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MISSAO MUNI Rl emeen Ne DESENVOLVIME’ rere ee ERO OE agou a hora de v eee Pee eet elo. Ambiente e Desenvolvimento, focaliza um dos temas mais premen- ‘98 do momento — a relagio entre o desenvolvimento e 0 meio ambiente. ‘Aa Intormagées coligidas pela Co- imlesfo, 20 longo da trés anos de lene @altstas de quase todos os pelses, formando um cendrio mundial do de- senvoivimento a seu impacto nos re- cursos planetirios. Uma daa Idéias centrais de Nossa futuro comum afirma e com- prova qua um desenvolvimento eco- (adidas que aseegurem a conquista ease objetivo, « humanidade pord tm feco a propria sobrevivencia, ‘A obra pée em evidéncia meri- lana, acima de qualaquer duvidss, Osta realidade: um progresso econd- mico e social cada vez malor no po- Gerd basear-se na exploraBo Indls- criminada e deveetadom ds naturezs. Ao contrério: sem o uso sablamente dirigida dos recursos naturals, nio haveré desenvolvimento sustentivel. A fim de sallentar es propor ¢0ee ¢ a marcha das caveas que es- to concorrendo para tomar a Terra inabitivel, Nosso futuro comum tpreeenta advertinclas como as se- @ cads ano, 6 milhées de de torres produtives se em desertos inutels. Em be éreas somadas da Ale- ral, Espanha, Inglaterrs, @ Noruega — 2.170.000 sho destruidos COMISSAO- Presidente: Gro Harlem Brundtland (Naruega) Vice-presidente: Mansour Khalid (Sudio) Susanna Agnelli (Itdlia) Saleh A. Al-Athel (Ardbia Saudita) , Bernard Chidzero (Zimbfbue) Lamine Mohammed Fadika (Costa da Maffim) Volker Hauff (Repdblica Federal da Alemanha) Istvan Lang (Hungsia) Ma Shijun (Repiblica Popular da China) Margarita Marino de Botera (Cotsmbia) Nagendra Singh (India) Paulo Nogueira Neto (Brasil) ro Okita (Japio) Shridath S, Ramphal (Guiana) William D. Ruckelshaus (EUA) Mohamed Sahnoun (Argélia) Emil Salim (Indonésia) Bukar Shaib (Nigéria) Vladimir Sokolov (URSS) Janez Stanovaik (Iugoslivia) Maurice Strong (Canad8) EX-OFFICIO Jim MacNeill (Canadé) Titulo da obra em inglés: Our common future Oxford / New York, Oxtord University Press, 1987 Diteitos reservados desta edicfo & Fundacio Getulio Vargas Praia de Botafogo, 190 — 22253 Rio de Janeiro, RJ — Brasil Ei vedada a reprodugio total ou parcial desta obra Copyright © Comisssio Mundial sobre Meio Ambicnte & Desenvolvimento 1" edigho - 1988 2 edicho — 1991 Editora da Fundacso Getulio Vargas \ Chefia: Francisco de Castro Azevedo Coordenagéo editorial: Damiso Nascimento Supervisio de editoracéo: Ercia Lopes de Souza Supervisio gréfica: Hélio Lourenga Netto Capa: Marcos Tupper Nosso fataro comum / Comisaio Mundial eobre Meio Ambiente « . od. — Rio de Janeiro: Edilora da Fundagio Getulio Vargas, ‘Tradugio de: Our commoa future. Inctui bibliografia. 1, Meio Ambicote, 2, Pelftica ambiental. 3, Protesso ambiental. 4. Descavolvimento econdmico. I. Comissio Muadial sobre Meio Ambieate © Deseavolviments. II. Fundagio Getulio Vargas. mp.3013 LISTA DE TABELAS 1.1 Tamanho da populagao e PNB per capita por grupos de paises 32 1.2 Distribuig&io do consumo mundial, médias para 1980-82 36 1.3 Taxa anual de crescimento do PIB em pafses em desenvolvimento, 1976-85 39 3.1 Transferéncia iquida de recursos para pafses em desenvolvimento importadores de capital 74 3.2 A importancia crescente do comércio exterior 86 4.1 Populagio mundial 1950-85: fatos-chave 1/09 4.2 Tamanho da populacéo - atual ¢ projetado — e taxas de aumento 1/0 4.3 Indicadores de satide 112 4.4 Taxas de matriculas dos sexos masculino e feminino, por Regido, 1960.¢ 1982 1/3 ‘5,1 Duas décadas de desenvolvimento agricola 130 7.1 Consumo global de energia priméria per capita, 1984 188 8.1 Purticipacio do valor adicionado manufatureiro no PIB, por grupo de economias e grupo de ronda 23/ B.2 Composig&o do comércio de mercadorias dos pafses em desenvolvimento 233 9.1 Populagio residente em freas urbanas, 1950-2000 263 9.2 Bxemplos de répido aumento populacional em cidades do Terceiro Munda 264 10.1 Pesca mundial nas principais zonas pesqueiras, 1979-84 300 Assoviagiio Internacional de Desenvolvimento Agéncia Internacional de Energia Atémica assisténcia oficial ao desenvolvimento Conselho de Assisténcia Econémica Mutua Comité Cientffico de Pesquisa Antértica Comisso para a Conservacao dos Recursos Marinhos Vivos da Antértida ‘Conmmidade Econémica Européia Comissio Econémica Européia Comité das Instituig6es Intermacionais de Desenvol- vimento para o Meio Ambiente ‘Comiss4o Internacional sobre a Pesca da Baleia Comissio Internacional de Protegio Radiolégica Conselho Internacional de Unides Cientfficas Centro de Ligacio Ambiental Centro das Nagdes Unidas para Assentamentos Hu- manos (Habitat) Departamento das Nagées Unidas de Assuntos Eco- némicos e Sociais Intemacionais empresas multinacionais Eetratégia Nacional de Conservagiio . Organizagéo das NacGes Unidas para a Alimentagfo ¢ @ Agricultura Fundo Monetifrio Internacional Fundo Mundial para a Vida Selvagem Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio Grupo de Especialistas em Aspectos Cientfficos da Poluic&o Marinha Instituto Intemacional para o Meio Ambiente e 0 De- senvolyimento Instituto de Recursos Mundiais Junta das NagGes Unidas para a Coordenagiio do Meio Ambiente OrganizacSo para a Cooperagfio e o Desenvolvimento Econémico Organizagio Internacional do Trabalho Organizacio Meteorolégica Mundial Organizagiio Mundial da Sade NOTA SOBRE A TERMINOLOGIA © agrupamento de patses na apresentagio dos dados esté indicado nos lugares apropriados. As expressdes “patses industrializados” € “pafses desenvolvidos” em geral compreendem as categorias adotadas pela ONU de economias de mercado desenvolvidas ¢ paises socialistas do Leste europeu e 2 URSS. Salvo indicagéo em contrfrio, a expressio “pals em desenvolvimento” refere-se 20 grupo de pafses em desenvolvimento com economias de mercado © a0s pafses socialistas da Asia, tal como classificado pela ONU. A menos que 0 contexto indique o contrério, a expressiio “Tercei- ro Mundo™ refere-se aos paises em desenvolvimento com econo- mias de mercado, tal como definido pela ONU. Salvo indicagdo em contrério, toneladas so twneladas métricas (1000kg ou 2.204.6 libras-peso). Délares sio délares norte-ame- ricanos correntes ou para 0 ano especificado. biente. Isto me deu esperancas de que o meio ambiente nip estava fadado a permanccer uma questio secundéria no proceso politico central de tomada de decisées. Em ultima anSlise, resolvi accitar o desafio. O desafio de enca- rar o futuro e de proteger os interesses das geracdes vindourss. Pois uma coisa era perfeitamente clara: precisévamos de um man- dato para a mudanga. Vivemos uma era da histéria das nagGes em que é mais neces- sfria do que nunca a coordenag&o entre aco politica e responsa- bilidade. A tarefa e o encargo com que se defrontam as Nagdes Unidas ¢ seu secretério-geral sic enormes. Satisfazer com respon- sabilidade os objetivos e as aspiragdes da humanidade requer 0 apoio ativo de todos nds. Minhas reflexses e perspectivas também se baseavam em ou- tros aspectos importantes de minha experiéncia polftica pessoal: os trabalhos anteriores da Comissfo Brandt sobre quest5es Norte- Sul ¢ da Comissio Palme sobre questdes de desarmamento e se- guranga, de que participei. jiam-me que ajudasse a lancar um terceiro ¢ premente apelo & acho politica: apés Programa para a sobrevivencia e Crise co- mum, da Comissio Brandt, e apés Seguranga comum, da Comis- sio Palme, viria Funero comum. Era isso o que cu tinha em mente quando, junto com o Vice-Presidente Mansour Khalid, comecei a trabalhar na ambiciosa tarefa que as Nagées Unidas nos confiara. Este relatério, apresentado A Assembléia Geral da ONU em 1987, € 0 resultado desse processo. Talvez nossa tarefa mais urgente hoje seja persuadir as nagées da necessidade de um retomo ao multilateralismo. O desaflo da reconstrugdo apés a Il Guerra Mundial foi a verdadeira motivagao que levou ao estabelecimento de nosso sistema econémico inter- necional do pés-guerra. O desafio de encontrar rumos' para um desenvolvimento sustentével tinha de fornecer o impeto - ou mesmo o imperative — para uma busca tenovada de solugdes