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Ate Que A Sorte Nos Separe Os Lovely Loser
Ate Que A Sorte Nos Separe Os Lovely Loser
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida
ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânicos sem
consentimento e autorização por escrito do autor/editor.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem
prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA.
prólogo
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Este livro pode conter alguns gatilhos, contendo violência
física, psicológica, menção de abuso sexual, abandono parental e
cenas sexuais.
Caso resolva seguir em frente, desejo uma ótima leitura.
essa não é uma história sobre perdão e reconciliação
é a história de duas pessoas que foram feridas por quem
deveria protegê-las
e se tornaram fortes sozinhas.
Não consigo disfarçar meu mau humor essa noite, e isso fica
claro pelos olhares de súplica que meu pai me lança. Tenho
vontade de tirar cada grampo do cabelo, arrancar o quimono do
corpo e sair desse lugar. No entanto, isso provavelmente
decepcionaria papai, então minha melhor opção é ficar e fingir as
aparências, por mais que pareça uma missão impossível.
A inauguração da sua nova parceria com uma empresa
americana está acontecendo neste momento no arranha-céu mais
luxuoso de Tóquio. Odeio esse tipo de evento, já que sempre saio
na capa de alguma revista adolescente por uma ou duas semanas.
Evito esse tipo de atenção, porque as pessoas sempre me
resumem a isso. A filha prodígio do grande Jim Ogawa, o
empresário revolucionário do Japão. Crescer à sombra de um
sobrenome importante tem certo peso que odeio carregar.
— Phoenix — meu pai me chama, fazendo-me parar
de ajeitar os guardanapos na mesa obsessivamente.
Ergo o olhar. Jim Ogawa está em pé ao lado de um homem
que nunca vi em toda minha vida. Ele usa um smoking preto de
corte elegante com gravata borboleta. Além das roupas impecáveis,
o cabelo loiro parece uma fusão de ouro, prata e palha, que
combina com os olhos azuis gelo e pele pálida. Acho que nunca vi
alguém tão bonito antes, nem um olhar tão opaco. Sua frieza me dá
calafrios.
— Este é Liam Diamond, o novo sucessor das
indústrias Diamond.
A informação me pega de surpresa. Imaginei que o novo
sócio seria um homem maduro e experiente como meu pai, não
alguém tão jovem quanto Liam. Alterno o olhar entre eles. Quando
percebo que estou sendo mal-educada, me levanto da cadeira e
cumprimento o loiro com um menear de cabeça.
— É um prazer conhecê-lo, sr. Diamond — digo
mecanicamente, porque sei que é o que meu pai gostaria que eu
dissesse, mas, na verdade, só quero bocejar e ir embora para casa.
— O prazer é todo meu, senhorita Phoenix. O sr. Ogawa me
disse que toca piano. Se importa? — ele fala tão expressivo
quanto uma estátua. Consigo reconhecer o brilho de tédio que
banha suas íris.
Parece que não sou a única que está se esforçando para
ser amigável e causar uma boa impressão.
Eu sorrio polidamente, mas no fundo gostaria mesmo de
jogar uma taça de vinho no seu terno caro. Mal o conheço e já
detesto ele. Odeio ser o centro das atenções, e tocar em público
vai me tornar o evento principal desse salão.
Vejo a expectativa no rosto de meu pai e contenho o suspiro.
— Sério?
Esse momento não pode ser real. Torço para que quem
deseja me conhecer seja qualquer um dos espectadores comuns que
vêm até aqui. Isso já aconteceu antes. Já fui apresentada a dezenas
de pessoas que gostaram do meu trabalho.
Agora, meu único instinto é sair correndo.
Alguns segundos se passam, e me viro lentamente. Como eu
temia, Liam está em pé na minha frente, ao lado de Kai. Evito olhá-
lo nos olhos e torço para que a máscara seja suficiente para que
ele não me reconheça. Ela cobre metade do meu rosto; apenas um
pouco dos meus lábios e queixo ficam à vista.
— Esse é o sr. Diamond. Ele tem interesse no seu quadro,
fez uma oferta excepcional.
Tenho certeza de que sim. Alguém com tanto dinheiro… Me
surpreende que Liam aprecie a arte. Ou, pelos, finja. Ainda não
entendi qual é a dele. Se está aqui apenas para ter outro motivo
para me chantagear, ou se foi uma infeliz coincidência do destino.
— Fico feliz que se interesse pelo meu quadro, mas ele não
está à venda — falo, baixo, agradecendo a máscara que faz com
que minha voz soe abafada.
Fito Kai enquanto digo isso, que parece ultrajado. Ele me
inspeciona como se eu fosse uma completa imbecil, mas não
quero o dinheiro e, muito menos, que Liam possua uma das
minhas criações.
— Ele ofertou vinte mil dólares — Kai reforça.
— Senta. Agora.
— Tem que ter algo que você queira. Até homens como
você almejam algo.
— Engraçado. Não há nada que eu queira neste momento.
— Não que seja da sua conta, mas seu pai me deu as chaves
e me deixou passar alguns dias aqui. — Quando recebi uma ligação
esta manhã dizendo que eu teria uma semana de recesso,
estranhei, até porque tinha acabado de começar no estágio.
Imaginei que Liam tinha assuntos urgentes a resolver e por isso me
dispensou. Mas, para a minha surpresa, me deparo com… isso.
Há uma pausa enquanto ele me lança um de seus olhares
tediosos. Sua sobrancelha esquerda se arqueia de maneira quase
imperceptível.
— Seja breve.
