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Do uso das nocoes de multifuncionalidade e territério nas politicas agricolas e rurais no Brasil! Philippe Bonnal * Renato S. Maluf ** Introdugio Sabe-se que a emergéncia do conceito de multifuncionalidade da agricultura (MFA) esteve associada ao reconhecimento oficial de que a agricultura produz, além dos pro- dutos agricolas — destinados & alimentagio humana e animal, & indiistria e, eventual mente, a0 transporte da populaciio -, outros bens imateriais e nfio-mercantis apropria- dos pelas populagées rurais e urbanas. Esse conceito teve um papel importante, embora breve, na orientagdo das politicas piblicas de alguns paises, principalmente na Europa ena Asia, porém, hoje em dia, € pouco evocado pelos gestores de politicas piblicas, tanto em nivel nacional quanto internacional. Isto nao significa que ele nao continue tendo um papel importante na definicao de politicas agricolas e rurais, as vezes, até mesmo de maneira implicita, embutido em outros conceitos, tais como os de desenvol- vimento territorial e desenvolvimento sustentivel. No Brasil, € possfvel afirmar que esté em curso, desde meados dos anos 1990, a incorporagao de elementos do enfoque da MFA em diversos programas voltados para a agricultura familiar, o agroextrativismo e o desenvolvimento rural, ainda que sem fazer uso da nogao. Trata-se, porém, de uma apropriagao fragmentada e acesséria ao nicleo central dos programas ptiblicos cujo foco, em sua maioria, tende a se concentrar na dimenso produtiva mercantil da “agricultura familiar”. Uma mudanga desse foco re- quereria, entre outros, colocar as unidades familiares rurais ~ e nao apenas os produtos gerados pela agricultura familiar ~ como objeto de tengo dos programas, ampliando Pesquisador do Cirad (Franca) e pesquisador visitante do CPDA/ICHS/UFRRI. * Professor do CPDA/ICHS/UFRRI. Prnuere: BoNNAL Rexaro 8, MALvr deste modo o enfoque sobre os papéis desempenhados pelas familias rurais “para aém da produgao” (Carneiro e Maluf, 2003). Em paralelo & incipiente valorizago dos miltiplos papéis cumpridos pela agr- cultura familiar, constata-se, também, que as politicas paiblicas no Brasil tém caminha- do na diregao da ‘territorializaco’ das suas agdes, inclusive como método de coorie- nagio entre elas. Esse movimento tem acarretado algumas rupturas com abordagens anteriores, porém, coloca um conjunto de questées derivadas do fato de serem distintas 08 significados atribufdos a nogdo de territ6rio e, portanto, os usos da referéncia terior entre os setores de governo e os respectivos programas. Seria necessirio acrescenta, aos enfoques sobre a MFA e os territ6rios, a dimensdo da sustentabilidade dos proces sos de desenvolvimento que se tornou referéncia obrigatéria nos programas e agies piiblicas em face da relevancia da temética ambiental. Generaliza-se a perspectivado desenvolvimento territorial sustentavel. Nao obstante, ultrapassaria os limites do pe sente capitulo englobar também essa dimensio. Nesse contexto, 0 capitulo abordard os conceitos de MFA e de territério,inicia- do com algumas consideragGes sobre sua evolugao recente, Em seguida, aborda am neira como a multifuncionalidade eo enfoque territorial vém sendo utilizados nas pot ticas para a agricultura familiar no Brasil, precisando a articulagio entre ambos, Pa fim, identifica os principais desafios e oportunidades ligadas & implementagao do enfoque territorial e a sua relagdo com a MFA. 1. Multifuncionalidade, territério e as politicas agricola e rural O falso-verdadeiro debate sobre 0 conceito de multifuncionalidade da agricultura O conceito de MFA ocupou posicao de destaque nos debates nacionais ¢ intema- cionais, entre 1997 e 2003, notadamente em alguns paises da Europa e da Asia. 4 preocupagio de colocar em relevo as fungdes nao mercantis de cardter social, cultale ambiental da agricultura veio a tona, pela primeira vez, na Clipula da Terra realizada m0 Rio de Janeiro, em 1992, quando foram discutidas estratégias de desenvolvimento sus tentavel, principalmente para os paises mais pobres. Declarou-se, naquela conferéncia, que o reconhecimento das referidas fungdes da agricultura pelos governos nacionas constitufa uma das condigdes necessérias para estabelecer um processo de desenvolv- mento sustentavel.? Debates piblicos em tomo da multifuncionalidade emergiram em varias organizagées internacionais, como a FAO (1999), que propunha enfocar as mil tiplas fungGes da agricultura e das terras com vistas a definir politicas de desenvolvi- mento que asseguram a sustentabilidade a longo prazo da agricultura e do desenvoli- mento rural. Um pouco mais restritivo era 0 quadro analitico da multifuncionalidade acordado pelos paises integrantes da OCDE mencionado adiante. 