mul- tilaterais e para um sistema econdmico intemacional de coopera. So reestruturado. Esses desafios se sobrepunham bs distingdes de soberania nacional, de estratégias limitadas de ganho econémico € de vérias disciplinas cientfficas. Apés I5 anos de paralisagdo ou mesmo deterioragéo na coope- raga0 global, acredito ter chegado o momento de expectativas mais elevadas de busca conjunta de objetivos comuns, de um maior empenho polftico em relag&o a nosso futuro comum. A década de 60 foi um tempo de otimismo e progresso; havia mais esperanga de um mundo novo melhor ¢ de idéias cada vez x ee Mas € no “‘meio ambiente” que todos vivemos; o “desenvolvi- mento” € 0 que todos fazemos ao tentar melhorar o que nos cabe neste Jugar que ocupamos. Os dois s4o inseparfiveis. Além disso, as questdes de desenvolvimento devem ser consideradas cruciais pelos Iideres politicos que acham que seus pafses j4 atingiram um nfvel que outras nagGes ainda lutam para alcangar. Muitas das es- tratégias de desenvolvimento adotadas pelas nagées industrializa~ das sao evidentemente insustentaveis. E devido ao grande poder econdmico e politico desses pafses, suas decisdes qu senvolvimento terao profundo impacto sobre as possi todos os povos manterem o progresso humano para as geragdes futuras. Muitas questées criticas de sobrevivéncia estio relacionadas com desenvolvimento desigual, pobreza e aumento populacional. Todas elas impéem pressdes sem precedentes sobre as terras, Sguas, florestas e outros recursos naturais do planeta, e nfo ape- nas nos pafses em desenvolvimento. A espiral descendente da po- breza e¢ da deterioragio ambiental é um desperdicio de oportuni- dades e recursos. De modo especial, é um desperdicio de recursos humanos. Esses vinculos entre pobreza, desigualdade e deteriora- G40 ambiental foram um dos principais temas em nossa andlise € recomendagées. O necessério agora é uma nova era de cresci- mento econémico — um crescimento convincente ¢ a0 mesmo tempo duradouro do ponto de vista social e ambiental. Devido & abrangéncia de nosso trabalho e A necessidade de uma visio ampla, eu tinha consciéncia de que era preciso reunir uma equipe de cientistas e politicos influentes e altamente qualifi- cados, a fim de formar uma Comissio verdadeiramente indepen- dente. Isto era essencial ao éxito do processo. Juntos, deverfamos esquadrinhar o mundo e formular um método interdisciplinar ¢ integrado para abordar as preocupagécs mundiais e nosso futuro comum. Necessitavamos de ampla participacio e de uma clara maioria de membros de pafses em desenvolvimento, a fim de re- tratar as realidades do mundo. Necessitdvamos de pessoas de grande experiéncia, oriundas de todos os campos politicos, n&o s6 com formagio em meio ambiente e desenvolvimento enquanto disciplinas polfticas, mas de todas as freas onde sho tomadas de- cisées vitais que influenciam o progresso econémico e social nos niveis nacional e internacional. Assim, viemos de experiéncias extremamente diversas: minis- tos de relagées exteriores, funcionérios de finangas e planeja- mento, administradores nas 4reas de agricultura, ciéncia e tecno- logia, V4riog membros da Comissiio s4o ministrus de gabinete e economistas de alto nivel em suas préprias nagdes, e muito en- volvidos nos assuntos desses paises. Mas como membros da Co- xIV Hide comum. Foi sem divida uma excelente equipe. O clima de amizade e communicacao franca, a convergéncia de idéias € o pro- cesso de aprendizagem e participagSo nos propiciaram uma expe- ni€ncia de otimismo, muito valiosa tanto para nés quanto, creio, para este.relatério e sua mensagem. Esperamos partilhar com ou- tras pessoas tudo aquilo que aprendemos e todas as experiéncias que vivemos juntos. Muitas outras pessoas tm de partilhar essa experiéncia a fim de que se possa alcangar um desenvolvimento sustentivel. A Comissfo foi orientada por pessoas de todas as categorias sociais. E a essas pessoas — a todas as pessoas do mundo — que a ComissSo agora se dirige. Assim, falamos diretamente as pessoas ¢ também &s instituig6es que elas criaram. A Comissio se dirige a governos, seja diretamente, seja por meio de suas varias agéncias e ministérios. Este relatério destina- se, principalmente, & congregac&o de governos, reunida na As- sembléia Geral das Nagées Unidas. A Comissdo se dirige também & empresa privada, desde a for- mada por uma s6 pessoa até grande companhia multinacional, com um movimento total superior ao de muitos pafses, e com pos- sibilidades de promover mudangas e melhorias de grande alcance. Antes de tudo, porém, nossa mensagem se dirige As pessoas, cujo bem-estar ¢ 0 objetivo ultimo de todas as polfticas referentes a meio ambiente e desenvolvimento. De modo especial, a Comis- sho se dirige aos jovens. Aos professores de todo o mundo cabe » tarefa crucial de levar a eles este relatério. Se no conseguirmos transmitir nossa mensagem de urgéncia aos pais ¢ administradores de hoje, arriscamo-nos a comprometer © direito fundamental de nossas criancgas a um meio ambiente saudével, que promova a vida. Se ndo conseguirmos traduzir nos- sas palavras numa linguagem capaz de tocar os coragées ¢ as mentes de jovens e idosos, néo seremas capazes de empreender as amplas mudangas sociais necessérias A corregdo do curso do de- senvolvimento. A Comissdo terminou seus trabalhos. Pedimos um empenho conjunto e novas normas de conduta em todos os nfveis, no inte- resse de todos. As mudangas de atitude, de valores socials e de aspirag6es que o relatério encarece dependerio de amplas campa- nhas educacionais, de debates e da participac&o publica. Com este objetivo, apelamos a grupos de cidadaos, a orguuiza- gées néo-governamentais, a instituigdes de ensino ¢ & comunidade cientffica. Todas no passado desempenharam fungées indispensé- veis para a conscientizacao do publico ¢ a mudanga politica. Sua patticipacéo ser4 vital para orientar o mundo no rumo do desen- XVI Diente no intuito de assegurar o progresso humano continuado ¢ a sobrevivéncia da humanidade. Ndo prevemos o futuro; apenas transmitimos a informacao — uma informagao urgente, baseada nas evidéncias cientfficas mais recentes e mais abalizadas — de que é chegado o momento de tomar as decis6es necessdrias a fim de garantir os recursos para 0 sustento desta geracdo ¢ das prdxi- mas. Nao temos a oferecer um plano detalhado de ago, e sim um caminho para que os povos do mundo possam ampliar suas esfe- ras de cooperacio. 1, O DESAFIO GLOBAL 1.1 Exitos e fracassos Os que buscam &xitos € sinais de esperanga podem encontrar muitos: a mortalidade infantil estA em queda; a expectativa de vi- da humana vem aumentando; o percentual de adultos, no mundo, que sabem ler e escrever esté em ascensfo; o percentual de crian- gas que ingressam na escola est4 subindo; e a produgdo global de alimentos aumenta mais depressa que 8 populac&o. Mas os mesmos processos que trouxeram essas vantagens gera- ram tendéncias que o planeta e seus habitantes néo podem supor- tar por muito tempo. Estas tém sido tradicionalmente divididas em fracassos do “desenvolvimento” e fracassos na gestio do nosso meio ambiente, No tocante a0 desenvolvimento, h4, em termos absolutos, mais famintos no mundo do que nunca, e sea némero vem aumentanda. O mesmo ocarre com o mimero de analfabetos, com o némero dos que nfo dispdem de 4gua e moradia de boa qualidade, © nem de lenha e carvéo para cozinhar € se aquecer. Amplia-se — em vez de diminuir — 0 fosso entre nag6es ricas € pobres, e, dadas as circunstincias atuais e as disposicées institu- cionais, hé poucas perspectivas de que essa tendéncia se inverta. Hi também tendéncias ambientais que ameagam modificar ra- dicalmente o planeta e ameacam a vida de muitas espécies, in- cluindo a espécie humana. A cada ano, 6 milh6es de hectares de terras produtivas se transformam em desertos imiteis. Em 30 anos, isto representard uma 4rea quase igual & da Ardbia Saudita. Anualmente, so destrufdos mais de 11 milhdes de hectares de florestas, 0 que, dentro de 30 anos, representaré uma frea do ta- manho aproximado da [ndia. Grande parte dessas florestas é (ransformada em terra agricola de baixa qualidade, incapaz de Prover o sustento dos que nela se estabelecem. Na Europa, as chuvas dcidas matam florestas ¢ lags ¢ danificam o patrimémio mrtistico ¢ arquiteténico das nagées; grandes extensdes de terra 2 ambiente; muitas formas de desenvolvimento desgastam os recur- 808 ambientais nos quais se deviam fundamentar, ¢ a deterioragio do meio ambiente pode prejudicar o desenvolvimento econémico. A pobreza é uma das principais causas.