Assim que abro a porta da sala, não ouço nada. Nenhum sinal
de vida aqui dentro. Deixo a bolsa no sofá e vou até a cozinha,
então congelo. De costas para mim, está a loira estonteante da
varanda, mexendo em um dos armários. Limpo a garganta, e atraio
sua atenção.
Seus olhos azuis encontram os meus sobre o ombro. Ela é tão
bonita que dói. Tão bonita que me faz questionar o quão sem graça e
comum devo parecer, com a pele pálida, cabelo castanho e olhos num
tom avelã. Ela é alta, bronzeada e se assemelha a uma modelo.
É claro que o tipo de Liam só podia ser alguém que parece sua
versão feminina.
— Oi — ela fala, em inglês. — Você sabe onde ficam
os copos?
Eu pisco, desnorteada com o rumo da conversa.
— No armário inferior.
— Sim. Vou passar uns dias aqui no Japão. Vim visitar meu
irmão. Ele é meio… incomunicável, sabe? Se não forçá-lo a me
ver, acho que esquece que tem família.
— Parece um idiota egoísta — resmungo meu pensamento.
Nos seus olhos, contém um desafio que diz para que eu tente
derrotá-lo.
E nos meus lábios, há um sorriso de quem diz com muito
prazer.
— Se me der licença — falo, após longos momentos
de silêncio e tensão, caminhando até a porta.
— Até amanhã, senhorita Phoenix. — Ouço-o dizer atrás de
mim enquanto entro no elevador.
Não olho para trás nenhuma vez.
antes
Uma salva de palmas irrompe ao meu redor, mas nenhuma
delas é destinada a mim. São todas para meu irmão mais velho.
Ele sorri, de pé no palco do anfiteatro do colégio, enquanto ostenta
a medalha do primeiro lugar da feira de ciências da qual não pude
participar, pois só alunos com mais de dezesseis anos tinham
permissão para se inscrever.
Um desconforto cresce dentro de mim. Fui eu quem planejou e
executou o trabalho da feira de ciências para salvar a pele do meu
irmão. Não imaginava que Bastian fosse levar o primeiro lugar.
Ele me pediu ajuda, e eu cedi, mas agora sinto ciúmes.
Ele sempre consegue ser a estrela principal. O filho mais
velho, o mais querido e amado. Não importa quantas vezes meus
pais tenham que tirá-lo de enrascadas com dinheiro, ele sempre
será o escolhido, o sucessor.
Meu pai está em pé ao meu lado, e o olhar no rosto dele é de
orgulho. É como um soco na boca do estômago. Aqui estão todos os
seus parceiros de negócios, que vieram ver seus filhos exibirem os
projetos, no entanto, é Bastian quem se tornou o grande evento.
Meu irmão mais velho caminha até nós como um rei. As
pessoas ao seu redor abrem espaço para que ele passe. Olhares de
admiração são dirigidos a ele. Assim que para em nossa frente,
meu pai diz:
— Estou orgulhoso de você, filho. Sabia que
não decepcionaria nossa família.
Bastian sorri, e me lança um breve olhar, como se
dissesse esse é o nosso segredo.
Mais um de muitos.
Ren: ok.
— Faça o que quiser, diga ao meu pai, o que quer que seja,
não me importo. Tô cansada de viver nas rédeas. — Há uma pausa,
enquanto ela olha para mim como se pudesse perfurar meu crânio.
— E essa gravata é horrível — acrescenta, de repente, antes de
me dar as costas e sair do escritório.
— Espere.
Ele nunca fica nervoso, mas, agora, está bem próximo disso.
antes
A casa está cheia de pessoas que não conheço, e a música alta
reverbera pelo lugar. Bastian disse que faria uma pequena reunião
enquanto nossos pais estão fora, viajando a negócios. Mas isso não é
nada particular. Parece que o colégio inteiro foi convidado
para vir até aqui. Agora, há alguns carros estacionados no pátio
e gente por todo canto.
Brianna está assustada, deitada em minha cama e escondida
sob os cobertores. É a primeira vez que sinto raiva de Bash. Já
senti ciúmes, inveja, até mesmo tristeza. Contudo, raiva é a
primeira vez. Uma parte minha entende que ele não quer ser o
sucessor, mas é obrigado. Só não consigo assimilar toda a falta de
cuidado e inconsequência.
Ele é um ano e alguns meses mais velho que eu. Tenho
quinze anos e ele acabou de completar dezessete. Meu aniversário
é daqui alguns meses, no entanto, me sinto um velho ranzinza toda
vez que ele age como um moleque mimado.
— Bree — murmuro, esperando que ela saia do esconderijo.
— Tá bom.
Pego meus fones e coloco em sua cabeça, depois procuro
uma playlist de música infantil e a reproduzo. Por precaução, tranco
a porta do quarto. Não pretendo ficar muito tempo lá embaixo, mas
não quero que alguém tenha acesso ao lugar em que ela está. Vi um
casal se beijando no banheiro dos meus pais mais cedo. Se Hernan e
Donna se deparassem com a cena ficariam loucos.
Desço a escada, que está cheia de gente subindo e
transitando pelos andares. Não demoro muito para encontrar
Bastian no mar de pessoas. Ele bebe na mangueira de um barril de
cerveja enquanto ouço gritos de incentivo. A música é tão alta que
meus ouvidos começam a doer.
Vou abrindo caminho até chegar perto o suficiente para
que consiga tocar seu ombro.
Ele demora para se virar em minha direção. Seu rosto
está corado e o cabelo uma bagunça. Está longe de estar sóbrio.