218 Muxpo Rurat IV — CosmicueaOrs RURAL-URBANAS: PODER PLES além agri- nha- orde- gens intos torial ontar, oces- acées va do > pre- ician- ama- 5 polt- s. Por sfoque aterna- (sia. A Itural e ‘ada no ato sus- réncia, cionais nvolvi- ramem as mil- :nvolvi- onvolvi- ialidade EroLtnicas Do uso DAS NogOES DE MULTIFUNCIONALIDADE E TERRITORIO NAS FOLITICAS AGRICOLAS E RURAS NO Buna Inimeros paises estiveram envolvidos nesses debates, alguns dos quais chegaram. amodificar sua legislago agricola na diregao de promover a MFA’. Na Unio Euro- péia (UE), 0 conceito teve uma forte repercussio e chegou a constituir um dos alicerces da reforma da Politica Agricola Comum (PAC) conhecida como Agenda 2000, com a criago do segundo pilar dedicado ao desenvolvimento rural‘. A importancia do concei- tode multifuncionalidade no debate europeu daquela época se deveu a dois quesitos. 0 primeiro relacionava-se com a grande preocupaco dos atores sociais e politicos diante dos problemas induzidos pelo modelo de producdo intensiva generalizado na Europa a partir da II Guerra Mundial, nos aspectos econdmicos (excedentes de producio), ambientais (poluigdo dos solos e Aguas subterraneas, degradacio da paisagem rural), sanitérios (doengas dos animais e contaminagao dos alimentos) e sociais (éxodo rural). Osegundo quesito era o forte apego de um mimero importante de cidadios europeus as suas agriculturas familiares nacionais. No entanto, hoje em dia, apesar do interesse que despertou durante os anos 1990 € 2000, o conceito de MFA desapareceu, oficialmente, das agenda num bom néimero de casos, dos discursos nacionais sobre a agricultura e o meio rural. A principal razao dessa regressao localizou-se no fato de a discussao sobre a MFA ter sido inserida nas negociacdes internacionais da Organizagdo Mundial do Comércio (OMC) - relacionada com as chamadas “considerag6es nao comerciais sobre a agricul- tura” (non-trade concerns on agriculture) — de um modo que nao deixou de ser oportu- nista para todos os protagonists, porém, que cristalizou contra 0 conceito a oposigao dos que estavam em favor da desregulamentagio do comércio agricola’. A propésito, em semindrio de pesquisadores latino-americanos, realizado em 2000, observou-se que, apesar da multifuncionalidade ser uma caracteristica intrinseca dos agricultores, have- ria que retirar a dimensdo politica atribufda ao termo na América Latina, em fungdo das negociagdes na OMC (Cirad, 2000). E claro que a ocultagao do conceito do vocabulério internacional nao induz a negagdo de sua pertinéncia, sendo que ela corresponde & mera manifestagio de consen- so dentro de um processo de negociacZio comercial. Ao contririo, consideramos que a multifuncionalidade — ou seja, a ligacdo fundamental dos aspectos sociais, ambientais e produtivos — deve ser entendida como um fendmeno inerente a atividade agricola, inde- pendentemente de seu reconhecimento ou nao pelos poderes piiblicos. Cabe ressaltar, ainda, que embora a multifuncionalidade nao seja uma caracteristica especifica da agri- cultura, ela € particularmente expressiva neste setor, pela importancia consideravel da interface entre a produgio agricola, a sociedade e 0 meio ambiente’. De fato, 0 tratamento dado ao conceito da MFA no debate internacional sobre 0 comércio agricola foi amplamente instrumentalizado pelas necessidades de conforma- cdo de grupos de pressio, uma vez que este conceito é uma nogio transversal a varios campos tedricos das ciéncias sociais. A melhor ilustragdo desta assercao € 0 debate ATORES, POLITICAS E DESENVOLYIMENTO 219 inure Borat. Rexsro S. Maur entre as concepgdes positivas e normativas da multifuncionalidade no marco analttico formulado pela OCDE (Oecd, 2001). A concepcao positiva considera a MFA em ter- mos dos miiltiplos produtos (multiple outputs) da agricultura com vistas a elevar o grav de conjungao (jointness) entre a atividade agricola e suas externalidades positivas na forma de produtos nao-mercadoria (non-commodity outputs), ou reduzit as externalidades negativas, através de modificacdes nas formas de cultivo e nas tecnologias adotadas. Essa concepgio se enquadra numa perspectiva de economia piiblica coerente com a teoria neo-institucionalista, limitando a agdo do Estado neste caso, estritamente, A corregdo das deficiéncias do mercado caracterizada pela propria existéncia da externalidade. Jana concep¢ao normativa, diferentemente, a agricultura € considerada como um setor especifico cuja orientago niio-mercantil deve ser definida pela sociedade. Tata se de uma concepgiio coerente com uma andlise em termos de economia politica. Nesta l6gica, o tratamento politico e econdmico da MFA vai além da mera questo da prote- 40 comercial da agricultura, englobando o conjunto de intervencdes piiblicas como forga de regulagdo dos aspectos sociais e ambientais ligados & atividade agricola, tema com atualidade permanente. Neste particular, observa-se que existem duas possibilids- des, compatfveis entre si, para que um pafs promova a multifuncionalidade de sua agt- cultura. A primeira é a implementagio de ages piiblicas objetivando fortalecer os agi cultores ou parte deles para que desenvolvam suas atividades consideradas altamente multifuncionais. A segunda a contratualizagiio entre 0 poder ptiblico e o agricultor para que