cujas características escapam a uma definição estritamente jurídica, na rotina policial,
através de seu atendimento no âmbito das delegacias nos colocou face a duas questões
fundamentais para reflexão. De um lado, a procura da delegacia reflete a absoluta carência
da população para solucionar seus problemas, seja na área das relações interpessoais e
familiares, ou em termos de recursos institucionais, das organizações de "bem-estar
social" e da justiça. De outro, revela que a polícia busca resolver assuntos que vão além de
sua competência na área do crime, funcionando como uma "instância alternativa de
resolução dos conflitos", para aqueles cujos problemas freqüentemente não são atendidos
em qualquer outra instituição pública.

Vislumbra-se com isso que a Polícia Judiciária também cumpre um papel


social de alta relevância para o regime democrático.
As agências policiais lidam com os setores mais vulneráveis da sociedade
(Nepomoceno, 2004, p. 59). Esta proximidade com a população é um dos fatores que explica
a grande procura pela unidade policial, justificada pela crença desses setores de que a polícia
detém parcelas de poder capazes de dar solução a todos os conflitos surgidos.
Um idoso, v.g., procurou a Delegacia de Polícia para reclamar e solicitar
ajuda comunicando que sua mulher não cumpria seu compromisso conjugal, por isso
acreditava que ela estava “tendo um caso” com o próprio filho, porque o via abraçado com a
mãe. Falava em vingança. Foi atendido e orientado. Encaminhado para vários profissionais,
inclusive psicólogos e médicos, deixou de alimentar suas suspeitas somente depois que
27

passou a freqüentar uma igreja evangélica. Mas, porque procurou primeiramente a Delegacia
de Polícia?12 Certamente por acreditar que teria ali a solução que buscava para o conflito que
vivia.
Apesar de bizarro e insólito o episódio oferece um bom exemplo do que
acontece amiúde nas Delegacias de Polícia e do papel social que a Polícia Judiciária exerce.
Infelizmente há poucas pesquisas e estudos a respeito.

1.3.3. O Boletim de Ocorrência sem Natureza Criminal e Polícia Judiciária

Ao falar em “funções de polícia judiciária” a Constituição Federal de 1988


alargou as atribuições dessa instituição que também e concomitantemente fará a apuração das
infrações penais, exceto as militares (artigo 144, § 4º, da CF).
As atribuições conferidas à Polícia Judiciária pela Constituição Federal de
1988, portanto, não se resumem apenas na apuração das infrações penais e sua autoria. A
repressão ao crime não esgota seu potencial de participação democrática. A Polícia Judiciária
pode e deve atuar na prevenção à criminalidade e mesmo na solução de conflitos cuja
natureza não seja criminal.
Muitos conflitos que chegam às unidades policiais envolvem direitos da
criança e do adolescente, problemas conjugais, relacionados a tratamento de saúde, de solução
na esfera civil, etc., sem reflexos criminais. Os registros de ocorrências para “preservação de
direitos” ou “comunicações de fatos não criminais” têm sido amplamente utilizados pelas
pessoas (cerca de 40%)13.
Estes registros demonstraram ser uma fórmula eficaz de prestar
atendimento àqueles que procuram as unidades policiais e comunicam fatos que não tem
natureza criminal. Destarte, é possível deduzir que a Polícia Judiciária participa ativamente da
vida comunitária contribuindo para a solução dos mais variados conflitos entre pessoas.
Cada vez mais as pessoas procuram as Delegacias de Polícia, não para
comunicarem um fato criminoso, mas para solicitarem o registro de uma informação, que

12
Fato registrado no setor de serviço social da Delegacia de Polícia de Castilho e consta dos arquivos. O
interessado e toda sua família foram atendidos pela Autoridade Policial que os encaminhou para o setor de
serviço social. Foram devidamente orientados e todas as providências tomadas para que se evitasse qualquer
conduta criminosa daquele homem.
13
Dados obtidos nas delegacias de polícia da região de Andradina, estado de São Paulo (Fonte: Delegacia
Seccional de Polícia de Andradina).
28

precisam materializar, para posteriormente buscarem seus direitos na esfera cível,


administrativa ou qualquer outra.
As informações são escritas no Boletim de Ocorrência que, nestes casos,
perde sua originalidade para se transformar numa declaração pública unilateral sobre um fato.
O Boletim de Ocorrência é um documento originado nos órgãos da Polícia
Judiciária, não previsto na legislação processual penal, criado por normas administrativas14,
que tem a finalidade de registrar a notícia do crime, ou seja, fatos que devam ser apurados
através do exercício da atividade de Polícia Judiciária, portanto, originariamente de cunho
repressivo.
O Boletim de Ocorrência, segundo Moraes (1986, p. 6) “não se assemelha
ao “rapporto” italiano, nem ao “crime report” norte-americano. É um jeito brasileiro de
registrar a notícia de uma infração penal ou um fato de interesse para a segurança pública”.
Além dessa função principal, vem sendo cada vez mais utilizado como
declaração pública com fins de preservação de direitos, tanto que leva este título: Boletim de
Ocorrência de Preservação de Direitos.
Sua força cognitiva, como documento público, elaborado por órgão
público, encontra-se na maior probabilidade de serem verdadeiras as alegações nele inseridas
porque o interessado foi capaz de se dirigir a uma unidade policial onde foi orientada sobre as
conseqüências da falsidade de seu relato.
De outro lado existe a facilidade de sua obtenção já que é gratuito, de
acesso irrestrito e feito a qualquer hora do dia ou da noite. Para o mesmo resultado a pessoa
teria que se dirigir a um cartório, que, diversamente da unidade policial, nem sempre está de
portas abertas, e formalizar uma declaração pública, que é onerosa.
Este documento vem instruindo muitas ações cíveis e tem natureza
cautelar, pois visa preservar um direito material violado e se constitui como meio de prova.
Tem caráter de urgência e é provisório. Mesmo sendo feito no âmbito policial, eventualmente
é usado em processo judicial.
Não se busca a tutela jurisdicional e com ela não se confunde, mas é um
documento apto a eventualmente obtê-la. Não é rara a solução do conflito apenas com a

14
Decreto Estadual nº. 25.410, de 30 de janeiro de 1956, estado de São Paulo. Art. 7º. – As ocorrências de que
tomem conhecimento as Autoridades Policiais serão objeto de boletim, em fórmula impressa, a ser preenchido
em três vias, destinando-se a 1ª. ao início do processo, inquérito ou outra providência; a 2ª. será enviada, dentro
de 24 horas, à 6ª. Divisão Policial, e a 3ª. destina-se ao arquivo. Parágrafo único: O boletim, cujo modelo será
fixado por ato do Secretário da Segurança, substituirá a atual folha de informações.
29

elaboração do referido documento. É o que acontece, v.g., com empresas como a Telefônica,
dentre outras, que retira débitos contestados após o mencionado registro.
Os próprios advogados e mesmo entidades de defesa do consumidor, como
o PROCON, dentre outros, instruem as pessoas a promoverem, antes de qualquer medida
judicial ou administrativa, o registro do Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos,
como garantia da obtenção de um documento que comprove a violação do direito material a
que se busca preservar. Verifica-se aí sua urgência e meio acautelatório de formação de prova
através de documento público.
A Autoridade Policial, destarte, determina o registro do Boletim de
Ocorrência de Preservação de Direitos, formalizando um meio de prova que contém a
indicação do direito material violado, para, inclusive, instruir processos judiciais ou
administrativos.
Por ser medida cautelar de atribuição da Autoridade Policial, não pode ser
dispensado o registro deste tipo de Boletim de Ocorrência com o argumento de que não é
assunto de interesse da segurança pública ou porque não tem natureza criminal.
O referido registro se constituiu num direito subjetivo do interessado em
construir um meio de prova célere para a defesa de direitos que foram violados. Assim sendo,
é medida cautelar adotada pela Autoridade Policial, a pedido do interessado, com as
características de urgência (perigo da demora) e indicação do direito que foi violado (fumaça
do bom direito).
Além disto, o registro pode ser utilizado como medida de prevenção à
criminalidade. Alguns fatos poderão não terem, inicialmente, natureza criminal, mas se não
forem tomadas medidas preventivas poderá evoluir para a prática de um crime.
Vale ressaltar que o Boletim de Ocorrência, criado, por legislação
administrativa, no estado de São Paulo, hoje é adotado em todos os estados da federação e faz
parte do texto da Lei Federal 5.970, de 11 de dezembro de 197315.
Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei 9.099/95, foi criado o
Boletim de Ocorrência Circunstanciado e/ou Termo Circunstanciado de Ocorrência Policial
(TC), para registro de infrações penais de menor potencial ofensivo.

15
Art. 1º. – Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do
fato poderá autorizar, independentemente, do exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham
sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o
tráfego. Parágrafo único – Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim de
ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias
necessárias ao esclarecimento da verdade.
30

O registro de Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos se passa


unicamente na esfera de atribuição da Polícia Judiciária. Portanto, não se trata de tutela
cautelar, própria da jurisdição. É uma medida administrativa cautelar, tomada no âmbito
policial, que tem finalidade jurídica. Em razão de sua aceitação e grande utilização tornou-se
um instrumento legítimo e hábil e contribui para maior segurança da prestação jurisdicional e
prevenção da criminalidade.
Por tudo isto, o Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos é
instrumento democrático de acesso à justiça que está contribuindo para uma ordem jurídica
mais justa.
Isso demonstra que a Autoridade Policial tem acesso às mais variadas
informações da vida da comunidade e pode direcionar sua atuação também para a prevenção
de crimes.
Muitos registros expõem um conflito que pode se agravar e levar os
envolvidos à prática de crimes. Nestes casos as pessoas seriam encaminhadas para o plantão
social com o objetivo de serem orientadas ou, eventualmente, realizar a conciliação.

1.4. O Papel da Polícia Judiciária no Regime Democrático

O poder de polícia da polícia deve voltar-se também para uma atuação


preventiva. No lugar do temor se coloca a solidariedade.
Este poder da polícia se legitimaria porque a cultura repressiva e do medo
deixaria de existir isoladamente. Os policiais ampliariam seus conhecimentos para (atuando
no início do processo de criminalização) encontrarem técnicas que os possibilitem diferenciar
onde a repressão é realmente necessária e onde será mais adequada a atuação preventiva.
A idéia é que a atuação preventiva da Polícia Judiciária contribua para
impedir que pequenos criminosos, ou criminosos eventuais, ou ainda comportamentos
desviados em razão de conflitos de cunho social, integrem grupos ou organizações criminosas
ou reincidam nas condutas desviadas.
Se o combate à criminalidade é atribuição das agências policiais será
necessário que estas atuem também preventivamente para obterem resultados mais eficazes.
31

Assim haveria a mitigação do papel repressivo e político da polícia para assumir outro, mais
democrático e com finalidades preventivas.
O método preventivo que o autor propõe ao final deste trabalho tem a
vantagem de pesquisar os motivos do fato concreto e as pessoas nele envolvidas para que se
adotem medidas mais eficazes destinadas a incentivar comportamentos socialmente
adequados e diminuir a possibilidade da reincidência.
O aumento da criminalidade combatida unicamente pela repressão, por si
só, indica que este método não está sendo totalmente eficaz.
Embora a legislação, em relação à atuação policial, tenha buscado o maior
controle das agências e a limitação de seu poder, contraditoriamente, o Estado preferiu
políticas privilegiadoras da norma penal incriminadora mais severa, a policialização das
políticas públicas de segurança com a estratégia repressivo-ostensiva para lidar com a
criminalidade e conter o seu aumento (TANGERINO, 2007, p. 1).
Em relação aos fatos criminosos, em particular os de maior repercussão,
houve sempre a preferência governamental por novas leis penais que aumentavam o rigor
repressivo. De resto isto também colabora para nutrir a cultura repressiva dos policiais uma
vez que deles será sempre exigida mais repressão à criminalidade.
Uma contradição pode ser detectada neste contexto. Apesar do aumento da
repressão com a proliferação de novas leis que aumentam as penas ou criam novas infrações
penais, Franciulli Neto (2004, p. A3) chama a atenção para o aumento preocupante, no Brasil,
de assassinatos, trabalho escravo, tráfico de mulheres, menores para a prostituição, de drogas
e chacinas, dentre tantos outros comportamentos desviantes. É um sinal de que o sistema
penal da repressão não tem sido totalmente eficaz.
Parece paradoxal, mas a legislação da nova ordem constitucional, ao
mesmo tempo em que exige uma atitude mais democrática do policial no exercício de suas
funções, desenvolveu-se tão somente para aumentar a repressão aos crimes em geral ou criar
novos crimes, sem confiar a eles qualquer função preventiva. Foi assim que se viu o porte de
arma sair de contravenção penal para crime punido com reclusão sem direito à fiança; à
edição de inúmeras leis repressivas como a dos crimes hediondos (1990), improbidade
administrativa (1992), proteção ao meio ambiente (1998), crime organizado (2001), etc., além
de outras que trouxeram modernas formas de investigação criminal (infiltração de agentes,
escuta telefônica etc.). Nenhuma destinada a atuação policial preventiva.
32

Por isso Moraes (2008, p. 11) desabafa:

Há, infelizmente, sociólogos, professores e até juristas que ainda confundem, talvez por
falha universitária ou outro vício desconhecido, a simples diferença entre os termos
ostensivo e preventivo, e depois reclamam da violência e dos crimes não evitados, como
bem prova o texto da Constituição Federal, no artigo 144, em que os nobres constituintes
de 1988, embora assessorados por estudiosos, não fizeram inserir o substantivo prevenção,
o adjetivo preventivo, nem o verbo prevenir – palavras sem as quais não se pode falar em
segurança pública -, como incumbência das polícias dos Estados.

Uma polícia que atua apenas repressivamente está distante da comunidade


e causa medo. Em consulta à população entre os dias 3 e 4 de abril de 1997, o Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) concluiu que cerca de 70% dos brasileiros
não confiam "nem um pouco" na polícia. A maioria acha que a qualidade dos serviços da
polícia piorou ultimamente e 92% disseram ter medo que policiais possam fazer mal a algum
de seus parentes (NUNES, 2008, p. 1).
As pessoas desejam que a polícia cumpra a lei, mas não se dão conta de
que as leis estão cada vez mais repressivas e que a conduta da polícia reflete a vontade da lei,
que nada mais é do que a vontade do Estado e de seus representantes. Esse é um exemplo de
significado negativo de ideologia (Lopes, 1997, p. 133), ou seja, de como as pessoas pensam
como o Estado deseja que elas pensem.
Nosso sistema penal é altamente repressivo. Não permite v.g.,
discricionariedade da Autoridade Policial para a prisão em flagrante, que deve ocorrer sempre
que estiverem presentes seus pressupostos (estado de flagrância, tipicidade e presença de
condições de procedibilidade)16, exceto para as hipóteses de crimes denominados de menor
potencial ofensivo, quando o compromisso de comparecer a uma audiência no Juizado
Especial Criminal17, assumido pelo seu autor, evita a prisão.
No entanto, o conceito de menor potencial ofensivo, infelizmente, ficou
adstrito, em nossa legislação, a um único critério objetivo, o da pena em abstrato.

16
Artigos 301 e seguintes do Código de Processo Penal.
17
Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo
para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2
anos, cumuladas ou não com multa. Art. 69...Parágrafo único: Ao autor do fato que, após a lavratura do termo,
for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá
prisão em flagrante nem se exigirá fiança...
33

Acredita o autor deste trabalho que, a exemplo da legislação italiana18, o


legislador pátrio poderia ter ido além, tornando facultativa a prisão em flagrante pela
Autoridade Policial, obrigando-a a motivação e argumentação no caso de decretá-la.
E isto seria importante em face da prevenção. É que a prisão em flagrante,
para fatos de média gravidade, só existiria se justificada pela sua extrema necessidade,
evitando-se o contato do criminoso eventual com aqueles que poderiam corrompê-lo. Mas,
acima de tudo, permitiria uma intervenção comunitária, a partir deste fato, no sentido de evitar
que houvesse reincidência.
Se considerarmos a grande criminalidade aquela que tem forma de atuação
organizada, de colarinho branco (criminalidade dourada), em associações que obtém altos
rendimentos ou a que tem grande poder de lesividade (homicídios, roubos, seqüestros, etc.),
inclusive coletivo (como nos casos de crimes contra o meio ambiente) e, a pequena
criminalidade a que é considerada de menor potencial ofensivo, o restante é de média
criminalidade.
Para uma atuação preventiva em face da pequena e média criminalidade,
obviamente não podemos considerar tão somente a conduta descrita pela lei (tipo) e a
quantidade de pena abstratamente prevista no preceito secundário (sanctio juris). Outras
circunstâncias, como os motivos do crime e a personalidade das pessoas envolvidas devem ser
considerados. A Autoridade Policial, por ter contato direto com a comunidade e conhecimento
das ocorrências de interesse para a segurança pública, teria totais condições de fazer a análise
destas circunstâncias motivadamente.
Sobre isto Thompson (1998, pg. 8) assevera que:
“à polícia não deve estar reservado, com exclusividade, o papel de reprimir e perseguir,
prender e processar, mas cabe-lhe, também, agir visando ao bem social, abrindo mão de
seus poderes duros sempre que for possível restabelecer a ordem perturbada
independentemente do uso daqueles poderes. Em vez de se deixar amarrar pela camisa-de-
força dos preceitos legais e regulamentares, que lhe ordenam formalizar um procedimento
criminal contra o autor de um delito, desde que este, de alguma forma, lhe chegue ao
conhecimento, melhor fará se suavizar a interpretação de tais comandos pelo emprego do
bom senso, da exegese teleológica, pelo uso de uma visão mais abrangente de seu papel,
de modo a resolver os conflitos que lhe batem à porta com o menor sacrifício possível dos
jurisdicionados. Mostra-se viável, em inúmeros casos, compor os interesses do criminoso
e da vítima por meio de um trabalho de persuasão, de apelo à mútua compreensão, de
desarmamento dos espíritos; por que desprezar essa via para obedecer cegamente ao texto
frio das leis, registrando o fato, expondo o agente ativo aos riscos de um processo criminal
e cortando, praticamente, a possibilidade de o sujeito passivo ter seu prejuízo indenizado?

18
A prisão em flagrante é tida como facultativa pelo artigo 381 do Código de Processo Penal italiano para os
delitos puníveis com reclusão superior no máximo a 3 anos se o crime é doloso. Se o crime for culposo a prisão
em flagrante será facultativa quando a pena máxima cominada ao crime não for superior a 5 anos. Na Itália é
também a Autoridade Policial a responsável pela prisão em flagrante (art. 380 do Código de Processo Penal). A
prisão em flagrante é obrigatória para a Autoridade Policial somente quando o crime tiver pena mínima de 5
anos ou mais.
34

A atuação policial, para ser legitima, deve ter orientação repressiva ou


preventiva, conforme as circunstâncias do fato concreto.
A Polícia Judiciária deve adotar formas menos traumáticas de interagir
com a comunidade e fazer prevalecer o conceito de proteção sobre o de repressão quando for
o caso. “Na visão tradicional, em que os destinatários dos serviços policiais são, além dos
criminosos de fato, os suspeitos incertos, a ação repressiva acaba sendo exercitada na base de
estereótipos” (SILVA, 2008, p. 301).
Bayley (apud SILVA, 2008, p. 301) faz uma análise do papel da polícia
contemporânea, estudando comparativamente as polícias japonesa e norte-americana (esta
muito semelhante a nossa). A observação é de que:

Os policiais japoneses não são meramente agentes do cumprimento da lei; são mestres na
virtude da lei. À polícia japonesa atribui-se um mandado moral, baseado no
reconhecimento de sua importância na formação da sociedade organizada; os policiais
americanos têm recebido instruções legais e a recomendação de não se desviarem da lei.

A polícia no Brasil, como visto, é alvo de muitas críticas. Não será porque
atua apenas repressivamente?
A “violência institucional ocorre quando o agente é um órgão do Estado,
um governo, o exército ou a polícia” (Baratta, 2002, pg. 48) e pode ser exercida dentro da
legalidade ou fora dela. Não se constituirá em violência institucional o uso da repressão pela
Polícia Judiciária, principalmente pela constrição da liberdade, quando o meio mais
apropriado seria o preventivo?
Sobre a solução de conflitos pelo meio repressivo, escreve Baratta (apud
NASPOLINI SANCHES, 2006, p. 3):

O sistema penal gera muito mais conflitos do que aqueles que pretende resolver. Na
verdade o sistema punitivo não resolve os conflitos existentes na sociedade, ele os
reprime. Dessa forma, muitas vezes os conflitos alcançam uma dimensão mais grave do
que se fossem resolvidos pelos envolvidos na situação, no momento de seu
surgimento. Por outro lado, o custo social da intervenção penal produz novos conflitos,
muitas vezes piores do que os que se reprimiu. (grifo nosso).

É oportuno neste momento dizer que a Polícia Judiciária deve desempenhar


um papel mais democrático, voltado também à prevenção da criminalidade e a observação dos
princípios que norteiam o moderno regime democrático de direito.
A atuação das agências policiais deve ser diferente em relação à gravidade
do crime. Devem atuar também preventivamente quando as circunstâncias permitirem.
35

Entende o autor deste estudo que a repressão deve ser dirigida à grande
criminalidade, incluindo os crimes financeiros, econômicos e organizados. Aos pequenos
delitos e aos comportamentos desviados será mais eficaz a atuação preventiva.
A atuação preventiva terá reflexos diretos no combate a grande
criminalidade. Se não, vejamos:
Os grupos criminosos, organizados ou não, só podem agir se contarem com
uma rede de colaboradores que estão filiados à mesma ideologia e facilmente manobráveis. O
recrutamento é feito entre os que praticaram crimes de pequena e média gravidade e que não
encontram assistência para uma opção diferente desta que lhes é oferecida por esses grupos.
São facilmente manobráveis porque não tiveram acesso à educação, à cultura e às
informações necessárias para enxergarem criticamente sua situação.
O exemplo mais comum são os viciados em drogas que praticam pequenos
crimes para sustentarem seu vício e são logo chamados a servir os grupos criminosos onde
encontrarão farta oferta da substância da qual dependem. Pela condição de dependência
também são facilmente influenciados e articulados para servir aos interesses do grupo.
As organizações ou grupos de criminosos sofrerão forte impacto em suas
estruturas se não tiverem acesso àqueles que cometeram pequenos delitos. A prevenção
evitaria que houvesse referido acesso.
A atuação preventiva se daria em relação à pequena e, eventualmente, a
média criminalidade e consistiria em pesquisar as causas do crime e a personalidade dos
envolvidos para que medidas adequadas fossem tomadas e evitar que ocorresse a reincidência
ou ainda, para que os envolvidos superassem os problemas que os levaram àquela situação.
Crê o autor desta pesquisa que atuando em conformidade com os princípios
constitucionais e de forma preventiva a Polícia Judiciária conciliaria sua função social de
proporcionar segurança e não atuaria seletivamente para manter os estratos sociais,
contribuindo para a redução das desigualdades e exercendo um papel mais democrático.