— Você tinha que trazer sua festa para cá? — Falho na
missão de manter minha voz calma.
Bastian percebe toda a raiva que sinto, porque franze o
cenho. Ele apoia o braço ao redor dos meus ombros, jogando
quase todo seu peso sobre mim.
— Por que não bebe e relaxa um pouco? Você parece irritado
— fala. Consigo sentir zombaria em seu tom de voz.
— Claro.
— Não. Até porque, você é minha agora. Mesmo que seja uma
farsa. — Ele me olha tão intensamente que estremeço. — Apenas
deixe ele achar que tem chances. Dentro dos limites, é claro
— acrescenta, com tom de voz baixo.
— Praemonitus, praemunitus.
— O que ele quis dizer quando falou que você sabia que
ia vencer?
Isso me deixou inquieta desde que deixamos o cassino. Não
consigo ignorar a raiva de Ryo, nem a calma assustadora de Liam,
muito menos sua frase em latim. Sei que algo aconteceu. Algo que
possa ter passado despercebido pelos outros, mas não por mim.
— Perspicaz de sua parte deduzir isso, senhorita Phoenix. —
Faz uma pausa longa para acender seu habitual charuto. Aperto o
botão para baixar o vidro da janela quando a fumaça me atinge.
— Mas é simples, eu já sabia que ele trapaceava desde o início.
— Como?
— Diamonds, Rihanna.
14
antes
Meu pai ainda não chegou em casa, mas a tensão no meu
corpo é o suficiente para que eu sinta dor nos ombros devido à
rigidez. Bastian e eu fazemos o possível para limpar a bagunça
antes que Hernan apareça. Até mesmo Brianna, que deveria estar
dormindo, recolhe alguns copos do chão.
— Podem subir e ir para a cama. — Bash quebra o silêncio e
eu o encaro. Ele está segurando uma vassoura, os olhos cansados e
uma expressão de culpa preenche sua feição. — Isso não é da conta
de vocês. Fui eu quem causei tudo isso. É minha responsabilidade.
— É, mas nossos pais devem chegar amanhã cedo e
sozinho você não vai conseguir terminar de limpar toda essa
bagunça — digo, realista.
Por mais que Bastian tenha feito besteira e meu rosto esteja
doendo pelo soco que recebi, ele continua sendo meu irmão. É
assim que as coisas funcionam quando se tem irmãos. Uma hora
vocês estão rolando no chão, trocando socos e pontapés, e na
outra, é como se nada tivesse acontecido.
Não quero manter um clima ruim entre a gente. A família já
lida com muitos problemas e nossos pais não agem como tal.
Hernan parece nosso chefe. Não nos leva a jogos de beisebol,
mas prefere nos ensinar como administrar negócios; e nossa mãe,
Donna, está ocupada demais retocando seus cabelos e unhas nos
salões durante a semana.
Desde que meu pai começou a sair com outras mulheres, ela
criou uma obsessão por sua aparência, o que é triste. Não acho que
tenha algo de errado com minha mãe, e sim com o Hernan. Ele
devia ser fiel à sua esposa, mas não é. Isso respinga em todos nós.
Principalmente em Brianna.
Olho para minha irmã mais nova. Ela está quase dormindo
em pé. Sirvo de amparo quando ela cambaleia, e seu corpo bate
contra meu peito. Seguro-a nos braços e aviso a Bastian que irei
levá-la para a cama.
Bree não dorme sem abajur e seu ursinho de pelúcia
predileto, então me certifico de que os dois itens estejam por perto.
Depois de cobri-la com o cobertor cor-de-rosa, saio sem fazer
muito barulho.
Bash está sentado no sofá, com os cotovelos apoiados nas
pernas, enquanto olha para baixo. A bagunça na sala sumiu, e
agora nos resta checar o restante da casa.
— Liam, escuta… — começa a dizer quando me sento ao seu
lado. — Eu devia ser o irmão mais velho. Devia proteger você e a
Bree. — Nesta hora, seus olhos se direcionam para mim. — Me
desculpa. Eu mereci o soco, não devia ter retribuído.
— Tudo bem, mas podemos falar sobre isso depois.
Temos que terminar logo.
Nós voltamos com a missão de deixar a casa em ordem.
Bastian e eu nos revezamos. Ele fica com os andares de baixo e
eu, os de cima. Não sei em que momento adormeço, mas acordo
com uma mão chacoalhando meu ombro.
— Liam, acorda, nossos pais chegaram.
— Sim, senhor.
Sempre desejei ter mais tempo com meu pai, no entanto, isso
mudou quando notei que a presença dele em casa é sinônimo de
tortura. Por isso, acabo preferindo que ele saia e se tranque em sua
empresa. Me sinto péssima por pensar nisso, mas não consigo lidar
com toda a pressão e expectativa que ele coloca sobre mim. Estou
sufocando há um bom tempo.
— Pai, para falar a verdade, eu não quero ir para Harvard
— despejo de uma vez.
— Já conversamos sobre isso, Phoenix. — Ele me ignora
e foca no jornal aberto sobre a mesa.
— Eu não vou para Harvard — repito. Não pretendo
voltar atrás da minha decisão, e já que comecei a trilhar esse
caminho perigoso, irei até o fim.
— Você não está pensando com clareza, querida.
Conversamos sobre isso durante todos os últimos três anos
do colégio. Já preparei tudo para sua ida no final do ano.
— Pai. — Sinto a frustração dominar cada célula do meu corpo.