¢ S bei mbientais: ho munds. dar esses problemas sem umia perspectiva mais ampla, que englobe os fatares subjacentes & pobreza mundial e a desigualda- de internacional. Tais preocupagées levaram a Assembléia Geral da ONU a criar, em 1983, a Comissio Mundial sobre Mcio Ambiente ¢ De- senvolvimento. A Comissao é um organismo independente, vin- culado aos governos e ao sistema das Nagées Unidas, mas nfo sujeito a seu controle. As atribuigées da ComissSo tém trés obje- livos: reexaminar as questées criticas relativas a meio ambiente ¢ desenvolvimento, e formular propostas real(sticas para abordé-las; propor novas formas de cooperagfio intemacional nesse campo, de modo a ofientar polfticas e agées no sentido das mudangas neces- sfrias; e dar a individuos, organizagées voluntérias, empresas, institutos e governos uma compreensfio maior desses problemas, incentivando-os a uma stuagio mais firme. Por deliberag&o prépria ¢ devido aos testemunhos colhidos nas audiéncias péblicas que realizamos nos cinco continentes, todos os membros da Comisséo acabaram se concentrando num tema fundamental: muitas das atuais tendéncias de desenvolvimento re- sultam em um ro cada vez maior de pessoas pobres ¢ vulne- r4veis, além de causarem danos no meio ambiente. De que valia serd tal desenvolvimento para 0 mundo do préximo século, quan- do haver4 o dobro de pessoas a depender do mesmo meio am- biente? Essa constatag&o ampliou nossa visio do desenvalvimen- to. Passamos a encaré-lo nfo apenas em seu contexto restrito de crescimento econémico nos pafses em desenvolvimento. Perce- bemos que era necessfrio um novo tipo de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano nfo apenas em alguns lugares € por alguns anos, mas em todo o planeta e até um futuro longin- quo. Assim, 0 “desenvolvimento sustentivel” € um objetivo a ser alcangado nfo sé pelas’ nagdes “em'desenvolvimento”, mas tam- bém pelas industrializadas, 1,2 As crises que se interligam Até recentemente, o planeta cra uin grande mundo no qual as ati- vidades humanas e seus efeitos estavam nitidamente confinados em nagées, setores (energia, agricultura, comércio) e amplas dreas de interesse (ambiental, econémico, social). Esses compartimen- tos comegaram a se diluir. Isto se splica em particular as varias 4 agora ao plano nacional ¢ regional. A deterioragio das terras 4ri- das leva milhées de refugiados ambientais a transpor as fronteiras de seus pafses. O desflorestamento na América Latina e na Asia vem provocando mais inundagées, com danos sempre maiores, Dos pafses situados em dreas mais baixas e no curso inferior dos rios. A chuva écida e a radiacdo nuclear ultrapassaram ‘as frontei- ras da Europa. No mundo todo, esto ocorrendo fendmenos simi- lares, como 0 aquecimenta global e a perda de oz6nio. Produtos qufmicos perigosos, presentes em alimentos comercializados in- temacionalmente, sio cles préprios comercializados internacio- nalmente. No préximo século, poderfio aumentar muito as pres- s6es ambientais que geram migracdes populacionais, ao passo que os obstfculos a essa migrag&o poderio ser ainda maiores do que hoje. Nos tiltimos decénios, surgiram no mundo em desenvalvimento problemas ambientais que pdem em risco a vida. O numero cres- cente de agricultores e de sem-terras ver gerando presses nas @reas rurais, As cidades se enchem de gente, carros e fabricas. E Do entanto esses palses em desenvolvimento tém de atuar num contexto em que se amplia o fosso entre a maioria das nagGes in- dustrializadas e em desenvolvimento em matéria de recursos, em que o mundo industrializado impée as normas que regem as prin- cipais organizagées internacionais, e em que esse mundo indus- tnalizado ji usou grande parte do capital ecolégico do planeta. Essa desigualdade € 0 maior problema “ambiental” da Terra; é também seu maior problema de “‘desenvolvimento”’, Em muitos pafses em desenvolvimento, as relagGes econimicas internacionais constituem um problema a mais para a administra- gfo do meio ambiente. A agricultura, a silvicultura, a produgo energética © a mineragio geram pelo mencs a metade do produto nacional bruto de muitos desses paises, proporcionando empregos meios de subsisténcia em escala ainda maior. A exportacio de recursos naturais continua sendo um fator importante em suas economias, sobretudo no caso dos menos desenvolvidos. Devido @ enormes pressdes econémicas, tanto.extemnas como internas, a maioria desses pafses explora excessivamente sua base de recur- sos ambicotais. A recente crise africana ilustra bem e de modo bastante tragico como a economia e a ecologia podem interagir de forma destruti- va ¢ precipitar o desastre, Essa crise, desencadeada pela seca, tem causas reais mais profundas, que devem ser buscadas, em parte, nas polfticas nacionais que dispensaram pouquissima ateng&o, e mesmo assim demasiado tarde, ds necessidades da agricultura de pequena escala e aos riscos inerentes a répidas aumentos popula- cionais. As rafzes da crise estendem-se também a um sistema €co- A Comisstio buscou meios para que no século XXI o desen- volvimento global possa vir a ser sustentdvel. Cerca de 5 mil dias separam a publicago de nosso relatdrio do primeiro dia do século XXI. Que crises ambientais nos esto reserva- das nesses 5 mil dias? Na década de 70, 0 ntimero de pessoas atingidas por ca- tistrofes “naturais" a cada ano dobrou em relagio & década de 60. As catéstrofes mais diretamente ligadas A m& admi- nistragio do meio ambiente ¢ do desenvolvimento — secas € inundagdes ~ foram as que afetaram o maior mimero de pes- soas e aS que se intensificaram mais drasticamente em ter- mos de vitimas. Cerca de 18,5 milhdes de pessoas sofreram amalmente os efeitos da seca nos anos 60; 24,4 milhées, questo “‘seguranca”’ A base de definicées tradicionais. Isto fica patente nas tentativas de obter seguranca por ineio de sistemas de armas nucleares capazes de destruir o planeta. Os estudos indicam que o inverno nuclear, frio e escuro, que se seguiria a uma guerra nuclear mesmo Iimitada poderia destruir ecossistemas vegetais ¢ animais ¢ deixar aos sobreviventes humanos um planeta devasta- do, muito diferente daquele que herdaram. ‘A corrida armamentista -- em todos os quadrantes do mundo — drena recursos que poderiam ser usados de modo mais produtivo para diminuir as ameacas A seguranga gerada por conflitos am- bientais e ressentimentos alimentados pela pobreza generalizada. Muitos dos atuais esforgos para manter o progresso humano, para atender as necessidades humanas e para realizar as ambig6es humanas s4o simplesmente insustent4veis — tanto nas nagées ricas quanto nas pobres. Elas retiram demais, e a um ritmo acelerado demais, de uma conta de recursos ambientais j4 a descoberto, e no futuro nao poderfo esperar outra coisa que nao a insolvéncia des- sa conta. Podem apresentar lucros nos balancetes da geragao atual, mas nossos filhos herdarao os preju(zos. Tomamos um ca- pital ambiental emprestado As gerag6es futuras, sem qualquer in- tengdio ou perspectiva de devolvé-lo. Elas podem até nos maldizer Por nossos atos perduldrios, mas jamais podero cobrar a dfvida que temos para com elas. Agimos desta forma porque podemos escapar impunes: as geragées futuras ndo votam, néo possuem poder polftico ou financeiro, ndo tm como opor-se a nossas deci- sdes. 8 da methor. Um mundo onde a pobreza é endémica estard Sempre mujelto a catdstrofes, ecolégicas ou de outra fatureza. © atendimento das necessidades bésicas requer nBo 56 uma Nova era de crescimento econémico para as nagées cuja maioria da populacio é pobre, como a garantia de que esses pobres rece- berdo uma parcela justa dos recursos necessérios para manter esse crescimento. Tel eqitidade seria facilitada por sistemas politicos que assegurassem a participagio efetiva dos cidadios na tomada de decisées € por processas mais democriticos na tomada de de- cis6es em Ambito internacional. Para que haja um desenvolvimento global sustentével & neces- sério que os mais ricos adotem estilos de vida compativeis com os recursos ecoldgicos do planeta — quanto ao consumo de energia, por exemplo. Além disso, o répido aumento populacional pode intensificar a pressio sobre os recursos e retardar qualquer eleva- 40 dos padrées de vida; portanto, sé se pode buscar o desenv: Vimento sustentdvel se o tamanho e 0 aumento da populago esti- verem em harmonia com © potencial produtivo cambiante do ccossistema, Afinal, 0 desenvolvimento sustentfvel néo é um estado perma- nente de harmonia, mas um processo de mudanga no qual a explo- ragGo dos recursos, a orientagSo dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnolégico e a mudanga institucional estio de acordo com as necessidades atuais e futuras. Sabemos que este néo é um processo facil, sem tropecos. Escolhus dificeis terao de ser feitas. Assim, em Ultima andlise, 0 desenvolvimento sustent4- vel depends do empenho politico. 