1.5. Construindo um Papel Preventivo para a Polícia Judiciária

Vimos que a formação cultural dos policiais e a forma de atuação escolhida


pelo sistema penal são predominantemente repressivas. É fato notório que este modelo não
tem sido eficaz ou capaz de dar resposta aos emergentes desafios da segurança pública.
36

O momento que vivenciamos, de rápidas transformações, exige grandes


mudanças, dentre as quais, na área de segurança pública, a modernização e atualização de
conduta e do comportamento da atividade policial. O momento exige criatividade e
originalidade na busca de soluções para dinamizar o trabalho policial e torná-lo mais efetivo,
racional e legítimo, em face do Estado Democrático de Direito.
É necessário criar condições de ampla liberdade e de participação
democrática no campo da Polícia Judiciária.
A função policial, diante da nova ordem constitucional, não pode mais
cingir-se à apuração da infração penal e sua autoria, como constam dos manuais de processo
penal. A Polícia Judiciária deve esforçar-se e seus integrantes se conscientizarem de que sua
missão alargou-se e nesse momento consiste também na proteção aos direitos e garantias
fundamentais, na participação e luta por uma existência digna, na busca por melhores
condições da qualidade e do padrão de vida e bem-estar social (princípios da dignidade
humana e redução das desigualdades), uma militância ativa para preservar os fundamentos do
Estado Democrático de Direito com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, do
pluralismo político e do poder popular exercido por meio de representação e em relevantes
temas da atualidade como a proteção ao meio ambiente, dentre outros.
A atitude dos novos policiais deve ser ativa e dentro de um processo de
educação permanente. Devem estudar, pesquisar, questionar, produzir grupos de trabalho,
seminários, encontros, congressos de caráter local, municipal e estadual, regional e nacional,
para debater seus problemas específicos, incluindo os de legislação e jurídicos. Devem ainda
dialogar, discutir, e apresentar soluções em anteprojetos, projetos de leis e suas justificativas,
postulando junto às autoridades dos diversos poderes, contra as injustiças de toda ordem
(econômica, social e política) fazendo parte da evolução histórica e do processo sócio-cultural
onde está inserido, já que é o responsável por uma fração do processo de desenvolvimento.
A atuação do policial, além de repressora, deve ser participativa, educativa
e preventiva. Os novos policiais devem acautelar-se para não sofrerem a influência de um
sistema sócio-cultural que apela unicamente para a repressão. Só assim os policiais formarão
a vontade da instituição e as agências trabalharão no sentido de evitarem o sofrimento popular
que pode resultar em levantes, atos de violência inusitada, insurreições, rebeliões, revoluções,
recrudescimento dos atos anti-sociais, ascensão e agravamento da criminalidade, do crime
organizado, da violência extrema e da subversão da ordem social com ameaça aos direitos e
garantias fundamentais.
37

A consciência policial precisa estar voltada à realidade brasileira. Milhões


de concidadãos não têm ainda acesso a esgoto; não sabe o que é água tratada e encanada em
sua casa. A precariedade do sistema de saneamento básico agrava o sistema de saúde e é
responsável pela maioria das doenças e das internações hospitalares infantis, em um sistema
de saúde pública altamente deficitária. Enquanto isto a sonegação de impostos, em especial
pelas grandes empresas, ainda é muito alta e a corrupção e atuação de grupos organizados
para fraudar o erário público surpreende cada vez mais (Pereira, et al, 1996, p. 102).
Neste contexto é possível visualizar que a micro e macro criminalidade esta
composta, em suma, pelo tráfico internacional de mulheres, crianças, órgãos humanos, armas
letais e drogas, crimes de colarinho branco, contrabando, chacinas e o crime organizado ou
estruturado, fazendo com que o elenco dos crimes comuns do catálogo do Código Penal tenha
outra dimensão.
De outro lado, a micro criminalidade é formada principalmente por
comportamentos desviados, sobre os quais incidem os estereótipos que têm por finalidade a
produção e reprodução das desigualdades sociais e a manutenção da escala vertical da
sociedade.
Por tudo isto deve crescer o interesse policial sobre os motivos e causas
secundárias do fato criminoso e do comportamento das pessoas nele envolvidas.
Para cumprir sua missão de proporcionar segurança pública com eficiência,
a Polícia Judiciária deve direcionar sua atuação para a observância dos princípios
constitucionais e para a prevenção à criminalidade.
Neder e Cerqueira Filho (2006, p. 85), citando a participação de Edgard
Costa nas “Conferências Judiciário-Policiais”, de 1917, demonstram, naquela época, a
preocupação com a prevenção e com as primeiras experiências no crime quando relatam sobre
a infância abandonada. “Os argumentos morais sobre a validade da educação e sua influência
no comportamento social de futuros cidadãos foram destacados no diagnóstico apresentado
pelo autor da tese”. Houve sugestão da criação de um órgão protetor da infância, “que não
encarnaria a lei inflexível, punindo e castigando exclusivamente” (grifo nosso).
Devemos chamar a atenção, também, para o debate sobre a desestatização
dos serviços públicos e da crise do Estado, bem como o processo de globalização da
economia na virada do século/milênio. A eficácia dos serviços prestados ao público no Brasil
repõe algumas temáticas relacionadas à pobreza e à exclusão social que explodem com o
momento de potencialidade do crescimento e desenvolvimento.
38

Neder e Cerqueira Filho (2006, p. 92), arrematam o tema escrevendo:

A despeito da pertinência da demanda por maiores investimentos nos serviços públicos


básicos (Educação, Saúde e Segurança), e da possibilidade de discordância política na
eleição das prioridades definidas pelo governo, devemos ser capazes, neste momento, de
identificar problemas estruturais na condução das políticas públicas. Em que medida os
profissionais que prestam serviço ao público estão preparados para atendê-lo, do ponto de
vista técnico e do ponto de vista cultural e existencial?

Construir a cultura preventiva não será tarefa fácil porque não se trata de
edificar em terreno vazio, mas onde há uma construção repressiva que precisa ser reformada.
Além da cultura preventiva, necessário será uma conscientização para desenvolver modelos
de atuação policial comunitária junto a profissionais que geralmente são hostis a estas idéias.
Além da repressão, há formas mais democráticas de atuação policial
dirigidas a enfrentar a pequena, média criminalidade e comportamentos desviados com
participação da comunidade e que vem sendo desenvolvidas e defendidas mundo afora, como
veremos mais à frente.
Não se pode, e nunca ninguém ousou afirmar que a repressão não é
necessária ou que tem mais valor que a prevenção, ou vice-versa. O que se constatou, com a
evolução do pensamento, é que isoladamente uma e outra não são totalmente eficazes para
enfrentar um dos mais dramáticos problemas da humanidade, a criminalidade.
Repressão e prevenção devem coexistir e são os instrumentos postos à
disposição do sistema penal para realizar o desiderato de fornecer segurança pública.
A observação histórica, entretanto, demonstra um recuo sempre crescente
na forma repressiva, pelas conseqüências que gera. A experiência aconselha que sua aplicação
deva ser restrita aos casos necessários, extremos ou justificáveis.
A prevenção, realizada nas mais diversas modalidades, vem sendo objeto
do interesse cada vez maior da sociedade e tem mostrado resultados alentadores,
principalmente porque investiga as causas do fenômeno da conduta desviada e procura
interagi-las com diversos outros fenômenos que formam a personalidade humana, como o
social, cultural, etc. Talvez por isso sua eficácia e legitimidade alcancem maior sucesso.
A maior importância da prevenção, na visão do autor deste trabalho,
decorre da sua maior capacidade de impedir a exclusão social, a seletividade policial, a
criação de estereótipos e realizar os objetivos do Estado Democrático de Direito, ampliando
consideravelmente a cidadania.
39

Por todas estas razões a predileção deste estudo é pela proposta de uma
atuação preventiva especializada, com fins práticos e científicos, realizada pela Polícia
Judiciária em parceria com a comunidade.

1.5.1. O Papel Preventivo da Polícia Judiciária e alguns princípios Constitucionais do


Estado Democrático de Direito

A atuação da Autoridade Policial, dirigente da Polícia Judiciária, terá


grande importância para a construção do papel preventivo aqui proposto, pois deverá alicerçar
suas decisões em princípios constitucionais para não autuar em flagrante delito, em face das
circunstâncias, autores de crimes de pouca repercussão para fazer o aconselhamento em
crimes de menor potencial ofensivo, ou dar solução a conflitos cuja natureza não seja
criminal. As pessoas envolvidas serão encaminhadas para o plantão social para as
providências preventivas que o caso requerer.
A Autoridade Policial, no exercício de suas funções, observa todos os
princípios constitucionais correlatos à sua atividade, entretanto, encontra dificuldade quando a
alguns deles recorre à forma preventiva: na medida equiparada à antecipação da tutela de
liberdade provisória quando da prisão em flagrante delito e na conciliação prévia nas
infrações de menor potencial ofensivo, que serão detalhadamente explicadas em tópicos
separados. Isto porque a Autoridade Policial é de certa forma, impedida pelo sistema penal de
considerar, como fundamento de suas decisões, alguns princípios constitucionais no exercício
de suas funções, seja pela cultura positivista classista, seja para manter os papeis políticos
informais que desempenha a Polícia Judiciária, como visto anteriormente.
O princípio pode representar o núcleo irradiador do sistema, como o sol no
sistema solar para os demais planetas. O princípio lança luzes para o interprete analisar o caso
concreto em face da norma jurídica. Sendo mandamento nuclear de todo o sistema a
interpretação não pode se afastar do princípio (NEPOMOCENO, 2004, p. 108).
Serão os princípios, de forma geral, que tornarão possível uma atuação
mais ousada e preventiva da Polícia Judiciária.
Reale (1980, p. 299) frisa que princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem
evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de
caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e
da práxis.
40

Bonavides (2001, p. 229) define princípios “como verdades objetivas, nem


sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas,
dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.
Para Bandeira de Melo (2000, p. 68), princípio é:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental


que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do


Brasil, Estado Democrático de Direito (artigo 1º., da Constituição Federal de 1988), cujos
objetivos fundamentais, dentre outros, são o de erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais (inciso III, do artigo 3º., da Constituição Federal de 1988).
A dignidade da pessoa humana e a redução da marginalização são
princípios basilares que permeiam todo o sistema jurídico.
Na atividade policial esses princípios devem ser observados, em especial
em dois dos principais atos praticados pela Autoridade Policial no exercício de suas funções:
a manutenção da prisão em flagrante delito e na mediação de conflitos, abaixo analisados,
para o desenvolvimento de um programa preventivo à criminalidade.

1.5.1.1. A Medida Preventiva Equiparada a Antecipação da Tutela da Liberdade


Provisória Tomada pela Autoridade Policial na Prisão em Flagrante Delito

A prisão em flagrante delito, cuja decisão é atribuição exclusiva da


Autoridade Policial, é a medida mais drástica em face da liberdade de uma pessoa. É medida,
muitas vezes, excessivamente repressiva.
Defendeu o autor deste trabalho, em artigo intitulado: O Estado
Democrático de Direito, a Autoridade Policial e a Prisão em Flagrante Delito (2007, p. 197),
que a Autoridade Policial deve ter à sua disposição, quando da decisão sobre a prisão em
flagrante delito, instrumentos legais que permitam uma medida equiparada à antecipação de
tutela da liberdade provisória para que faça valer princípios constitucionais como o da
dignidade humana.
41

A mais importante medida constritiva tomada pela Autoridade Policial é a


confirmação da prisão em flagrante delito realizada por alguém do povo ou por seus agentes.
A Autoridade Policial está obrigada a lavrar o auto de prisão em flagrante e
confirmar a prisão nos casos em que foram preenchidos os requisitos processuais legais.
Ocorre, contudo, que em muitas situações, embora preenchidos esses requisitos processuais
legais haja violação de princípios constitucionais e, na práxis judiciária, somente o juiz poderá
reconhecê-las e, consequentemente, colocar em liberdade o preso. Neste caso, entretanto, a
decisão judicial será tardia já que a pessoa terá permanecido por algum tempo presa e em
contato com os malefícios da prisão.
A decisão de soltura do preso em flagrante, no caso da medida ser contrária
aos princípios constitucionais vigentes, poderá ser tomada pela Autoridade Policial que estará
acautelando o direito de liberdade provisória.
A prisão em flagrante delito é espécie de prisão cautelar.
Marques (2001, p. 223), salienta que a prisão cautelar:

Tem por objeto a garantia imediata da tutela de um bem jurídico para evitar as
conseqüências do periculum in mora. Prende-se para garantir a execução ulterior da pena,
o cumprimento de futura sentença condenatória e assenta-se ela num juízo de
probabilidade; se houver probabilidade de condenação, a providência cautelar é decretada.

Muccio, (apud TORNAGHI, 2007, p. 93), também sustenta que “a prisão


provisória é cautelar, funda-se na necessidade de chegar a uma solução correta e é justa desde
que o bem comum a exija”.
A prisão em flagrante delito é prisão provisória. É o único caso de prisão
administrativa existente em nosso ordenamento jurídico, exceto as previstas
constitucionalmente (transgressão e crime propriamente militares, definidos em lei).
Apesar de administrativa, a decisão pela prisão, na autuação em flagrante
delito, é um ato que se aproxima do judicial, porquanto somente ao juiz é possibilitada a
decretação da medida extrema e sempre pautada no sistema de garantias constitucionais.
Não há na doutrina jurídico-penal, entendimento uniforme sobre o
fundamento da prisão em flagrante delito.
Temor de fuga do culpado, garantia de que o preso não sofrerá represálias,
providência que evita sucessivas desordens, medida de defesa social, de satisfação da opinião
pública, providência acautelatória da prova da materialidade do fato e respectiva autoria etc,
são fundamentos desta prisão cautelar apontados pelos cultores do direito penal.
42

Muccio (2003, p. 99-100), citando-os, contesta a todos, apesar de


reconhecer que possuem alguma sustentação. Afirma que a possibilidade da fiança e da
liberdade provisória afasta qualquer desses argumentos como fundamento para a prisão em
flagrante. Para ele:

O fundamento da prisão em flagrante se assenta, ao mesmo tempo: na necessidade de se


conferir ao Estado um poderoso instrumento de força para fazer respeitado o império da
lei – o Direito Penal objetivo – impondo ao transgressor, de imediato, séria conseqüência
pela prática da infração penal; - na prevenção: o Estado, prendendo imediatamente aquele
que se vê surpreendido na prática do crime, se faz presente, forte, atuante, dá mostras de
que não tolera a audácia, a desfaçatez, e com isso desencoraja a que outros incidam na
prática do crime.

A conseqüência do crime é séria quando a ofensa ao bem jurídico violado é


grave ou porque existe maior probabilidade de que o crime não tenha sido praticado com
excludentes de antijuridicidade.
Constata-se que a prisão em flagrante delito é medida repressiva.
Cabe à Autoridade Policial a demonstração motivada da sua convicção
jurídica para reconhecimento da necessidade desta medida e não se pode negar que a
determinação da prisão em flagrante é ato decisório, excepcional e que gera limitação ao
direito de liberdade.
A decisão sobre a prisão em flagrante deve ser criteriosa já que suas
conseqüências não podem ser revertidas. É medida satisfativa e só pode ser efetivada quando
houver maior probabilidade possível de que será necessária e justa.
O tempo transcorrido entre a prisão e sua análise de legalidade e
regularidade pelo Poder Judiciário (tutela da liberdade) poderá causar prejuízos irreparáveis
para a pessoa humana.
Necessário, como ilação lógica, que a Autoridade Policial, diante das
circunstâncias objetivas sob análise, antecipe a tutela da liberdade provisória para evitar as
conseqüências funestas da prisão e garantir a dignidade humana.
Zaffaroni e Pierangeli (2001, p. 70), criticando nosso sistema penal,
assinalam que dele fazem parte “os procedimentos contravencionais de controle de setores
marginalizados da população, as faculdades sancionatórias policiais arbitrárias e as penas sem
processo.” Mais adiante (2001, p. 71), afirmam que “a centralização do poder punitivo nas
mãos dos órgãos executivos é fato comprovado amplamente, com o que se desequilibra
seriamente a tripartição dos poderes do Estado Democrático.”.
43

Nesse sentido, a prisão em flagrante origina-se de ato administrativo, é


exemplo de medida sancionatória sem processo e pode ser encarada como faculdade
sancionatória policial arbitrária se não revestida do necessário bom senso advindo de uma
interpretação principiológica e constitucional por parte da Autoridade Policial.
Vislumbra-se a necessidade de um instrumento jurídico que permita à
polícia agir também preventivamente e que, em face das circunstâncias, possa interpretar à lei
de acordo com os ditames do Estado Democrático de Direito.
Assim, verificando que se trata de infração de pequena ou média gravidade,
em face das circunstâncias, a Autoridade Policial não manterá a prisão em flagrante delito,
fundamentando sua decisão e antecipando, dessa forma, a liberdade provisória com o objetivo
de dar eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Os princípios podem e devem ser manejados pela Autoridade Policial para
uma atuação voltada à prevenção da criminalidade, evitando-se prisões desnecessárias.
Os princípios da dignidade humana e redução da marginalização podem ser
empregados para evitar, na fase policial, criminalizações de condutas que configuram apenas
perigo abstrato, crimes impossíveis e autolesões, ou ainda, crimes de resultados
insignificantes e com notórias circunstâncias que excluam a antijuridicidade. Mas, todos os
registros acionam as antenas da prevenção para que sejam investigados os motivos destes
fatos e eles não voltem a se repetir. Serão encaminhados ao plantão social para medidas
preventivas adequadas.
Sobre o princípio da adequação social, v.g., muito ilustrativo é o exemplo
trazido por Bitenourt (apud NEPOMOCENO, 2004, p. 115) que o considera princípio geral de
interpretação. “Na contravenção penal do “jogo do bicho”, o intérprete poderia afastar a
incidência da regra contravencional em relação ao apontador e mantê-la em relação ao
banqueiro”. Neste caso, v.g., o apontador seria investigado quanto a motivação do crime e a
potencial consciência de sua prática para, conforme o caso, receber orientação e apoio no
plantão social com o fim de não voltar a reincidir na prática delituosa, prevenindo-se futuros
envolvimentos dele na contravenção do “jogo do bicho”.
Destarte, o não autuado em flagrante delito responderia pela sua conduta,
mas não seria encaminhado à prisão e sim ao plantão social, onde a motivação do crime e sua
personalidade seriam investigadas com o fim de dar subsídios a Autoridade Policial, Minitério
Público e Juiz para uma solução mais justa para o conflito, inclusive em relação à vítima do
crime, e para que as medidas preventivas o incentivassem a evitar condutas desviantes e a
reincidência.
44

1.5.1.2. Conciliação Prévia feita pela Autoridade Policial nos Delitos de Menor Potencial
Ofensivo como outra Forma de Prevenção à Criminalidade

Outro exemplo do uso de princípios gerais pela Polícia Judiciária, com


finalidade de prevenção, é o da conciliação prévia, feita na fase policial quando ocorrer
crimes de menor potencial ofensivo.
O artigo 2º. da Lei 9.099/95, que traça todo o procedimento a ser observado
quando há incidência de crimes de menor potencial ofensivo, determina que sejam observados
os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,
buscando sempre que possível a conciliação ou a transação.
A conciliação e a orientação podem ser métodos preventivos de combate à
criminalidade e podem ser utilizados pela Autoridade Policial. Somente a transação será feita
na fase judicial.
Sabemos, como já dito, que não é de nossa cultura jurídica a aplicação de
critérios e princípios, nem interpretação conforme a Constituição Federal, por parte da
Autoridade Policial. Mas, tem o autor desta pesquisa lutado para que ocorram mudanças neste
pensamento, pois haverá nesta conduta grande contribuição para a busca da justiça e combate
à criminalidade.
A Polícia Judiciária é dirigida por Delegados de Polícia de carreira, com
formação jurídica. Pode, assim, contribuir em muito para um moderno sistema de justiça
criminal que busca maior eqüidade e celeridade da prestação jurisdicional, incluindo aí a
atuação policial especializada (Polícia Judiciária) na solução de conflitos por mediação, em
especial na conciliação de crimes de menor potencial ofensivo.
Também é a posição adotada por Queiroz (1996, p. 18), quando, ao
comentar o artigo 2º. da lei 9.099/95, afirma:

O artigo 2º. da Lei nº. 9.099/95, em consonância com seu artigo 62, especifica critérios e
princípios da prestação jurisdicional, e, por via reflexa, da atividade policial-judiciária,
onde pontificam, com destaque, os critérios da informalidade e da celeridade do
procedimento traçado para a fase preliminar, no âmbito da Polícia Civil.

Grinover (1996, p. 22), comentando a referida lei, leciona:

...instituindo o Juizado Especial Criminal, rompeu com os esquemas clássicos do direito


criminal e do processo penal, adotando corajosamente soluções profundamente
inovadoras.
45

A posição de atendimento a princípios constitucionais e o de colocação


como critérios na parte geral da Lei 9.099/95, no artigo 2º, deixa claro que seus comandos
também são dirigidos à Autoridade Policial, havendo, inclusive, sua reprodução no artigo 62
da mesma lei, sendo que este é específico para a fase judicial. A intenção do legislador era
justamente evitar que fatos que não comportam tipicidade ou possam ser resolvidos por outros
meios que não os repressivos devam ser logo solucionados, inclusive com conciliação ou
orientação pela Autoridade Policial.
Com a conciliação prévia a Autoridade Policial atua preventivamente
evitando que o conflito se agrave ou que volte a ocorrer.
A conciliação será feita pela Autoridade Policial com auxílio do plantão
social e do conselho comunitário de segurança, após a investigação das motivações e das
pessoas nele envolvidas, com o objetivo de dar solução definitiva ao conflito e evitar a
reincidência, ou ainda que este conflito se agrave e possa constituir um crime.
46

II – CRIMINALIDADE E ATUAÇÃO POLICIAL

Segundo Cerqueira e Lobão (2004, p. 234), os criminólogos identificaram


uma série de fatores criminogênicos que poderiam explicar a causação do crime.
Do ponto de vista da intervenção pública para a manutenção da paz social,
contudo, importa apenas reconhecer se em uma determinada região há alguma regularidade
estatística entre os fatores criminogênicos concretos (ocupação do solo, drogas, etc), ou
imaginários (supervisão familiar, insegurança, etc), e, além disso, saber se o Estado possui
instrumentos para intervir nessa regularidade, direta ou indiretamente, com a participação da
própria sociedade.
Para Cerqueira e Lobão (2004, p. 236):

As teorias de causação do crime, ao lançarem luz sobre determinadas variáveis e sua


epidemiologia, permitem que o planejador do Estado escolha dentre inúmeras variáveis
aquelas que supostamente devem ser as mais importantes. Os modelos empíricos, ao
detalharem a metodologia de aferição, possibilitam a centralização das atenções e dos
escassos recursos públicos em algumas poucas variáveis, que podem não explicar uma
verdade universal, mas interferem decisivamente (com maior probabilidade) na dinâmica
criminal daquela região onde se quiser intervir. Desse modo, o planejador público que
acreditar piamente em um único modelo de causação criminal (seja qual for) para tomar
suas decisões e orientar suas ações e recursos estará fadado a utilizar um “leito de
Procusto”, algumas vezes com êxito, outras não, a depender do “cliente” ou da situação
em particular. Daí a necessidade da multidiciplinariedade: um meio de aumentar o
conjunto de instrumentos de análise e de intervenção pública para um objeto
extremamente complexo.

Os autores citados (2004, p. 237) informam que “os estudos sobre as


causas da criminalidade têm se desenvolvido em duas direções: naquela das motivações
individuais e na dos processos que levariam as pessoas a se tornarem criminosos”.
Para Cressey, (apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p. 239), uma teoria
que explique o comportamento social, em particular as ações criminosas, deveria levar em
conta pelo menos dois aspectos: a) a compreensão das motivações e do comportamento
individual; e b) a epidemiologia associada, ou como tais comportamentos distribuem e se
deslocam espacial e temporalmente.
Coelho (1998, p. 157), critica a importância de fatores socioeconômicos na
determinação da criminalidade. Segundo ele há variáveis também relacionadas com o sistema
de justiça criminal no Brasil, principalmente no que diz respeito à polícia.
47

Para a proposta de um programa de prevenção criminal realizado pela


Polícia Judiciária terá importância impar a existência de uma equipe multidisciplinar junto as
Delegacias de Polícia que auxiliem a Autoridade Policial, principalmente para determinação
de algumas variáveis de causação do crime e em especial para um planejamento da segurança
pública que evite o modelo repressivo.
O programa será dirigido aos casos concretos, individualmente. Mas,
conhecendo algumas variáveis comuns da criminalidade na cidade, em especial as de pequeno
porte, poder-se-ia adotar também medidas preventivas gerais, principalmente em relação à
atuação da polícia comunitária e as campanhas publicitárias de prevenção criminal.
Nesse aspecto, interessam mais a este trabalho, a ocupação espacial das
cidades e a desorganização familiar, que serão separadamente estudadas.

2.1. Ocupação Espacial das Cidades

Sob o enfoque sociológico os comportamentos desviantes podem ter como


causa a ocupação do solo nas cidades. Nesta óptica o comportamento desviado não se
determina pelas pessoas, mas pelas áreas da cidade onde elas vivem que favorecem a
produção desse comportamento.
A sociologia procurou definir o comportamento pela utilidade social das
condutas observadas. “A vida de uma sociedade repousa sobre a interiorização das normas,
sobre a correspondência entre as instituições que elaboram e fazem respeitar as normas e
aquelas que se encarregam de socializar os membros da coletividade” (TOURAINE, 1998, p.
371).
Será possível, em razão da degradação habitacional, urbana e social,
causadas pela exclusão social, apontar como uma das causas da violência o local da moradia
das pessoas e determinar uma tendência ao comportamento desviado, isto porque há áreas
repulsivas da cidade, muito degradadas, que alimentam a violência e o crime19.
A atuação preventiva deve recair sobre o fortalecimento dos laços sociais e
comunitários nas áreas degradadas da cidade com objetivo de diminuir a exclusão social.