este iltimo desempenhe atividades especificas de indole social ou ambiental que revertam para a comunidade. Pode-se considerar que a primeira op¢ao é aquela que foi escolhida no Brasil mediante as politicas voltadas para a agricultura familiar, en- quanto que a segunda teve uma expressio particular em alguns pafses europeus, notadamente na Franga’. Territorio: um conceito polissémico plebiscitado mundialmente Ahiist6ria do conceito de territ6rio é totalmente distinta da MFA. Tendo emergido ha trés décadas no campo das ciéncias sociais, o conceito de territ6rio ganhou forcae reconhecimento em muitos pafses do mundo. Ele ganhou espaco desde os anos 1970, notadamente na Geografia (territorializacdo das atividades humanas, territorializagio do poder), Antropologia (relagao entre o mundo material e simbélico), Sociologia (cons- truco e funcionamento dos espacos urbanos e rural) e Economia (efeito econdmico da localizagao da produgao). Na década de 1980, a nogao de territério apareceu nas cién- cias de gestio e de administragdo de empresa, passando a constituir uma estratégia para desenvolver capacidade competitiva. Nos anos 1990, a emergéncia dos enfoques sistémicos e multidisciplinares cristalizou novas abordagens: distritos industriais, po- los de competitividade, territérios de produtos de identidade etc. Ainda nos anos 1990, 220 Muxpo Runa IV ~ CosmIGURAGOES RURAL-URBANAS: FODERES E POLTICAS a promocio finalidades, e reequilibs além da div nente nas entre as di mentos coi gem a atu: o territério ativados, en Do Uso DAS NOGOES DE MULTIFUNCIONALIDADE E TERRITORIO NAS POLITICAS AGRICOLAS E RURASS NO BRASt. apromogio de territ6rios de diferentes naturezas recomendada por instituigdes inter- nacionais como o Banco Mundial, com as perspectivas de aprimorar a governanga pé- blica ou dinamizar as economias locais. Polissémico, 0 territ6rio pode ser considerado como um “conceito mala” (Renard, 2002), por carregar diversos sentidos ativados para responder a diferentes estratégias e finalidades, tais como aprimorar o sistema de governanga, ativar a atividade econdmica e reequilibrar situagdes econdmicas e sociais regionais, entre outras. Contudo, para além da diversidade conceitual e estratégica, pode-se identificar um elemento perma- rente nas recentes concepces (trans)disciplinares do territ6rio, Trata-se da associagio entre as dimens6es material e imaterial que correspondem, respectivamente, aos ele- mentos constitutivos de uma organizagao e s normas, representagOes e regras que re- gema atuagao dos usuarios desta organizagao. O gedgrafo Gumuschian (2002) definiu oterritério como “... uma organizagio bifacial, produto de uma eco-génese na qual sio ativados, em um sistema simbélico e informacional, recursos materiais”. Em se tratan- dode estratégias de desenvolvimento territorial, a dimensio material € freqiientemente sindnimo de mercantil e a imaterial de naio-mercantil, sendo possivel criar uma relagio dinimica positiva entre as duas dimensdes do ponto de vista econdmico. Mencionem- se, por exemplo, a cesta de bens proposta por Pecqueur (Pecqueur, 2001) e, especial- mente, os pélos de competitividade e clusters de Porter (Porter, 1985). 0 econdmico pode também estar atrelado, ou melhor, nos termos de Granovetter (1985), estar ‘encai- xado’ (embedded) no social e no simbélico, como no caso das sociedades tradicionais. A interagao multifuncionalidade ~ territério como palco para a a¢ao piiblica no meio rural Areuniao dos conceitos de MFA e de territ6rio acarreta a presenga simultnea das dimensdes mercantil e naio-mercantil, combinaco que, por sua vez, corresponde a di- ferentes problematicas e situagdes de ago piblica. Uma primeira situag’o corresponde aos territ6rios definidos para limitar as externalidades negativas ligadas & atividade agricola ou, ao contrério, para estimular a produgao de externalidades positivas da mesma atividade agricola (Mollard, 2002, 2004). O marco disciplinar dominante € a economia piblica, mais precisamente, a teoria do bem-estar. O territ6rio corresponde, neste caso, a um espaco de problema no qual o poder piiblico tem que responder a perguntas tais como: como reduzir 0 nivel da poluicao agricola do lengol fredtico? Como valorizar melhor a paisagem agréria com atividades de agroturismo? Baseadas numa concep¢io positiva da multifuncionalidade, as respostas do poder piiblico sao de indole regulamentar e econdmica (multas, taxas ou incentivos especificos), Situago distinta é aquela dos territérios construfdos em torno de um ou varios projetos coletivos voltados para valorizar a MFA. Neste caso, a agricultura nao € ape- ATORES, FOLITICAS & DESEXVOLVIMENTO Bona E RENATO S. MALUF ifocada através de suas externalidades positivas ou negativas, ela se torna oalvo ngdo dos atores sociais para identificar e desenvolver novas fungdes em interagio sociedade e 0 meio ambiente. Esta maneira de enfocar a MFA € coerente coma pcdo normativa, porém, com diferengas entre os projetos, em fungao do peso a0 componente econdmico. Nos projetos