1.4 As lacunas institucionais A meta do desenvolvimento sustentivel e a natureza indissocifvel dos desafios impostos pelo meio ambiente e o desenvolvimento globais constituem um problema para as instituigdes nacionais ¢ intemnacionais criadas a partir de preocupacées restritas ¢ com- partimentadas. De modo geral, a reago dos governos & rapidez € & amplitude das mudangas globais tem sido a relutincia eny reco- nhecer devidamente a necessidade de eles mesmos mudarem. Os desafios sio interdependentes € complementares, exigindo por tanto abordagens abrangentes © participacéo popular. Mas a maioria das instituigées que enfrentam esses desafios tende a ser independente, fragmentada, com atribuicées relativa- mente limitadas e processos de deciséo fechados. As respons4veis pela administragio dos recursos naturais ¢ a protegio do meio ambiente estio desvinculadas das que se dedicam & administragéo da economia. O mundo real de sistemas econémicos e ecolégicos v0 humano afetadas por suas decisdes, e em dar mais poder aos ér- gos ambientais para enfrentarem os efeitos do desenvolvimento n&o-sustent4vel. Também os 6rgéos internacionais que tratam de empréstimos para o desenvolvimento, regulamentagSo do comércio, desenvol- vimento agricola etc. necessitam de mudangas. Esses érgios cus- taram a dar importéncia aos efeitos de suas atividades sobre o meio ambiente, embora alguns estejam tentando fazer isso, Para que os danos ao meio ambiente possam ser previstos ¢ evitados & preciso levar em conta nao sé os aspectos ecoldgicos das politicas, mas também os aspectos econémicos, comerciais, energéticos, agricolas e outros. Toctos eles devem ser levados em consideragao nas mesmas agendas e as mesmas instituigdes na- cionais e internacionais. Essa reorientagio é um dos principais desafios institucionais para os anos 90 ¢ os seguintes. Realiz4-la exigiré grandes refor- mas institucionais. Muitos pafses, por serem pobres ou pequenos demais ov por disporem de pouca capacidade administrativa, te- rao dificuldade em empreender essa tarefa sem ajuda. Precisaréo de assisténcia financeira e técnica, além de formacao profissional. Mas h& necessidade de mudancas em todos os pafses, grandes € pequenos, ricos e pobres 2, AS DIRETRIZES DE POLITICA A Comissao concentrou sua atengao nas dreas de populagdo, se- guranca alimentar, extingfio de espécies ¢ esgotamento de recur- sos genéticos, energia, indtistria ¢ assentamentos humanos — por entender que todas se interligam ¢ nao podem ser tratadas isola- damente. Este item contém apenas algumas das muitas recomen- dagdes da Comisséo. 2.1 Populaco e recursos hamanos Em muitas partes do mundo, a populag&o vem aumentando a taxas incompativeis com os recursos ambientais disponfveis, e que frustram qualquer expectativa razodvel de obter progressos em 4reas como habitacao, servigos sanitérios, seguranca alimentar ou fornecimento de energia. O problema nao esté apenas no niimero de pessoas, mas na re- lagdo entre esse mimero ¢ os recursos disponfveis. Assim, o “problema populacional”’ tem de ser solucionado por meio de es- forgos para eliminar a pobreza generalizada, a fim de garantir um acesso mais justo aos recursos €, por meio da educagao, a fim de subsfdios estimularam o uso abusivo do solo ¢ de produtos qu{mi- cos, a contaminago dos recursos hfdricos e dos alimentos com esses produtos, ¢ a deterioragdo das dreas rurais. Muitos desses esforgos geraram excedentes, mas também Onus financeiros. E parte desses excedentes foi enviada, em condigées subvencionais, a pa(ses em desenvolvimento, prejudicando suas polfticas agrico- las. Contudo, alguns pafses estio tomando maior consciéncia das conseqiéncias ambientais e econdmicas dessas priticas, e agora suas politicas agricolas dio énfase A conservacdo, Por outro lado, muitos pafses em desenvolvimento tém passado pelo problema oposto: ndo h4 apoio suficiente aos agricultores. Em alguns desses pa(ses, a combinacdo de tecnologia mais avan- cada, incentives através dos pregos e servicos piiblicos produziu um aumento repentino e marcante na produgio de alimentos. Mas em outros, os pequenos produtores de alimentos foram negligen- ciados. Contando com tecnologias quase sempre inadequadas e poucos incentivos econémicos, muitos sfo forgados a trabalhar terras marginais: muito secas, muito encharcadas, ou pobres em nutrientes. Florestas sfio derrubadas e terras dridas produtivas tor- nam-se estéreis. A maioria dos pafses em desenvolvimento necessita de siste- mas de incentivos mais eficazes para estimular a produgfo, s0- bretudo de culturas alimentares. Em suma, € preciso que as “‘rela- gdes de troca” passem a favorecer o pequeno agricultor. Jé a maioria dos pafses industrializados deve alterar os sistemas atuais, a fim de cortar excedentes, reduzir a concorréncia desleal com os Pafses que possam ter vantagens comparativas reais, ¢ promover priticas agricolas sensatas do ponto de vista ecoldgico. A seguranga alimentar exige que se atente para questées de distribuigio, pois a fome quase sempre advém da falta de poder aquisitivo e nao da falta de alimentos. Pode ser propiciada por re- formas agrarias e por polfticas de protegdo aos agricultores de subsisténcia, aos pequenos pecuaristas e aos sem-terra — grupos vulnerfveis que por volta do ano 2000 compreenderéo 220 mi- Ihdes de famflias. Sua maior prosperidade dependeré de um de- senvolvimento rural integrado que aumente as oportunidades de trabalho tanto na agricultura como em outros setores. (Ver capf- tulo 5 para uma anflise mais ampla deseas questées e recomenda- goes.) 2.3 Espécies ¢ ecossistemas: recursos para o desenvolvimento As espécies do planeta estiio em risco. H4 um consenso cientifico cada vez mais generalizado de que certas espécies desaparecem do planeta a um ritmo sem precedente, embora também haja con- 4 saréo de muito mais energia. Hoje, o individuo médio numa eco- homia industrial de mercado consome mais de 80 vezes mais energia que um habitante da Africa subsaariana. Portanto, qual- quer cenério energético global realista deve contar com um au- mento substancial no consumo de energia priméria nos paises em desenvolvimento. Para que, por volta do ano 2025, os paises em desenvolvi- mento consumam tanta energia quanto os industrializados, seria Preciso aumentar cinco vezes 0 atual consumo global. © ecossi tema planetério no suportaria isso, sobretudo se esses aumentos se concentrassem em combust{veis fésseis nao-renovive Os ris- cos de aquecimento do planeta e acidificagéo do meio ambiente muito provavelmente descartam até mesmo uma duplicagdo do consumo de energia mediante as atuais combinagées de fontes primérias. Uma nova era de crescimento econdmico deve, portanto, con- sumir menos energia que o crescimento passado. As politicas de rendimento energético devem ser a pedra-de-toque das estratégias energéticas nacionais para um desenvolvimento sustent4vel, e hé muitas possibilidades de melhoria nesse sentido. As aparelhagens modernas