19
Sobre isto interessante consultar pesquisa com o título de “Janelas Quebradas” (Broken Windows), em artigo
de Q. Wilson e George L. Kelling, publicado em março de 1982, na revista norte-americana "The Atlantic
Monthly" (TAM) – (Fenapef, 2008)
48

Quando o Estado prefere políticas que privilegiam a norma penal ou o


aumento da pena, com tratamento exclusivamente repressivo do crime, demonstra que ignora
as verdadeiras causas da criminalidade e as estratégias de combate. O resultado é que em vez
de servirem de combate a violência e ao crime, não raro, tais medidas funcionam como um
dos fatores condicionantes de seu aumento.
Enxergando o crime como produto da ausência de laços sociais o seu
combate efetivo só poderá se dar através do fortalecimento das instituições locais como meios
preventivos, incluindo aí a polícia comunitária. Prioriza-se o controle social informal como
alternativas no sistema penal.
Esta corrente de pensamento nasce junto com a criação, em 1890, nos
Estados Unidos, da Escola Sociológica de Chicago. A preocupação volta-se com os
problemas sociais da comunidade como um todo. A criminalidade passa a ser estudada
metodologicamente, assim como as formas alternativas de sua prevenção.
Em 1915, surge um novo e interessante conceito sobre o estudo da
ocupação do solo nas cidades denominado Ecologia Humana. O nome se deve a comparação
que se faz com as plantas no reino vegetal. A disputa pela luz solar faz com que determinadas
plantas cresçam mais que outras e, com porte maior, se beneficiem mais do elemento
nutriente e determine, assim, a hegemonia sobre determinada ecosfera. São os processos de
competição que geram a dominância de um grupo social por outro e isto tem como
conseqüência imposições sociais na ocupação dos terrenos e nos estatutos sociais e
econômicos (TANGERINO, 2007, p. 15).
O habitat do ser humano se aperfeiçoa com a divisão social do trabalho e
sua organização se dá de forma cultural (identidade de costumes, crenças, etc.), baseada na
comunicação e consenso (cidade). A competição no trabalho (distribuição de renda)
determina a distribuição ecológica da cidade, fazendo surgir as comunidades (Ibid., 2007, p.
16).
Neste prisma surge a escola criminológica ecológica com enfoque
substancial nas circunstancias sociais que levam à delinqüência, tendo como objeto de seu
estudo as cidades industriais modernas.
As relações entre criminalidade e habitação, saneamento, justiça criminal,
pobreza, salários, educação pública são estabelecidas com o objetivo de se buscar uma
fórmula que atue preventivamente, não em termos de tratamento do delinqüente ou sua
punição, mas por meios de políticas públicas intervencionistas.
49

Isso é um grande avanço, pois vislumbra a possibilidade de combate ao


crime por meio de intervenção estatal. Mais que isso, demonstra que as condições de bem
estar social são fundamentais para a organização do Estado e tem marcada influência no
princípio da redução das desigualdades sociais.
A erradicação das condições produtoras do comportamento desviado
existentes nas áreas de baixa renda na cidade é condição primária para a prevenção do
fenômeno criminal.
Pablos de Molina, (apud TANGERINO, 2007, p. 49) observa que:

O diagnóstico é de que as condições de vida guardam relação com a criminalidade.


Existiria em todo núcleo urbano industrializado um determinado ‘espaço’, geográfica e
socialmente delimitado – uma zona de transição ou terreno intermediário, de ninguém –
onde se concentrariam as taxas mais elevadas de criminalidade [...] O descobrimento
dessas zonas de trânsito, altamente deterioráveis e com péssimas condições de vida e
infra-estrutura, residência forçosa das classes sociais mais conflitivas (minorias,
imigrantes etc.) explicaria a debilidade do controle social e os índices alarmantes de
delinqüência verificados nas mesmas. [...] as taxas criminais alcançam seus níveis mais
elevados na zona de transição, onde se encontram as piores habitações de imigrantes e das
classes baixas que não chegam a se adaptar ao hábitat urbano e industrial e carecem de
meios econômicos para escapar para outras zonas menos deterioradas (mobilidade social).

Dias e Andrade (1997, p. 276) explicam bem a influência do meio na


personalidade desviada:

São três os elementos naturais criminais: as áreas naturais criminais, a desorganização


social dessas áreas e a tradição delinqüente. É na área criminal que se encontra o tecido
social mais desgastado, ou seja, onde a desorganização social é intensa. Como
conseqüência, é onde o controle social se faz sentir de maneira mais tênue. Assim, com
uma complexidade de maneiras de viver coexistentes, nenhuma delas obstruída pelo
controle social, está formado um rico meio de transmissão da cultura delinqüente, ou seja,
da tradição criminal.

A subcultura criminal produzirá campo fértil para a organização de grupos


voltados a prática do crime. E o aprendizado do crime é como qualquer outro aprendizado
social.
Outro aspecto importante a ser extraído da orientação preventiva
sociológica é, sem dúvida, a evidência dos meios de controle social informal como a escola,
família e a igreja em face do papel relevante que desempenham na vida da comunidade.
Esta evidência retira do sistema penal (formal), com orientação repressiva,
a responsabilidade quase que exclusiva de combate à criminalidade muito difundida no plano
político em nosso país.
Como dirigente de unidades policiais do interior do estado de São Paulo, o
autor desta pesquisa tem observado que a pequena e média criminalidade e os conflitos
50

interpessoais são mais comuns em determinados bairros da cidade, principalmente em


conjuntos habitacionais, onde as condições de vida são mais precárias. Os plantões sociais das
unidades de Polícia Judiciária, através dos dados colhidos em casos concretos atendidos,
poderiam comprovar estatisticamente este fato e propor políticas públicas e medidas
adequadas para estas áreas da cidade visando à prevenção do crime especificamente.
Mesmo nas grandes cidades do Brasil, podemos identificar esses focos de
criminalidade e violência em bairros, como os morros na cidade do Rio de Janeiro e as favelas
na cidade de São Paulo.
Relevante ainda é a constatação por pesquisas que raça, cor ou
nacionalidade, ou seja, a diversidade populacional, não tem qualquer relação com a
criminalidade. Não há qualquer relação entre crime e origem étnica (TANGERINO, 2007, p.
69).
Para a corrente sociológica, entretanto, crime e pobreza podem ter relação.
Estar submetido a uma situação de pobreza é um componente ecologicamente relevante, pois
serão os mais pobres a se verem obrigados a residir nas piores regiões da cidade, onde há
preferência de estabelecimento dos criminosos (TANGERINO, 2007, p. 70).
As crianças e adolescentes dessas áreas, residindo nessas regiões, terão
maior contato com os comportamentos desviados o que se agrava pela ausência de supervisão
educacional dos pais que necessitam trabalhar e ausência do poder público em não oferecer
escola integral ou atividades culturais. Nesse ambiente não é raro encontrar pais que,
inclusive, incentivam os filhos à criminalidade ou, sabendo do envolvimento deles, se
omitem.
Ocorre que não se pode estabelecer um nexo de causalidade entre
criminalidade e pobreza. Os pobres não são os únicos criminosos nem há uma causa definida
para o crime, senão um complexo de fatores.
A Polícia Judiciária precisa estar atenta a estes detalhes para que sua
atuação preventiva seja capaz de efeitos práticos eficazes.
O que se pretende mudar com a proposta deste trabalho é a ausência de
compreensão destes fenômenos pela Polícia Judiciária para que, neste ambiente, atue
preventivamente.
Conclusão importante é a de que a criminalidade deve ter tratamento local.
Deve haver políticas públicas voltadas para a comunidade, com suas realidades sociais
diversas, envolvendo todos os segmentos sociais.
51

A polícia comunitária é um modelo de gestão da segurança pública em que


as ações policiais são debatidas e orientadas pela comunidade.
Em alguns estados existem iniciativas de participação dos segmentos
sociais na determinação de políticas de segurança pública. No estado de São Paulo foram
criados, nível de secretaria, os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEG). Como
participante ativo (membro nato) desse modelo de gestão da segurança pública da cidade, o
autor deste trabalho pode afirmar que a ausência completa de recursos, pouco ou nenhum
incentivo do poder público local (Prefeituras Municipais) e baixa consciência da importância
da participação dos membros (com modestas iniciativas) têm contribuído para a pouca
notoriedade da sua existência.
Na imensa maioria dos municípios o CONSEG não tem sede própria e as
reuniões são pouco freqüentadas. Suas manifestações têm sido pouco visíveis, porque se
resumem na quase totalidade, a ouvir passivamente quais medidas policiais foram tomadas em
relação a um ou outro acontecimento de repercussão.
Estes conselhos representam a democratização da atuação policial, fazendo
com que os vários seguimentos da comunidade participem, ativamente, dos meios de
prevenção e repressão à criminalidade. Também contribuem para a busca de alternativas e o
desenvolvimento de atividades policiais e comunitárias que visem o estudo e a compreensão
do fenômeno da criminalidade na cidade.
A eficiência policial será maior se sua atuação se der com flexibilidade,
compreendendo os fenômenos sobre a criminalidade e atuando em conjunto com a
comunidade para encontrar critérios lógicos para divisão das práticas delituosas e desenvolver
métodos preventivos para umas e repressivos para outras e propugnar por alternativas no
Sistema Penal que busquem a maior eficácia de sua atividade fim, ou seja, a promoção da
segurança pública.

2.2. Desintegração Familiar.

Pela relevância, o tema será tratado particularmente, dando-se conotação


especial a desorganização familiar, apontado pelos leigos como a principal causa da
criminalidade.
52

Mais que sanguíneos, os vínculos familiares são de solidariedade e


educação. A assistência mútua e o controle por meio de normas e valores determinam os laços
familiares e são preponderantes na formação da personalidade.
Cerqueira e Lobão (2004, p. 257) afirmam que:

Ficam evidentes a complexidade do fenômeno e a dificuldade em creditar a umas poucas


variáveis os determinantes da criminalidade, que tem raízes no processo destorcido de
aculturação da criança desde a fase esfincteriana (2 a 3 anos) até a pré-adolescência (12 a
13 anos), passando pela supervisão e elos com a família, com os amigos e com a escola, e
terminando com outras virtuais fontes de tensão social inerentes a um espectro mais amplo
que envolve as instituições e a forma de organização macroestrutural.

Antes das influências do meio social há as influências proporcionadas pela


família na formação de qualquer pessoa. Será importante considerar os valores culturais,
religiosos e sociais da família na compreensão do fenômeno da criminalidade. Essa influência
não é determinante, nem a única, mas tem grande importância.
O sistema capitalista determina a economia individual e os valores
econômicos passam a ter mais ressonância que outros (como o religioso) determinando um
comportamento mental de individualismo no sentido de fazer fortuna e se destacar
socialmente. Os laços familiares se afrouxam para estabelecer uma relação maior com os
bens. A atitude egoísta é antagônica a familiar e social. A desintegração familiar tem reflexos
direitos na vida comunitária, contribuindo para a sua desorganização (TANGERINO, 2007, p.
77-81).
Tangerino (2007, p. 82) explica que:

A desorganização da comunidade começa, de fato, tão logo seus membros comecem a


definir as situações exclusivamente como econômicas, intelectuais, religiosas,
hedonísticas e não como sociais, quando suas necessidades de sucesso – sucesso,
evidentemente, como eles o vêem – em qualquer linha específica torna-se mais importante
subjetivamente que a necessidade por reconhecimento social – quando dissociam a
opinião social sobre um caso do mérito do caso.

A busca pela sobrevivência ou simplesmente o acúmulo de riqueza e bens


determina um empobrecimento dos vínculos familiares sobrando pouco tempo para a
educação e controle dos filhos que se auto determinam sem orientação familiar.
Como crianças e adolescentes são mais influenciáveis em razão de sua
imaturidade ficam muito mais sensíveis as influências do meio. Sem o freio necessário aos
impulsos mais íntimos, a personalidade vai se determinando conforme as influências que sofre
sem a preocupação de uma ética familiar, valorativa e social.
53

Aqui também se percebe a necessidade de uma diferença de tratamento em


relação aos jovens. Naturalmente, na família, na escola ou perante a comunidade deverá ter
atenção especial aquele que demonstra tendência à violência (o que segue livremente seus
instintos e humores) ou preferências anti-sociais (que não é conduzido segundo regras de
conduta comuns). A este será preciso mecanismos contentores e aos outros mecanismos
incentivadores de autodeterminação. Por isso defende o autor, neste trabalho, o estudo da
personalidade dos envolvidos no episódio criminoso.
Segundo Tangerino (2007, p. 84), no plano jurídico, “não há nada que
difira uma criança normal de outra com comportamentos anti-sociais; exceto a imposição de
barreiras morais por agentes externos, tais como a família e a comunidade”.
Para o autor deste estudo fica evidente a necessidade de se agregar ao fato
concreto investigado pela Polícia Judiciária às informações sobre a história de vida pessoal e
os efeitos da pressão do grupo sobre a formação da personalidade dos envolvidos. A
investigação destas circunstâncias também colaborará para que se tomem medidas preventivas
específicas em relação às pessoas envolvidas, com objetivo de evitar a reincidência. Para isto
deverá haver na Delegacia de Polícia uma equipe multidisciplinar.
A pena, da forma como é aplicada em nosso país, pode gerar desigualdades
uma vez que provoca reações nos círculos familiares, de amigos, conhecidos e da comunidade
e cria a marginalização, determinada, principalmente, pelas dificuldades de acesso ao
mercado de trabalho e às escolas. “Levar uma conduta desviada para o âmbito da reprovação
estigmatizante tem uma função reprodutora de controle social” (TANGERINO, 2007, p. 92).
Uma atuação preventiva da Polícia Judiciária poderá considerar estas
circunstâncias e reduzir a rejeição social em relação ao investigado.
Cerqueira e Lobão (2004, p. 257-258) afirmam que a distribuição do
produto da economia, aferido objetivamente a partir de variáveis, como renda per capta, graus
de desigualdade de renda, probabilidade de se estar empregado e acesso às oportunidades e
serviços que possibilitem a obtenção de moradia, saúde, alimentação e cultura são condições
necessárias para a inclusão social.
Terá relevância a determinação das condições da família e acesso ao
trabalho das pessoas envolvidas em conflitos com o objetivo de se buscar uma medida
adequada para a prevenção ou para impedir a reincidência.
54

Em pesquisa sobre a atuação policial, Neto (2008, p.6), conclui:


Outra atividade indicada na pesquisa e que pôde ser constatada in locué a utilização dos
policiais para atendimento de demandas da comunidade que não estão diretamente afetas a
uma conduta criminosa, enquadram-se nesse aspecto, principalmente, consoante
denominação no meio, as famosas "brigas de vizinho" ou "brigas de família". Trata-se de
situações fáticas ocasionadas geralmente em face da precariedade da infra-estrutura básica
e de saneamento das habitações, principalmente aquelas localizadas em favelas e grotões,
ou divergências no seio das próprias famílias e que em face da proximidade com o órgão
policial e do imediatismo na solução dos problemas, conduta inerente à própria essência
do ser humano, acabam por desaguar num distrito policial.
55

III – ELEMENTOS JURÍDICOS PARA A ATUAÇÃO


PREVENTIVA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Propostas de atuação policial preventiva pela Polícia Judiciária são viáveis


e encontram inspiração em diretrizes discutidas e debatidas na atualidade como, v.g., a Justiça
Restaurativa e a Polícia Comunitária.
A atuação preventiva da Polícia Judiciária, com a adoção de práticas
restaurativas, conciliatórias ou comunitárias, demandará maior discricionariedade da
Autoridade Policial.
No modelo garantista de Ferrajoli (2006, p. 102), aqui adotado, “a
discricionariedade não é um mal a ser eliminado a qualquer custo”. Na atuação preventiva há
“uma discricionariedade dirigida não para estender, mas para excluir ou reduzir a intervenção
penal quando não motivada por argumentos cognitivos seguros”.
A dogmática penal convencional20 coexistirá com a teoria crítica do direito
para comporem os elementos jurídicos da proposta preventiva de atuação da Polícia Judiciária
desenvolvida neste trabalho.
Segundo Barroso (2001, p. 16), em nosso país:

O pensamento crítico alçou vôos de qualidade e prestou inestimável contribuição


científica. Mas não foi um sucesso de público. Nem poderia ter sido diferente. O embate
para ampliar o grau de conscientização dos operadores jurídicos foi desigual. Além da
hegemonia quase absoluta da dogmática convencional – beneficiária da tradição e da
inércia -, a teoria crítica conviveu, também, com um inimigo poderoso: a ditadura militar e
seu arsenal de violência institucional, censura e dissimulação. A atitude filosófica em
relação à ordem jurídica era afetada pela existência de uma legalidade paralela – dos atos
institucionais e da segurança nacional – que, frequentemente, desbordava para um Estado
de fato.

Há necessidade de se colocar em prática uma proposta de atuação


preventiva pela Polícia Judiciária, pois “ou bem o jurista pensa o Sistema Penal do qual
participa, ou bem se converte num jurista-objeto, reprodutor mecânico das funções concretas
de controle social penal numa sociedade determinada” (Batista, 2002, p. 3).

20
Dogmática penal – Sistema ou doutrina que trata dos ilícitos penais e das penas, orientando-se por certezas prévias e
criando dogmas indiscutíveis. Comentário: “O Dogmatismo é um sistema filosófico, o que significa discutível, mas contraria
o próprio conceito de Filosofia ao forjar os dogmas indiscutíveis.” (Santos, 2001, p. 85).
56

Na esteira do labeling approach21, encontramos o desenvolvimento


histórico das alternativas ao Sistema Penal. As teorias da reação social se preocupam com as
reações das instâncias oficiais de controle social e colocam em evidência a forma repressiva
de atuação destas instâncias, estabelecendo uma crítica: o efeito estigmatizante da atividade
da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes.
Para o autor desta pesquisa os estereótipos são criados a partir da reação
exclusivamente repressiva do sistema penal em face dos comportamentos desviantes sem a
necessária correlação entre eles e suas motivações.
Não se trata de Sistemas Penais alternativos, mas alternativas ao Sistema
Penal que podem ser extraídas da Criminologia Crítica, do Garantismo e do Direito Penal
Mínimo (Teoria Crítica do Direito).
Prefaciando obra de Baratta, Santos (2002, p. 18) aduz que:

[...] se o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das


relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade democrática e
igualitária seria inseparável da luta pela superação do sistema penal – mas,
paradoxalmente, também seria inseparável da defesa do direito penal: contra os ataques às
garantias legais e processuais. Contra o próprio direito penal, para conter e reduzir a área
de penalização e os efeitos de marginalização e divisão social; e através do direito penal,
ainda uma resposta legítima para solução de determinados problemas [...].

As sugestões da criminologia crítica para a redução da criminalidade são: a


redução do sistema punitivo mediante despenalização da criminalidade comum e substituição
de sanções penais por controles sociais não-estigmatizantes (Direito Penal Mínimo) e a
ampliação do sistema punitivo para proteger interesses individuais e comunitários em áreas de
saúde, ecologia e segurança do trabalho, revigorando a repressão da criminalidade econômica,
do poder político e do crime organizado (Garantismo). “Por isto, no campo penal, devemos
propugnar por um direito penal mínimo para condutas (bagatelares, de mera conduta, etc) que
não lesam a comunidade e os objetivos do Estado Democrático de Direito e um direito penal
interventivo no que diz respeito à criminalidade econômico-social...” (STRECK, 1999, p.
109).
As idéias centrais da alternatividade no Sistema Penal são recentes e
competem com o longo predomínio das idéias positivistas e da reação estatal legitimada na
defesa social. É a partir da década de 1970 que as teorias da repressão e prevenção geral e

21
A teoria do “[...] o labeling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de
controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem
estudo o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação e dos juízes.” (Baratta, 2002, p.
86).
57

especial positiva (ressocializadoras) da pena são contestadas, já que não demonstraram


eficácia ante o fenômeno universal do aumento da criminalidade. Temas como o custo da
criminalização, busca de soluções alternativas e comunitárias, programas de
descriminalização entre outros, passam a merecer atenção científica e fomentam projetos
práticos que visam à reforma dos Sistemas Penal e Penitenciário.
Para Baratta (2002, p.131) o processo de criminalização cumpre funções de
conservação e reprodução do meio social e a criminalidade sofria dupla seleção: de bens
protegidos penalmente nos tipos penais e de indivíduos estigmatizados nesse processo.
O processo de criminalização, ativado por estereótipos e preconceitos da
polícia e da justiça, dirige a repressão criminal para as camadas mais pobres da sociedade, o
que amplia a seletividade do sistema penal.
No Brasil isto é evidente, segundo Mingardi (1998, p. 208):

Quanto às polícias estaduais, muito mais antigas, inúmeros estudos mostram que elas
foram criadas para lidar com o criminoso pobre, o ladrão de rua. Em seu livro Crime e
Cotidiano, Fausto (1984) revela que o público alvo da ação policial, já na virada do
século, eram os “marginais” e os criminosos pobres em geral. Pinheiro (1982) também
fala no uso da polícia como meio de controlar as camadas desfavorecidas, isto já na
década de 70. Praticamente todos os mortos pela ROTA (Rondas Ostensivas Tobias
Aguiar) citados por Barcellos (1992) eram também pessoas pobres, muitos também
pequenos marginais. Os métodos “investigativos” usados durante muitos anos pela Polícia
Civil, principalmente nas áreas dos crimes contra o patrimônio, foram o “Ganso”
(informante) e o “Pau” (tortura). Gerações de policiais foram treinadas para combater
especialmente aquilo que os americanos chamam de Street Level Crime, nada mais.
Policiais treinados para reprimir estes crimes podem, quando muito, atuar eficientemente
contra quadrilhas comuns.

Castilho (apud STRECK, 1999, p.109) afirma que em nosso país quase não
existe condenação de réus por crimes do colarinho branco, enquanto há, cotidianamente,
processos nos quais pessoas são condenadas – em primeira instância – por furtar um tubo de
cola (usado), avaliado em R$ 1,25.
Diminuir o impacto das agências de poder na sociedade e reduzir ao
máximo sua estrutura, conter a inflação legislativa como forma de criminalização primária,
minimizar o Sistema Penal e buscar soluções alternativas ao Direito Penal são objetivos que
encontram aceitação da comunidade jurídica como resposta a repressão seletiva que atinge
apenas as camadas mais pobres da sociedade e não está sendo eficaz para reduzir a
criminalidade.
A Polícia Judiciária contribuiria com esses objetivos acrescentando às suas
funções o paradigma preventivo de combate à criminalidade neste estudo desenvolvido.
58

Hulsman (1993, p. 69), discorrendo sobre os efeitos negativos da


criminalização (repressão), demonstra que são três. O primeiro é a distorção de uma visão
realista sobre o homem e a sociedade, através da manutenção dos entendimentos de que a
solução satisfatória para o desvio é pela estigmatização e a punição, e que a criminalidade é o
principal problema social. O segundo efeito é a promoção do desvio secundário e, em terceiro
lugar, a colocação de obstáculos à assistência das vítimas. Individualmente, a atuação do
sistema produziria efeitos estigmatizantes não somente ao indivíduo, mas, sim, a toda sua
família, determinando a influência negativa da intervenção penal. Mais adiante afirma que a
partir dos levantamentos realizados entre a distribuição da criminalidade em diferentes classes
sociais se pode concluir que o Sistema Penal, em sua forma atual, está mal equipado para
atender sua finalidade de contribuir para a solução dos problemas sociais e por isso aumenta
consideravelmente as desigualdades existentes e que o funcionamento dele constituiu
problema social em si mesmo. O funcionamento atual do Sistema Penal é, em grande parte,
não controlado e incontrolável.
Vislumbra-se que, somente por meio de atuações preventivas do sistema
penal o princípio meta de redução das desigualdades sociais, previsto na Constituição de 1988
22
, poderá ser atingido.
O paradigma alternativo de um programa preventivo para a Polícia
Judiciária, desenvolvido neste trabalho, se estrutura nos programas do Direito Penal Mínimo e
Garantismo que têm como principais teóricos Hassemer, Ferrajoli, Cervini, Baratta, Batista e
Zaffaroni.
Em todos encontramos a defesa da substituição da sanção penal para
crimes de pequena e média gravidade por soluções alternativas dos conflitos com negociação
ou conciliação, práticas restaurativas e participação comunitária.
Essa tendência já se materializa em nosso país, na região sul, onde se fala
em Direito Alternativo. Na conduta do Magistrado gaúcho, v.g., dentre outras, há tendência de
se evitar, sempre que possível, a condenação de réus a presídio, ante o caos do Sistema
Presidiário brasileiro; o afrouxamento na apreciação dos delitos sexuais não violentos;
alargamento da conceituação de delitos de bagatela e do conceito de furto famélico, incluindo
o roubo famélico, ante a insignificância da potencialidade ofensiva e, por outro lado, maior
rigor na apreciação de delitos que agridam toda a sociedade, como a sonegação fiscal e
formas de corrupção de agentes do Estado. Nesta região já existem também experiências com

22
Artigo 3º., inciso III, da Constituição Federal de 1988.
59

o modelo de Justiça Restaurativa e em várias partes do país experiências de Polícia


Comunitária, merecendo destaque a Criação dos Conselhos Comunitários de Segurança
(CONSEGs) criados no estado de São Paulo.
A estratégia da intervenção mínima procura alternativas de solução de
conflitos, estabelecendo acordos e reconciliações com a participação da comunidade. Essa
idéia, contudo, desafia o sistema penal tradicional, como lembra Carvalho (1998, p. 339):

Se a lei penal é, oficialmente, a principal forma de controle social e representa o meio


necessário para controle da criminalidade, a minimização do aparato criminal, além de
estabelecer pânico em relação ao incremento das atividades permitidas – apesar de não
existirem pesquisas que demonstrem a realidade dessa assertiva-, “pode conllevar a la
perdida del respecto y majestad em ele cual es considerado el Sistema Penal, porque
puede ser visto como la admisión de que estaba operando sin uma adecuada justificación
em el passado”23

Por isso Zaffaroni (1989, p. 58) assevera que “creemos que el desafio que
tenemos por delante es la reconstrucción del derecho penal de garantias sobre esta base o
sobre cualquier outra que no intente la re-legitimación del poder punitivo”24.