— Isso era negociável, mas não é mais. Eu não sou mais uma
adolescente. Sou uma mulher agora. Não quero ser influenciada pelos
seus pensamentos, quero escolher meu próprio caminho.
— Por Deus, o que há de errado com você? Se está fazendo
isso para se rebelar por falta de atenção, não vai funcionar. Maldita
hora em que sua mãe te deixou. Sempre soube que isso te
afetaria, já que tenho outras ocupações mais importantes que lidar
com seu drama.
Fico em completo silêncio e choque, sentindo o peso de suas
palavras. Maldita hora em que sua mãe te deixou. Meu pai nunca cita
minha mãe, muito menos conversa sobre para onde ela foi. Agora ele
está aqui, dizendo com todas as letras que ela me deixou.
Dói.
— Não! — contesto.
— Sim.
— Dê um jeito, Phoenix.
Em silêncio, desço.
antes
A casa está envolta em silêncio enquanto completo a terceira
série de cem flexões. Meus antebraços tremem com todo o esforço
que faço para subir. A exaustão se instala, e minha mente falha
primeiro que o corpo. Caio no chão, cerrando os dentes ao ouvir os
passos do meu pai ao meu redor. Ele analisa minha desgraça como
se eu fosse um animal de circo. Um tipo de espetáculo sádico.
Seu suspiro de desaprovação ressoa e encaro seus
sapatos diante de mim. É tudo o que consigo enxergar do meu
campo de visão, deitado sobre o carpete gelado.
— Recomece — ordena, o tom de voz frio e indiferente.
Se ver que estou no meu limite não o comove, duvido muito que
minhas palavras irão.
— Não consigo — digo, entre dentes, sem fôlego. — Não é
o suficiente? Já não está bom?
Fazer quinhentas flexões seguidas é loucura. Não dá para
chegar a esse marco, no entanto, meu pai não está interessado
nos limites do corpo humano, apenas busca uma vingança pessoal
contra seus próprios filhos. Não ouso encarar o rosto dele e
mantenho a cabeça baixa.
— Não está bom. Você não fez as quinhentas flexões
no tempo sugerido, portanto, é medíocre.
Travo a mandíbula instantaneamente. Mediocridade é a
kriptonita dos Diamond. Não existe e nunca existiu espaço para
ser mediano nesta família. Ou você é acima da média, ou é
forçado a ser.
— Você tem três minutos para se levantar e completar as
flexões — avisa, seus sapatos se distanciando. Observo meu
reflexo no espelho à minha frente. Meu cabelo está bagunçado, o
suor cobre a testa e camisa, além do rosto ruborizado. Estou no
meu limite, contudo, me forço a abrir as palmas contra o chão e
tentar, em vão, me erguer.
Minha visão fica turva e volto a cair, ofegante. Arrisco olhar
para meu pai. Ele sinaliza para que o siga, abrindo a porta. Me ergo,
ainda exausto, e obedeço ao comando. Vamos para sala, onde
Bastian está sentado no sofá, visivelmente tenso. Olho com
confusão para ele, pois pensei que estivesse sendo punido assim
como eu. No entanto, ele não está coberto de suor e não parece
estar em nenhum tipo de teste de Hernan.
— Vire a poltrona para a janela e abra as cortinas — meu
pai ordena a Bastian, que me lança um olhar breve e significativo
antes de fazer o que ele pede. — Agora sente-se e aprecie o show.
Uma chuva torrencial despenca lá fora e as temperaturas
estão baixas. Não faço ideia do motivo para que Hernan tenha
pedido a Bastian que fique observando a tempestade, no entanto,
quando ele abre a porta e me fita, eu compreendo.
— Cem voltas completas ao redor do pátio, sob a chuva,
sem pausa. E você não tem permissão para voltar para dentro de
casa antes de finalizar o que mandei.
— Não — Bash intervém, levantando-se. — O senhor não
pode fazer isso. Não é mais uma lição. É desumano.
— Eu dei permissão para que você falasse? Me
interrompa outra vez e Brianna se juntará a Liam no pátio.
Isso cala Bastian. Ele se torna imponente, seus ombros
se curvam de um jeito patético.
Meu corpo inteiro treme. Mas não é cansaço; é raiva. Raiva
em sua forma mais pura e genuína, tanta raiva que eu não sei o
que fazer com ela. Então, saio para a varanda e encaro o temporal.
Foda-se. Começo a dar a primeira volta. A chuva me atinge com
força conforme eu corro. O pátio é extenso, não sei o tamanho
exato, contudo, é o suficiente para que dê para estacionar dezenas
de carros.
Olho para a janela. Bastian é forçado a assistir enquanto
Hernan me pune. Sua expressão é de pura agonia. Sei que ele
trocaria de lugar comigo se pudesse, mas nosso pai jamais
permitiria isso. Ele quer que meu irmão aprenda a lição. E é usando
Brianna e a mim que ele vai conseguir fazer isso.
Quando termino, quase não sinto os meus pés e pernas. Me
dirijo para o gazebo, próximo ao jardim da propriedade, onde o
caseiro guarda materiais de limpeza. Assim que saio da chuva, o
choque corre por meu corpo e deslizo contra a parede de madeira
até estar sentado no chão, tremendo de frio. Não sei quanto tempo
se passa, porém, me assusto quando a porta é aberta, e Bastian
aparece. Ele usa uma capa de chuva e uma bolsa está
transpassada no corpo dele.
— Desculpa por ter demorado, Hernan só dormiu agora. — A
expressão do meu irmão mais velho é sombria, acho que nunca o vi
assim. Ele aponta para a bolsa. — Tem roupas limpas e secas aí.