que seguem uma légica de economia rrial, 0 territ6rio € concebido como um espago geogrifico de construcao de ativas ficos, condigao estimada necesséria para criar bens diferenciados (Peequeur, *. A multifuncionalidade é, nestes casos, o resultado de um processo de constni- specffico do territ6rio, construg%o cujo principal objetivo econdmico ¢ incitaro imidor externo a se deslocar para dentro do territ6rio para ter acesso a uma cesta de especfficos. J4 quando o peso econémico nao domina o projeto coletivo ~ engua- -se aqui projetos diversificados nas dreas alimentar, ambiental, satide etc. -, 0 obje- srincipal € a valorizagao de uma ou varias fungdes da agricultura. As referencias 2as geralmente mencionadas so as que tratam das ages coletivas (Crozier € Iberg, 1977; Olstrom, 1982). Em ambos os casos, o poder piiblico tem um papel de 10 As iniciativas locais através de regulamentagées e financiamentos especificas, ientemente por meio de licitagdes piblicas. Uma terceira situagao € o territ6rio de identidade, correspondendo ao espaco ge0- co ocupado por uma comunidade cujas normas coletivas se diferenciam do resto aletividade nacional. Neste caso, o territ6rio € concebido como um espaco fisicoe élico de produgao dos bens materiais e imateriais necessarios & reprodugao dessi unidade. A MFA da agricultura se expressa mediante a diversidade das formas de ‘cmbio e reciprocidade em torno dos produtos agropecurios, de acesso aos recur- aaturais (terra, 4gua) e das relagdes de trabalho. As referéncias tedricas mobilizadas gram a literatura antropoldgica classica como Mauss (Mauss, 2001 [1950]), ou anyi Polanyi, 1980 [1944]). 2. Multifuncionalidade e enfoque territorial nas politicas agricolas e rurais Estimulos e obsticulos ao enfoque da multifuncionalidade Como antecipado na introdugio do capitulo, a andlise dos programas piblicos volt 5 para a agricultura familiar e a promogio do desenvolvimento rural no Brasil permitem servar a incorporagao de elementos do enfoque da MFA. De fato, 0 contexto recente s¢ acteriza pela existéncia de varios fatores que estimulam a incorporagao do enfoque da ‘A, ainda que nao sejam poucos os fatores que restringem essa possibilidade. O primero, e talvez mais importante fator estimulador, deriva das modificagies e vém ocorrendo, hé algum tempo, nas diretrizes e objetivos gerais dos programas 2 Munno Rumat TV — Concur agors RURAL-URBANAS: PODERES FOL Dowso: voltados para a agri Lula, ha programas aplicada a temas v nem sempre com O Plano Nacic pluriatividade inte; nOmicas”. Para o sociedade, pois seus mirios, sendo val com a inclusio soci que a assercio dami da OCDE antes mé mencionar a divers mentos na politica, Acmergénci sociais e ambient mente, o crescim rural, ainda que agronegécio rep! caminhos co ciéncia produtiv Assim, a a os povos indig apoio & agricul pondidas com do papel da a; mercado, des sustenta a ne Pos is Do so Das NogOes DE MULTIFUNCIONALIDADE F TERRITORIO NAS POLIFICAS AGRICOLAS E RURAIS NU BRAM yoltados para a agricultura familiar e reforma agréria. Mais recentemente, no Governo Lula, hd programas que fazem uso explicito da nogiio de multifuncionalidade, embora aplicada a temas variados (agricultura, agricultura familiar, espago rural, territ6rios), tem sempre com o mesmo significado portado pelo conceito de MFA. 0 Plano Nacional de Reforma Agraria sugere “valorizar a multifuncionalidade do espago rural”, bem como ressalta que “(...) a agricultura familiar promove uma ocupa- ¢do mais equilibrada do territ6rio nacional e por meio de sua multifuncionalidade e da pluriatividade integra diferentes contribuigGes ao territ6rio e diferentes atividades eco- nomicas”, Para o Proambiente, “(...) 0 espaco rural adquire um novo papel perante a sociedade, pois seus atores sociais deixam de ser apenas fornecedores de produtos pri- mirios, sendo valorizado o cardter multifuncional da produgdo econdmica associada com a inclusdo social e conservacdo do meio ambiente”. Neste tiltimo caso, constata-se quea asserciio da multifuncionalidade 6 totalmente coerente com a concep¢do normativa a OCDE antes mencionada. Embora nao recorra 4 nogio de multifuncionalidade, cabe mencionar a diversificagiio das linhas de atuagao do Pronaf que incorpora novos ele- mentos na politica de crédito para a agricultura familiar. Aemergéncia de novas diretrizes reflete a intensificagao das criticas aos impactos sociais e ambientais do modelo de modernizacao agricola hegeménico e, conseqtiente- mente, o crescimento da retorica nao produtivista no trato da agricultura e do mundo mural, ainda que sejam muitas as manifestagées de rendigdo ao linguajar proprio do agronegécio representante daquele modelo. A propésito, subjacente a esse debate esta aconsolida¢ao conceitual e politico-institucional da diferenciagao entre dois tipos de agricultur: miltiplas dimensdes e papéis sociais que podem ser associados a atividade agricola. Sem desconhecer as interagdes existentes entre esses tipos € muito menos a importan- cia dos “negécios” para a agricultura