3.1. Estado de Direito - Garantismo Penal

A luta pelo direito sempre foi contra a repressão, que é instrumento de


dominação largamente utilizado pelo poder. No início, contra a repressão do mais forte
fisicamente (pleonexia25). Atualmente, contra a repressão estatal, não só constituída pelo
monopólio do uso da força, mas também pela opressão econômica, financeira e social.
A evolução do Estado pode ser medida por esta luta e pelas mais variadas
formas de dominação que se flexibilizaram para buscar legitimidade e manter a hegemonia de
uma classe sobre as demais.
A indenização e fiança, métodos de punição preferida na Alta Idade Média
onde não havia espaço para um sistema de punição estatal, foram substituídas por um sistema
de punição corporal e capital que, por sua vez, abriu caminho para a prisão, principal
instrumento opressor dos sistemas penais, que teve seu desenvolvimento embrionário em fins

23
Pode levar a perda de respeito e majestade, o que é considerado alto no sistema de justiça penal, uma vez que
pode ser visto como uma admissão de que ele estava operando sem a devida justificação no passado.
24
Acreditamos que o desafio é a reconstrução do direito penal de garantias nessa base ou qualquer outra que não
tentar a re-legitimação do poder punitivo.
25
Teoria que sustenta que o mais forte estaria legitimado pelo mero fato de sê-lo.
60

do século XVI com a criação das Casas de Correção, cujo “objetivo principal era transformar
a força de trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil” (RUSHE e
KIRCHHEIMER, 2004, p. 69).
Na lenta evolução das teorias e sua aplicação às transformações sociais se
dá o nascimento do Estado moderno, como Estado de Direito, com uma série complexa de
vínculos e de garantias estabelecidas para a tutela do cidadão contra o poder opressor.
O constitucionalismo moderno pode ser entendido como uma técnica de
limitação do poder com fins de garantismo.
O Sistema Penal, sustentado pelas teorias da defesa social26, passa a ser
confrontado e expõe seu objetivo real: instrumento de dominação social.
A pena de prisão, como é concebida, mostra sua contradição quando se
constata a impossibilidade de se contrapor proteção da sociedade a vingança ou retribuição.
Após a segunda guerra mundial, com a reação humanitária no direito penal,
surgem teorias abolicionistas da pena de prisão27 num choque profundo com a cultura
repressiva.
Atualmente, em posição harmônica entre os extremos, há os que propõem
uma redução maior do poder punitivo e um aumento real das garantias contra o abuso deste
poder28 (direito penal mínimo e garantismo penal).
Bobbio, prefaciando a obra de Ferrajoli, (2006, p. 8), ao falar sobre o
garantismo ensina que o modelo:

[...] tem idéia inspiradora iluminista e liberal, iluminista em filosofia, liberal em política,
segundo a qual frente à grande antítese que domina toda a história humana entre liberdade
e poder, pela qual nas relações entre indivíduos e entre grupos, quanto maior a liberdade
tanto menor o poder e vice-versa, é boa e ainda desejável e propugnável que de vez em
quando aquela solução que alarga a esfera da liberdade e restringe aquela do poder; com
outras palavras, aquela pela qual o poder deve ser limitado de modo a permitir a cada um
gozar da máxima liberdade compatível com a igual liberdade de todos os outros.

Ferrajoli (2006, p. 16) explica que “o modelo penal garantista equivale a


um sistema de minimização do poder e de maximização do saber judiciário, enquanto
condiciona a validade das decisões à verdade, empírica e logicamente controlável, das suas
motivações”.
26
O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são
responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia,
magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria
dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e
das normas sociais (Baratta, 2002, p. 42).
27
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernal de. Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1993.
28
Zaffaroni. Em Busca Das Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1989.
61

As idéias de Ferrajoli são uma resposta epistemológica à crise do


garantismo penal de matriz iluminista cujo esquema baseava-se sobre um silogismo perfeito
do julgamento, atribuindo ao juiz a qualidade de “boca da lei”29. O autor demonstrou a
fraqueza política derivada da sua impraticabilidade jurídica.
Na óptica positivista a lei é vista como expressão superior da razão. “É o
domínio asséptico da segurança e da justiça. Separada da filosofia do direito por incisão
profunda, a dogmática jurídica volta seu conhecimento apenas para a lei, sem qualquer
reflexão sobre seu próprio saber e seus fundamentos de legitimidade” (Barroso, 2000, p. 12).
O garantismo moderno, por outro lado, tem como fonte primária de
legitimação a função primordial de tutelar de forma eficaz os direitos fundamentais dos
cidadãos, o respeito da pessoa humana, os valores fundamentais da vida e da liberdade
pessoal, o nexo entre legalidade e liberdade, a separação entre direito e moral, a tolerância, a
liberdade de consciência e expressão e os limites da atividade do Estado.
Em face da crise estrutural das garantias do Estado de Direito, Ferrajoli
(2006, p. 21) propõe o funcionamento concreto das instituições a partir de “modelos de
racionalidade e de justiça assumidos como fundamento dos esquemas de legalidade
positivamente elaborados e constitucionalizados”, buscando o nexo que caracteriza o Estado
de direito entre garantias jurídicas e legitimação política e formas legais e democracia
substantiva.
Evidencia a antítese do direito penal mínimo contra direito penal máximo,
o direito do mais fraco contra o direito do mais forte. “A batalha em defesa do garantismo é
sempre, malgrado as solenes declarações de princípios nem sempre confrontadas pelos fatos,
uma batalha de minorias” (BOBBIO, 1992, p. 13).
O antagonismo entre a existência do Estado para a busca das aspirações
sociais e o uso do poder que dele emerge pela classe que o administra, e que determina a
forma de dominação, legitima a busca pela redução e emprego correto desse poder (direito) e
maior participação na sua administração (democracia). Desta dialética surgem os direitos
fundamentais como limites de atuação impostos a esta estrutura jurídico-política.

29
MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Saraiva, 1987, p. 176. “Mas os Juízes da Nação como dissemos, são
apenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força, nem o
rigor”.
62

Ferrajoli (2006, p. 17) aduz:


E é sobretudo através da crítica dos sistemas penais e processuais que se vem definindo,
como veremos, os valores da civilização jurídica moderna: o respeito da pessoa humana,
os valores “fundamentais” da vida e da liberdade pessoal, o nexo entre legalidade e
liberdade, a separação entre direito e moral, a tolerância, a liberdade de consciência e de
expressão, os limites da atividade do Estado e a função de tutela dos direitos dos cidadãos
como sua fonte primária de legitimação [...] Este casamento entre direito penal e filosofia
política reformadora rompeu-se na segunda metade do século passado, no momento em
que consolidado o Estado liberal, prevalece nas disciplinas penais uma concessão
conservadora do direito penal como técnica de controle social [...].

A luta não se cinge somente na redução do poder do Estado, mas agora


também no encontro de garantias legitimadoras dos fins sociais que busca o Estado
Democrático de Direito.
O garantismo de Ferrajoli relaciona normatividade à efetividade da tutela
de direitos e por isso se afasta do mero legalismo, formalismo ou processualismo para atingir
as expectativas sociais de subsistência dos direitos individuais aos coletivos.
Quando se fala em efetividade não se pode deixar de fazer uma crítica ao
modelo extremamente jurisdicionalizado defendido por todos os segmentos do pensamento
jurídico. Nada pode escapar à jurisdição, tudo tem que ser resolvido pelo juiz ou dentro da
jurisdição. Mas a jurisdição é garantia e não razão de ser da existência do fato ou da norma.
Ferrajoli (2006, p. 347) chama a atenção para:

[...] Mais precisamente, as doutrinas que valorizam o substancialismo do elemento


subjetivo do delito costumam estar associadas às doutrinas pedagógicas da emenda ou às
terapêuticas do tratamento curativo, que apontam sobretudo para a prevenção especial
positiva; enquanto as baseadas na relevância atribuída à materialidade do elemento
objetivo e, particularmente, na periculosidade, costumam estar associadas às doutrinas da
defesa social, as quais se orientam sobretudo para a prevenção especial negativa. Em
qualquer caso, todas dão ensejo, junto às correspondentes doutrinas acerca do fim da pena,
a modelos de direito penal máximo e antigarantista, nos quais, de fato, remete-se à livre
valoração do juiz a decisão não somente do “quando”, senão, também, como se verá,
do “como” punir. (grifos nossos).

O moderno Estado Democrático de Direito, assim entendido, deve estar


munido de garantias liberais e sociais para que os direitos fundamentais possam ser
materializados e livremente exercidos.
O garantismo é, destarte, a busca da eficácia total dos direitos
fundamentais.
63

3.2. Garantismo Penal e Polícia Judiciária

Um poderoso instrumento que pode ser utilizado para a busca da eficácia


dos direitos fundamentais é a polícia, instituição existente em todas as sociedades
contemporâneas.
Se o exercício do poder se dá também pela Polícia Judiciária, mas ela é
utilizada como “longa manus” do Estado, natural que sofra as mesmas críticas e que se
busque redução da parcela de poder com que atua.
As esferas de exercício arbitrário da polícia podem ser transformadas,
contudo, se houver a possibilidade de redimensionamento de suas funções que interagirão
diretamente na cultura e consciência de seus membros. É importante que à polícia não sejam
distribuídas apenas atribuições repressivas, mas principalmente conciliatórias, terapêuticas e
preventivas com a finalidade de proporcionar a efetividade dos direitos fundamentais.
No Estado Democrático de Direito, vencidas as reminiscências culturais da
repressão, a instituição pode dar valorosa contribuição ao garantismo, já que terá como
principal foco de sua atuação a busca da maior eficácia dos direitos fundamentais.
Se prender em flagrante, v.g. é conduta aparentemente antagônica ao
direito de liberdade, o garantismo se sobrepõe na medida em que orienta a conduta da
Autoridade Policial a só efetuar a prisão em casos de extrema necessidade (quando a violação
a bens jurídicos e os prejuízos sociais justificarem) em face de uma motivação principiológica
constitucional e interpretação conforme a constituição.
“A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em
culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que
estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência” (BALESTRERI, 1998, p. 21).
Tanto que nem as teorias abolicionistas pensaram em eliminá-las.
Embora seja um órgão do Estado, do Poder Executivo propriamente dito, o
que lhe dá conotação meramente de função executiva, a Polícia Judiciária é auxiliar do Poder
Judiciário e como tal deveria estar munida das garantias conferidas aos integrantes desse
Poder para que cumprisse de forma isenta e independente sua missão, alinhando-se
ideológicamente ao modelo garantista.
Na Alemanha, v.g., todos os poderes públicos estão vinculados aos direitos
fundamentais. O artigo 1º, alínea 3, da Constituição Alemã prevê que os direitos fundamentais
64

vinculam legislação, poder executivo e jurisdição como direito vigente diretamente (HESSE,
1998, p. 275).
É possível uma atuação democrática da Polícia Judiciária, voltada a
garantir os direitos fundamentais, já que o policial é um cidadão. Um cidadão qualificado
porque representa esse Estado no contato mais próximo com a população, exercendo uma
profissão formadora de opinião. O policial é “um legítimo educador” e embora não possa se
eximir da sua função técnica de intervir, quando necessário, de forma repressiva, em
momentos de crise, tem sua conduta pautada na busca do ideal democrático (BALESTRERI,
1998, p. 19).
Destarte, cabe à Polícia Judiciária a busca de soluções alternativas que
contribuam com o Sistema Penal para alcançar os objetivos do Estado Democrático de
Direito, em especial a plena justiça, a dignidade humana e a redução das desigualdades
sociais.
As funções de polícia judiciária previstas na Constituição Federal de
198830, como dito, vão muito além de mera repressão a crimes e apuração de sua autoria.
Defende o autor deste estudo a possibilidade de solução de conflitos de
menor gravidade por outros órgãos, inclusive a Polícia Judiciária e comunidade (Polícia
Comunitária). À jurisdição caberia, nesses casos, tão somente a fiscalização (garantia). O
Magistrado e o órgão do Ministério Público cumpririam melhor esta função com máxima
efetividade e mínimo tempo.
Não se pode falar em garantismo, segundo os novos modelos, se existir um
hiato entre a Constituição Federal que coloca à disposição da comunidade jurídica um
conjunto de direitos e mecanismos para a sua implementação, e uma sociedade carente de
garantias, no interior da qual o acesso à justiça tem sido negado a imensa maioria da
população. “A inefetividade do aparelho judiciário coloca a lume uma das funções específicas
da função do Estado: a jurisdição.” (STRECK, 1999, p. 108).
Por isso muitos propugnam por uma mudança na postura dos operadores
jurídicos para apontar saídas possíveis para superar a crise de legitimidade do Estado.
A polícia existe em toda comunidade, está junto da comunidade, vivencia
com ela os conflitos, interage para sua solução e intervém quase que imediatamente; diferente
da jurisdição, que na maioria das vezes fica distante e só recebe as informações escritas, frias

30
Art. 144, § 4º., da Constituição Federal de 1988: “Ás polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares”.
65

e incompletas sobre o conflito, intervindo posteriormente. Por isso pensa o autor deste
trabalho que a Polícia Judiciária poderia prestar maior auxílio à Jurisdição, recebendo
atribuições legais conciliatórias e preventivas, deixando para o Magistrado e Promotor
Público a fiscalização, que as exerceriam direta e indiretamente.
Dias (apud STRECK, 1999, p. 110) ensina que:

A Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas entre o Estado e a


Sociedade (Ribas Vieira), podendo/devendo ser vista/entendida “precisamente como zona
más o menos segura de mediación, aparte de la habitual entre legalidad y legitimación,
también – más radicalmente y vinculado a todo ello – entre legitimidad y justicia”31.

3.3. Prevenção e Garantismo Penal

A prevenção é a maneira mais adequada de se combater a criminalidade de


pequena gravidade e condutas desviantes.
Não se retira o direito dos conflitos cuja gravidade seja pequena (pouca
lesividade ou repercussão social). Por isso é que, em relação a esses conflitos, a busca por
fórmulas alternativas no sistema penal tem sido objeto da ciência e experimentos mundo
afora. O sistema penal repressivo, como se encontra, não tem legitimidade nem condições de
cumprir os fins sociais a que se destina, ou seja, distribuir justiça e contribuir para o avanço
social com respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais.
Para se chegar ao garantismo (máxima eficácia das garantias) o caminho é
a minimização do poder e a redução dos conteúdos do Direito Penal (taxatividade) com um
aumento (maximização) do saber jurídico e o desenvolvimento de metodologias legítimas que
atendam ao anseio social (o uso, gozo e fruição plenos dos direitos fundamentais), ou seja, a
prevenção é um dos caminhos que leva ao garantismo.
E neste momento caberia a pergunta sobre a própria legitimação da
prevenção, uma vez que sempre presente a suspeita de que o discurso jurídico esteja servindo
ao poder.
Para Zaffaroni (1989, p. 14):

O discurso jurídico-penal falso não é nem um produto de má fé nem de simples


conveniência, nem o resultado da elaboração calculada de alguns gênios malignos, mas é
sustentado, em boa parte, pela incapacidade de ser substituído por outro discurso em razão
da necessidade de se defenderem os direitos de algumas pessoas.

31
... apenas como mais ou menos segura área da mediação, para além da habitual entre legalidade e legitimidade,
bem como - de forma mais dramática esta ligado a todos - entre legitimidade e justiça.
66

A legitimidade da prevenção encontrar-se-á na racionalidade, pois tem a


finalidade verdadeira de promoção do bem comum sendo por isso coerente. “O direito serve
ao homem, não o contrário” (ZAFFARONI, 1989, p. 16).
Ferrajoli (2006, p. 337) capta sensivelmente esta verdade e acrescenta:

Pode-se dizer, inclusive, que quanto mais altos e ambiciosos são os valores de justiça
professados e perseguidos por um ordenamento, e quanto mais complexas e vinculantes
são as garantias incorporadas para tal fim em seus níveis normativos superiores, mais
ampla é a possível divergência entre modelos normativos e práticas efetivas e, por
conseguinte, o índice de ineficácia das primeiras e de falta de validez das segundas [...]

Para o autor citado as diferenças entre garantismo e autoritarismo,


formalismo e substancialismo jurídico, direito penal mínimo e direito penal máximo, está
exatamente na forma diferenciada de proceder do operador de direito que condiciona sua
interpretação e decisão à verdade jurídica (validade) e as conseqüências de sua aplicação
(eficácia), já que estará vinculado ao princípio da legalidade estrita.
O direito penal mínimo corresponde a defesa do mais fraco e a prevenção
de conflitos originados pelo exercício das próprias razões. A lei penal é voltada a minimizar o
conflito e a prevenir, através de sua parte proibitiva, o exercício das próprias razões, a
vingança e outras possíveis reações. “A lei penal se justifica enquanto lei do mais fraco,
voltada para a tutela dos seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte” (Ferrajoli,
2006, p. 311). Por isso não se pode prescindir do Direito Penal formal. É necessário destacar
na sociedade quais modalidades de conduta são nocivas e atribuir a elas uma penalidade.
Para além da taxatividade das normas penais, que vigora no plano teórico,
o autor desta pesquisa quer chamar a atenção para a possibilidade de um tratamento
diferenciado, pelas agências policiais, para a pequena e eventualmente média criminalidade e
condutas desviantes, existente no plano fático. E aqui vale perguntar quem é o mais fraco,
como fez Muller (2003, p. 25), ao indagar quem é o povo?
Nesse diapasão será necessário buscar outro sentido para a intervenção
estatal que vai além da restrição das liberdades negativas.
Não se podem desconhecer as complexas razões sociais, psicológicas e
culturais dos delitos que não são neutralizáveis apenas com o temor das penas.
Nas relações de poder com o sistema penal, fraco será o julgado apenas
pelo seu ato e, como conseqüência, colocado em situação de total abandono. O Estado não
intervém senão para puni-lo se comprovada sua culpabilidade, oferecendo não mais que a
prevenção geral, tornando-o ainda mais fraco e passível de novas condutas com maior
67

violência num sistema penal e penitenciário completamente desvinculado de garantias quanto


à dignidade da sua pessoa.
A intervenção do Estado Democrático de Direito deve se dar, também, de
forma preventiva, promovendo em relação àqueles que cometeram infração penal de pouca ou
média gravidade uma investigação das causas da sua conduta para a solução definitiva do
conflito.
Como observa Carrara, apud Ferrajoli (2006, p. 308), “é impossível
impedir o delito em todos os delinqüentes”, mas com certeza é possível intervir no conflito
para dissuadirem muitos a não voltar a delinqüir, não pela prevenção geral, mas por formas
alternativas no sistema penal.
Esta seria uma forma de proporcionar o mínimo mal-estar necessário aos
desviantes, fazendo-os responsáveis não só pelos seus atos, mas também pela capacidade
adquirida (com assistência devida) de não voltar a cometê-los, proporcionando também maior
bem estar dos não desviantes, segundo a fórmula garantista de Ferrajoli (2006, p. 308).
E, garantir a aplicabilidade da prevenção à criminalidade no plano fático é,
como defende o autor deste estudo, papel relevante da Polícia Judiciária.
Para a Polícia Judiciária importa uma mudança de comportamento para a
legitimação de sua atuação. A busca da racionalidade e da verdade jurídica determinará
condutas, válidas e eficazes, que objetivem alcançar os fins sociais propostos pela
Constituição Federal. A despeito de intervir em momentos conflituosos devem os policiais
pautarem-se com o necessário bom senso a fim de que vigore, de fato, o princípio da
igualdade, oferecendo tratamento diferenciado para grande, média e pequena criminalidade.
Os órgãos do sistema penal estão à evidência porque exercem poder para
controlar. Com isto causam a morte e o aprisionamento em massa (Zaffaroni, 1989, p. 13). As
agências policiais atuam com um nível elevado de violência e dirigido as classes sociais
menos abastadas numa sociedade estratificada, cumprindo a função real do sistema penal que,
por isso, é ilegítimo e se mostrou totalmente incapaz para conter a criminalidade. Esta é a
constatação sobre a atuação policial que queremos modificar.
Segundo os críticos das agências policiais elas agem dentro da lei, mas
exercendo arbitrariamente o poder, dirigindo a repressão para as classes pobres, criando
estereótipo e estigmatizando. Agem, positivamente dentro da lei (mera legalidade), mas
ideologicamente ao arrepio dela. Com isto, são encarregados de um controle social
verticalizado, exercido sobre grande parte da população e tem função positiva, configuradora
da vida social.
68

A questão é: se as agências policiais têm a capacidade de determinar essa


configuração social, não será prudente inverter os vetores ideológicos para que se busque o
mesmo resultado com orientação diversa?
Diria o autor desta pesquisa que cumprindo a estrita legalidade, atuando de
forma garantista, buscando a aproximação comunitária e focando a ação repressiva no
combate aos verdadeiros males que afligem como sombras a sociedade, as agências policiais
estariam alinhadas com o fim constitucional, colaborariam com a redução das desigualdades
sociais e estariam dedicando sua existência ao respeito à dignidade da pessoa humana e a
garantir os direitos fundamentais.
A libertação do jugo autoritário que faz a polícia apenas instrumento de
uma ideologia dominadora e de viés repressivo só pode se desfazer com a revolução cultural e
acima de tudo com a mudança radical de sua postura, deixando de servir ao governo para
servir à constituição, onde está, efetivamente, sua razão de existência.
Isto deve ser compreendido também pelo Poder Judiciário e Ministério
Público, órgãos fiscalizadores da atuação policial que, não raro e a despeito dessa garantia
democrática, também pressionam a polícia para uma atuação repressiva, positivista32 e
autoritária.
É preciso explorar as potencialidades positivas da Polícia Judiciária (como
órgão público auxiliar do Poder Judiciário) e permitir às Autoridades Policiais (bacharéis em
direito), ad referendum, maior liberdade nas interpretações principiológicas e conforme a
constituição fundada na ética, na razão e na realidade fática. “A liberdade de que o
pensamento intelectual desfruta hoje impõe compromissos tanto com a legalidade
democrática como com a conscientização e a emancipação e o papel do conhecimento não é
somente a interpretação do mundo, mas também a sua transformação” (BARROSO, 2000, p.
18).

32
No sentido de que se opõe a uma interpretação que leva em consideração os princípios e a realidade social pela
Autoridade Policial.
69

IV – TÉCNICAS DE PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE


E O PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANÇA
CIDADÃ (PRONASCI)

Neste tópico nosso esforço concentrar-se-á na demonstração sucinta de


algumas experiências alternativas já existentes no sistema penal com destaque para a
participação da Polícia Judiciária.
Ressalta o autor deste trabalho que as práticas restaurativas e a polícia
comunitária, somadas aos institutos da conciliação e orientação, serão os instrumentos
utilizados pelo plantão social para promover as medidas preventivas. Por isso é que, apesar da
existência de outros modelos de atuação preventiva existentes, as práticas restaurativas e a
polícia comunitária formarão objeto do estudo deste capítulo.
Os programas nacionais de prevenção à criminalidade, relacionados à
segurança pública também serão mencionados, já que a proposta deste estudo se identifica
com os objetivos ali traçados.

4.1. Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa é um conjunto de praticas que tem por objetivo a


reparação do dano causado pelo crime com a aproximação dos envolvidos (autor e vítima).
“São práticas sociais que podem ser aperfeiçoadas para dar conta da ruptura necessária desta
corrente de violência que vai tornando quase insuportável a vida diária (Sica, 2007, p. 3)”.
O Departamento de Justiça do Canadá elaborou um documento em que
define a Justiça Restaurativa como um meio de abordar o crime com a participação da
comunidade e buscar a reparação dos danos por ele causados.
Trata-se de um processo estritamente voluntário e relativamente informal
que utiliza técnicas de mediação, conciliação e transação para alcançar o resultado
restaurativo.
70

Paul McCold e Ted Wachtel, do Instituto Internacional por Práticas


Restaurativas (International Institute for Restoratives Practices), em trabalho apresentado no
XIII Congresso Mundial de Criminologia, realizado no Rio de Janeiro, de 10 a 15 de agosto
de 200333, afirmam que:

A essência da Justiça Restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa.


