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O Ressignificado da Prética Clinica e suas Implicagdes na Realidade da Satide Valdemar Augusto Angerami 1.1 Reflexées iniciais Falar em psicologia da satide parece, em principio, um neologismo, pois é prati~ camente indissolivel a associago que se faz da psicologia com a saiide. Por outro lado, quando se considera que a psicologia faz parte do rol das disciplinas consi- deradas inerentes & formasio do profissional da satide, essa ideia de neologismo fica ainda mais forte. Segundo Stratton e Hayes (1984), ela tem sido definida de varias maneiras, dependendo das tendéncias dos pesquisadores no momento em que 2 definigio foi formulada. Definem-na como o estudo da mente, do ‘comportamento, da experiéncia humana e da vida mental. £ dificil dar-lhe uma definiso que satisfaga a todos, embora possamos afirmar que ela compreenda 0 estudo do comportamento e das experiéncias humana e animal,’ examinada sob diferentes angulos e variedade de técnicas, muitas das quais enfatizam a impor- tancia da evidéncia empirica como suporte da explicacao te6rica. © campo da psicologia € dividido, em geral um tanto arbitrariamente, em diferentes areas, cada qual com seu estilo préprio. Alguns adjetivos do termo, como desenvolvi- mental, social e comparativa, referem-se a tipos especificos de objetos de estudo, com freas mais novas sendo adicionadas & medida que o campo se expande, como a psicologia ambiental. ‘Outros titulos, como clinica, educacional, ocupacional, referem-se a pro~ fiss6es psicolégicas, enquanto o termo psicologia aplicada refere-se & orientagao geral, ao campo todo. E na medida em que surgem novos campos ¢ perspectivas de atuagao do psicdlogo, surge também uma necessidade premente de ampliagio e busca de um termo que abarque a atuacio do psicélogo em reas que, embora tangenciando outros campos da psicologia, apresentem especificidades proprias e * Desde os mais remotos tempos da minha formacio em psicologia, sempre engrossi rol de descontentes com a jungio da peicologia com o estudo do comportamento animal. Sempre consider! sbsucds a ideia de realzazem experimentos com rates, pombos, macacos et. ¢, partir disso, infeirem coneluses sobre o com portamento humano. Eapesar de evocar aspects cientificos quando se argumentaem prol dos experimentos ‘com anima, ainda assim, nunca é demas ressatar que 2 eonduta humana € peculiag, inerente & eondiggo humana e portant, #5 pode ser compreendca a partic do propio home. 2 psclola da saee configuragio.A defingho da psicologia ambiental ~abrangend ritestorialidade © expago pessoal € 0 modo como 6 mej, io jinerentes 3sua portamento individual ~ dé indicios da nee. estudo de Farores, com i ia e dirige 0 com ambiente influencia € ; sade de ampliasao dos conce! 8 existentes. = aoe No Capital Ti 275. Sebeatenl moss articulagio de virias entidy. 0 ‘do de agrupar profisionais da érea da pscologia qug ea P ish ‘com priticas semelhantes, N89 apresentavam uma troca profisional ¢ enor om Pen E eee asi ma fefleo pomenotzad do gy cere finindo como sendo psicolgia dB saide. Varios autores (Chiattone ¢ {mos , 1984) ha muito vém estudand 4 kc, 1992; Angerami et gio do conceito da prética clinica em peicologia, Es necesidade de see Suratton e Hayes para defini-la, por outro, buscamos gorumlado rer ald onde asad ini como o bem Organiza Trg apenas como ausenca de dOengas ment ssh 0 Gama, num enfebamento desses dois concios, que Eno, pode erin aprtca de levae 0 indviduo/pacient busca d vile social, englobando, assim, a performance de uma esta Gebastiani, 1991; Spin! 1 psicologia da bem-estar fisico, ment g i ” bordagem que teria de incluir a participagao de outros profissionais da érea, ? 3 Para a sua definislo, hé de se considerar & pesioa inserta no contexto social, » ar , i a eaconr de diversas vozes dentro da psicologia que clamem por e iderem 0 homem como um ser hist6rico, temporal e que tempo e de sua sociedade. Mostra a importincia vcaa abordagem ttalizante, onde tudo aquilo que possa fazer parte da vida dk ama determinada pestoa sejaconsiderado de maneira plena ¢ absoluta. Os Tipit de atuagdo da psicologia da said sto amplos, envolvendo todas as fases do atendimento ao paciente ~ primério, ecundirio e tercidrio. E indo muito além do proprio enquadramento com as pratias clinica e médica, sua amplia- cao estende-se também para uma atuagio de intervengo no campo social do paciente. A propria psicologia hospitalas, que no inicio era praticada tio-so- mente nos