familiar, a referida diferenciacéo aponta para caminhos distintos e favorece a consideracdo de questdes outras que ndo apenas a efi- ciéncia produtiva. © familiar e 0 do chamado agronegécio, em si mesma uma expresso das Assim, a valorizagao da agricultura familiar associa-se com antigas preocupacdes relacionadas com eqitidade e sustentabilidade, bem como com a abertura a ‘novos te- mas’, entre os quais se destacam as questdes de género e geracionais, o reconhecimento do rural nao-agricola e a recente difustio do enfoque agroecolégico. Proposigdes para grupos populacionais especificos, como as comunidades rurais negras quilombolas ¢ 0s povos indfgenas, tém sido geradas no Ambito dos programas de reforma agréria e de apoio & agricultura familiar. Preocupagdes desse tipo podem e tém sido, de fato, res- pondidas com base em abordagens convencionais, ndo raro unidimensionais no trato do papel da agricultura; tudo se resume & viabilizag3o econdmica, por mecanismos de mercado, dessa atividade como & de qualquer outra. Nosso argumento, ao contrétio, sustenta a necessidade de uma construgio diferenciada que evidencie a contribuigo 223 ATORES, POLITICAS E DESENVOLVIMENTD Prnuipre Bowwat. © Renato S. Maur aportada pelo enfoque da MFA quando aplicado a realidades com o grau de heterogeneidade social e ambiental que caracteriza o mundo rural no Brasil. A concentraco das atengdes na dimenso econdmica e seus requisitos em temas produtivos e de mercado resulta em estratégias de fortalecimento da agricultura famil- ar assentadas em projetos associativos de agregagiio de valor & produgao priméria ata vés da agroindustrializagiio de pequeno e médio portes e da diferenciago dos produtas (orgdnicos, artesanais, tipicos etc.), como se verifica de maneira generalizada no pa. Contudo, mesmo aqui so geradas dindmicas que, embora econémicas na sua motive: &o primeira, fazem emergir outras dimensdes associadas & seguranga alimentar, diver sidade cultural e ambiental, reprodugdo do tecido social, entre outras, sempre tendoa agricultura familiar como elemento constitutivo dessas dinamicas. A contribuigdo dos programas piblicos nessa direcdo se faz, entre outras, pela abertura do mercado institucional de alimentos (compras governamentais) para pequenos € médios produto res ea conseqiiente regionalizagao do fornecimento (como tem feito o Programa Nai onal de Alimentacao Escolar), ou com programas de compra direta dos pequenos agri cultores para abastecer esses programas e para a composigao de estoques piblicos (Pir grama de Aquisigao de Alimentos da Agricultura Familiar — PAA). Ao lado dos fatores que estimulam a incorporagdo de elementos do enfoque de MFA nos programas piblicos no Brasil, um outro conjunto nao menos relevante de fatores restringe essa incorporacao ou, a0 menos, coloca requisitos especificos part que ela possa ocorrer. Desde logo, mencionem-se os elevados indices de pobreza rua que afetam a grande maioria das familias rurais em regides como o Semi-Arido nodes tino e a Amaz6nia, bem como um néimero significativo delas que ficaram & margem da chamada modernizagao do campo ocorrida na regiaio Centro-Sul do Brasil. Pobreza, nesses casos, significa precdrias condigdes de vida e reduzida ou inexistente capital ¢4o das famflias rurais’. A persisténcia das restriges ao acesso a terra, que ainda é insuficiente ou precério para um grande mimero de pequenos agricultores, limita a possibilidades produtivas dessas fam{lias que, em principio, poderiam promover aoc paciio eqilitativa e sustentavel de vastos espacos agrdrios, ao mesmo tempo que dinamt- zariam seu uso agricola. Uma questo de ordem geral que ultrapassa os limites do setorial é a permanéncia de restrigoes orgamentérias que afetam a amplitude e a implementago dos programas de apoio a agricultura familiar e a intensificagdo da reforma agréria. Essas restrigges tém suas conseqiiéncias agravadas pelo forte estimulo A ampliagdo dos cultivos volt dos para a exportagio e a produgao de agrocombustiveis, com destaque para as grandes lavouras monocultoras de soja e cana-de-agiicar, a pecudria bovina e os vastos plantas de madeira para papel e celulose. A reproducio socioeconémica das familias rurais é afetada, diretamente, pela elevada desigualdade social do pafs que vem sendo enfrentada com programas de transle- 224 ‘Munpo Runa IV ~Cosricuragbes RURAL-URBANAS: FODERES E FLD ee RE Ee EEE: RAN AS aE on een en ment réncia de renda, numa conjuntura de modesto crescimento do produto ¢ elevado desem- prego. Essas circunstancias afetam, também indiretamente, a reprodugo econdmica da- quelas familias pelos constrangimentos que acarretam para a expanso do mercado do- méstico de produtos agroalimentares, principal atividade da maioria das familias rurais. Por dltimo, as negociagdes dos acordos comerciais internacionais representam um fator de permanente incerteza para a trajet6ria dos programas de apoio doméstico aos pequenos agricultores, a0 mesmo tempo que jogam sobre esses agricultores boa parte do impacto das medidas de