Práticas restaurativas proporcionam àqueles que foram prejudicados por um incidente a
oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados
e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo.

A Justiça Restaurativa representa, assim, uma forma democrática de


participação na Justiça Criminal já que a vitima, o infrator e a comunidade se apropriam de
significativa parte do processo decisório.
O papel da comunidade é de extrema importância. A participação
comunitária visa resgatar o sentimento de segurança coletivo.
Para o autor desta pesquisa este sentimento coletivo de segurança será
atingido com a informação ao público dos trabalhos realizados nesse sentido.
Sica (2007, p. 13), cita uma decisão de quatro de julho de 2002, do
Conselho da União Européia, para fornecer uma boa noção de Justiça Restaurativa:

Artigo 2° - Definição e formas de justiça restaurativa: para efeitos da presente decisão, o


termo “Justiça Restaurativa” refere-se a uma visão global do processo de justiça penal em
que as necessidades da vítima assumem a prioridade e a responsabilidade do infractor é
realçada de uma maneira positiva. A justiça restaurativa denota uma abordagem lata em
que a reparação material e imaterial da relação confundida entre a vítima, a comunidade e
o refractor constitui um princípio orientador geral no processo de justiça penal. O conceito
de justiça restaurativa abrange um conjunto de idéias que é relevante para diversas formas
de sancionamento e de tratamento de conflitos nas varias fases do processo penal ou com
ele relacionados. Embora até à data a justiça restaurativa tenha encontrado expressão
principalmente em diversas formas de mediação entre a vítima e os infractores (mediação
vítima-infractor), estão cada vez mais a ser aplicados outros métodos, como, por exemplo,
o debate em família. Os governos, a polícia, os órgãos de justiça criminal, as autoridades
especializadas, os serviços de apoio e assistência à vítima, os serviços de apoio ao
infractor, os investigadores e o público estão todos implicados neste processo.

A Declaração de Costa Rica sobre a Justiça Restaurativa na América Latina


anunciou (Sica, 2007, p. 14):

Artigo 1º: ...


§1. processo restaurativo é aquele que permite vítimas, ofensores e quaisquer outros
membros da comunidade, com a assistência de colaboradores, participar em conjunto,
quando adequado, na busca da paz social.
§2. Arrependimento, perdão, restituição, accountability, reabilitação e integração social,
entre outros, podem ser incluídos dentre as metas restaurativas.

33
Trabalho na integra, disponível em http://www.realjustice.org/library/paradigm_port.html.
71

Os meios mais favoráveis para a Justiça Restaurativa são os que evitam o


processo e possibilitam uma solução extraprocessual.
O autor deste estudo ousa discordar de Leonardo Sica (2007, p. 30) quando
comenta que: “(encaminhamento pela polícia) não parece adaptável ao nosso sistema, pois a
discricionariedade conferida a polícia dependeria de um aprimoramento da própria instituição
(por exemplo, no sentido do policiamento comunitário e preventivo)”. Isto porque a
Autoridade Policial tem formação jurídica e com o devido treinamento poderia desempenhar
bem esta função com a participação da comunidade e com o auxílio do plantão social e do
conselho comunitário de segurança.
Moraes (apud TONINI, 1998, p. 29) informa que o preconceito jurídico
contra a polícia apresenta deformações de três ordens: sociais, políticas e jurídicas. Sociais,
como reflexo da cultura e subcultura alienadas; políticas, como resultados de vícios de toda
ordem que transformam pessoas em manipuláveis fantoches, servidor público em longa
manuns de chefes; jurídicas, em conseqüência do preconceito invadindo a ciência, e
alcançando as leis e decisões de tribunais. Esses preconceitos somente retardam o
aprimoramento do serviço policial.
Enquanto a polícia não for vista pela comunidade jurídica como uma
instituição capaz de atuar preventivamente será sempre a mesma. Para que se construa uma
polícia comunitária e preventiva é necessário que se apóiem experiências que encarem o
policial como agente de proteção dos direitos humanos.
O próprio policial precisa ser preparado para a atuação preventiva já que
“pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante promotor
dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e qualificando-se como um
personagem central da democracia” (BALESTRERI, 1998, p. 31).
Paises como Inglaterra, Japão e Nova Zelândia redirecionaram a força
policial. Já que se importa quase tudo deles, por que isto também não pode ser importado? Só
o preconceito caberia como resposta.
A polícia não é repressiva apenas porque quer. É também porque recebe
atribuições apenas dessa natureza. Recebe críticas pela sua atuação, mas nenhuma proposta de
atuação diferente.
O fato de estarmos defendendo uma atuação preventiva da polícia talvez
sensibilize o meio jurídico. Propostas com finalidade da construção de uma nova mentalidade,
com ênfase para a prevenção, que não se resuma apenas na crítica e no preconceito, serão
absorvidas e bem aceitas pela Polícia Judiciária.
72

A análise dos modelos de Justiça Restaurativa e a participação policial em


cada país onde foi implantado, obtendo com bons resultados, falará por si mesmo.
O pioneirismo da Nova Zelândia na implantação de práticas restaurativas
deve-se, em grande parte, a comunidade Maori. Suas reivindicações foram fundadas nas
desproporcionais taxas de encarceramento dos jovens membros desta etnia em relação à
branca de origem européia. Tinham por objetivo evitar que os jovens infratores se afastassem
do convívio de sua comunidade.
Pela sociedade Maori foi editado o Children, Young Persons and Their
Families, que oferece à Autoridade Policial um quarteto de opções ao encaminhamento do
jovem autor de um ato infracional. A primeira alternativa é a advertência simples que tem a
finalidade de elevar o jovem a uma consciência moral do ato; a segunda é o chamado
encaminhamento alternativo, onde há o deslocamento de um policial até o lar do jovem para
uma entrevista com sua família para juntos traçarem um plano de ação que pode abranger
diversas condutas como: reparação do dano causado e pedido de desculpas, dentre outros; a
terceira é a realização de uma reunião do jovem e sua família com um facilitador, a vitima e
um policial; a derradeira opção, esgotada as anteriores, é o encaminhamento do caso ao
Tribunal de Jovens. A escolha do tipo de encaminhamento é ato discricionário do policial que
levará em conta as minúcias do caso concreto, além da conduta antecedente do jovem infrator.
Estudos realizados acerca da eficácia deste procedimento demonstram que
o índice de reincidência é menor entre os jovens que são advertidos. Conclui-se que o jovem
deve se sentir envolvido com as decisões deliberadas e participar da restauração. Com os
resultados satisfatórios entre os jovens houve estímulo de criação de práticas restaurativas
também no sistema de justiça para adultos. Até o ano de 2005 havia 19 programas de Justiça
Restaurativa para adultos na Nova Zelândia, o que dá uma idéia da efetividade alcançada pelo
procedimento (SICA, 2007, p. 83).
No Estado de Nova Gales do Sul - Austrália, em 1997, foi promulgado o
Yong Offenders Act, um documento que possibilita a inclusão de conferências restaurativas.
Podem participar destas conferências o jovem, sua família, advogado, policiais e a vítima e
seus apoiadores.
O encaminhamento dos casos pode ser feito tanto pela polícia como pelo
magistrado, incluindo este, nas disposições constantes da sentença, a realização de uma
conferência restaurativa. Há várias pré-determinações para que haja o encaminhamento, entre
elas que o jovem infrator tenha entre 10 e 17 anos, e que tenha cometido infração que se
sujeita ao procedimento sumário, entre as quais estão o roubo, o furto, o dano e as chamadas
73

condutas desordeiras. Avaliações demonstram um elevado grau de satisfação dos envolvidos


depois das conferências.
Deste modo, cada região daquele país (Austrália) desenvolve uma forma de
justiça restaurativa diferente, mas baseadas nos mesmos princípios e finalidades (SICA, 2007,
p. 93).
Quando se discute a origem da justiça restaurativa o Canadá é lembrado
como o país onde ocorreram as primeiras experiências.
No ano de 1974, na cidade de Kichener, na província de Ontário, foi criado
um programa de mediação entre vítima e ofensor depois que dois jovens foram condenados
pela depredação de algumas propriedades na região e que, ao saber do ocorrido, um grupo
vinculado à corrente cristã menonita, que discutia à época alternativas à prisão, sugeriu ao juiz
do caso que fosse realizado um encontro entre os jovens e suas vítimas. Desde então, vários
programas amparados em princípios restaurativos foram implementados no Canadá. Calcula-
se que até 1998 havia quase 200 iniciativas dessa natureza no território canadense (Sica, 2007,
p. 97).
Os modelos de Justiça Restaurativa no Canadá têm, basicamente, três
estruturas: a) mediação entre vítima e ofensor com a participação dos envolvidos e de um
terceiro imparcial; b) o Family Group Conferences (Conferências de Grupo Familiar); c)
iniciativa da vitima, do ofensor, da família, da comunidade, de policiais e advogados que se
reúnem perante o juiz e fazem uma recomendação da medida mais adequada ao caso concreto.
Como visto o ponto originário da mediação penal restaurativa é na justiça
dos menores, onde encontra menos óbices do que na justiça comum. Não foi diferente na
Itália, onde se destacam o trabalho desenvolvido no Tribunal de Menores de Milão e Turim
que, semelhante à Nova Zelândia, oferece tratamento ao jovem com a finalidade de persuadi-
lo a reparar o dano causado à coletividade, freqüentemente em casos de furtos, vandalismo
dentre outros.
As primeiras experiências foram realizadas em Turim e Bari, oferecendo
subsídios para outras iniciativas, dentre as quais se destaca a realizada em Milão, onde a
mediação pode ser acionada em dois momentos, antes (com a participação ativa da polícia) e
depois do inicio do processo judicial (SICA, 2007, p. 85).
A Alemanha muito colaborou para o desenvolvimento da justiça
restaurativa no mundo realizando uma série de debates, discussões, jornadas e congressos
sobre o tema. No início da década de oitenta floresceu a idéia de incorporação de métodos de
conciliação restaurativa entre vítima e ofensor na solução de conflitos penais.
74

O projeto pioneiro foi o Täter-Opfer-Ausgleich (conciliação vitima –


ofensor) iniciado na cidade de Braunshweig, em 1985 (SICA, 2007, p. 88).
A notória intenção do projeto era a de aliviar a sobrecarga dos Tribunais e
acelerar a forma de dissolução dos conflitos. Sica (2007, p. 88.) salienta que:

A sobrecarga de casos sofrida pelos assistentes judiciais, o projeto Braunshweig tinha


entre seus objetivos institucionais o alívio dos tribunais juvenis quanto aos delitos de
bagatela, a aceleração do procedimento, a redução dos custos da persecução penal e a
acentuação da perspectiva social do trabalho da Assistência judicial. Quanto ao jovem, o
projeto tinha por fito capacitá-lo para a resolução não criminal de seus conflitos.

Uma das mudanças concretas mais significativas na legislação Alemã é a


possibilidade do Ministério Público, baseado nas investigações da polícia, não proceder a
persecução penal nos delitos punidos com pena mínima inferior a um ano ou multa e onde a
culpabilidade do autor possibilitar (Ibid., p. 90).
Na América Latina têm ocorrido, nos últimos anos, variadas reformas
legislativas voltadas ao incentivo do uso de mecanismos alternativos de resolução de
conflitos. O uso de sistemas alternativos na esfera penal, contudo, ainda encontra restrições.
Na Argentina existem leis específicas sobre mediação penal: Lei nº 24.573;
e conciliação: Lei nº 24.635. Todavia, não há dispositivo legal específico sobre a aplicação de
meios alternativos de solução de conflitos na esfera criminal.
Houve a instalação, naquele país, de projetos pilotos de justiça restaurativa
denominado Proyecto RAC. O projeto se desenvolve da seguinte maneira: assim que o crime é
notificado à polícia uma equipe do projeto é acionada e entra em contato com as partes
envolvidas para averiguar o grau de complexidade do conflito. Se houver possibilidade de
comunicação entre as partes e predisposição de um posterior acordo, a mediação é realizada
com a participação de um mediador, que pode ser um policial. Se houver dificuldades de
comunicação entre os envolvidos o conciliador tem maior liberdade para oferecer sugestões
de solução (KONSEN, 2007, p. 87)
No Chile, a Lei 19.334, de 1994, tornou a conciliação obrigatória nos
processos que envolvam menores de idade. No âmbito penal é possível para os delitos
patrimoniais onde não exista interesse público (SICA, 2007, p. 101).
A mediação com práticas restaurativas, como visto, é uma técnica de
prevenção à pequena criminalidade, incluindo a juvenil. Seria ideal para a proposta preventiva
que o autor desta pesquisa propõe já que será aplicada a conflitos sem natureza criminal,
condutas desviadas, conflitos interpessoais e crimes de pequena ou média gravidade.
75

4.2. Polícia Comunitária

A Polícia Comunitária tem fundamentos sociológicos e criminológicos


desenvolvidos nos últimos trinta anos.
É uma forma de interpretação do trabalho policial que surgiu com as
teorias da abonação ou patrocínio normativo (Sponsorship) e da crítica social (Critical Social
Theory).
A teoria da abonação ou patrocínio normativo, de orientação sociológica,
sustenta que a maioria das pessoas naturalmente se inclinam a cooperar com as outras para a
satisfação de necessidades comuns na medida em que haja consenso quanto a normas ou
padrões gerais, válidos para todos os grupos envolvidos (LIMA, 2004, p. 27).
A teoria da crítica social, de orientação social e criminológica crítica, têm
viés social prático. Induz e estimula a cooperação entre as pessoas com a finalidade de
corrigirem e suplantarem condições sócio-econômicas e barreiras políticas adversas que
dificultam o atendimento de suas necessidades.
O desenvolvimento da consciência comunitária se desenvolve de três
formas distintas: conscientização, capacitação e emancipação (Ibid., pg. 28).
Conscientização é o resultado prático dos esclarecimentos prestados ao
público sobre problemas específicos e a possibilidade de solução com esforço próprio.
Processa-se pela reflexão, discussão e determinação das possíveis causas do conflito.
Capacitação é a motivação para atuar com a finalidade de melhorar, efetivamente, as
condições existentes. Não será o técnico quem decidirá sobre a providência a ser tomada para
melhorar a qualidade de vida da comunidade, mas sim o conjunto do serviço oferecido.
Emancipação é a libertação que resulta da reflexão sobre a conseqüente ação social sobre
determinadas situações problemáticas e deprimentes. Como numa democracia pura as pessoas
se agrupam e se reúnem para decidir, livremente, sobre questões de interesse vital para a
comunidade, podendo determinar seus destinos. É baseada na autonomia da vontade refletida
(Ibid, p. 29).
Alguns estudiosos chegaram à conclusão de que a concepção tradicional da
produção e prestação do serviço público deixava de fora o cidadão enquanto beneficiário e
interessado nesse serviço, ignorando suas potencialidades. Concluíram que a inclusão dos
destinatários como participantes desse serviço resultava sempre em satisfação e melhoria do
próprio serviço. A Polícia Comunitária é uma forma das pessoas da comunidade, destinatárias
76

dos serviços de segurança pública, ajudar-se a si mesma e a polícia a obterem um melhor


serviço dessa natureza (LIMA, 2004, p. 30).
A ação policial é baseada no exercício de poderes coercitivos (repressão)
constituindo-se em uma vexata quaestio que a acompanha, principalmente, porque os limites
de sua atuação, por muitas razões, nem sempre são ou podem ser definidos com precisão,
comportando certo grau de discricionariedade. Por estas razões a polícia é sempre mal vista e
mal julgada e sua atuação tem legitimidade comprometida. Isto ocorria pelo
distancianciamento em que se colocaram as organizações policiais em relação às comunidades
junto às quais atuavam, como se impostas a elas e indiferentes aos seus reclamos e
necessidades. A Polícia Comunitária é uma forma de estabelecer uma dialética com a
comunidade e legitimar a ação policial (Ibid, p. 30).
Onde há crime há um contexto criminoso. Ouvir e pedir apoio da
comunidade, refletindo sobre as possíveis causas e soluções para o aumento da segurança são
fatos sociais que interessam a todos indistintamente. Por isso a obtenção do consenso popular
para um programa preventivo de combate à criminalidade é a meta da Polícia Comunitária.
Para exemplificar a proposta, o autor deste estudo cita a considerável
diminuição da criminalidade observada na cidade onde atua depois que promoveu uma
reunião com os proprietários e empregados em bares e similares, debatendo e refletindo a
respeito do seu funcionamento após 23h. Houve consenso de que a situação realmente
contribuía para o cometimento de crimes e a solução apontada pela maioria foi a de que os
estabelecimentos deveriam ter as portas fechadas nesse horário. De forma espontânea os
proprietários se comprometeram a assim agirem e efetivamente cumpriram o acordo.
Curiosamente, esse segmento sempre contestou a criação de um projeto de lei municipal com
esta finalidade que previa sanções pecuniárias para os infratores (modo repressivo).
O homem vive num determinado contexto social cujos valores, tendências
e interesses são por todos comungados. O problema da criminalidade não deve ser tratado
apenas do ângulo da imposição de penalidades pelo Estado, como seria do gosto dos
conservadores, nem sobre o exclusivo aspecto econômico, como pretendem os liberais. É
muito importante à prevenção criminal baseada na realidade social, que não se constitui
apenas do Estado e do setor privado. É preciso considerar e ouvir o tecido social buscando o
apoio e o consenso que legitimam as medidas e as fazem com que realmente sejam
observadas. A prevenção e a adesão evitam a violência e a coercibilidade.
A Polícia Comunitária tem como preocupação a identificação e análise dos
problemas subjacentes à atividade criminosa e não exclusivamente com o fato criminoso em
77

si. Sendo assim esta atuação torna o serviço policial mais complexo e o faz transcender da
esfera judiciário-penalista para atingir outros setores do conhecimento humano.
Como defende o autor deste trabalho, para a completa apuração do fato
criminoso e a busca mais próxima da verdade substancial será necessário um aprofundamento
das investigações na busca das motivações da conduta e a efetiva participação dos envolvidos
objetivando a reunião de elementos para uma melhor cognição e prevenção de novos fatos
pelos mesmos envolvidos.
A atuação policial não pode se dar apenas de forma reflexa ao fato
criminoso. Deve aprofundar-se na investigação do contexto mais amplo (social, urbano e
psicológico) em que ocorreu. Os casos com que se defronta a polícia não podem ser tratados
apenas sob o ângulo penal-repressivo. A prevenção e a participação da comunidade devem
compor o modo de atuar da polícia.
Inverte-se dessa maneira o papel do policial que deixa de ser um mero
representante do Estado para ser um representante da comunidade, sensível a seus anseios e
apelos.
Nesse sentido a Polícia Comunitária é uma filosofia e estratégia
organizacional que promove um novo tipo de cooperação entre o público e sua polícia.
Baseia-se no pressuposto de que polícia e comunidade devem trabalhar juntas visando a
melhoria da segurança pública e a qualidade de vida.
A linha mestra da perspectiva da cura ou saneamento comunitário é a
ênfase que se dá a uma participação significativa desta mesma comunidade não apenas no que
diz respeito ao procedimento judicial, mas também nos esforços tendentes a resolver, dirimir,
constituir ou reconstituir relações sociais desgastadas. A participação construtiva dos cidadãos
no sentido de manter e reparar estas relações e de solucionar conflitos junto com a polícia
torna-se fundamental para o fortalecimento da capacidade comunitária para o controle da
criminalidade (LIMA, 2004, p. 156).
Há um esclarecimento que precisa ser proposto e que é um dos principais
obstáculos para aceitação mais ampla da filosofia comunitária: o relativo às restrições da sua
aplicação.
Amitai Etzioni (apud LIMA, 2004, p.157), diretor do Instituto de Estudos
sobre Polícia Comunitária, especialista nesta matéria, chama a atenção para o fato de que a
Polícia Comunitária não pode nem deve atuar em relação a todos os crimes ou criminosos.
Casos graves que necessitam de maior repressão devem ficar fora do programa. Para ele a
78

Polícia Comunitária deve atuar nos trabalhos preventivos e junto a infratores primários e não
violentos. O autor desta pesquisa comunga desta idéia.
A Polícia Comunitária é uma alternativa no Sistema Penal do nosso país
onde a atuação policial tem aspecto exclusivamente repressivo e penal em razão das políticas
que dão preferência a este tipo de solução de conflitos. Os sintomas mais visíveis dessa
atuação, além da omissão em relação às práticas preventivas, são as inqualificáveis prisões
onde se exacerbam os sentimentos anti-sociais e os reclusos aprimoram a vocação criminosa.
À polícia é atribuído, como dito anteriormente, apenas funções repressivas
que excedem suas forças. Seus integrantes são levados a lidar apenas com os efeitos da
criminalidade reagindo como podem a eles. Consequentemente, a polícia é tida por
ineficiente, violenta e corrupta. Essa avaliação é exacerbada pela mídia e a opinião pública se
volta contra a instituição policial, enfraquecendo os laços e dificultando sobremaneira a
adoção de programas de Polícia Comunitária, por isso será importante um profissional de
publicidade atuando junto a Autoridade Policial para a divulgação dos trabalhos preventivos
feitos pela Polícia Judiciária.
Para Silva (2008, p. 501) existem grupos manipuladores que com
motivação político-eleitoral tem dependência vital da mídia. “Fora do poder, dão toda razão à
mídia nas críticas que esta faz ao poder público. No poder, só aceitam elogios e a acusam de
sensacionalismo e de contribuir para o pânico por não retirar a violência de foco”.
“Para as camadas mais altas os policiais nada mais são do que operários a
seu serviço, mantidos com os seus impostos para combater criminosos incertos encontrados
em lugares certos”. Um papel ambíguo já que num momento exige-se da policia cada vez
mais repressão aos seus presumidos alvos e em outro se cobram os abusos a que foi induzida
exatamente por aquelas exigências (SILVA, 2008, p. 467).
O próprio meio jurídico, como visto, demonstra reservas em relação à
polícia e de forma preconceituosa a exclui de uma formulação teórica que lhe dê contornos
democráticos e maior participação preventiva nas iniciativas de alternativas no sistema penal.
Em razão da desvalorização, da falta de identidade e de apoio, a polícia é
objeto das mais diversas críticas e não suscita qualquer interesse político. Por isso não há
investimentos na sua melhora, o que é conveniente, porque assim fica mais fácil manter uma
estrutura manobrável e acrítica, possibilitando seu uso e direcionamento para as
conveniências eleitas. Sem investimentos e projetos que lhe mudam a feição a polícia não
pode ser mais do que é e o sentido do seu ser não passa para além de procurar ser melhor no
que é. Cria-se, destarte, o estereótipo de ineficiente, violenta e corrupta.
79

Em sua auto-imagem a polícia (estadual) é tão marginalizada quanto os


criminosos que combate e o ponto comum é que poucos desejam seus progressos. E, como
acontece na guerra civil, onde pessoas lutam contra seus pares, a polícia, em geral, luta contra
os cidadãos menos afortunados. A aproximação de rivais (polícia e comunidade) pode
atrapalhar interesses de grupos que não querem ver um organismo forte e, por isso, capaz de
incomodá-los. Por isso a Polícia Comunitária como alternativa preventiva no sistema penal
encontra forte resistência.
Na verdade, os policiais estão condicionados a serem empregados como
instrumentos de repressão e de força, da mesma forma que boa parte da sociedade esta
habituada a vê-los trabalhar desse jeito, com forte dose de preconceito, o que jamais é
admitido por qualquer policial, e somente por alguns setores da sociedade. “Ainda prevalece
entre nós uma concepção autoritária, militarista e repressivista da segurança pública,
estranhamente compartilhada por grande parte do espectro político”. (Silva, 2008, p. 379).
Talvez por isso o Brasil seja o “único país no mundo em que a polícia se
desinteressa pela delinqüência juvenil, tanto quanto de determinadas situações sociais
favoráveis à proliferação do crime, numa posição francamente defensiva, restrita ao papel de
auxiliar da justiça penal, neste sentido, aliás, puramente repressivo” (LIMA, 2004, p. 21).
Basta verificar que nas sociedades mais evoluídas a Polícia Judiciária é
mais que um “órgão estatal”. Apesar de abusos ocasionais de alguns de seus membros é uma
instituição legítima, imprescindível e democrática que recebe do meio social o devido
respeito, fazendo-a capaz de interagir com a sociedade na solução não violenta de conflitos e
privilegiando a prevenção, como ocorre na Nova Zelândia.
Inglaterra, Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Japão e outros países
adotaram a filosofia de Polícia Comunitária e com excelentes resultados (Ibid., p. 61).
No Brasil, em especial no estado de São Paulo, as iniciativas de Polícia
Comunitária são recentes e tiveram início em 1997. Sua modesta participação na atuação
policial deve-se: a) a falta de estrutura organizacional, estilo de gerenciamento e cultura
profissional da polícia; b) falta de interesse e fomento da participação da comunidade; c) falta
de integração e cooperação entre as polícias e as demais organizações do sistema de justiça
criminal e setor público.
Para que a Polícia Comunitária atinja a eficácia esperada seriam
necessárias mudanças na forma de escolha dos dirigentes policiais, maior concessão de verbas
públicas para o desenvolvimento de programas e metas estabelecidas e a edição de leis que
80

disciplinassem sua organização e o funcionamento com atribuições voltadas a prevenção e


maior participação na solução de conflitos (LIMA, 2004, p. 143).
Só para se ter idéia da precariedade com que o programa é desenvolvido, o
autor deste estudo, pode citar a falta de sede para os CONSEGs; ausência de programas
voltados à prevenção do crime e ao estudo da criminalidade nas cidades; falta de bibliotecas
com literatura específica nas unidades policiais e cursos para os policiais e agentes
comunitários; falta completa de recursos públicos e incentivos de qualquer espécie para o
desenvolvimento e incentivo à Polícia Comunitária.
Apesar disto há muito otimismo em relação às potencialidades do exercício
da Polícia Comunitária. Mesquita Neto (1999, p. 281) acredita que:

Apesar das limitações do policiamento comunitário e das dificuldades para sua


implantação no Brasil, o policiamento comunitário pode contribuir para melhorar a
atuação da polícia no controle da criminalidade e na manutenção da ordem pública e
aumentar o respeito dos policiais à lei e aos direitos humanos no país.