limites hospitalares, hoje tem sua atuas2o expandida também para o domictlio do paciente, trazendo, pois, um apéndice de atendimento domicilia. ssa pritica vai de encontro a uma tendéncia mundial de descapitalizacio do paciente, sendo que a pritica do psicblogo nesse contexto ~ se definida como sendo psicologia hospitalar ~ seguramente estard incorrendo em erro etimo- logico. Em seguida, refletiremos alguns conceitos que englobam a pritica da psicologia da sade, que criar teorias que consi traz em seu corpo sinais de seu ressgnificaga da pritica clinica esas implicagbes na realiade dn sade 3 1.2 Em busca de conceitos A psicologi, hd muito tempo, vem procurando expandir seus limites de atuasfo. A antiga categorizacao da Psicologia em clinica, educacional e organizacional ad- quite novos contornos ¢ especificdades. E ainda que muitas das priticas da psi- ologia ainda estejam imbricadas como esse eixo bisico, a cada dia surgem novos dimensionamentos da atuacio do psicdlogo. A propria estruturagio curricular dos cursos de psicologia J mostra em diversas faculdades os indicios da necessidade dessas mudangas. Assim, € comum hoje a presenga de cursos de psicologia comu~ nitéria, institucional, hospitalar, esportiva, forense etc. Essas novas modalidades de pritica subsidiam um modo peculiar da prépria psicologia em se reestrutu- rar para atender aos anseios sociais de sua abrangéncia. E importante salientar que, ainda que a psicologia apresente fortes sinais de autografia, a maneira como ela caminha de encontro aos anseios de uma atuagio mais ampla e abrangente € bastante promissora, A verdade é que, ao caminhar em diregio a outras for- mas de atendimento, muitos conceitos tedricos tiveram de ser revistos, ampliados € até modificados para atender a essas novas exigéncias. A necessidade de uma compreensio do homem que levasse em conta sua historicidade, sem sombra de dvida, é um dos pontos que mais aparece nessa jungio de novas alternativas de atendimento. Afinal, um individuo doente no nordeste do pais sem diivida teré necessidades emocionais ¢ sociais bastante diferentes daquelas de um paciente situado no sul do pais. A propria peculiaridade de uma dada populagdo com suas caracteristicas socioeconémicas € considerada condi¢io imprescindivel para uma abordagem que vise atingir a satide desse paciente. Essa questio de historicidade deveria estar presente em todas as tentativas de compreensio do ser humano, pois no hi como teorizar, de forma genérica,a condigio humana, como ocorre com a i maioria das teorias em psicologia, sem incosrer-se em erro. Essa conquista deveria ser algo que fizesse parte das buscas teéricas ¢ até mesmo filoséficas. De fato, € muito dificil assumir posturas tebrico-priticas que destoem dos grandes autores internacionais, seja pela referéncia académica que representam, seja ainda pelo nosso medo de assumir um trabalho proprio, fato que naturalmente nos temete 2 protegio dos grandes arcabousos tedricos. ‘Talvez por isso mesmo 0 resultado desses trabalhos que levem em conta a insergio histérico-social do paciente seja considerado tio promissor, pois mais do que expandir seu conceito de atuagio est, muitas vezes, colidindo com teorias consagradas mundialmente. E isso implica néo apenas na necessidade de um re- visionismo teérico como, e principalmente, na coragem de ousar tentar férmulas To «seta casi nos sio apresentadas academicamente, Eu mesma » em ve consderado precursor de pubicagoes sobre atuabes diferentes dagul, bor ada acadericarent 300 obrigado a confessar que apesar da ousadiag preconizadas 2° jonal, no possuia a mesma ousadia para publica 9 requ maha ree preciso esata grandes tericos consagrados mundialmente .... dessa erie ‘me encorajar e publicar as nossas experiéncias profissionais que at é necessétia para que possamos embasar uma pritica Profissiona) oi okerana na abrangénca de nosa realidade, que deve sero run, Fae ani pigagoese desenvolvimento profisional Uma pritica que ous de noses eee que a realidade a ser desnudada € a concretude gue Siero ofsonal da said 2 ampliasio ndo apenas de seus concetg gon” pany ina crenga ern sua capacidade de intervencio, na realidade Ea de maneira tinica e repleta de especificidades préprias, hosptalar é dfinida como psicologia da snide © pscologia nfo 0 € E pop que a psicoterapia nfo € incluida no rol das praticas englobadas pela psicologia da saide se ela, em ultima insténcia, atua com a sate, mental do pacient F igulmente tanta ours indagages fariam pertinents, pois