podem ser reformuladas de modo a fornecer o mesmo rendimento usando apenas dois tergos ou mesmo a metade dos in- sumos energéticos primérios necessdrios ao funcionamento dos equipamentos tradicionais, E as medidas que visam a ampliar o rendimento energético em geral séo eficientes em fungao dos custos. Apés quase 40 anos de intensa esforgo tecnolégico, o uso da energia nuclear ampliou-se bastante. Mas nesse perfodo, a nature- za de seus custos, riscos ¢ beneficios tormou-se mais evidente, servindo de tema a ardentes controvérsias. Vérios pafses, em todo © nwndo, adotam posigées diferentes quanto ao uso da energia nuclear, Os debates no 4mbito da Comissao também refletiram es- sas opinidcs e atitudes diferentes. No entanto, todos foram unf- nimes em que a geracio de energia nuclear sé se justifica se hou- ver solugdes seguras para os problemas que acarreta. Ha que dar Pprioridade m4xima A busca de alternativas sensatas do ponto de vista ambiental e ecolégico, bem como de meios para tomar a energia nuclear mais segura. No que se refere ao rendimento energético, cabe apenas espe- rar que o mundo formule vias alternativas de baixo consumo energético com base em fontes renovaveis, que deverdo ser o ali- cerce da estrutura energética global do século XXI. A maioria dessas fontes apresenta hoje problemas, mas, com inovag6es, po- deréo fomecer a mesma quantidade de energia primaria que o planeta consome atualmente. Contudo, para atingir esses niveis de 16 mais lucrativas por usarem os recursos com mais eficiéncia, Em- bora o crescimento econémico tenha prosseguido, o consumo de matérias-primas se manteve estivel ou mesmo declinou, e novas tecnologias prometem ser ainda mais eficientes. As nagées tém de arcar com os custos da industrializagéo ina- dequada, e muitos paises em desenvolvimento esto percebendo que no dispdem nem de recursos nem de tempo — dada a rapidez das mudangas tecnolégicas — para danificar agora sev melo am- biente e mais tarde recuperé-lo. Mas também precisam de assis tEncia e de informagées das nagées industrinlizadas, a fim de.usar a tecnologia da melhor forma possfvel. Cabe em especial &s em presas transnacionais a responsabilidade de facilitar a industriali- zag§o das nagdes em que operam. ‘As tecnologias emergentes prometem maior produtividade, mais eficiéncia e menos poluicSo, mas muitas apresentam o Frisco de novos produtos quimicos e rejeitos téxicos e de graves aci- dentes que superam em natureza e proporgées os atuais mecanis- mos para enfrent4-los. Urge controlar mais rigorosamente a ex- portagdo de produtos quimicos agricolas ¢ industriais perigosos. Os atuais controles sobre o despejo de rejeitos perigosos deve- riam ser mais rfgidos. Muitas das necessidades humanas basicas 6 podem ser atendi- das por bens ¢ servigos industriais, e a transi¢ao para o cresci- mento sustentdvel deve ser estimulada por um fluxc continuo de Fiqueza proveniente da indistria. (Ver capitulo 8 para uma andlise mais ampla dessas quesiées © recomendagées.) 2.6 O desaflo urbano Na virada do século, quase metade da humanidade viveré em ci- dades; 0 mundo do século XXI seri predominantemente urbano. Em apenas 65 anos, a populacSo urbana do mundo em desenvol- vimento decuplicou, passando de eproximadamente 100 milhées em 1920 a | bilhdo hoje. Em 1940, de cada 100 pessoas, uma vivia em cidades com | milhfo ou mais de habitantes; em 1980, isto ocorria com uma em cada 10, De I985 até o ano 2000, as cidades do Terceiro Mundo poderéo abrigar mais de 750 milhées de pes- soas. Isto indica que, nos préximos anos, o mundo em desenvol- vimento precisa aumentar em 65% sua capacidade de proparcio- nar infra-estrutura, servicos © moradias urbanos apenas para manter as condigées atuais, quase senspre bastante precfrias, Poucos governos municipais do mundo em desenvolvimento disp5em de poder, recursos e pessoal qualificado para fornecer a suas populacées em répido crescimento as terras, os servigos ¢ a5 instalagSes que a qualidade da vida humana requer: 4gua potfvel, 18 pelo intoler4vel 6nus da divida e pela redugio dos fluxos de fi- nanciamento do desenvolvimento. Para que os padrées de vida sé elevem e aliviem a pobreza, é preciso inverter essas tendéncias Nesse sentido, cabe ao Banco Mundial e & Associagao Interna- cional de Desenvolvimento a maior parcela de responsabilidad: 44 que constituem o principal canal de financiamento multilateral para pafses em desenvolvimento. No que respeita a fluxos finan- ceiros constantemente ampliados, o Banco Mundial pode custear projetos ¢ politicas que sejam benéficos ao meio ambiente. No to- cante ao financiamento para ajustes estruturais, o Fundo Moneté- rio Internacional deveria apoiar objetivos ‘de desenvolvimento mais amplos e de mais longo prazo que os atuais: crescimento, metas sociais e efeitos sobre o meio ambiente. O nivel atual do servigo da divida de muitos pafses, sobretudo na Africa e na América Latina, nfo se coaduna com o desenvol- vimento sustentdvel. Os devedores esto sendo instados a recorrer a excedentes comerciais para pagar o scrvico de suas dividas e, para tanto, exploram em excesso seus recursos nio-renovaveis. S8o necessérias medidas urgentes para aliviar o Onus da dfvida, de modo a que haja uma diviséo mais justa de responsabilidades € obrigagées entre devedores e eredores. Os atuais acordos sobre produtos basicos poderiam ser bas- tante aperfeigoados: mais financiamento compensatério para con- trabalancar os choques econdmicos encorajaria os produtores a adotarem uma perspectiva de mais longo prazo e a ndo produzir mercadorias em excesso; € os programas de diversificagao pode- riam ptestar maior assisténcia. Os acordos exclusivamente ati- nentes a produtos basicos podem seguir 0 modelo do Acordo In- temnacional sobre Madeiras Tropicais, um dos poucos a incluir es- pecificamente determinagées ecolégicas. As empresas multinacionais tm importante papel a desempe- nhar no desenvolvimento sustentével, sobretudo & medida que os pafses em desenvolvimento passam a depender mais de capital so- cial estrangeiro. Mas para que essas empresas influam de modo Positivo no desenvolvimento, a capacidade de negociacio dos pafses em desenvolvimento em relagdo as multinacionais deve ser fortalecida, a fim de que obtenham condi¢ées que respeitem seus interesses ambientais. Mas essas medidas especificas devem estar inseridas num contexto mais amplo de cooperagao efetiva para gerar um sistema econémico internacional comprometido com o crescimento e a eliminagSo da pobreza no mundo. (Ver capitulo 3 para uma anéili- se mais ampla das questées ¢ recomendagées sobre economia in- temnacional.) 20 No focante & s¢guranca, os Zovernos e as agéncias internacio~ nais deveriam avaliar a eficiéncia, em fungao dos custos, do di- nheiro gasto em armamentos em comparagio com o dinheiro gasto na redugfo da pobreza ou na recuperago de um meio ambiente devastado. Porém o mais importante € conseguir um melhor relaciona- mento entre as grandes poténcias capazes de desenvolver armas de destruigio em massa. Isto € necess4rio para que se chegue a um consenso quanto ao controle mais rigoroso da proliferagio e da testagem de varios tipos de armas de destruicéo em massa — nucleares ou no — inclusive as que afetam o meio ambiente. (Ver capitulo 11 para uma andlise mais ampla das questdes e recomen- dagdes sobre os vinculos entre paz, seguranga, desenvolvimento e meio ambiente.) 3.4 Mudanga institucional e legal Ao longo deste relatério ( especialmente no capftulo 12) ha muitas recomendagées especfficas para mudangas institucionais e legais que nfo podem ser resumidas aqui de forma adequada. Mas as principais propostas da Comissio estio contidas em scis areas prioritérias. 