cunho liberalizante j4 adotadas pelo Brasil. E de se notar a coexisténcia, no governo brasileiro, de posicdes liberalizantes estritas (contréri- 45, portanto, a praticas protecionistas também no Ambito doméstico) e de posigdes mais céticas quanto as possibilidades do livre-comércio e que buscam acordos comerciais diferenciados que contemplem os interesses da agricultura familiar. Desafios para a implementacao do enfoque territorial A problematica territorial foi recebida com certo entusiasmo por autores voltados para o estudo da agricultura familiar no Brasil (Abramovay, 2000; Veiga, 2001). Espera-se, entre outras coisas, que os espacos rurais onde predominam a agricultura familiar sejam capazes de induzir um estilo de desenvolvimento rural mais sustent4vel, mais justo e gera- dor de novas oportunidades econémicas. O enfoque territorial do mundo rural vem sendo adotado tanto pelos programas especificamente dirigidos para a agricultura familiar (e para as familias rurais em geral) ¢ o desenvolvimento rural quanto por novos instrumentos, como no caso da incorporagao da 4rea rural no Plano Diretor das cidades com mais de 20 mil habitantes previsto no novo Estatuto das Cidades. A valorizagao das articulagdes intermunicipais sob diferentes formas, por sua vez, tende a criar um Ambito mais apropriado para o tratamento de alguns componentes de programas de desenvolvimento territorial. A incorporacao do enfogue territorial nos programas piblicos no Brasil e a sua implementago defrontam-se com importantes desafios, cuja andlise extrapola 0 foco central do presente capitulo. Limitamo-nos a apontar, de um lado, que os enfoques orientadores dos diversos programas e setores de governo apresentam uma questiio de ordem conceitual, pelo fato de eles se basearem em concepgGes distintas de territério. De outro lado, hé uma questio de ordem espacial ou operacional, referente as interfaces e superposic&es das respectivas éreas de atuagdo dos programas. Nesse sentido, pode-se identificar cinco légicas que orientam os usos do enfoque territorial nos processos de descentralizagio dos programas piblicos, a saber: i) dinamizago das atividades econdmicas; ii) implantagdo de infra-estrutura fisica; iii) gesto de recursos naturais; iv) construgao de espacos de identidades; v) construgao de espagos de governanga. Hé varios programas piblicos no Brasil portadores de uma ou mais dessas l6gicas. ATORES, POLITICAS E DESENVOLVIMENTO 225 ope BoNNAL & RENATO S. MALUF As diferencas de concepgao e as inevitaveis superposigdes corroboram ser necessé- uma perspectiva analitica que verifique os “espagos de coeréncia”, as consisténciase onsisténcias dos usos conceituais e praticas politicas em curso, bem como avalie as ciativas de coordenar agdes e os espagos de resolugao de conflitos. Orientagdes is- tas e, por vezes, alternativas tornam mais dificeis os intentos de obter maior coorde- do entre os programas governamentais e deles com agdes nao governamentais, mes- ) quando incidem sobre uma mesma unidade espacial. Cabe fazer uma breve referéncia &s iniciativas de tipo territorial em programas pi- cos no Brasil que tém relag’o mais préxima com o nosso tema, destacando-se ttés inistérios do atual governo: os Ministérios do Desenvolvimento Agratio, do Meio Am- ante e da Integrag3o Nacional. Ressalta-se, desde logo, que o Plano Plurianual 2004- 07 — Orientagao estratégica de governo prevé que “[a] rica diversidade regional seré apregada como um ativo na regionalizagao do nosso desenvolvimento, de forma com- tivel com o requisito fundamental da sustentabilidade ambiental” (MPOG, 2004), A Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), vinculada ao Ministétio de esenvolvimento Agrério, foi criada justamente para apoiar “(...) os processos de cons- ugdo ¢ implementagio de Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentivel”. Um 2 seus objetivos é (... contribuir efetivamente para o desenvolvimento harménico de regides onde predominem agricultores familiares e beneficidrios da reforma e do reordenamento agrario, colaborando para a ampliagao das capacidades humanas, institucionais € da autogestio dos territrios. E meta da SDT (...) apoiar a organizagio e 0 fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestao participativa do desenvolvimento sustentavel dos territ6rios rurais e promover a implantagao € integrago de politicas pablicas. (...) Estas politicas deverdo apoiar a formagio de infra-estruturas sociais e econdmicas, implementar mecanismos de desenvolvimento € de proteco social, promover o ordenamento territorial, incentivar a pritica de inovagGes tecnolégicas, sociais ¢ institucionais e promover a diversificagio das ‘economias territoriais (MDA, 2004). A integragdo dos imperativos de um “desenvolvimento territorial sustentavel” tam- bém € evidenciada pelos programas setoriais coordenados pelo Ministério do Meio Ambiente. Varios deles agregam a dimensio ambiental ao territ6rio, como nos casos voltados para bacias hidrograficas, ecossistemas particularmente relevantes