Tonini (1998, p. 29) lembra que o Programa Nacional de Direitos


Humanos, do Ministério da Justiça, estabeleceu como uma de suas metas o apoio as
experiências de Polícias Comunitárias que encarem o policial como agente de proteção dos
direitos humanos. Isto incluiria um reposicionamento da polícia orientado para a comunidade
e a ajuda de forma abnegada às pessoas no sentido de solucionar problemas, aprimorar
resultados, prevenir e impedir conflitos.
A socióloga Maria Inês C. Ferreira (1999, p. 256) conta dois episódios
envolvendo policiais e a comunidade e chama a atenção para a complexidade da questão -
Polícia Comunitária – e sugere reflexões sobre atuação de policiais em periferias. Aduz que:

Sem dúvida, o papel dos policiais orienta-se pelas regras universais e formais da sociedade
mais ampla, mas a ação na comunidade é influenciada pelos laços comunitários, pelas
regras particulares. Portanto, o modo de apropriação do poder público de que os policiais
estão investidos ajusta-se aos valores comunitários. A ambigüidade entre a ação dos
policiais na periferia e as normas oficiais que orientam o seu desempenho, tem relação
direta com a dissonância entre o discurso dos operadores da justiça e os pobres, detectada
no Fórum. A diferença é a adaptação dos policiais mais próximos da população e o
estranhamento dos operadores no Fórum, isto ocorre porque os primeiros geralmente são
oriundos daqueles mesmos grupos sociais e os últimos são de classe social diferente.

Devem-se, portanto, tomar certas cautelas em relação ao duplo preconceito


que sofre os policiais residentes nas periferias quando seu trabalho aportar no Palácio da
Justiça.
81

Também Silva (2008, p. 355) é otimista quanto à implantação da Polícia


Comunitária, mas alerta: “nada adiantará que alguns dirigentes policiais e alguns setores da
sociedade se esforcem para promover a integração da polícia com a comunidade enquanto
parcelas dessa sociedade com poder e voz, trabalham na direção oposta”.

4.3. A Política de Segurança Pública voltada a Prevenção da Criminalidade do Governo


Federal

O governo federal, no Brasil, tem adotado, ainda que timidamente,


políticas de segurança pública voltadas à prevenção da criminalidade e a participação
comunitária em assuntos de segurança pública.
Foi implantado em 2003 e está em curso o programa denominado
Segurança Cidadã que contempla políticas púbicas de prevenção à violência e da
criminalidade de forma comunitária. A finalidade é estabelecer uma confiança mútua entre as
famílias das comunidades com os profissionais da segurança pública. Para isto incentiva a
criação de conselhos municipais para atingir o sucesso de um novo modelo preventivo de
segurança pública (SILVEIRA, 2008, p. 220).
Para a implantação deste e de outros programas voltados à prevenção da
criminalidade foi criada a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao
Ministério da Justiça, com a atribuição principal de coordenar a Política Nacional de
Segurança Pública e de articular junto aos demais órgãos do governo, a nível federal, estadual
e municipal, a indução e concretização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Paralelamente, em face da necessidade de institucionalizar os conceitos de
segurança com foco na cidadania, em legislação própria, o Ministério da Justiça lançou o
Programa Nacional de Segurança com Cidadania, de caráter nacional, que alcança todos os
níveis de governo e sociedade (SILVEIRA, 2008, p. 220).
Esse sistema pretende atuar conjuntamente e trazer uma nova visão para a
segurança pública brasileira com a gestão de sua operacionalização no conceito de segurança
cidadã.
82

Silveira (2008, p. 220) afirma que:

O conceito de segurança cidadã parte das premissas de que, para que os órgãos de
segurança pública atendam bem sua missão, a comunidade precisa ter confiança nos
profissionais da segurança pública. Precisa enxergá-los além de sua condição humana.
Estes profissionais, por sua vez, devem ver a comunidade como cidadãos e cidadãs que
eventualmente poderão incorrer em algum ato delitivo como, por exemplo, atropelar
alguém, mesmo que não intencionalmente.

O projeto de segurança cidadã contempla políticas de prevenção da


violência e da criminalidade consolidadas na legislação ordinária. Visa a promoção do
fortalecimento dos laços familiares, proteção à mulher, criança e adolescente, aos idosos, às
minorias (seja pela condição de raça, cor, credo ou orientação sexual), sem esquecer as
garantias e políticas públicas de prevenção já instaladas e sem deixar de consultar, também, as
universidades em seus estudos acadêmicos e científicos, para uma busca permanente de novas
tecnologias sociais e de informação que possam ajudar governo e comunidade a se munirem
de mecanismos que garantam o pleno gozo dos direitos da cidadania.
Sobre o programa interessante o trabalho de mulheres da baixada
fluminense, no Rio de Janeiro (FENAPEF, 2009, p. 1):

Afastar jovens do tráfico e da violência é o principal objetivo de um grupo de moradoras


de áreas pobres do estado do Rio. Conhecidas como Mulheres da Paz, elas fazem parte do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça. Elas
batem de porta em porta atrás de adolescentes que estejam envolvidos com atividades
ilegais ou em risco de ser cooptados pelo tráfico ou pelas milícias. Apesar de trabalharem
entre esses dois grupos criminosos, dizem que não sentem medo e que não são ameaçadas.

O mais interessante deste programa é o reconhecimento da importância da


participação da Polícia Judiciária na vida da comunidade e a sua inclusão social como agência
de prevenção, mudando completamente o foco até então existente de que este segmento da
polícia deve atuar apenas repressivamente.
Como já informado, os policiais são tratados como cidadãos e poderão
participar ativamente do projeto segurança cidadã.
Um dos objetivos deste trabalho, inclusive, é o atendimento de um dos fins
buscados pelo Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o de implantação de projetos de
prevenção à violência e criminalidade.
83

Segundo Silveira (2008, p. 22-223);

As políticas levadas a efeito pelo SUSP buscam intervir sobre os modos de convivência
social, proporcionando recursos para o melhoramento da qualidade dos vínculos
estabelecidos, a fim de garantir a segurança integral e cidadã. Entre as ações do
PRONASCI, estão a formação e valorização do policial, com os cursos de capacitação
oferecidos pela Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp) e a
Bolsa-Formação. A reestruturação do sistema penitenciário, com a criação de cerca de 34
mil vagas, o combate à corrupção policial e o fortalecimento das guardas municipais e o
policiamento comunitário (interação entre polícia e comunidade) também são prioridades
do programa.

A Polícia Judiciária, no exercício de suas funções, para além da apuração


da infração penal e sua autoria, recebe as pessoas nas Delegacias de Polícia e têm contato
direto com elas. Atualmente, é um órgão público procurado para fornecer informações das
mais variadas e promover registros de ocorrências, ainda que sem natureza criminal, para
preservar direitos caros aos interessados. A Autoridade Policial pratica diversos atos solenes
(certidões de antecedentes criminais, registro geral de pessoas (RG), documentos de trânsito,
etc.) que interessam à vida das pessoas e da comunidade. Por tudo isto a Polícia Judiciária
pode e deve ter uma atuação voltada também à prevenção da criminalidade com a
implantação de projetos que busquem a parceria da comunidade.
Para a efetividade deste objetivo pela Polícia Judiciária o apoio será
fundamental, principalmente dos operadores do direito e das universidades a fim de se
vencerem os preconceitos. Leis que atribuam funções preventivas à Polícia Judiciária, quando
for o caso, devem ser criadas para o combate efetivo e especializadas à criminalidade com o
objetivo de reduzi-la.
84

V - PROPOSTA ALTERNATIVA DE PREVENÇÃO Á


CRIMINALIDADE CONDUZIDA PELA POLÍCIA
JUCICIÁRIA

Prevenir não será considerado neste trabalho como meio de banir a


criminalidade. Prevenir aqui terá o sentido de considerar uma série de fatores para favorecer
as pessoas a terem condições de fazer escolhas.
Cavaltanti (apud ZEMEL, 2008, p. 94), afirma “que, em geral, a prevenção
refere-se a toda iniciativa coletiva visando à sobrevivência da espécie. Na realidade é um
conceito recente e poderíamos dizer que as primeiras instituições na história que estiveram na
sua vanguarda foram as religiosas”.
Concordamos com Birche de Carvalho (2008, p. 195) quando sustenta que:

A efetiva prevenção é fruto do comprometimento, da cooperação e da parceria entre os


diferentes segmentos da sociedade brasileira e dos órgãos governamentais, federal,
estadual e municipal, fundamentada na filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”,
com a construção de redes sociais que visem à melhoria das condições de vida e promoção
geral da saúde. As ações preventivas devem ser pautadas em princípios éticos e
pluralidade cultural, orientando-se para a promoção de valores voltados à saúde física e
mental, individual e coletiva, ao bem-estar, à integração socioeconômica e à valorização
das relações familiares, considerando seus diferentes modelos.

O controle social com o enfoque contemporâneo, descrito na Constituição


Federal de 1988, prevê a participação da população na elaboração, implementação e
fiscalização de políticas sociais34. Essa participação se dá através de variadas formas, mas
com a união da sociedade civil com o Estado35 para atingir uma dinâmica multifacetária da
realidade e dos problemas relacionados com a segurança pública e todos os seguimentos que
lhe são afetos, como política social, educação, saúde, habitação, urbanização, trabalho, idoso,
mulher, criança, dentre outros.

34
Segundo o artigo 144 da Constituição Federal a segurança pública é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos. Ao mencionar que a segurnaça pública é responsabilidade de todos indica que haverá
participação de todos na elaboração, implementação e fiscalização de projetos destinados a garantir o direito
social de segurança.
35
Esta união é fundamento da Polícia Comunitária. O Estado é representado pelas suas instituições policiais e a
sociedade civil pelos conselhos comunitários.
85

A participação e controle social, segundo Neiva et al (2008, p. 166), são:

Participação é a maneira pela qual os desejos e as necessidades de diferentes segmentos da


população podem ser expressos em um espaço publico de modo democrático. A
participação é um processo educativo de construção de argumentos e de formulação de
propostas, além de ser um espaço onde os cidadãos aprendem a ouvir outros pontos de
vista, a reagir, a debater e a chegar ao consenso. Neste sentido, essas são atitudes que
transformam todos aqueles que integram os processos participativos.
Controle Social ou democracia direta refere-se ao acesso à informação e à participação da
sociedade civil, organizada ou não, na gestão, implementação de ações e fiscalização das
organizações públicas e privadas, assim como na formulação e revisão de diretrizes,
normas e contratos dessas organizações. O controle social pode ser exercido via formal –
mediante previsão legal ou estatutária desta participação da sociedade civil – ou
informalmente, por meio de espaços institucionalizados ou não de exercício do controle
social.

Os mesmos autores (2008, p. 166) enfatizam: “no que diz respeito à relação
existente entre o controle social e a participação, vale lembrar que o sentido de controle social
inscrito na Constituição Federal é o da participação da população na elaboração,
implementação e fiscalização das políticas sociais”.
“Em relação ao nosso país, cumpre enfocar o problema da prevenção
criminal, função precípua e, entre nós, descurada da polícia. Trata-se, entretanto, de
pressuposto básico de qualquer projeto que envolva a colaboração da comunidade”. (Lima,
2004, p. 20). Mais à frente o autor (2004, p. 25) complementa dizendo que:

Trata-se, sobretudo, de projetos ambiciosos, no sentido de abranger a atividade policial


não só os efeitos, representados pelo crime, como também as causas deste, os fatos que
possam gerá-lo. A reaproximação da comunidade pretendida deve operar-se efetivamente
mediante contatos pessoais dos agentes com as pessoas do povo [...] de modo a poderem,
juntos, identificar os problemas e cogitar nos meios de defesa e proteção apropriados
contra o crime e a violência. Os projetos mais ousados neste sentido vão mais longe.
Prescrevem não só a colaboração da população, mas também a capacitação desta para
lidar com os próprios problemas, ajudada embora pela polícia.

Destarte, vimos que, na ausência de outros órgãos públicos, é para as


Delegacias de Polícia que recorrem às pessoas mais carentes buscando solução dos mais
variados problemas sociais. Há necessidade de atendimento diferenciado e qualificado para
que estes conflitos sociais não resultem em crimes.
Também constatamos que na Delegacia de Polícia são registrados diversos
fatos sem natureza criminal. O agravamento destes conflitos pode levar a prática de crimes.
Merecem, por isso, atendimento qualificado.
De outro lado a Autoridade Policial, no exercício de suas funções, precisa
assumir uma posição mais ousada para não encarcerar autores de crimes de pequena e
86

eventualmente média criminalidade, em face das circunstâncias do caso concreto, evitando


que tenham contato com organizações criminosas dentro do precário sistema penitenciário e
não sejam influenciados ou corrompidos.
Os envolvidos em crimes de pequena ou média gravidade, em situação de
flagrância ou não, serão encaminhados ao plantão social. As motivações do crime e a
personalidade dos envolvidos serão analisadas pela equipe multidisciplinar com a finalidade
de se encontrar uma medida preventiva adequada e eficaz e ao mesmo tempo servir de
subsídio para a investigação do inquérito policial ou a instrução do processo.
Para a proposta aqui desenvolvida é fundamental a participação da
comunidade. Assim, em todas as ações da Autoridade Policial haverá participação da
sociedade civil, com amplo emprego do instituto da polícia comunitária que legitimaria suas
ações. De forma mais abrangente os arquivos estatísticos seriam utilizados na elaboração,
implementação e fiscalização, pela comunidade, de políticas públicas ou campanhas
publicitárias voltadas a segurança pública e prevenção à criminalidade.
Vimos ainda que a Autoridade Policial deverá utilizar técnicas de
orientação, conciliação, conscientização, mediação, práticas restaurativas e polícia
comunitária para dar o atendimento qualificado para todas estas situações.
Resta, portanto, pormenorizar como será a atuação da Autoridade Policial e
da comunidade nestas ações preventivas, o que será objeto dos temas estudados na seqüência.

5.1 Funcionamento Permanente do Conselho Comunitário de Segurança na Delegacia


de Polícia

As participações da comunidade em projetos sociais de qualquer natureza


têm se efetivado por meio da formação de conselhos comunitários36. Em relação aos assuntos
de segurança pública existem, no estado de São Paulo, os Conselhos Comunitários de
Segurança (CONSEG s), criados em cada município, tendo em sua composição, como

36
A participação da população no controle e gestão das políticas públicas se dá por meio de conselhos. Artigos
10; 194, inciso VII; 198, inciso III; 204, inciso II; 206, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.
87

membros natos, os líderes das policias civil e militar e, como membros mandatários,
representantes dos mais diversos setores da sociedade. 37
Os CONSEGs, em geral, não contam com uma sede. Este tem sido um dos
maiores problemas enfrentados pelo conselho para o seu efetivo funcionamento.
Sem sede, nem estrutura condizente, os membros do conselho não se
motivam a participarem e quando o fazem limitam muito suas atividades. Como membro nato
de diversos conselhos o autor desta pesquisa tem notado esta dificuldade.
Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública já existem, tem
regulamentação, mas não encontram apoio para montarem uma estrutura que permita atingir
com eficácia suas finalidades.
Sem a participação efetiva dos conselhos as ações de Polícia Comunitária
ou projetos de prevenção à criminalidade se tornam muito difíceis ou quase impossíveis. Isto
porque, segundo Sudbrack (2008, p. 142), sem a participação comunitária, expressada pelos
conselhos, não haverá mudanças na maneira de se posicionar nem nas atitudes práticas das
pessoas diante do problema da criminalidade e a intervenção não adquire, assim, uma outra
eficácia, porque não se fundamenta na contribuição de todos.
Para o autor citado (2008, p. 142):

O enraizamento social, ou seja, o trabalho, tem sua origem no grupo de pessoas sobre o
qual a ação se dirige; nesse caso, enfatiza-se uma atuação de parcerias que têm como
resultado o funcionamento em rede de todas as iniciativas ligadas à prevenção;
As parcerias múltiplas permitem uma percepção global dos recursos da comunidade e
evitam que a intervenção seja restrita à ação de especialistas; o trabalho exige a utilização
de recursos comunitários não mobilizados até então.

A proposta do autor deste trabalho é que os Conselhos Comunitários de


Segurança tenham como sede as Delegacias de Polícia e possam ali funcionar,
ininterruptamente, a fim de que sua participação seja a mais efetiva possível.

37
Em 10 de maio de 1985, o então governador de São Paulo, André Franco Montoro, assinou o decreto que criou
os Conselhos Comunitários de Segurança. Os CONSEGs aproximam a comunidade das Polícias Civil e Militar,
com o objetivo de aprimorar os trabalhos de segurança pública de uma determinada região. Desde 2004, a data
de criação dos CONSEGs passou a ser, também, o Dia dos Conselhos Comunitários de Segurança, que foi
instituído pela Lei 11656. Cada Conselho é um grupo de pessoas que se reúne, mensalmente, em local público e
fora do horário de trabalho, para discutir quais os problemas de segurança da região que abrangem e levantar
possíveis soluções. Um representante da Polícia Civil, um da Polícia Militar e pessoas da comunidade compõem
o grupo do CONSEG. Hoje, são, aproximadamente, 770 Conselhos em todo o Estado de São Paulo, que têm
colaborado para a melhoria da segurança. O trabalho dos CONSEGs provam que a união entre a polícia e a
comunidade é o melhor caminho na luta contra a violência. (www.conseg.sp.gov.br/conseg).
88

Lima (2004, p. 23) observa que “a necessidade de desenvolver-se um


trabalho sério de prevenção criminal, com a ativa participação comunitária, especialmente
junto às populações mais carentes, assume hoje, em nosso país, um ponto crítico”.
É nas Delegacias de Polícia que aportam todos os registros de fatos,
criminosos ou não. Somente com o conhecimento amplo de todos estes fatos, obtidos em
tempo real, os conselhos poderiam atingir as suas mais diversas finalidades como a de
participação, fiscalização, solução e criação de alternativas e projetos preventivos.
Para Neiva et al (2008, p. 170):
A participação nos conselhos surge, nesse contexto, com o desafio de desmistificar a
lógica de fragmentação das políticas sociais e promover o debate intersetorial com a
articulação dos diferentes setores, na perspectiva de complementariedade entre as
políticas. Esse desafio, por sua vez, requer dos sujeitos sociais envolvidos à
capacidade de uma compreensão crítica da realidade social nas suas múltiplas
manifestações. Dessa forma, será possível aos conselhos ultrapassar os limites dos seus
campos de atuação específicos, avançando em direção a uma atuação integrada. (grifos
nossos).

Dagnino (apud NEIVA et al, 2008, p. 170), salienta que:

O desafio da construção democrática no País é um processo permeado por conflitos, em


virtude da complexidade de fatores que caracterizam a relação entre Estado e sociedade
civil. A multiplicidade dos interesses dispostos nesses espaços, portanto, requer novos
aprendizados que instrumetalizem a capacidade de negociação e construção do interesse
público na formulação das políticas.

Tendo contato direto com os registros e atendimentos policiais nas


delegacias de polícia, os conselheiros terão uma compreensão crítica da realidade social mais
ampla. Estarão cientes dos problemas de segurança pública que estão atingindo a comunidade
e poderão, com o estudo dos casos e a articulação dos demais setores sociais, criarem
alternativas preventivas e buscarem recursos para executá-las.
De forma mais direta, os conselhos e a equipe multidisciplinar (citada mais
adiante) participará, junto com a Autoridade Policial, das conciliações e orientações dirigidas
às pessoas interessadas, legitimando estas condutas e evitando processos judiciais inúteis.
A articulação feita pelos conselhos junto aos órgãos públicos poderia
agilizar os encaminhamentos de pessoas a profissionais de direito, saúde, serviço social ou
psicologia, bem como acompanhar os tratamentos e sua evolução e organizar arquivos e
estudos para a busca de soluções preventivas com base em problemas reiterados e análise de
suas causas, constatados ao longo de algum tempo como, v.g., a violência doméstica causada
pelo alcoolismo.
89

Os conselhos teriam acesso às informações criminais e estatísticas policiais


e conheceriam melhor as áreas de incidência criminal, podendo sugerir e participar de ações
policiais preventivas realizadas pelas polícias civil e militar ou sugerir ao poder público a
implementação de programas educativos e preventivos a serem desenvolvidos naquelas áreas.
Como afirma Silva (2008, p. 203) “não cabe dúvida de que uma maior
eficiência do sistema de segurança pública seria conseguida se as medidas preventivas e
repressivas pudessem ser pensadas com o envolvimento das autoridades e dos profissionais
das instituições.” Convém acrescentar que os conselhos também poderiam participar desse
pensamento se estivem envolvidos diretamente com as atividades policiais.
Hoje já existem leis municipais que dão suporte financeiro a realização de
programas como este aqui exposto, através de recursos municipais para os CONSEGs38 Em
sendo assim, a proposta terá plenas condições de ser implantada e executada.
Sugere o autor desta pesquisa, inclusive, que os conselhos tenham à sua
disposição uma biblioteca, com variadas obras sobre segurança pública, polícia comunitária e
temas correlatos, para formação de uma base teórica e atuação edificada em estudos e
conhecimento a respeito do objeto de sua atuação.
Os conselhos comunitários de segurança comporiam o plantão social.

5.2. Equipes Multidisciplinares Atuando ao Lado da Autoridade Policial

A idéia de plantões sociais funcionando no interior de Delegacias de


Polícia não é novidade. Nos Estados Unidos, Europa e com mais ênfase em Amsterdã, na
Holanda, foram criados e houve incentivo ao trabalho nele desenvolvido (Pereira, 1982, p.
10).
A criminalidade varia segundo o grau de integração social e o crime não é
mais que o produto sociocultural desta realidade. Pereira, (1982, p. 11) enfatiza que “os
elementos condicionantes principais do aparecimento do crime são sociais e decorrem de
realidades socioculturais”.