3.4.1 Chegando as fontes Este € 0 momento de os governos comecarem a responsabilizar diretamente a8 principais agéncias nacionais, econémicas e seto- riais pela formulagSo de polfticas, programas e orgamentos que apdiem um desenvolvimento econédmico e ccologicamente sus- tentével. Por sinal, as varias organizacées regionais precisam se empe- nhas mais para incorporar plenamente o meio ambiente em suas metas e atividades. H4 necessidade sobretudo de novos acordos regionais entre pafses em desenvolvimento para lidar com ques- tées ambientais que ultrapassem fronteiras. Todos os principais organismos ¢ agéncias internacionais de- veriam certificar-se de que seus programas estimulam e apdiam o desenvolvimento sustentivel, e também aperfeigoar muito mais sua coordenagdo e coaperag4o, Dentro do sistema da Organizacao das Nagées Unidas, o Secretariado Geral deveria constituir-se em um miicleo de lideranga de alto nfvel, capaz de avalier, aconse- Thar, dar assisténcia e divulgar os progressos nesse sentido. 2a governos: preencher as grandes Iacunas que 0 direito nacional © internacional apresentam no tocante a0 meio ambiente; buscar meios de reconhecer e proteger os direitos das geracdes presentes ¢ futuras a um meio ambiente adequado a sua satide ¢ bem-estar, elaborar, sob os auspicios da ONU, uma Declaragao universal so- bre a protegio do meio ambiente ¢ o desenvolvimento sustentivel, ¢ posterionmente uma Convencion; e aperfeigoar os mecanismos para evitar ou solucionar disputas sobre questdes relativas a0 meio ambiente e & administraga0 de recursos. 3.4.6 Investindo em nosso futuro Na ultima década, ficou demonstrada a eficiéncia globui, em fun- g40 dos custos, dos investimentos destinados a deter a poluig’o. © prejufzo crescente, tanto em termos econémicos quanto ecol6- gicos, de no investir na protegio e melhoria do meio ambiente também j4 foi muitas vezes demonstrado — frequentemente sob a forma cruel de inundagées ¢ fome. Mas h4 graves implicagées fi- nanceiras, seja para desenvolver a energia renovavel, controlar a poluicéo ou descobrir formas de agricultura que utilizem menos recursos. Neste sentido, o papel das Instituigdes financeiras multilaterais € de capital importancia. Atualmente, o Banco Mundial estA in- cluindo em seus programas uma preocupacéo maior com o meio ambiente. A isto se deveria somar um comprometimento bisico do Banco com o desenvolvimento sustentével. Também é essencial que os bancos de desenvolvimento regionais ¢ o Fundo Monetério Internacional incluam objetivos similares em suas politicas e pro- gramas. E as agéncias bilaterais de assisténcia também devem adotar novas pricridades. Dada a dificuldade de anmentar os atuais fluxos de ajuda in- temacional, os governos agora deveriam considerar seriamente as propostas de obter receita adicional com o uso dos bens comuns € dos recursos naturais internacionais. 4. APELO A ACAO Ao longo deste século, o relacionamento entre o homem e o pla- neta que o sustenta passou por profunda mudanca. No infcio do século, nem o mimero de sees humanos nem a tecnologia eram capazes de alterar radicalmente os sistemas pla- netérios. No findar do século, nfo s6 0 imenso niispero de seres humanos € suas atividades s&o capazes dist, como esto ocor- rendo mudangas inesperadas na atmosfera, nos solos, nas 4guas, Py relatério & Assembiéia Geral, uma conferéncia internacional po- deria ser convocada para analisar os progressos obtidos ¢ promo- ver os acordos complementares necessfrios ao estabelecimento de pontos de referéncia e & manutenc&o do progresso humano. Antes de tudo, esta Comissio preocupou-se com as pessoas ~— de todos 05 pafses ¢ de todas as condi¢ées sociais. A elas é que dirigimos nosso relatério. As mudangas que desejamos nas atitu- dea humanas dependem, de uma ample campanha de educacao, debates e participagao publica. Tal campanha deve iniciar-se ago- Ta, se quisermos chegar a um progresso humano sustentével. Os membros da Comissio Mundial sobre Meio Ambiente e De- senvolvimento sfo oriundos de 21 pafscs muito diferentes, Em nossas discussdes, discordamos com freqiéncia quanto a detaihes ¢ prioridades: Mas apesar da disparidade de nossas experiéncias € da diversidade de nosses responsabilidades nacionais ¢ interna- cionais, fomos capazes de chegar a um consenso quanto ao rumo que se deve dar Az mudangas. # unfnime a nossa convicgéo: a seguranga, o bem-estar e a prépria sobrevivéncia do planeta dependem dessas mudancas, j4. mundo durante quase trés anos, ouvindo as pessoas. Em audién- cias piblicas especiais organizadas pela Comissiio, ouvimos lide- res governamentais, cientistas e especialistas, ouvimos grupos de cidadios envolvidos em varias quest6es ligadas ac meio ambiente € a0 desenvolvimento, € ouvimos milhares de pessoas — agriculto- Tes, favelados, jovens,-industriais e povos indigenas e tribais. Encontramos em toda parte uma grande preocupaclio com 0 meio ambiente, que nfo sé levou a protestos como também, com frequéncia, gerou mudangas. O desafio que se nos apresenta ¢ ga- rantir que esses novos valores se reflitam melhor nos princfpios € no funcionamento das estruturas. polfticas e econémicas. Também encontramos motivos de esperanga: as pessoas que- rem oboperar na construgao de um futuro mais préspero, mais justo € mais seguro; € possivel chegar a uma nova era de cresci- mento econémico, fundamentada em polfticas que mantenham ¢ ampliem a base de recursos da Terra; o progresso que alguns des- frutaram no século passado pode ser vivido por todos nos préxi- mos anos, Mas para que isso acontega, temos de compreender melhor os sintomas de desgaste que estio diante de nds, identifi- car suas causas € conceber novos métodos de administrar os re- cursos ambientais ¢ manter o desenvolvimento humano. 1.1 SINTOMAS E CAUSAS O desgaste do micio ambiente foi com freqiiéncia considerado o resultado da crescente demanda de recursos escassos ¢ da polui- go causada pela melhoria do padrfo de vida dos relativamente ricos, Mas a prépria pobreza polui o meio ambiente, criando outro tipo de desgaste ambiental. Para sobreviver, os pobres € os fa- mintos muitas vezes destroem seu proprio meio ambiente: derru- bam florestas, permitem o pastoreio excessivo, exaurem as terras marginais ¢ acorrem em ntimero cada vez maior para as cidades j6 congestionadas. O efeito cumulative dessas mudangas chega a ponto de fazer da prépria pobreza um dos maiores flagelos do mundo. J4 nos casos em que o crescimento econémico permitiu a me- lhoria dos padrées de vida, isso foi por vezes conseguido & custa de danos globais a longo prazo. As melhorias conseguidas no passado basearam-se, em grande parte, no uso de quantidades ca- da vez maiores de matérias-primas, energia, produtos quimicos e sintéticos, e produziram uma poluigio que no é adequadamente- Jevada em conta quando se estimam os custos dos processos de Produgéo. Tudo isso teve efeitos néo-previstos sobre o meio am- biente, Por isso, os problemas ambientais que enfrentamos hoje x» Tabela 1.1 ‘Tamanho da populago e PNB per capita por grupos de palses Grupo de pafses Populagéo PNB Taxa média anual (milhdes) per capita de crescimento do (délares de PNB per capita, 1984) 1965-84 (%) Economias de baixa renda (exceto China e fndia) 611 190 09 China e {ndia 1.778 290 33 Economias de renda média baixa 691 7400 (3,0 Economias de renda média alta 497 1950 3,3 Exportadores de petrdleo de renda alta 19 11.250 32 Economias industriais de mercado 733 1143024 Forse: baseada em dados de: Banco Mundial. Relatorio sobre o desenvol- vimento mundial 1986. Rio de Janeiro, Fundaco Getulio Vargas, 1986. ranga de participarem da vida econémica de seus s. Pelos mesmos motivos, muitos lavradores némades tradicionais, que antes derrubavam florestas, cultivavam suas lavouras e depois deixavam que as florestas se refizessem, ndo tém agora nem terra suficiente nem tempo para que as florestas se recuperem. Assim, muitas vezes as florestas estio sendo destrufdas apenas para obter terras de cultivo de baixa qualidade, incapazes de sustentar os que as trabalham. O cultivo extensivo em encostas {ngremes esté aumentando a eroséo do solo em inuitas regiGes montanhosas de paises desenvolvidos e em desenvolvimento. Em muitos vales fluviais, cultivam-se agora dreas onde as inundacées sempre fo- ram comuns. Essas pressdes se refletem numa incidéncia cada vez mais alta de catastrofes. Nos anos 70, 0 mimero de pessoas mortas anual- mente por “‘catastrofes naturais” foi seis vezes superior ao dos anos 60, sendo que dobrou o niimero das pessoas atingidas por essas