Vista-se e se prepare, porque iremos fugir.
As palavras de Bastian me deixam perplexo.
— Como assim fugir?
— De volta para a Alemanha, com a avó Ana. Eu liguei para
ela e avisei que estávamos indo visitá-la. Vou pegar Brianna. — Há
uma pausa, enquanto a chuva preenche o silêncio entre nós,
ressoando como tambor no gazebo. — Escuta, vamos ter que ser
rápidos. Vou buscar um dos carros e quero que você seja ágil.
Quando Hernan souber o que fizemos, vai mandar guardas atrás
de nós. Ele não vai facilitar.
Apenas aceno com a cabeça, sentindo meu estômago
gelar com a ansiedade. Isso não é uma ideia boa. É impulsivo e
sem planejamento, contudo, não podemos mais ficar sob as
garras de nosso pai. Fico com pena de deixar nossa mãe, mas
então lembro que ela preferiu visitar sua amiga em Hollywood do
que ficar com seus filhos.
Ela sempre foge quando a tensão estoura. Acho que só eu
percebo isso com clareza. Bastian diz que ela deve passar muito
tempo fora por causa do papai e que não a culpa. Minha irmã mais
nova tem esperança de que um dia será acolhida e que ela vai fazer
cachos em seus cabelos e colocá-la para dormir como qualquer
outra mãe normal.
Não sei como dizer a Bree que talvez isso nunca aconteça.
Que talvez nenhum de nós sejamos verdadeiramente amados
um dia.
Tiro as roupas molhadas, seguindo a instrução de Bastian,
e coloco as roupas que ele separou para mim. Termino de fechar
o zíper do agasalho impermeável e minha temperatura começa a
estabilizar, assim como os lábios rachados param de tremer. Meu
coração bate forte com a tensão toda que sinto. O corpo queima
e tenho que sufocar o gemido de dor quando me levanto.
Espero pelo sinal. Ouço pneus derrapando na pista molhada e
inspeciono através da janela do gazebo no momento em que Bastian
arranca um dos carros da garagem. Abro a porta e corro até
alcançar o carro, segurando a bolsa. Sento no banco do passageiro
e olho para trás. Brianna está sentada, com o cinto de segurança
afivelado. A garotinha agarra seu ursinho como se tudo dependesse
disso. Ela não entende o que está acontecendo e, no fundo, é
melhor assim.
— Para onde a gente tá indo sem o papai e a mamãe?
— pergunta, o lábio inferior tremendo.
— Vamos visitar a vovó Ana. — Tento demonstrar
tranquilidade enquanto Bastian dirige feito louco. Os seguranças
acenam para nós, na tentativa de bloquear nosso caminho
enquanto se comunicam através de rádios. Tudo vira uma bagunça,
mas conseguimos ultrapassar os portões.
— Ouve música, Bree — Bash diz, tenso. — Liam, pega o
iPod na bolsa.
Pego o iPod para Brianna e coloco na playlist que ela mesma
fez, conectando os fones em suas orelhas, o que é difícil porque
tenho que me virar e dar um jeito de alcançá-la no banco de trás.
Coloco o cinto e me volto para frente. Paramos em um semáforo.
— Estão nos seguindo? — Olho pelos retrovisores. Não
identifico nenhum dos carros de meu pai.
— Ainda não, mas deve ter um rastreador nesse carro —
meu irmão mais velho fala.
— Vamos estacionar e migrar para um táxi — sugiro e
Bastian concorda.
Nós estacionamos em uma rua qualquer e descemos,
entrando numa cafeteria. Bastian segura Bree no colo. Não me
sinto seguro aqui, mas duvido que irão nos encontrar agora que
abandonamos o carro. Bash compra alguns cookies para nossa irmã
e sanduíches para nós. Estou morrendo de fome e com sede, me
dou conta disso apenas neste momento. Entramos no táxi alguns
minutos depois, amontoados no banco de trás. A cabeça de Brianna
tomba contra meu peito e ela começa a adormecer.
Olho para Bastian e ele também observa nossa irmã.
— Isso não é vida — diz, o tom de voz baixo e cansado. — Me
desculpa por não ter feito nada enquanto ele te punia. Eu não podia
arriscar e pôr tudo a perder. Já estava planejando levar vocês dois
para longe daqui. A avó Ana mandou o jato particular para nós.
Isso faz com que eu relaxe. Começo a comer um
dos sanduíches.
— Você foi um bom irmão hoje — murmuro, a contragosto.
Bastian sorri, no entanto, não é nem de perto um dos seus
sorrisos brilhantes que atraem garotas e caras que querem ser
como ele no colégio. É triste.
— Eu tentei — é tudo o que diz e permanecemos em
silêncio até o aeroporto.
18
O Hide & Art não abre hoje, mas isso não me impede de
fazer uma visita. Kai está sentado em uma poltrona, bebendo um
vinho caro enquanto seus artistas se espalham pelo estúdio. Não
tem muita gente aqui, considerando o horário. É pouco mais de sete
horas da manhã, e Dylan é uma das pessoas presentes.
Não uso máscara quando não quero me apresentar, o
que talvez tenha sido um erro.
— Namorando um riquinho, Flora? — A voz ácida vem
de Zion, que se aproxima de um jeito tão silencioso que dou
um sobressalto. — Ou devo chamá-la de Phoenix?