como 0 Pantanal e a AmazOnia, entre muitas outras ages. Mencionem-se, por fim, os “Progra- mas de Desenvolvimento Integrado e Sustentavel”, coordenados pela Secretaria de Pro- gramas Regionais do Ministério da Integragaio Nacional (MIN, 2004), e o Programa Arranjos Produtivos Locais (APL’s) da Secretaria do Desenvolvimento da Produgio (SDP) do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior. 226 Munbo Rural. TV ~CoNmIGURACOES RURAL-URBANAS: FODERES 5 roms Pesquis te levaram & Brasil (Cf. Ci agricola para amplamente familiares familiares politica, t recursos cr Acrones, round ‘Do USO DAS NOQOES DE MULIIFUNCIUmata 3. Multifuncionalidade da agricultura familiar e territério Expressées da multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil e seus limites Pesquisas anteriores conduzidas pela rede de pesquisadores da qual fazemos par- te levaram A identificagiio de quatro fungdes cumpridas pela agricultura familiar no Brasil (Cf. Carneiro e Maluf, 2003). A primeira delas é o papel central da atividade agricola para a reproducdo socioecondmica das familias, de fato a funcao primeira e amplamente reconhecida dessa atividade. Embora nao se disponha de estatfsticas atualizadas com respeito & renda das familias rurais, pode-se afirmar que a atividade agricola participa, diretamente, da reprodugiio social e econémica de grande parte das cerca de 4,1 milhdes de familias agricolas, ou seja, das mais de 20 milhdes de pessoas vivendo no meio rural no Brasil, em 1995/1996". Sabe-se, também, que as atividades ndo-agricolas (rurais e urbanas) e 0 trabalho em atividades agricolas de terceiros tém importante participago na formagéio da renda das fam{- liasrurais, ainda que a maioria delas sejam ocupacGes precérias e de baixa remuneragao. Nao sepode perder de vista, ademais, que uma proporcao bastante elevada da populagao rural vive em condigdes precérias ou em pobreza extrema. Nao obstante, mais do que comprovar 0 caréter pluriativo das familias rurais e a crescente importancia das politicas sociais no meio rural, o fator primeiro a ser realgado é a redugio do peso econémico da atividade agricola pr6pria enquanto fonte de renda monetéria para o grande ntimero de familias que faz agricul- tura em bases precérias. Ora, sabe-se que é, sobretudo, na condigio de produtoras agricolas, que as familias rurais so “enxergadas” e atendidas pelos programas piiblicos. Esse contexto coloca desafios especificos para as politicas de apoio a produgio agricola das unidades familiares, especialmente quanto aos instrumentos mais adequados para tanto (ctiagdo de mercados, garantia de pregos, crédito de custeio e investimento e assisténcia téeni- calextensio rural). Obriga-nos a considerar, também, outras dimensOes que nao a produtiva e outras politicas que no as agricolas, para compreender e promover a reproduciio das unida- des familiares rurais. Por exemplo, no tocante as formas de financiar uma agricultura familiar multifuncional, a dificuldade dos agricultores obterem renda por meio da atividade agricola propria (pela venda dos seus produtos) pode acarretar a necessidade de recorrer a fundos piblicos para a manutengao das familias rurais"; entre as justificativas para tal procedimento, pode estar a preservacdio das miiltiplas fungdes cumpridas pela agricultura familiar. As questdes antes mencionadas vinculam-se ao desafio abordado adiante de mo- dificar 0 enfoque setorial dos programas focalizados na atividade agricola das unidades familiares rurais para um enfoque no rural, no qual sobressaem as préprias unidades familiares e os territ6rios. Isto é, 0 enfoque demandaria transitar dos instrumentos de politica, tradicionalmente focalizados em produtos-produgdo nos quais o volume dos recursos crediticios é proporcional ao tamanho da érea do estabelecimento rural, para a ATORES, POLITICAS DESENVOLVIMENTO 227 ONNAL E RENATO S. MALU 2 familiar considerada em seu conjunto. J4 no que se refere & consideragao dos ios, a predominincia da I6gica de cadeias produtivas nas politicas de desenval- orural faz. com que o territ6rio aparega apenas como delimitagao geografica dos ou cadeias produtivas. Jma segunda funcdo refere-se A promocdo da seguranca alimentar da sociedade réprias familias rurais, funco que ganhou destaque recente na sociedade brasi- mpulsionada pela prioridade conferida pelo Governo Lula para a erradicagio da + promogiio da seguranga alimentar e nutricional (SAN). O Pronaf passou a in- seguranga alimentar entre seus objetivos, porém ainda limitada ao componente dos estimulos da demanda de alimentos aproxima esse tipo de programa de ot- des implementadas desde uma l6gica territorial (Maluf e Zimmermann, 2005). A terceira fungao diz respeito & manutengao do tecido social e cultural. O desem- > desse papel pela agricultura familiar requer, talvez mais do que nos demais, 0 thecimento da MFA nos espacos institucionais, em particular nos espacos locais que, tincfpio, so mais sensfveis aos problemas das comunidades rurais e tém melhores igGes de atuar sobre