envoveriam quater semelhantes. Nese grupo, poderiamos inclu a pritca educacon, diferentes daquelas a¥° hod gen uc poder rts amass No fa da dada de 1970, io Cao de Ege es chmetsPiclgico a USP ob retain geal dx saudoss dr, Raquel L. Rose Cees cin hoc a re weserhownes el algns do abalos ue deevolamos em ross eae de Br que ia ex sea at marcas eo tod esa gent de Carl Roger, com um humidade ings, do conhecey oe ‘opt obe somos de sborlagens tic priict or simplesmentequsionano debe glo (eric mmo conser de aqua vena Na aise, coordenvao atenment juno nas TE cat de ucido no Pront-Socoro do Hospital das Clinicas da FMUSP.E tenho como inesqusieo ‘har do de Roger dante Je como relizivimos nosso atendimento junto ao lito no proprio comedor hori {doer dnurdamentinfnito de coe qu davim entrada a cada instante naguele pronto-socor.Tado etsertemostando um a deincedlidae dant de tudo 0 que ea vivo, Em nosso kim enconto, cua ‘ean promod pe dea. Raquel depois de agradecer a acolida que hava recebio eo empeno qe vemos cm levi para concer o taal cue redvams, ele smplesmente nos pdiu para que nao tentisemos aplasia teors em nossa eaidade! E, dante de nossa incedulidade, afirmou que suas toras erm feias pacts eaiddes soils que as pessoas que conheceu, ao presencar nosso trabalhosfziam pare de una edd completamente diferente da sun, precsande, portant, de uma outa forma de compressio. Asus plas foram muito importaes parame fer cre que poderamospublicarnosios trabalho, ot sind que tess carcteristcs bastante diferentes dail que preconizavam os grandes terns ess ube onde temos ainda a agravante de que o limentos, mutas vezes sequer consideram 35 necessidades das comunidade, apenas satisfizem a necessidade teérica de sua grade -escolas de psicologia que pos- vamos encontrar clinicas cor exemplo, sem considerar a real aque sirva 205 i & recursos atendem a populasi te tanto o efeito de péuticas. B 0 que éain : resultados positives, a populasi aten atendidas ¢ efetivament curricular, Dessa forma, mento de abordagens corporais, P suem atendit vida com casos extremados de violencia, dade da comunidade, alcoolismo etc. "A humanizagio dos atendimentos na area da satide passa obrigatoriamen- te pela propria humanizagio do profissional da sate, o qual esté precisando se ‘humanizar na medida em que distorce até mesmo alguns principios tedricos que justamente preconizam a humanizagio dos atendimentos. Talvez isso tudo seja rh sintoma amargo da nossa realidade contemporiinea, onde possuimos telefones celulares,caixa postal eletrdnica e um sem-nvimero de paraferndlias cletronicas de comunicasio, ao mesmo tempo que estamos cada vez mais empobrecidos no rela~ cionamento interpessoal. As pessoas cada vez mais realizam consultas ¢ contatos que solicita muitas vezes envol via Internet 20 mesmo tempo que nfo suportam o olhar de alguém afeto e afago emocional, Alguém verdadeiramente humano com quem se possa estabelecer uma relago sem a intermediago do computador ou de qualquer outra paraferndlia eletronica. Somos seres humanos e, como tal, devemos nos relacionar. etme ee ser ainda mais maravilhosos se servissem para ‘ iso humana, ¢ nao 0 contrario, como assistimos na atualidade, com a nossa total desumanizagao diante dos novos modelos de infor- matizasio e globalizacio. ee be ressonifiado ga pratca cia e sua impliagbes na reallade da saiée 15, Referéncias bibliograficas Anceramt, V. A. etal Prcslogia bopitalar. A atuasto do psicdlogo no contextoBosptalar. Sao Paulo: Trago Editora, 1984, A psicologia no hospital. Sao Paulo: Trago Editora, 1988. 0 doente, a psicologia e 0 bospital. Si Paulo: Pioneira, 1992. ___. Paicologia bospitalar Teoria e pritica. $40 Paulo: Pioneira, 1994, A ética na sade, Sao Paulo: Pioneira, 1997 ___ Ungénciaspsicolégicas no hospital. Sio Paulo: Pioneira, 1998. A psicoterapia diante da drogadigio. Sio Paulo: Cengage Learning, 2005. Ciarrone, H. B.C. Sepastiant, R. W. Curso introdutério em psicalogia hospitalar Sio Paulo: Bibliografia Németon — Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia ¢ Saide, 1991. Gimenes, M. G. G. Definigao, foco de estudos ¢ intervencio, In: Canvatio, M.M. MJ. (Org) Introdugéo a psico-oncologia, Campinas: Editorial, 1994, Spink, N. J. Psicologia da saide: a estruturagdo de um novo campo de saber. In: Cam- 70s, F.C.B. (Org.) Pricologiae save, Repensado priticas. $20 Paulo: Hucitec, 1992. Stratton, P.; Haves, N. Diciondrio de Psicologia. So Paulo: Pioneira, 1994.

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