Zion é um artista que gosta de alfinetadas. Ele usa um
terninho cor-de-rosa e um cachecol amarelo. Excêntrico é um
eufemismo para descrevê-lo. O garoto sempre se mete em
confusões no estúdio, tanto que no último mês recebeu um alerta
de Kai para que deixasse a nova artista da galeria em paz. Se você
não souber se defender de suas garras, é fácil se tornar um alvo.
— Não é um mistério. — Dou de ombros, agindo como se
não fosse grande coisa.
Mantenho minha verdadeira identidade em segredo, afinal,
aqui ninguém revela quem realmente é. Todos optam por
pseudônimos. Não é como se eu fosse a única com segredos.
Zion me olha no fundo dos olhos e eu mantenho o contato visual,
interrompendo o processo de construir o esboço da minha arte.
— Não se preocupe, não pretendo te dedurar. — Me lança
um sorriso condescendente.
Não sei se devo confiar nele. Provavelmente não. Kai e
diversos outros artistas discutem sobre desigualdade social e
meritocracia. Inclusive expressam isso através de suas artes, com
críticas nem um pouco veladas. Não imagino como eles reagiriam se
soubessem que sou filha de um dos maiores empresários do Japão,
vez que nossas realidades são bem diferentes. Todos aqui tentam
sobreviver da arte. A arte não é tudo o que eu tenho, mas é tudo o
que pretendo ter um dia.
— Deixa a menina em paz, Zion — Kai resmunga, ao
notar nossa interação.
— Não estou fazendo nada. Estava apenas elogiando o
esboço da Flora — mente, enquanto analisa minha tela. — Apesar
de que faltam alguns retoques…
— Se continuar espantando meus artistas com sua
intimidação, vou te proibir de vir até aqui. Já te avisei sobre isso. —
Kai parece sem paciência, apesar do tom de voz monótono.
— Responda.
— Não.
— Ou o quê?
— Por quê?
antes
O aroma da torta de amora flutua no ar enquanto minha
avó, Ana, me serve uma xícara de chá com especiarias. Depois de
correr sob a chuva, meu corpo adoeceu. Estou resfriado, cada parte
dos meus músculos doem, especialmente as pernas.
É um enorme esforço me manter sentado na cadeira da
cozinha. Bastian está à minha frente, limpando o balcão que usou
para fazer a torta. Meu irmão gosta bastante de cozinhar,
principalmente quando se trata de doces. É um talento, porém ele o
esconde. Como poderia um Diamond se tornar um mero confeiteiro?
Hernan jamais admitiria isso.
— Está se sentindo melhor? — nossa avó indaga.
— Sim. — Seguro a caneca com chá fumegante entre
as mãos. — Obrigado.
Olho para ela. Minha avó parece apreensiva. Além das rugas
em sua expressão por conta da idade, identifico as novas marcas,
as que indicam preocupação. Minha mãe e avó não mantêm mais
contato. Na verdade, é bem difícil que eles nos deixem visitá-la.
Sobretudo, nosso pai, Hernan. Há uma rixa antiga entre os
Diamond, lado paterno, e os Lawrence, maternos. O casamento de
nossos pais devia significar uma bandeira branca, só que as coisas
pioraram desde então.
Minha avó sempre diz que Hernan corrompeu minha mãe.
Não sei como Donna era antes dele, porque eu não existia. Mas
acredito no que vó Ana diz, porque tudo que está sob o domínio de
Hernan vira pó. Agora que estamos na Alemanha, me sinto seguro.
No entanto, sei que é questão de tempo para que nosso pai venha
atrás de nós.
— A gente não pode morar aqui? — A voz infantil de
Brianna paira no ar, atraindo minha atenção para si.
Ela acaba de cruzar o arco da cozinha, calçando pantufas
cor-de-rosa e segurando um prato cheio de cookies feitos por
Bastian. Há farelos do biscoito grudados em seus lábios e
bochechas. Ela está uma bagunça, mas parece feliz. Acho que todos
nós, se pudéssemos, mudaríamos para cá.
Nossa avó suspira com pesar, no entanto, mascara
a imponência com um sorriso.
— Não é tão simples, querida. — Ana coloca uma das
mãos sobre meu ombro.
Sei que ela percebe a mesma dúvida no meu rosto. E se ela
tentasse conversar com nosso pai? Não daria certo? Talvez eu
esteja apenas sendo ingênuo, assim como minha irmãzinha.
— Por quê? Aqui é tão legal! E não temos que falar inglês.
Brianna tem mais dificuldade para se adaptar a outros
idiomas que Bastian e eu. Ela ainda erra bastante frases e palavras.
Por isso, nossos pais contrataram dois professores particulares para
ensiná-la durante o tempo vago. Bree sempre reclama que está
cansada, mas eles nunca a ouvem e empurram uma série de
tarefas para ela.
— Não é fácil, Bree. Hernan e Donna são nossos guardiões
legais. Não dá para simplesmente virmos morar com a avó Ana
sem a autorização deles — Bastian diz, mal-humorado.
O silêncio recai sobre a cozinha e nossa avó chama Bree
para enfeitar o cabelo com fitas. Elas saem do cômodo, deixando
eu e meu irmão à sós.
— Não precisava ser duro com ela. — Olho para meu
chá. Meu reflexo aparece distorcido e distante na água.
— Eu não fui duro, fui realista. Estou cansado de vocês dois
se machucarem por minha causa. Não quero alimentar mais
desilusões em Brianna. É como dizer a ela que um dia a mamãe
vai levá-la para um parque ou fazer programas de garotas. Talvez
isso nunca aconteça. É a verdade.