questdes essenciais para a promocdo dessas comunidades. Entre questdes, mencionem-se os investimentos em infra-estrutura nas comunidades (muitas 3 to ou mais importantes que o apoio A produgiio), a promogiio do associativismoe des sociais e de economia solidaria, e a valorizagao da dimensao cultural. Num bom ero de situagdes, a manutengdo do tecido social cultural remete ao entrelagamento, ‘errit6rios, das questées de pobreza, desenvolvimento rural e MFA. Por iiltimo, a preservagdo dos recursos naturais e da paisagem rural corresponie a papel da agricultura familiar que, sem diivida, adquiriu relevancia e crescente imidade social patrocinadas pela difusio da perspectiva da sustentabilidade (do -envolvimento sustent4vel). A tradugao dessa demanda social entre as familias ri- _ notadamente entre aquelas para as quais a atividade agricola guarda sentido eco- rico, é mediada por diversos fatores. Nossas pesquisas revelaram que as familias is podem atribuir distintos significados as relacdes com 0 meio ambiente e, especi- mente, com os recursos naturais, que vo desde a valorizagdo do espago de sua Munbo Rural. TV ~ CoxFIGuRAGOES RURAL-URBANAS: PODERES FOIE Douso existéncia até a val Mo rural). Menos a paisagem. Essa quarta fi interfaces entre pro; aspecto da coexistér meio ambiente ci costumeira fragment Sistemas de a Tendo em se evidenciaram as ‘complementaridade do, as relacdes ex, adiante. Parece-no: esfera privada regid coletivas. Naesfera Ja que sustenta, din quanto que na esfet produgao de bens cursos naturais e di bens puiblicos const ocais, entendidas cimentos comp Contudo, a ag cos. Atividades | atividades nao-agd que ampliam ou at dem também dar ¢ no que diz respeit dos produtos agroj vidades culturais tivas especificas, multifuncionalid entretanto, apand ACTORES, POLITICAS EDs Do Uso DAS NocOES DE MULTIFUNCIONALIDADE E TERRITORIO NAS POLITICAS AGRICOLAS E RURAIS No BRASIL existéncia até a valorizagao do idedrio conservacionista com propésitos de renda (turis- morural). Menos desenvolvidas, no Brasil, sio as relagdes entre as atividades rurais € apsisagem. Essa quarta func €, possivelmente, a que mais exige considerar a coexisténcia e interfaces entre programas distintos e entre as linhas de ago de um mesmo programa. No aspecto da coexisténcia, mencione-se 0 pouco dilogo entre os programas que tratam do meio ambiente com as politicas de produgo agricola. Quanto as interfaces, note-se a costumeira fragmentagao das diversas linhas dos programas, como no caso do Pronaf. Sistemas de atividade, funcdes da agricultura e enfoque territorial Tendo em conta as observagées anteriores relativas realidade brasileira, em que se evidenciaram as potencialidades e limites do conceito da MFA, assim como sua complementaridade com a pluriatividade e o territério, buscaremos precisar, nessa se- io, as relagdes existentes entre esses conceitos, valendo-nos da figura apresentada adiante. Parece-nos titil estabelecer uma primeira e mais geral diferenciagio entre a esfera privada regida pela regulagao de mercado e a esfera piiblica regulada por normas coletivas. Na esfera privada, os produtos agricolas vendidos constituem a renda agrico- Ia que sustenta, diretamente, a reprodugdo econdmica e social do nticleo familiar, en- quanto que na esfera piblica o carter multifuncional da agricultura familiar dé lugar & produgiio de bens piblicos relacionados com a seguranca alimentar, preservago dos re~ cursos naturais e da paisagem e manutengo do tecido social e cultural. Por sua vez, os bens piblicos constituem os principais ingredientes a partir dos quais se elaboram normas Iocais, entendidas como um conjunto de regras, acordos implicitos ou explicitos e conhe- cimentos compartilhados por uma parte significativa da populagio local. Contudo, a agricultura nem sempre é a tinica fonte desses bens privados e piibli- cos. Atividades nao-agricolas podem ter um papel destacado. A importancia dessas atividades nao-agricolas se expressa, notadamente, no fornecimento de bens materiais que ampliam ou até constituem a maior parte da renda familiar. Essas atividades po- dem também dar contribuigao expressiva para o fornecimento de bens piiblicos, tanto no que diz respeito & seguranga alimentar (atividades de transformagao e transporte dos produtos agroalimentares), como na manutengao do tecido social ¢ cultural (ati Vidades culturais ou de produgao coletiva) e até da paisagem (infra-estruturas produ- tivas especificas, como moinhos e fabricas). Confirma-se, desse modo, que se a multifuncionalidade é uma caracteristica intrinseca 4 agricultura familiar, ela nao é, entretanto, apandgio da agricultura. ATORES, POLITICAS F DESENVOLVIMENTO 229 Puitipre BONNAL & RENATO S. MaLve Multifuncionalidade da agricultura, atividades rurais e territério Esfera privada Esfera oiiblica | Recursos naturais Indistrias eservigos cmmelo rr => Comte > i SS Equipamentos coletvs [Normas coletivas Sistema de atividades Cees Sequrangaalimentar das ands

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