Catistrofes. As secas e inundagées — flagelos para os quais contribuem o desmatamento e 0 cultivo excessivo ~ foram respon- sdveis pelos maiores estragos, em termos de mimero de pessoas afetadas. Nos anos 60, [8,5 milhdes de pessoas por ano foram vi- timas de secas, e nos anos 70, 24,4 milhdes; 5,2 milhdes de pes- 32 i d “Se as pessoas destroem a vegetagdo pata ter terra, alimento, forragem, combustivel ow madeira, o solo perde sua protegGo. A chuva produz escoamento superficial e se dé a eroséo do solo. Quando j4 nao hd solo, a dgua ndo fica retida e a terra j4 ndo pode produzir alimento, forragem, combustivel ou madeira sufi- clentes; entdo as pessoas buscam novas terras ¢ recomegam todo 0 processo. Os problemas mais catastrdficos do Terceiro Mundo sdo, em esséncia, problemas néo-resolvidos de desenvolvimento. Por- tanto, a prevencdo de catdstrofes é basicamente um aspecto do deservolvimento, de um desenvolvimento que se verifique dentro dos limites sustentdveis.”” ‘Odd Grann Secretirio-geral da Cruz Vermelha Norueguesa Audiéncia péblica da CMMAD, Oslo, 24-25 de junho de 1985 1.1.2 Crescimento Em algumas paries do mundo, sobretudo a partir de meados dos anos 50, o padrao de vida e a qualidade de vida se elevaram muito, gragas ao crescimento e ao desenvolvimento. Muitos dos produtos e das tecnologias que contribufram para essa melhoria consomem muita matéria-prima e muita energia, e sdo altamente poluentes. Por isso, seu impacto sobre o meio ambiente € o maior 4 registrado na hist6ria. No século passado, 0 uso de combustfveis fésseis cresceu qua- se 30 vezes, € a produgao industrial aumentou mais de 50 vezes. ‘A maior parte desse aumento — cerca de trés quartos no caso dos combustiveis fésseis, « pouco mais de quatro quintos no caso da produgéo industrial — ocorreu a partir de 1950, Hoje, o aumento anual da produgio industrial é talyez o mesmo da produgdo total da Europa, em fins dos anos 30.5 Atualmente, obtemos em um ano as décadas de crescimento industrial — e de deterioragio do meio ambiente — que foram a base da economia européia antes da guerra, c Formas mais tradicionais de produg&o também provocam des- gaste ambiental. Nos \iltimos 100 anos, houve mais desmatamen- tos para criar 4reas de cultivo do que em todos os séculos prece- dentes. Aumentaram muito as intervengdes nos ciclos hfdricos. Enormes represas, quase todas construfdas apés 1950, retém grande parte das figuas dos rios. Na Europa ¢ na Asia, chega-se a 4 —E Tabela 1.2 Distribuicdo do consumo mundial, médias para 1980-82 Pafses Pafses desenvolvidos em desenvolvimento (26% da populago) (74% da populago) Produto Unidades —Participagdo Per —Participagio Per de consumo no consumo capita no consumo capita per captia mundial mundial (%) (%) Alimento: Calorias —-Kal/dia 34 3.395 66 2.389 Prowina ——_gr/dia 38 99 62 58 Gordura —_gr/dia 53 12747 ac Papel Kg/ano 85 12315 8 Ago Ke/ano 79 48528 43 Outros metais Kefano 86 26 4 12 Energia Comercial mtce/ano 80 58 20 05 ‘stimativas da CMMAD bascadas em dados por pals da FAO, do Escritério de Estatistica da ONU, da UNCTAD e da American Metal Association. vido a0 uso de refrigerantes € aerosséis. Uma perda substancial desse oz6nio poderia ter efeitos catastréficos sobre a sade das pessoas e de animais domésticos, e sobre certas formas de vida que constituem a base da cadeia alimentar marinha, A descobesta, em 1986, de que havia um orificio na camada de ozdnio sobre a Antéftida sugere que sua destruicin pode ocorrer com mais rapi- dez do que se supunha. ; Varios poluentes do ar esto matando Arvores © lagos e cau- sando danos a prédios € tesouros culturais, que tanto podem si- tuar-se nas proximidades dos locais onde se d4 a descarga, quanto estar a milhares de quilémetros de distancia. A acidificagio do meio ambiente ameaca vastas éreas da Europa e da América do Norte, Atualmente, cada metro quadrado do solo da Europa Cen- tral est recebendo mais de um grama de enxofre por ano.? A destruigao das florestas pode acarretar erosio, formagiio de depé- sitos sedimentares, inundagées ¢ alteragées climaticas localizadas. Os danos causados pela poluigéo do ar estio se tornando eviden- tes em alguns patses recém-industrializados. % versidade genética dos ecossistemas do mundo. Esse processo priva as geracées atuais e futuras de material genético para aper- feigoar variedades de cultivos, tornando-as menos vulnenfveis ao desgaste provocado pelo clima, As pragas ¢ 4s doencas. O desapa- recimento de espécies e subespécies, muitas delas ainda nfo estu- dadas pela ciéncia, priva-nos de importantes fontes potenciais de remédios ¢ produtos quimicos industriais. Destréi para sempre se- res de grande beleza e partes de nosso patriménio cultural; ¢ em- pobrece a biosfera. Muitos dos riscos que derivam de nossas atividades produtivas e de nossas tecnologias ultrapassam as fronteiras nacionais; mui- tos deles sao globais. As atividades que causam tais perigos ten- dem a concentrar-se em poucos palses, mas h4 riscos para todos, Ticos © pobres, tanto para os que se beneficiam dessas atividades como para 05 que nao se beneficiam. A maioria dos pafses que compartilham esses riscos influi pouco nos processos decisérios que regulamentam essas atividades. Resta pouco tempo para ages corretivas. Em alguns casos, j4 podemos estar prestes a transpor limites criticos. Os cientistas continuam buscando e discutindo causas e efeitos, mas em muitos casos j& temos conhecimento suficiente para justificar a ago. Isso vale em n{vel local € regional no caso de ameagas como desertifi- cago, desflorestamento, rejeitos téxicos e acidificagéo; em nivel global, vale para ameagas como alteracéo do clima, destruigiio do oz6nio e extingéo de espécies. Os riscos aumentam mais rapida- mente que nossa capacidade de lidar com eles. A maior ameaga ao meio ambiente da Terra, a0 progresso sus- tent4vel da humanidade ¢ mesmo A sobrevivéncia é talvez a pos- sibilidade da guerra nuclear, que aumenta a cada dia pela corrida armamentista que nfio cessa e jé esté chegando ao espaco. A bus- ca de um futuro mais vidvel s6 tem sentida se houver esforgos mais vigorosos para deter o desenvolvimento dos meios de ani- quilago. 1.1.4 A crise econémica Os problemas ambientais com que nos defrontamos nfo sfo no- vos, mas sé recentemente sua complexidade comecou a ser enten- dida. Antes, nossas maiores preocupagées voltavam-se para os efeitos do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Hoje, temos de nos preocupar também com o modo como a deterioracdo am- biental pode impedir ou reverter o desenvolvimento econémico. rea apés érea, a deteriorag&o do meio ambiente est4 minando o potencial de desenvolvimento. Essa ligagéo bdsica passou a ser 3B cessiva da terra e dos recursos naturais para garantir a sobrevi- vénci Muitos problemas econémicos internacionais ainda nio foram resolvidos; 0 endividamento dos pafses em desenvolvimento con- tinua sendo uma questio grave; os mercados de produtos primé- Tios ¢ de energia esto muito instaveis; os fluxos financeiros para pafses em desenvolvimento so bastante deficientes; 0 protecio- nismo e as guerras comerciais representam uma séria ameaca. Além disso, h4 um esvaziamento das instituigdes multilaterais e das regulamentagdes, num momento em que s4o mais necessirias do que nunca. Hé uma tendéncia para o declfnio do multilatera- lismo e para a afirmagao da predomindncia nacional. 