38
Lei nº. 1060/05, do Município de Nova Aurora-PR, que autoriza o Poder Executivo Municipal firmar convênio
com o CONSEG para transferência de recursos municipais. Lei nº. 4.622/04, que cria no município de Cuiabá-
MG, o fundo municipal de Segurança Pública, administrado pelo CONSEG e que também autoriza repasse de
recursos municipais a estes conselhos.
90

A equipe multidisciplinar, chamada de equipe técnica, deverá ser formada


por pelo menos um profissional do serviço social e outro da psicologia que atuarão em
conjunto com a equipe policial e conselho comunitário de segurança.
O Serviço Social é uma disciplina técnico-científica de intervenção na
realidade humano-social e visa a promoção dos indivíduos, grupos e comunidades. O objeto
de intervenção do Serviço Social são as relações sociais e o ser humano e suas funções podem
ser agrupadas em educativas, construtivas e curativas. O profissional de Serviço Social pode
opinar sobre a criação de recursos e política social e deve atuar na área policial, no campo
criminológico, com a finalidade de diminuir a criminalidade (JÚNIOR, 1982, p. 51).
A criminologia caminha para um objetivo de estudo da ação criminosa,
como resultado da personalidade do agente e das circunstâncias que o envolve, ou seja, as
causas que levam o indivíduo ao comportamento desviante que pode incidir em normas
penais. “Podemos afirmar com alguma segurança que não existe uma causa isolada que leve o
indivíduo ao comportamento desviante, e sim uma interação de causas, tanto de caráter
externo ou ambiental, quanto interno ou individual.” (Ibid., p. 52).
Segundo o autor citado “nos fatores externos, ou seja, nas pressões
ambientais, podemos encontrar a desorganização social, a patologia social e a transformação
social”. Para o autor (1982, pg. 52):

A desorganização social é uma tese muito aceita pelos países em vias de desenvolvimento,
que partem da premissa de que, sedimentada a organização sócio-econômica, cessará ou
reduzir-se-á a criminalidade.
A colocação de que o crime é conseqüência de conflito cultural está ligada à tese de
desorganização social. Cultura sem violência e sem crime é mera abstração, pois sempre
abrange as expressões inferiores e superiores de uma sociedade. Quanto a tese da
transformação social como causa da criminalidade, enfocando os processos de
urbanização, industrialização, crescimento demográfico, migração, mobilidade social, por
si só se justifica. Podem criar novas formas de crime, mas muitas vezes conseguem
extinguir outras.
Por outro lado, as relações entre os fatores biológicos, e o crime antecedem mesmo a
própria origem da criminologia e têm como base o paralelismo psico-fisiológico, que
pressupõe que a natureza do homem possa ser prevista pelas suas características físicas.
Finalmente, quando aos aspectos psicológicos que integram o núcleo central da
personalidade criminal, podemos mencionar a agressividade, o egocentrismo, a labilidade
e a indiferença afetiva para a análise do comportamento criminoso. Não existe uma
correlação direta ou generalidade entre doença mental e crime, seja no que se refere às
causas ou à predisposição.

A equipe multidisciplinar composta pela Autoridade Policial, assistente


social, psicólogo e conselho comunitário de segurança e, eventualmente, por autoridade
religiosa, teria por objetivo geral a prevenção da criminalidade e a implantação de técnicas
91

alternativas de solução de conflitos nas unidades de Polícia Judiciária, como as expostas neste
trabalho (orientação, mediação, conscientização, práticas restaurativas, polícia comunitária).
Segundo Lima e Portão (1982, p. 64/65) o Brasil adotou o sistema jurídico
francês e a polícia tem sido desviada da tarefa preventiva, que deveria ser sua finalidade
básica. “O abandono da atuação preventiva que deveria estar conectada à outra, a repressiva,
tem sido sentido como omissão policial, podendo-se ainda apontá-lo como importante fator de
agravamento da criminalidade”, já que menores carenciados e desassistidos são deixados,
inteiramente à própria sorte, vivendo em favelas e locais promíscuos, sob as piores influências
e deles não se toma conhecimento, até que penetram na esfera da grande criminalidade. A
prevenção neste campo é também nula.
A criação de plantões sociais, com equipes multidisciplinares, devem ter
como objetivos o amparo, orientação e encaminhamento de pessoas necessitadas e carentes
que recorrem aos distritos policiais ou se envolvem em ocorrências policiais (LIMA e
PORTÃO, 1982, p. 66).
Segundo os mesmos autores à equipe multidisciplinar caberia tomar
providências de caráter administrativo, ficando as de caráter criminal sujeitas aos órgãos
componentes da Polícia. A polícia preventiva teria estrutura aberta, de modo a permitir o
entrosamento e a cooperação com outros órgãos públicos e particulares, inclusive associações
de bairros. A composição das equipes seria feita por pessoal especialmente treinado no campo
da prevenção criminal, sendo para isto necessário criação de cargos de Assistente Social,
Psicólogo e Criminólogo no quadro da Secretaria de Segurança Pública (Ibidem, 1982, p. 67).
Para o autor deste trabalho bastaria a possibilidade de convênios com
Faculdades e Universidades ou a Municipalidade ou Organizações não Governamentais
(ONGs) e as Delegacias de Polícia para a implantação dos plantões sociais com equipes
multidisciplinares, utilizando-se principalmente de estagiários e voluntários.
Para Garcia e Meserani (1982, p. 88), prestar serviços diretos a indivíduos
e famílias que se encontram em crise, do ponto de vista biopsicossocial e estado de
marginalização, que recorrem ou são levados à Delegacia de Polícia, é a forma mais rápida e
eficaz de atuação preventiva no combate à criminalidade e na prestação de serviço de
segurança pública.
Ensinam as autoras que a crise do ponto de vista psicossocial se dá em
situações em que o indivíduo experimenta um crescimento de tensão interna até um grau que
não pode dominar, ou grave ansiedade ou talvez depressão. Pode haver, com isso, um
rompimento em suas defesas, sendo que seus mecanismos de luta tornam-se inadequados para
92

lidar com a ocorrência que se precipita. Vivenciando esta experiência, o ser humano pode
chegar de um extremo ao outro, entre apatia e ação precipitada, desencadeadora, muitas vezes,
de delitos de natureza mais grave, não conseguindo manejar adequadamente seus impulsos
agressivos. Nestes casos, o objetivo mais imediato da ação profissional é restabelecer um
estado de maior equilíbrio emocional, a fim de que o indivíduo seja capaz de melhor manejar
a situação (GARCIA E MESERANI, 1982, p. 89).
As citadas autoras (1982, p. 91) asseveram que:
Durante a situação de crise, os costumeiros mecanismos de defesa tornam-se
enfraquecidos, estando o indivíduo mais aberto para influências exteriores e mudanças.
Portanto, uma força mínima, ministrada nesta fase, pode produzir um efeito máximo, ou
seja, uma pequena ajuda fornecida de forma apropriada, no momento certo, pode ser mais
efetiva, do que uma ajuda mais ampla, quando o indivíduo está menos aberto à mudança.
O estado de atividade da crise é limitado pelo tempo, dependendo do campo total das
forças biopsicossociais, levando-se em conta a natureza do evento de perigo; percepção
individual e padrões de luta. Geralmente, de quatro a seis semanas, um novo estado de
equilíbrio é alcançado.
Durante a fase de reorganização, novos modelos de adaptação poderão ser desenvolvidos,
para melhor manejo de futuras crises. Entretanto, padrões inadequados podem emergir,
resultando em fraca habilidade para conduzir as situações futuras.
A intervenção na crise, constitui-se na única forma de tratamento especialmente adaptada
à situação crítica, não podendo ser considerada como uma terapia de longo prazo truncada
e restrita no tempo e na situação.

Concluímos com isso que a pessoa em crise pode, quando levada à unidade
policial, ter orientações e ser influenciada, de maneira positiva, a deixar ou não reincidir, na
criminalidade.
Salienta o autor desta pesquisa que os objetivos específicos a serem
buscados pela equipe seriam:
a) de assessoramento da Autoridade Policial, fornecendo todos os
subsídios de natureza psicossocial em relação às pessoas envolvidas em
ocorrências policiais ou que procurem as unidades policiais.
b) participação efetiva nos trabalhos de orientação, aconselhamento,
conciliação, práticas restaurativas, dentre outros meios alternativos de
solução de conflitos.
c) colaboração em sua área específica na interpretação das situações
sociais-problemas junto aos policiais objetivando um efetivo trabalho
em conjunto sócio-policial e preventivo.
d) fornecer a base de estudos específicos e subsídios que possam
esclarecer o fenômeno da criminalidade, visando propor medidas
profiláticas às causas de disfunções e sistema de atendimento social.
93

Fornecer subsídios estatísticos para a atuação policial preventiva e


políticas públicas preventivas à criminalidade.
e) opinar em Inquéritos Policiais para fornecer a Autoridade Policial, ao
Ministério Público, Juiz e Advogado subsídios sobre a personalidade do
criminoso, possíveis motivações do crime e a possibilidade de aplicação
de medidas alternativas à pena de prisão e sua eficácia.
f) combater a violência, orientando e assistindo casos de desajuste
familiar, que geralmente levam ao desajuste social,
g) dar as ocorrências sem caráter criminoso atendimento diferenciado e
orientação apropriada, liberando os policiais para o atendimento
daquelas que realmente lhe são afetos.
Além disto, o assessoramento feito a Autoridade Policial pela equipe
técnica, fornecendo subsídios de natureza psicossocial em relação às pessoas atendidas e
envolvidas com a criminalidade contribuirá em muito para a prestação jurisdicional mais
justa. Sobre isto as Garcia e Meserani (1982, p. 103-104) asseveram que:

Os técnicos da área social e policial atuam em conjunto. No âmbito familiar e vicinal,


situações conflitivas limítrofes, passíveis, muitas vezes, de uma sansão policial são
discutidas, propiciando uma reflexão por ambas as equipes, calcada nos vários aspectos
que configuram o caso: social, jurídico, policial, etc.
Ressalta-se que as medidas cautelares de praxe, são tomadas pelos Delegados de Polícia,
principalmente nas situações que envolvam risco de vida, comprometimento à integridade
física e segurança pessoal, constituindo-se a variável “risco”, elemento a ser controlado
pela ação técnica, que como já exposto, em algumas ocasiões, não poderá ser assumida
unilateralmente.
O intercâmbio entre a equipe policial e social surge, também, nos casos que envolvam
situações sócio-jurídicas e que se constituem numa boa parcela do total de atendimentos.
A autoridade policial fornece elementos para um melhor esclarecimento jurídico inicial da
situação, contribuindo para o tratamento mais adequado do caso, pelo Serviço Social.

Ensina Souza (1982, p. 129) que “a porta da polícia é a mais próxima e


mais fácil”. A Polícia Judiciária vem prestando relevantes serviços sociais, mas de forma
desordenada e sem diretrizes, o que lhe impede o reconhecimento. “A autoridade policial
torna-se um misto de delegado e de sacerdote, decidindo sobre problemas que redundam na
tranqüilidade de muitas famílias” (SOUZA, 1982, p. 129).
A organização deste trabalho social, com diretrizes e participação de
profissionais especialistas, além de identificar importante espaço de atuação estatal para a
busca do bem comum, contribuirá para a diminuição da criminalidade visto que tem caráter
essencialmente preventivo.
94

A esta organização e formação de diretrizes de atuação se dará o nome de


plantão social com equipes multidisciplinares e participação do conselho comunitário de
segurança, representando a sociedade civil e, eventualmente, a participação também de
autoridade religiosa, para trazer conforto espiritual ou apontar caminhos preventivos dentro da
organização religiosa.

5.3. Plantões Sociais

A Polícia Judiciária não pode ser vista como símbolo de opressão pela
comunidade. Para mudar essa idéia é preciso que a população a tenha como aliada e
prestadora de serviços de segurança pública de qualidade. A Delegacia de Policia deve ser
uma repartição pública popular, de acesso facilitado, principalmente aos mais carentes, para
que todos possam procurá-la livremente para buscarem ajuda, sabendo que serão
recepcionadas com atenção, dedicação e solidariedade.
As unidades da Polícia Judiciária devem ser também unidades prestadoras
de serviço social voltadas a um projeto preventivo amplo, para o fortalecimento das relações
entre a Polícia Judiciária e a comunidade.
A respeito da necessidade de um serviço social nas Delegacias de Polícia
um Delegado de Polícia Titular, citado por Poncioni Mota (1992, p. 6)39, fez o seguinte
depoimento:
“O que a gente chama de feijoada, você sabe bem o que é feijoada. Então, a maioria das
ocorrências são feijoadas, são problemas sociais, conflitos sociais: é barulho de vizinho, é
briga. É briga de marido e mulher, é a mulher que ta grávida e precisa descer lá do morro e
não tem como descer (...), é o outro que ta perdido, você já viu isso..., e quer voltar pra
Minas ou ir pro nordeste, o outro que quer ser operado, quer ser operado, e não tem
dinheiro (...), o cara tem um acerto com a mulher, de quem ele se separou, de passear com
o filho no sábado e a mulher não quer entregar o filho dele hoje, como é que faz (...) Estes
conflitos sociais, é o que tem a maior demanda na polícia, no fundo, entenda bem..., o
plantão policial trabalha muito mais com demandas de conflitos não criminosos do que
fatos jurídicos tidos como crimes. (...) nós estamos voltados estritamente para o crime, daí
(...) da necessidade extrema, extrema de um Serviço Social junto com o plantão para
resolver essas questões (...) olha, se eu to na delegacia pra cuidar de crime, não tem o
tempo pra tanto crime que há, (...) o cara tuberculoso não tem lugar pra dormir, quer
dormir na delegacia (...) o policial não ta preocupado com problema social, ta preocupado
com o crime. Entenda bem, o policial ele tá lá pra ver problema de roubo, de furto, de

39
A “feijoada” pode ser interpretada, através da fala de policiais, como uma categoria principalmente empregada
para designar problemas de cunho não-criminológico que chegam à delegacia predominantemente através da
população pobre, que por sua própria condição sócio-econômina não tem acesso a outra instituição que responda
a sua demanda. A relação estabelecida entre a “feijoada” e a pobreza é fartamente sinalizada quando policiais
descrevem as situações que frequentemente emergem no seu cotidiano (op. cit., pg. 6).
95

agressão, de morte. Ele ta lá pra isso. Então, quando chega a feijoada ele resolve, ele tem
que resolver, porque da feijoada sai também aí um crime, uma contravenção (...). Não é
nem que seja menor, até demanda muito mais tempo (,...) não é afeto ao policial. É e não é
(...) a gente não aprende na Academia a cuidar desses problemas, sabia? (...) É uma
demanda que te toma muito tempo, complica teu plantão, m as que não é computado.”

A pesquisadora citada fez um trabalho, visitando Delegacias de Polícia do


estado do Rio de Janeiro, para abordar a prática institucional desenvolvida nas Delegacias de
Polícia e analisou as reapresentações dominantes entre as diferentes gerações de policiais, em
diferentes níveis hierárquicos, sobre as funções que o policial desempenha em sua atividade
profissional cotidiana, particularmente aquela desenvolvida com relação a um conjunto de
situações – casos sociais – para apreender a visão que o policial tem da sua profissão e as
imagens que tem do seu público usuário e da sociedade de um modo geral, e constatou que
(Ibid, p. 1):

A constatação da alta freqüência de atendimento aos chamados “casos sociais” no âmbito


das delegacias de polícia, bem como a incorporação dessas situações de cunho social,
cujas características escapam a uma definição estritamente jurídica, na rotina policial,
através de seu atendimento no âmbito das delegacias nos colocou face a duas questões
fundamentais para reflexão. De um lado, a procura da delegacia reflete a absoluta carência
da população para solucionar seus problemas, seja na área das relações interpessoais e
familiares, ou em termos de recursos institucionais, das organizações de “bem-estar
social” e da justiça. De outro, revela que a polícia busca resolver assuntos que vão além de
sua competência na área do crime, funcionando como uma “instância alternativa de
resolução dos conflitos”, para aqueles cujos problemas frequentemente não são atendidos
em qualquer outra instituição pública. [...] O policial trabalha com todos os tipos de crime
e contravenções e também com uma gama enorme de situações, que nem sempre podem
ser denominadas “casos de polícia”, mas afluem cotidianamente em uma delegacia de
bairro, são os chamados casos sociais.
Ademais, o policial, ao relacionar a “feijoada” aos diversos problemas e dificuldades da
população pobre e às atividades desenvolvidas por ele para solucioná-los, manifesta a
percepção de uma dupla desqualificação que a instituição policial sofre por parte do
Estado e da sociedade. Além do atendimento a situações absolutamente desprovidas de
caráter legal e/ou penal, o policial ainda tem que “solucionar” os “casos sociais”, para os
quais nem a legislação em vigor, nem a organização social fornecem respostas
satisfatórias. Via de regra, estas tarefas são do domínio de sua profissão e não lhes
conferem prestígio algum.

A despeito de se reconhecer que na atuação da polícia brasileira predomine


a dimensão repressiva na relação com a sociedade, uma investigação empírica ainda que
superficial, mostra que para conhecer o que a polícia é de fato, seu modo de atuar, seus
costumes, deve-se buscar uma produção teórica que possa fornecer uma leitura mais ampla
que a tradicional concepção da polícia com um mero aparelho do Estado a serviço da
dominação de classes desempenhando as funções essencialmente repressivas, possibilitando a
chave de outra leitura que incorpore também a sua dimensão social, com vistas a um modelo
preventivo de atuação (PONCIONI MOTA, 1992, p. 6).
96

A autora (1992, p. 7) conclui que:

No processo de interação com o público, o policial desenvolve um processo de negociação


da lei e da realidade, que lhe permite manter a ordem. A manutenção da ordem ocorre,
portanto, através de práticas de controle social e de resolução de conflitos que,
obedecendo às regras e normas reconstruídas pela cultura organizacional, lhe conferem o
papel de intérprete da lei e árbitro, junto a uma gama variada de situações que não
encontra lugar em qualquer outra instituição da sociedade.

Apesar de socialmente aceitas, não há qualquer valoração positiva por parte


da sociedade com relação às práticas “saneadoras” da polícia desenvolvidas na rotina de seu
trabalho. Pelo contrário, a organização policial, como é cediço, é sistematicamente rejeitada e
hostilizada por parcela significativa do conjunto da sociedade, que evita o contato com a
organização e seus integrantes, procurando seus serviços como última alternativa no conjunto
de instituições da sociedade (Ibid, p. 8).
Podemos vislumbrar, destarte, uma enorme contradição. É a camada mais
pobre da sociedade que busca o auxílio da polícia em face da inexistência de instituições
públicas outras que lhes atendam e, ao mesmo tempo, é a camada que mais sofre com a ação
repressiva da polícia. “Neste sentido, chama a atenção o fato de que, na convivência diária e
intensa entre a polícia e a população, a polícia que socorre é a mesma polícia que oprime”
(PONCIONI MOTA, 1992, p. 8).
Uma mudança de postura na atuação policial repressiva, voltando os olhos
para as causas sociais da criminalidade, poderia por fim a essa incoerência, uma vez que a
sensibilidade do policial poderia dar tratamento diferenciado às diversas situações em que
deve atuar.
Sobre isto o autor desta pesquisa criou um projeto em que os policiais
engajavam-se em trabalho social para atender crianças carentes. Em contato direto com as
situações precárias em que viviam as crianças os policiais passavam a ter condições de
associar, em determinados casos, a criminalidade à sociabilização do criminoso (Micas, 2006,
p. 7).40 Aprendia-se que há diversas formas de pobreza além da financeira e que a mais
destrutiva e a que maior influência exercia sobre as crianças era a pobreza na afetividade. O

40
O projeto consistiu em um trabalho voluntário dos policiais de acompanhamento de famílias carentes que
tinham crianças e que passavam necessidade de toda ordem, inclusive alimentar. Os policiais se engajavam e
passariam a ser tutores destas famílias, acompanhando a educação, criação e dificuldades que enfrentam as
crianças no seu desenvolvimento físico e intelectual. Assim, os policiais podiam sentir que muitos criminosos
que combatiam, de forma excessivamente repressiva, tinham origem em famílias desestruturadas ou que foram
fortemente influenciados pela precariedade das condições de vida. Na lida diária com os criminosos os policiais
passaram a ter uma visão diferente e o tratamento, dispensado àqueles que visivelmente ingressaram no crime
em razão de problemas sociais, modificou-se completamente.
97

abandono aos valores e a imposição de uma realidade sem sonhos faz com que a humanidade
quase inexista na sociabilização dessas crianças.
O que o autor destas linhas chama de plantão social é um conjunto de
medidas tendentes a preparar o policial para o atendimento qualificado e identificação dos
“casos sociais” com a possibilidade de encaminhamento para profissionais das diversas áreas
do conhecimento que podem dar uma solução adequada ao conflito.
A finalidade do plantão social é o de incentivar as pessoas a procurarem a
unidade policial onde terão atendimento qualificado, aproximando assim a comunidade da
polícia para inverter o conceito de polícia repressora. A polícia, por sua vez, passa a ter
conhecimento mais detalhado da vida da comunidade e poderá desenvolver ações de polícia
comunitária preventiva específicas para áreas da cidade ou setores da população.
“A polícia, pelo lugar que ocupa entre o Estado e a sociedade, precisa ser
conhecida e reconhecida como um órgão importante da administração pública que deve servir
com um serviço público a todos os cidadãos” (Poncioni Mota, 1992, pg. 8).

5.4. A Assistência Religiosa

A religião é, entre outras, uma maneira eficiente de moldar o caráter


humano. É destinada a fazer com que as pessoas pautem suas condutas pelos valores que lhe
são transmitidos. Pessoas com formação religiosa aprimorada raramente se deixam levar para
a criminalidade.
Ottoboni (2004, p. 78) mostra que “a religião estimula a prática do
conhecimento, do estudo, da virtude e nos faz caminhar para uma estrada estreita,
disciplinada, difícil porque exige combate ao nosso egoísmo, desamor, orgulho e ambição.”
Penna (1999, pg. 27) ensina que:

Sobre os efeitos produzidos pela presença da religiosidade na cultura e no próprio


indivíduo, tanto os apontam os que operam no estrito domínio da filosofia da religião
como os que se situam nas áreas da psicologia, da sociologia e de outras ciências sociais.
Não custa recordar [...] a função integradora especialmente realçada pelos sociólogos, bem
como, num plano estritamente ético, a célebre advertência de Dostoievski quando apontou
para o fato de que “se Deus não existe, então tudo se torna permitido”, conseqüência
terrível, dado que, se tudo é permitido, a convivência humana se torna impossível.
98

A assistência religiosa consiste em procedimentos adotados pelas


organizações religiosas que têm por finalidade ministrar conforto espiritual e oferecer apoio
moral as pessoas envolvidas em conflitos. A modalidade de assistência religiosa são as
previstas pelas Confissões Religiosas para este tipo de missão, conforme as normas peculiares
a cada uma delas.
Os líderes religiosos seriam acionados sempre que os envolvidos assim o
desejassem e passariam a integrar a equipe multidisciplinar e o plantão social.
Para a composição dos conflitos e na justiça restaurativa a assistência
religiosa tem grande importância por consistir em apoio moral e incentivo as pessoas nele
envolvidas para que sigam as orientações da equipe multidisciplinar.

5.5. A Publicidade Preventiva feita pela Polícia Judiciária

Em sua obra “Segurança e Polícia”, Jorge da Silva (2008, p. 1) salienta que


seu “estudo parte da distinção entre segurança como função essencial do Estado – o que
remete à estruturação material deste para cumprir tal função – e segurança como percepção
coletiva, o que remete à sua dimensão subjetiva”. O que corresponde, efetivamente, a
diferença entre segurança e insegurança.
Promover segurança apenas com a ação da polícia não basta. Para o citado
autor (2008, p. 2) é necessário que “o Poder Público se coloque como provedor de serviços de
segurança e também e, sobretudo como coordenador dos esforços dos diferentes setores da
sociedade contra a insegurança”.
O foco do trabalho policial que antes se limitava às formas tradicionais de
controle do crime e preservação da ordem volta-se também para a provisão de informações
sobre a segurança pessoal, num esforço coletivo para a conscientização da diminuição dos
riscos e da insegurança.
A segurança é o resultado da diminuição dos riscos reais, somado a
administração destes riscos e dos imaginários e a administração do medo (SILVA, 2008, p. 2).
Silva (2008, p. 15), esclarece que “raramente a criminalidade foi abordada
na perspectiva do seu controle, o que pressuporia o reconhecimento de que a mesma é um
fenômeno inerente à convivência social”.
99

Entende o autor deste trabalho que a Polícia Judiciária deve desenvolver


métodos informativos para orientar diuturnamente a população acerca das medidas
preventivas que as pessoas podem tomar para evitar o crime. Neste caso a polícia atuaria junto
à comunidade, prestando-lhe informações detalhadas com a finalidade de criar uma
consciência coletiva de segurança, diminuindo assim a sensação de insegurança.
Medidas simples podem redundar em hábitos que certamente contribuirão
para a diminuição da criminalidade, mas que não são tomadas em razão da falta de
informação a respeito.
Para citar como exemplo, mencionaremos uma conduta que não é
conhecida pela população e que vem sendo desenvolvida em vários países e faz parte,
inclusive, do Guia para a Prevenção do Crime e da Violência, da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), que é a marcação, com sinal próprio e particular, dos bens de
valor de uma residência, e “comunicação” de tal circunstância com um adesivo bem visível
afixado na fachada da residência, para diminuir o interesse pelo arrombamento, já que o
produto do crime não será tão facilmente receptado (2004, p. 34)41
No mesmo documento podemos encontrar uma série de medidas tendentes
a reduzir os crimes de oportunidade. Ali é sugerido o aumento da vigilância e do esforço nas
precauções tendentes a prevenir a ocorrência do crime que podem ser colocadas em prática
pelas próprias pessoas da comunidade (2004, p. 34).
A mídia em geral dá atenção apenas aos crimes mais graves que são
àqueles que despertam maior interesse do público. Ao selecionar fatos criminosos mais
graves, entretanto, a cobertura jornalística passa a produzir vários efeitos sobre a opinião
pública. As pessoas começam a imaginar que os crimes retratados pela mídia – os mais
violentos – são os mais freqüentes (o que não é verdade), causando sensação de insegurança e
medo (ROLIM, 2004, p. 8).
Um crime hediondo ocorrido na metrópole e amplamente divulgado pela
mídia causa sensação de insegurança nos mais distantes rincões do país e em cidades que
nunca vivenciaram tais tragédias.
Os crimes de menor repercussão, por não serem divulgados, escapam à
atenção e há, consequentemente, diminuição das precauções preventivas.
Silva (2008, p. 543) aborda o tema e lembra que a força dos meios de
comunicação na potencialização do medo coletivo pode fazer, por exemplo, “com que um

41
O trabalho foi elaborado por Marcos Rolim sob encomenda da Secretaria Nacional de Segurança Pública
(SENASP) e entregue ao governo em Dezembro de 2004, sendo incorporado oficialmente pela secretaria.
100

“insequestrável” morador pobre da periferia venha a ter medo de seqüestro (insegurança


subjetiva) como conseqüência da divulgação luminosa do drama vivido por seqüestrados e
suas famílias”.
Rolim (2004, p. 9) também ressalta este fenômeno, afirmando:

Depois de imaginar que os crimes violentos são os mais freqüentes, as pessoas tendem a
supor que estão, todas elas, igualmente expostas ao risco de serem vitimadas por aqueles
mesmos crimes violentos, o que também não é verdadeiro. Os riscos de vitimização em
qualquer sociedade se distribuem de maneira bastante desigual. A depender do local onde
as pessoas moram, a depender da renda que possuem, da sua etnia ou da sua idade – entre
muitos outros fatores – os riscos reais serão bastante diferentes [...] Mas se todas as
pessoas imaginam que podem ser vitimadas a qualquer momento por um crime grave, o
que ocorre é que elas passam a viver com medo.