Minha mandíbula tensiona com tanta força que chega a
doer. Não gosto quando Bastian tenta bancar o irmão mais velho
responsável, porque a culpa de estarmos aqui, indiretamente, é
dele.
As atitudes de nosso pai são injustificáveis, contudo, Bastian
deveria perceber que Hernan é sádico e que castigos
convencionais, como duas semanas sem tevê ou sem sair de casa,
não seriam métodos de correção dele.
A verdade é que somos peças de um quebra-cabeça que
não se encaixa.
Todos nós queremos o que não podemos ter.
— Você devia pensar mais em nós antes de agir — falo,
porque estou cansado de Bastian pensar apenas em si mesmo e na
sua diversão. — Tem que considerar que tudo o que você faz
não afeta somente a você.
Olho sobre o ombro quando ouço um estrondo. Bastian
acaba de jogar a forma com a torta de amora no balcão de
mármore. Ela derrapa e quase tomba, mas permanece firme. Ele
não ousa me encarar neste momento. Apenas continua virado de
costas, a cabeça pendendo entre os ombros. É como se ele
estivesse derrotado. Sua coluna está curvada feito um arco.
— Eu sei, tá legal? Só que antes nosso pai não pegava tão
pesado. Eram só castigos simples. Agora, é diferente. Ele está
testando nossos limites, indo longe. Não sei se é para me
pressionar, para que eu me interesse pelos negócios da família e
aceite o destino que ele tem para mim. Então, não posso mais
recuar. Vou fazer o que ele pede e, em troca, vou pedir para que
deixe você e Brianna em paz.
Permaneço em silêncio, porque não posso impedi-lo. Estou
fadado a viver às sombras de Bastian. Nunca serei o líder da nossa
família, nem o sucessor. Ele é o primogênito. É dele que nossos
pais esperam um destino brilhante.
— Não — devolvo.
— Olha só, eu não sei o que você teve com Liam, ou o que
sente por ele, mas eu não vou fazer parte disso — a corto, antes
que possa completar sua frase.
O rosto dela cora.
— Trezentos — dobro.
— Quinhentos — sentencio.
Dou de ombros.
— Isso tudo por que eu disse que sua voz era irritante?
— zomba, com o tom cortante.
Cruzo os braços em frente ao peito, olhando para o
lado oposto do elevador.
— Diga algo. Qualquer
— Sim. — O analiso.
Kevin não é tão velho. Parece estar no início dos quarenta
anos. Há uma barba rala que cobre seu queixo e os olhos são
escuros. Ele não parece intimidador, como achei que seria.
— Você precisa encontrar alguém — conclui, pela
breve mensagem que o mandei.
— Minha mãe — especifico. — Ela foi embora de Tóquio
quando eu era criança. Não sei nada sobre ela, desde então. Só
que veio para cá.
— Só preciso do nome — é tudo o que ele diz. — E dinheiro,
vivo. Este é o meu valor. Consigo informações dentro de três dias.
Ele desliza um pedaço de papel em minha direção.
Em silêncio, analiso a quantia que ele quer.
— Temos um acordo. — Sinto um frio na barriga. Kevin
estende a mão para mim e a aperto, selando meu destino.
— Com o quê?
— Por quê?
antes
Pela expressão da avó Ana, percebo que a ligação que ela
teve com Hernan não foi nada boa. Ela parece apreensiva, mas
tenta esconder isso de nós, em vão. É possível lê-la como se fosse
um livro aberto.
— Vó — chamo, observando-a do batente de sua biblioteca.
Ela me fita, saindo do transe em que estava.
aos 16 anos
É véspera de Natal e nossa casa está silenciosa. Se fôssemos
uma família normal, estaríamos reunidos à mesa, celebrando juntos.
No entanto, não é isso o que acontece. Observo a neve cair, sentado
na janela do meu quarto.
Daqui de cima, vejo o momento exato em que o carro de meu
pai chega em casa. Acho que todos já estão dormindo. Olho no
relógio, os ponteiros indicam que já passa das duas horas da manhã.
Observo quando ele sai do carro acompanhado por uma mulher
que definitivamente não é minha mãe. Seus cabelos longos e
negros contrastam com o vestido inadequado para o clima. Travo
minha mandíbula ao vê-los atravessarem a porta da frente. Mamãe
está fora da cidade; ela nunca passa as datas festivas aqui. No
fundo, Donna sabe que Hernan aproveita as festividades para
passar dos limites. Embora ele tenha se mantido na linha
ultimamente, graças a ameaça de nossa avó, ainda fico em alerta.
Receoso quando a chave irá mudar em sua cabeça.
Risos e o estouro de uma garrafa de champanhe ressoam
no andar de baixo, acompanhados pelos gemidos que perturbam o
ambiente. Após algum tempo, tudo volta ao silêncio habitual, e a
porta se fecha.
A mulher sai sozinha para o pátio e anda até os portões.
Meu pai não dá a mínima para ela. Foi apenas uma das suas
diversões noturnas.
Permaneço próximo à janela, até que ouço a porta do quarto
de Brianna abrir.
Sei porque seu quarto fica à esquerda, bem ao lado do meu.
O de Bastian é ao lado do corredor, acho que ele é o único que se
livra de toda a barulheira, já que dorme distante das escadas.
Levanto-me, consciente de que Bree às vezes tem
pesadelos e me chama. Talvez ela tenha tido um esta noite. Ao
sair para o corredor, encontro sua porta entreaberta. Empurro-a
até que se abra, e então paro.