1.2 NOVAS MANEIRAS DE CONSIDERAR O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO O progresso humano sempre dependeu de nosso engenho técnico ¢ de nossa capacidade para agir em cooperacdo. Essas qualidades foram freqdentemente usadas de modo construtivo, com vistas ao progresso do desenvolvimento e do meio ambiente: por exemplo, No tocante ao controle da poluigéo do ar e da gua, ou a uma efi- ciéncia maior no uso de materiais e energia. Muitos pa(ses au- mentaram a produgio de alimentos e reduziram of indices de crescimento populacional. Alguns progressos tecnoldgicos, s0- bretudo no campo da medicina, foram amplamente disseminados. Mas.isso nio.basta,) A administragio do meio ambiente e a ma- nutengéo do desenvolvimento impdem sérios problemas a todos ‘> “os pafses. Meio ambiente e desenvolvimento nfo constituem desa- \ fios separados; est4o inevitavelmente interligados. O desenvolvi- {,* mento nao se mantém se a base de recursos ambientais se deterio- 1a; 0 meio ambiente ndo pode ser protegido se o crescimento nfo leva em conta as conseqiéncias da destruigho ambiental. Esses problemas no podem ser tratados separadamente por instituig6es ¢ politicas fragmentadas. Eles fazem parte de um sistema comple- xo de causa ¢ efcito. Primeiro, os desgastes do meio ambiente estio interligados. O desflorestamento, por exemplo, por aumentar o escoamento, ace- lern a erosfo do solo € a formac&o de depésitos sedimentares em rios e lagos. A poluicdo do ar ¢ a acidificacio contribuem para matar florestas ¢ lagos. Tais vinculos significam que € preciso tentar resolver ao mesmo tempo Varios problemas diferentes. E se houver-sucesso em uma 4rea, como, por exemplo, a protesio das florestas, podem aumentar as chances de sucesso em outra Area, como, por exemplo, a conservagfio do solo. 40 “Para conseguir resolver problemas globais, temos de criar no- vas maneiras de pensar, desenvolver novos critérios morais e de valores, e sem divida novos padrées de comportamento. A huwenanidade se encontra as portas de um novo estagio em seu desenvolvimento. Devertamos ndo sé promover a expansdo de sua base material, cientffica e técnica, mas também,.0 que é mats importante, incutir novos valores e aspiragdes humanistas na psicologia humana, pois a sabedoria e 0 hwnanismo sdo as ‘verdades eternas’ que constituern a base da humanidade. Preci- samos de novos conceitos soctais, morais, cientfficos e ecoldgi- cos, que devem ser determinados por novas condicées de vida da umanidade , hoje e no fururo,’" LT. Frolov Redator-Chefe da Communist Magazine Audiéncia pablica da CMMAD, Moscou, 8 de dezembro de 1986, gramas de desenvolvimento social, principalmente para melborar ‘8 posic&o das mulheres na sociedade, proteger os grupos vulnerd- veis © promover a participagao local no processo decisério. Por fim, as caracteristicas sistémicas nfo atuam somente no interior das nagées, mas também entre clas. As fronteiras nacio- nais se tommaram (40 perme4veis que apagaram as. tradicionais distinges entre assuntos de significacao local, nacional e interna- cional, Os ecossistemas nfo respeitam: fronteiras nacionais. A poluisio das éguas vai tomando ios, lagos e mares que banham mais de um pafs. Através da atmosfera, a poluicio do ar se espa- tha até bem longe. Os efeitos de acidentes mais sérios — princi- palmente em reatores nucleares ou em fébricas ¢ depésitos que contém materiais téxicos — podem espalhar-se por toda uma regio. Muitos dos vinculos entre o meio ambiente ¢ a economia tam- bém atuam em nfvel global. Por exemplo, « agricultura das eco- nomias industriais de mercado, que recebe muitos subsidios e in- centivos, gera excedentes que baixam os pregos € tornam menos vi6veis as agriculturas dos pafses em desenvolvimento, com fre- qOncia negligenciadas, Em ambas os sistemas, os solos e outros Tecursos ambientais sofrem. Cada pafs deve criar polfticas agrf- colas nacionais para assegurar os ganhos econémicos e polfticos a curto prazo, mas nenhama nago pode, sozinha, criar politicas que lidem eficientemente com os custos financeiros, econdmicos e ecolégicos das polfticas agricolas ¢ comerciais adotadas pelas demais nagées. a O desenvolvimento sustent4yel procura atender as necessida- des ¢ aspiragdes do presente sem comprometer a possibilidade de atendé-las no futuro. Longe de querer que cesse o crescimento econémico, reconhece que os problemas ligados 4 pobreza e ao subdesenvolvimento 86 podem ser resolvidos se houver uma nova era de crescimento no qual os paises em desenvolvimento desem- penhem um papel importante e colham grandes beneficios. Hé sempre 0 fisco de que o crescimento econémico prejudique © meio ambiente, uma vez que cle aumenta a pressdo sobre os re- cursos ambientais. Mas os planejadores que se orientam pelo con- ceito de desenvolvimento sustent4vel terfo de trabalhar para ga- rantir que as economias em crescimento permanegam firmemente ligadas a suas rafzes cooldgicas e que essas ra(zes scjam protegi- das e nutridas para que possam dar apoio ao crescimento a longo prazo. Portanto, a protegdo ao meio ambiente ¢ inerente ao con- ceito de desenvolvimento sustent4vel, na medida em que visa mais As causas que aos sintomas dos problemas do meio ambiente. Nao pode haver um Unico esquema para o desenvolvimento sustent4vel, j4 qué os sistemas econémicos e sociais diferem muito de pafs para pafs. Cada naco terd de avaliar as implicagées concretas de suas politicas. Mas apesar dessas diferencas, o de- senvolvimento sustentfvel deve ser encarado como um objetivo de todo o mundo. Nenhum pais pode desenvolver-se isoladamente. Por isso a busca do desenvolvimento sustent4vel requer um novo rumo para as relag6es internacionais. O crescimento sustent4vel a longo pra- zo exigiré mudancas abrangentes para criar fluxos de comércio, capital e tecnologia mais eqiitativos e mais adequados aos impe- rativos do meio ambiente. Os mecanismos de uma cooperacdo internacional maior, neces- sdria para garantir o desenvolvimento sustent4vel, variarao de setor Para setor e em rélagao a cada instituigéo. Mas é fundamen- tal que todas as nagdes se unam para conseguir 0 desenvolvi- mento sustent4vel. A unificagéo das necessidades humanas requer um sistema multilateral que respeite o princfpio do consenso de- mocrético e reconhega que hé néo apenas uma Terra, mas também um s6 mundo. Nos capitulos seguintes examinaremos mais detalhadamente essas questdes e apresentaremos propostas especfficas para reagir as crises de um futuro ameagado, De modo geral, nosso relatério traz uma mensagem de esperanga. Mas tal esperanca est4 condi- cionada a inauguragdo de uma nova era de cooperacdo interna- cional baseada na premissa de que todo ser humano — os que j& existem e os que virdo — tém direito A vida, e a uma vida razo4- vel, Cremos, com confianga, que a comunidade internacional tem “4 2, EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL O desenvolvimento sustentével € aquele que atende as necessida- des do presente sem comprometer a possibilidade de as geragées futuras atenderem a suas prdprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: ® 0 conceito de “‘necessidades", sobretudo as necessidades essen- cials dos pobres do mundo, que devem receber a méxima priori- dade; © a nogdo das limitagdes que o estdgio da tecnologia e da organi- zagio social impée ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras. Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econdmico ¢ social, é preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os pafses — desenvolvidos ou em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central. Haveré muitas interpretagdes, mas todas elas terfio caracterfsticas comuns ¢ de- vem derivar de um consenso quanto ao conceito biisico de desen- volvimento sustent4vel ¢ quanto a uma série de estratégias neces- sfrias para sua consecucio. O desenvolvimento supée uma transfarmagdo progressiva da economia ¢ da sociedade. Caso uma via de desenvolvimento se sustente em sentido fisico, teoricamente cla pode ser tentada mesmo num contexto social e politico rfgido. Mas 86 se pode ter certeza da sustentabilidade fisica se as politicas de desenvolvi- mento considerarem a possibilidade de mudangas quanto ao aces- 80 aos recursos € quanto A distribuicSo de custos e beneficios. Mesmo na nogio mais estreita de sustentabilidade fisica esté im- plicita uma preocupagio com a egilidade que deve, evidentemente, ser extensiva & eqilidade em cada gera- gho. 2.1 0 CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL Satisfazer as necessidades.¢ as-aspiragdes humanas é 0 principal objetivo do desenvolvimento. Nos paises em desenvolvimento, as necessidades bisicas de grande nifmero de pessoas — alimento, roupas, habitacfio, emprego — nfo esto sendo atendidas, Alé dessas necessidades bésicas, as pessoas também aspiram legit 6

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