Para combater o medo e a insegurança a Polícia Judiciária deve


desenvolver um programa de comunicação social com a população, visando à prevenção da
criminalidade por meio da conscientização das pessoas, e fornecer corretas informações a
respeito da criminalidade na comunidade. Para isto a equipe técnica da unidade policial
deverá contar também com profissional de comunicação social.
101

CONCLUSÃO

A Constituição Federal, ao tratar da segurança pública, criou as polícias a


nível federal e estadual, segundo suas atribuições. Nos estados a polícia tem composição
complexa e é formada por duas instituições: Polícia Militar e Polícia Civil. À Polícia Civil
cabe o exercício da Polícia Judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.
Pela função exclusiva de Polícia Judiciária esse é o nome dado,
alternativamente, à Polícia Civil. É também por esta razão que cumprem vários papeis na
sociedade, do institucional ao social.
Por exercer poder, o poder de polícia, a Polícia Judiciária sempre
desempenhou um papel informal político, na proteção do Estado, como longa manus dos
governantes contra a sociedade e como tal transformou-se em instrumento de imposição da
ordem ditada pela classe que detêm o poder.
Em sua função institucional formal cabe à Polícia Judiciária uma atividade
repressiva, pois assegura a ação da justiça na busca da punição do criminoso.
Atuando de forma exclusivamente repressiva e no interesse da classe
dominante a Polícia Judiciária também é responsável pela seleção de quem será criminoso e
deva ser punido, gerando a estigmatização e criação de estereótipos, sendo protagonista da
violência punitiva, denunciada pela criminologia crítica.
Isto ocorre, principalmente, porque à Polícia Judiciária não são distribuídas
atribuições preventivas e também porque a atividade da Autoridade Policial, dirigente da
Polícia Judiciária, está ligada, histórica e culturalmente, à repressão.
Paradoxalmente, por ser a unidade da Polícia Judiciária, a Delegacia de
Polícia, uma repartição de fácil acesso, principalmente aos mais carentes que não podem
contar com outros serviços públicos para a solução de conflitos interpessoais ou familiares é
ela muito procurada por esta camada da população e revela o papel social informal da Polícia
Judiciária como instância alternativa de solução de conflitos, oferecendo, destarte, um serviço
que vai além de suas atribuições institucionais.
Surge desse modo, um vasto campo para uma atuação preventiva da Polícia
Judiciária. Primeiro porque o atendimento qualificado a pessoas que aportam na Delegacia de
Polícia para solução de conflitos pessoais ou familiares evitará que este conflito progrida,
eventualmente, para o crime. Segundo porque a maioria dos crimes de pequena repercussão
102

ou média gravidade podem ter como fatores determinantes problemas sociais que podem ser
combatidos eficazmente por uma atuação qualificada da Polícia Judiciária. O correto
tratamento destas situações evitaria, inclusive, a reincidência.
Sem abandonar suas funções institucionais de repressão a crimes graves a
Polícia Judiciária poderá acumular também funções preventivas para obter maior eficácia na
sua atuação.
Fatores que podem gerar criminalidade como as ocupações espaciais da
cidade e desestruturação da família poderão receber atenção especial da Polícia Judiciária e
possibilitar o planejamento de suas ações preventivas.
Os elementos jurídicos para atuação preventiva da Polícia Judiciária são
encontrados nas teorias do direito penal mínimo e garantismo penal.
Em face do direito penal mínimo a atuação da Autoridade Policial estaria
voltada à prevenção quando deixasse de autuar em flagrante delito os autores de crimes de
pequena repercussão e mesmo de média gravidade, diante das circunstâncias, para destinar a
eles um tratamento diferenciado com o fim de promover sua recuperação e evitar a
reincidência.
Importante a esse respeito é evitar o aprisionamento de pessoas que
cometeram crimes de pouca repercussão ou média gravidade e para isto a Autoridade Policial
pode utilizar um instrumento jurídico assemelhado a antecipação da tutela da liberdade
provisória, evitando que estas pessoas sejam recrutadas por grandes organizações criminosas.
Os envolvidos em crimes de pequena ou média gravidade, em situação de
flagrância ou não, serão encaminhados ao plantão social. As motivações do crime e a
personalidade dos envolvidos seriam analisadas pela equipe multidisciplinar com a finalidade
de se encontrar uma medida preventiva adequada e eficaz e ao mesmo tempo servir de
subsídio para a investigação do inquérito policial ou a instrução do processo.
No que diz respeito a crimes de bagatela e até mesmo os de menor
potencial ofensivo, ou ainda em conflitos não criminais, mas que aportaram na Delegacia de
Polícia, a Autoridade Policial poderá lançar mão do instituto da conciliação ou das práticas
restaurativas. A solução rápida e eficaz do conflito pela Polícia Judiciária nestes casos
contribuirá para evitar que referido conflito se agravasse ou mesmo volte a se repetir.
Numa atuação mais ampla, a Polícia Judiciária assumirá a estratégia de
Polícia Comunitária com a finalidade de integrar a comunidade a suas atividades para que sua
atuação seja legítima.
103

A comunidade, inclusive, por meio dos conselhos comunitários de


segurança participará ativamente dos programas preventivos como a conciliação e as práticas
restaurativas realizadas na Delegacia de Polícia pelo plantão social.
O objetivo principal do programa de prevenção ao crime realizado pela
Polícia Judiciária é a redução da criminalidade. Considerando que a maioria dos crimes e dos
atendimentos nas Delegacias de Polícia é de pequena e média gravidade, a atuação preventiva
da Polícia Judiciária certamente contribuirá para essa redução, na medida em que promoverá
um tratamento mais adequado, tanto do fato criminoso quanto das pessoas nele envolvidas.
A reincidência, que é um dos principais fatores de aumento da
criminalidade, também será atingida pela prevenção e terá redução em seus índices.
As crises econômicas, o déficit habitacional, a injusta distribuição da renda,
as dificuldades de acesso ao trabalho, a desestruturação familiar e outros motivos contribuem
para um aumento considerável da criminalidade.
O despreparo da polícia, a política de segurança pública e a falta de
políticas públicas que atendam aos mais necessitados agravam ainda mais o problema do
aumento da criminalidade.
As prisões já não são mais a resposta ideal a todos os crimes. A crise do
sistema penitenciário, com superlotações e tratamento desumano, são motivos de revoltas que
fazem surgir organizações criminosas.
É necessário, em face deste contexto, que haja iniciativas que promovam a
atuação policial preventiva para que se evite a ocorrência ou reincidência do crime.
A Polícia Judiciária é a instituição que primeiro atua no combate ao crime.
Sua atuação, entretanto, tem sido apenas repressora, não objetivando senão a prevenção geral
dos crimes.
A criação de um plantão social nas Delegacias de Polícia para atendimento
das pessoas e dos criminosos em auxílio a atividade da Autoridade Policial, com técnicas
conciliatórias, de polícia comunitária e restaurativas, dará uma resposta preventiva ao
aumento da criminalidade.
O plantão social poderá compilar estudos específicos e subsídios que
possam aclarar o fenômeno da criminalidade e propor medidas preventivas e políticas
públicas de segurança.
A Autoridade Policial, auxiliada pelo plantão social, com a participação
direta da comunidade por meio de um programa amplo de polícia comunitária, trará um novo
modelo de prevenção primária para o sistema penal com o fim de torná-lo mais eficaz.
104

O plantão social será formado pelas equipes multidisciplinares, a


Autoridade Policial, os policiais civis e a comunidade, representada pelo conselho
comunitário de segurança e sua atuação se dará junto as Delegacias de Polícia para
atendimento qualificado das pessoas envolvidas em crimes de pouca repercussão ou média
gravidade ou ainda conflitos não criminais ou problemas de cunho exclusivamente social.
As equipes multidisciplinares serão formadas por profissionais de serviço
social, psicologia, autoridades religiosas e membros da comunidade, além dos policiais que
estiveram envolvidos com a ocorrência.
A comunidade será informada a respeito das práticas preventivas por meio
de uma assessoria de comunicação social, de viés publicitário, que atuará junto a Autoridade
Policial, e terá por fim orientar as pessoas a respeito de práticas preventivas para a diminuição
do medo e insegurança.
Com a atuação do plantão social a Polícia Judiciária estará mais bem
preparada e amparada para dar a resposta preventiva a fatos que lhe chegam ao conhecimento,
contribuindo assim, decisivamente, para a diminuição da criminalidade, deixando de ser uma
agência policial de caráter apenas repressivo que atua de forma seletiva e formadora de
estereótipos, para ser uma instituição democrática com efetiva participação na prestação
jurisdicional do Estado Democrático de Direito.
105

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AMARO, Mohamed. Código penal na expressão dos Tribunais: jurisprudência do STF, São Paulo:
Saraiva, 2007.

ANDRADE, Vera Regina Pereira. Do paradigma Etiológico ao paradigma da reação social:


mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Revista n. 30,
ano 16, junho de 1995, p. 24-36. Disponível em: http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br. Acessado em: 9
nov.2008.

ARAÚJO, Fernanda Carolina de. A teoria criminológica do Labelling Approach. Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, São Paulo. Boletim nº. 177, ano 15, agosto de 2007.

BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos, Coisa de Polícia. Passo Fundo: CAPEC,
PATER EDITORA, 1998.

BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Na inquietude da paz. Passo Fundo: CAPEC, Gráfica Editora
Bertheir, 2003.

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª. ed. Tradução de Juarez
Cirino dos Santos. Direção de Nilo Batista. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Justiça demora 2 anos para decidir sobre furtos de R$ 1. Folha
de São Paulo, São Paulo, 27 mar. 2007, p. C-5.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional


Brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: v. 225, 2001.

BATISTA. Nilo. Punidos e Mal pagos: Justiça, Violência, Segurança Pública E Direitos Humanos
No Brasil De Hoje. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, trad. Paulo M. Oliveira. 11. ed. Rio de Janeiro:
Ediouro Publicações, 1996.

BIRCHE DE CARVALHO, Denise Bomtempo. Legislação e Políticas de Educação e a Política


nacional sobre Drogas. Escritos com a colaboração de Juliana R. W. Chaibub e Adniel A. C. de
Miranda. Brasília. Presidência da República. Secretaria Nacional Antidrogas, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto (org). Crime & Sociedade. Curitiba: Juruá Editora, 1998.

BLOG DE SEGURANÇA. Janelas Quebradas: uma interpretação brasileira. Disponível


em:<http://blogandoseguranca.blogspot.com/2007>. Acesso em 5 jan.2009.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus Editora, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso De Direito Constitucional. 11ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
106

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas-Corpus nº. 84.412. São Paulo, Brasília, DF, 19 de
outubro de 2004.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem Garantirista. 2ª. Ed.
Campinas: Milennium, 2007.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal, trad. José Antonio Cardinalli. Campinas:
Conan, 1995.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Luam,
1996.

CARVALHO, Salo de. Política Criminal e Descriminalização: breves considerações. In:


BITENCOURT, Cezar Roberto (org.). Crime e Sociedade. Curitiba:Juruá, 1998.

CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da Criminalidade: Arcabouços Teóricos e


Resultados empíricos. V.47, n.2, p.233-269, 2004. Disponível em:<www.scielo.br>. Acesso em: 3
dez. 2008.

COELHO, Edmundo Campos. A Criminalidade Urbana Violentada. v. 31, n. 2, p. 154-182. 1998.


Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em 3 dez. 2008.

COSTA, Tailson Pires. Meio Ambiente Familiar: solução para prevenir o crime. São Paulo: Max
Limond Editora, 2002.

DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manoel da Costa. Criminologia: o Homem Delinqüente e a


Sociedade Criminógena. Curitiba: Coimbra Editora, 1997.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Trad. Ana Paula Zomer Sica et al. 2ª. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunias, 2006.

FERREIRA, Maria Inês Caetano. As Dificuldades de Comunicação entre os Operadores de Justiça e


os Pobres no Brasil: Dissonância entre os discursos dos operadores e as concepções de justiça dos
Populares. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: ano 7, n. 26, p. 213-220, abr-jun.
1999.

FILHO, José Vicente da Silva. Estratégias Policiais para a redução da Violência. Disponível
em:<www.braudel.org.br>. Acesso em: 15 nov. 2008.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, trad. Raquel Ramalhete. 17. ed. Petrópolis: Editora Vozes,
1998.

FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, trad. Roberto C. de Melo Machado e


Eduardo J. Morais. 3ª.ed. Rio de Janeiro:Nau Editora, 1998.

FRANCIULLI NETO, Domingos. Poder da Polícia. Folha de São Paulo, São Paulo, 2004.Cidades,
Caderno I, p. A-3

GARCIA, Albertina Gonçalves; MESERANI, Myriam Dente M.V. Os objetivos Fins do Programa
Social e sua Operacionalização. São Paulo: Traço Editora, 1982.
107

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Disponível em
<http://www.blogdolfg.com.br/>. Acesso em: 8 jul. 2007.

GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários a Lei 9.0099, de
26.09.1995. São Paulo: RT, 1996.

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.


Tradução de Luis Afonso Heck. 20ª. ed. alemã. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.

HULSMAN, Louk. CELIS, Jacqueline Bernal de. Penas Perdidas. O Sistema Penal Em Questão.
Tradução de Maria Lúcia Karan. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1993.

JAKOBS, Günther. Ciência Do Direito E Ciência Do Direito Penal. Coleção Estudos de Direito
Penal.Tradução de Maurício A. R. Lopes. Barueri: Manole Editora, 2003.

JANELAS QUEBRADAS: Uma Interpretação Brasileira sobre o Programa Tolerância Zero.


Disponível em: http://blogandosegurança.blogspot.com/2007/11/janelas-quebradas-uma-
interpretação.html. Acesso em 5 jan. 2009.

JÚNIOR. Aury Lopes. Direito de Defesa e Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Policial:
Desconstruindo o Discurso Autoritário. In: BONATO, Gilson (Org.). Processo Penal: Leituras
Constitucionais. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003.

JÚNIOR, Octávio Gonzaga Júnior. Serviço Social Criminológico. São Paulo. Traço Editora, 1982.

KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos No


Intinerário Da Alteridade. São Paulo: Livraria do Advogado editora, 2007.

LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do Direito. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo:
Martins Fontes Editora, 2000.

LIMA, João Milanez da Cunha; LIMA, Luis Fernando C. da Cunha. Perfil Social do Crime. São
Paulo: Fundação Casa de José Américo, 2004.

LIMA, João Milanez da Cunha. PORTÃO, Ramão Gomes. A Polícia Preventiva e a Atuação dos
Plantões Sociais. São Paulo:Traço Editora, 1982.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. v. 3.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Direito Penal, Estado e Constituição. Revista do IBCCrim, nº. 3.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

MARQUES. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª. ed. Campinas: Millennium,
2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

MARQUES. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª. ed. Campinas: Millennium,
2001.
108

MESQUITA NETO, Paulo. Policiamento Comunitário: a Experiência em São Paulo. Revista


Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, ano 7, nº. 25, janeiro-março, 1999, p. 281-192.

MICAS, Miguel Ângelo. A Autoridade Policial, a Prisão em Flagrante e o Estado Democrático de


Direito. Universitária, Revista do Curso de Mestrado em Direito. Araçatuba: v. 7, nº. 1, p. 197-
220, julho 2007. Centro Universitário Toledo.

MICAS, Miguel Ângelo. Nossa Principal Meta é a Qualidade. Revista do Primeiro Distrito Policial
de Birigui. Birigui: 2005.

MINGARDI, Guaracy. O Estado e o Crime Organizado: A Repressão. O Papel da Polícia. São Paulo:
Revista IBCCrim, vol. 5, 1998.

MORAES, Bismael Batista. Boletim De Ocorrência; 30 Anos. São Paulo: Revista da ADPESP, ano
VI, nº. 13, p. 1-14, 1986.

MORAES, Bismael Batista. Estado e Segurança diante do Direito. São Paulo: RT, 2008.

MORAES. Alberto Motta. Polícia: Problemas E Soluções. Revista Arquivos da Polícia Civil, vol.
36, 1º sem. São Paulo: Academia de Polícia Civil, 1981.

MUCCIO, Hidejalma. Prisão e Liberdade Provisória. Jaú: HM Editora, 2003.

MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? A Questão Fundamental da Democracia. 3ª. ed rev. e ampl.
Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad editora, 2003.

MUNIZ, Jacqueline. Polícia Brasileira tem História de Repressão Social. Rio de Janeiro: Revista
Eletrônica de Jornalismo Científico. 2001. Disponível em <www.comciencia.br>. Acesso em 5 out.
2008.

NASPOLINI SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra. Os Direitos Humanos como Fundamento do
Minimalismo Penal de Alessandro Baratta. São Paulo: Universitária. Revista do Mestrado em
Direito do Centro Universitário Toledo, nº. 2, vol. 7, 2007.

NASPOLINI SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra. O Sistema Penal como Objeto de Estudo da
Criminologia Crítica. São Paulo: Universitária. Revista do Mestrado em Direito do Centro
Universitário Toledo, nº. 1, vol. 6, 2006.

NEDER, Gizlene. CERQUEIRA FILHO, Gisólio. Criminologia e Poder Político. Rio de Janeiro:
Lumem Júris Editora, 2006.

NEIVA, Andréa Lagares; CHAGAS, Cátia Betânia; ALMEIDA, Karen Santana de Almeida.
Conselhos: Espaço de Participação e Controle Social. Brasília, Presidência da República, Secretaria
Nacional Antidrogas, 2008.

NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei. A Face Obscura da Sentença Penal. Rio de Janeiro:
Revan, 2004.

NETO, Heitor Araripe de Souza. Crime de Furto: Fatores Preponderantes para a Baixa
Resolutividade Em Teresina. Teresina: ano 10, n. 998, 26 mar. 2006. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8165. Acesso em: 20 dez. 2008.

NILSSON, Márcio de Castro. Autoridade Policial, Hermenêutica da Expressão. Revista ADPESP,


ano 17, nº. 21, setembro. São Paulo: Academia de Polícia Civil, 1996, p. 91-94.
109

NUNES, Afonso H. O Poder da Polícia. Disponível em: www.overmundo.com.br.. Acesso em 20


nov. 2008.

OTTOBONI, Mário. Ninguém é Irrecuperável. São Paulo: Cidade Nova, 2004.

PELICIOLI, Angela Cristina. A antecipação da Tutela no Direito Brasileiro. São Paulo: LTR, 1999.

PENNA, A. G.. Em Busca de Deus: Introdução ao Estudo da Religião. Rio de Janeiro: Editora
Imago, 1999.

PENTEADO, Jaques de Camargo. A Família e a Justiça Penal. São Paulo: RT, 1998.

PEREIRA, João. Os Plantões Sociais e sua Significação. São Paulo: Traço Editora, 1982.

PEREIRA, Murillo de Macedo; PEREIRA, Vera Küm de Macedo; PEREIRA, Vera de Macedo;
PEREIRA, Renato de Macedo. Subsidios Para Uma Política/Sistema/Filosifia De Segurança Pública.
Revista ADPESP, ano 17, nº. 21, setembro. São Paulo: 1996. p. 102-115.

PONCIONI MOTA, Paula. A Polícia E Os Pobres: Negociação E Conflito Em Delegacias De Polícia


Do Rio De Janeiro. 1992. Disponível em www.policiaesegurança.com.br/pobres. Acesso em 4
out.2008.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 2. ed rev. e ampl. São Paulo: RT, 1997.

QUEIRÓZ, Carlos Alberto Marchi. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. O DELEGADO DE


POLÍCIA E A LEI 9.099/95. São Paulo: Iglu Editora, 1996.

REALE, Miguel. LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO. São Paulo: RT, 1980.

REVISTA VEJA. São Paulo: Editora Abril. 2007. Caderno Contexto. ed. 2022, ano 40, n°. 33, 22 ago.
2007, Semanal.

REVISTA DOS TRIBUNAIS. São Paulo: RT. Mai. 1992. Número 679. Ano 81.

REVISTA EL ATLAS DE LE MONDE DIPLOMATIQUE. Caderno Progresos técnicos y fracturas


sociales. Em las cárceles del mundo. ed. marzo 2003, ref. 2002. Dirección de ACHACAR, Gilbert et
al. Argentina, 2003.

ROLIM, Marcos. Guia para a Prevenção do Crime e da Violência. 2004. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/senasp>. Acesso em: 23 out. 2008.

RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revan,
2004.

SANTOS, Washington. Dicionário Jurídico Brasileiro. Minas Gerais: Editora Del Rey, 2001.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Anatomia de uma Criminologia Crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

SALDAÑA, Quintiliano. Nova Criminologia. Tradução de Alfredo Ulson & V. de Alcântara


Carreira. Campinas: Russell editora, 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 3. ed. rev.,
atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
110

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.

SECONDAT, Charles-Louis de. Barão de Montesquieu. O Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva,
1987.

SERRANO, Sérgio Abinagem. Processo penal garantista. Críticas ao sistema formalista. Jus
Navigandi. Teresina, ano 8, n. 305, 8 maio 2004. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5191. Acesso em: 8 jul. 2007.

SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora,
2007.

SILVA, Jorge da. Criminologia Crítica. Segurança e Polícia. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

SILVEIRA, Pehkx Jones Gomes da. Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e o Programa
Nacional de Segurnça Pública (PRONASCI): Um Novo Programa para o Brasil. Brasília,
Presidência da República, Secretaria Nacional Antidrogas, 2008.

SOUZA, José Gouveia. Plantão Social Criminológico. São Paulo: Traço Editora, 1982.

SOUZA, Percival de. Sindicato do Crime, PCC e Outros Grupos. São Paulo: Ediouro, 2006.

STRECK, Lênio Luiz. Crise(s) Paradigmática(s) no Direito e na Dogmática Jurídica: dos Conflitos
Interinviduais aos Conflitos Transindividuais. A Encruzilhada do Direito Penal e as Possibilidades da
Justiça Consensual. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 7, nº. 28, out/dez. São Paulo: RT,
1999.

SUDBRACK, Maria Fatia Olivier. O Trabalho Comunitário e a Construção de Redes Sociais.


Brasília, Presidência da República, Secretaria Nacional Antidrogas, 2008.

TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Crime e Cidade. Violência Urbana e a Escola de Chigaco. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007.

THOMPSON, Augusto. Quem são os Criminosos. Rio de Janeiro, Lumem Júris Editora, 1998.

TONINI, Wagner Adilson. Comunidade E Polícia. Revista ADPESP, ano 19, nº. 26, dezembro. São
Paulo: Academia de Polícia Civil, 1998, p. 29-35.

TORNAGHI, Hélio B. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
v.1.

TORQUATO AVÓLIO, Luiz Francisco. Provas Ilícitas. São Paulo: RT, 1995.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 4ª.
ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1989.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 2000.

ZEMEL, Maria de Lurdes S. Prevenção: Novas Formas de Pensar e Enfrentar o Problema. Brasília,
Presidência da República, Secretaria Nacional Antidrogas, 2008.

Você também pode gostar