Hernan está ao lado de sua cama. Daqui, não consigo
discernir o que está acontecendo, pois a luz do corredor ilumina
parcialmente seu quarto. Ele se vira, assustado. Meus olhos captam o
movimento rápido que ele faz para subir o zíper da calça jeans.
Caminho até a cama de Bree e puxo o cobertor. Ela está
dormindo profundamente, abraçada ao seu urso de pelúcia. Está
vestida. Mas e se eu tivesse chegado alguns momentos mais tarde?
O pensamento me dá ânsia de vômito.
— Deixe.
Não fico para ouvir o que nenhum deles tem a dizer. Suas
súplicas não me farão voltar atrás. Espero que Phoenix tenha saído
para fazer algo e volte em segurança. Kim tem que praticamente
correr atrás de mim para me alcançar. As portas do elevador quase
fecham antes que ela entre comigo. Talvez eu devesse tê-la
deixado com Phoenix esta manhã, teria sido mais útil que todos
esses homens juntos.
Assim que chego no quarto, recebo uma ligação. Peço
licença para Kim e me retiro em direção à suíte.
— Liam Diamond? — a voz do outro lado da linha questiona.
— Sim.
— Três.
A chamada encerra.
PHOENIX
Meu pulso amarrado dói, assim como minha cabeça. Não
enxergo nada, pois meus olhos estão vendados. Não sei há quanto
tempo estou presa aqui, mas parece uma eternidade. Meu pai
sempre me alertou de que algo assim poderia acontecer um dia,
que homens loucos por dinheiro poderiam pedir um resgate alto por
mim. Nunca imaginei que isso realmente pudesse acontecer, no
entanto, aqui estou eu.
Ouço o barulho de uma porta se abrindo e me encolho na
cadeira em que estou sentada.
A venda é arrancada dos meus olhos, revelando dois
homens encapuzados à minha frente. Não consigo ver nada além
de seus olhos escuros.
— Água. — Um deles estende a garrafa em minha direção.
antes
Após ter visto Hernan no quarto de Brianna, todas as noites
durmo em um colchão ao lado de sua cama, com a justificativa de
que sou eu quem tenho tido pesadelos. Bree nunca se opôs,
apenas me faz assistir My Little Pony antes de dormir. Bastian
acredita que estou apenas ajudando-a a pegar no sono, enquanto
meu pai mal passa as noites em casa após o episódio.
Hernan e eu fingimos que nada aconteceu. Não contei para
Bastian, pois ele não sabe controlar suas emoções. Se eu senti
vontade de matar Hernan, meu irmão mais velho, sendo protetor
como é, não sei o que faria. Isso o consumiria de culpa para sempre.
É melhor que o peso do segredo corroa apenas um de nós.
— Por quê?
— É amanhã.
Nunca mais.
Autodestrutiva.
Abro a porta, mas ela nem percebe quando saio. Está frio
aqui. O vento gélido bate contra mim, e me pergunto como ela não
está congelando usando apenas um vestido curto.
— Passarinho.
— Entendo.
Há tantas coisas que quero dizer, mas não sei por onde
começar, ou se devo começar. Acho que Phoenix ficará melhor sem
mim. Ela é como uma flor delicada que ao menor dos descuidos,
terá suas pétalas secas. Sem a germinação certa, ela não
florescerá. E com suas raízes teimosas, que frequentemente
crescem em direções erradas…
Não sei se posso cultivá-la.
— Não.
— Não.
— Sua galeria.
— Você a construiu?
— Mas o que isso tem a ver com o fato de você ter posto
todo seu império acima da minha vida? — questiono, ficando
mais irritada do que eu gostaria.
— Não coloquei. Apenas fiz parecer que sim. Eu sempre estou
um passo à frente. Já havia enviado meus homens para ir atrás de
você enquanto negociava com os sequestradores. Eles eram tão
amadores que encontramos sua localização em pouco tempo. Na
última ligação, os policiais já cercavam a propriedade. Sei que fiz
você acreditar que não dava a mínima, mas é mentira. Teria
sacrificado tudo por você, entregado tudo em uma bandeja de
prata, se fosse necessário. A questão é que, comigo, você continua
sendo um alvo. Não desejo isso. Quero que esteja segura e bem, e
não sei se posso garantir isso.
— Você não pode escolher por mim. — Engulo em seco. —
Mesmo que eu me torne um alvo ao seu lado, não pode tomar
decisões como essa. Eu quero ficar com você, Liam. Não me
importa quantos riscos eu tenha que correr.
— Se algo acontecesse com você, eu jamais me perdoaria. Me
— Raio de sol.
Me encho de esperança.
aos 19 anos
O enterro da avó Ana aconteceu há alguns dias, e desde que
soube que ela deixou todo seu testamento para Bastian, tudo o que
consigo me recordar é de uma das últimas conversas que tivemos,
ano passado.
Antes de ingressar oficialmente em Stanford, decidi visitá-la
durante as férias. Era um passo e tanto para mim. Iria me mudar
para longe de meus irmãos e, por algum motivo, senti a
necessidade de vê-la antes da mudança. Talvez eu pressentisse,
lá no fundo, que tínhamos pouco tempo.
Lembro que estava nevando na Alemanha. Nos sentamos
em frente à lareira e ela me ofereceu uma caneca de chocolate
quente, como se eu ainda fosse um pirralho. Minha avó sempre
sabia exatamente o que cada um de nós precisava, mesmo que
não disséssemos uma palavra. Era como se ela pudesse nos ler, de
dentro para fora.
Não foi uma surpresa quando ela cortou o
silêncio, questionando:
— O que está tirando sua paz, minha criança?
É por isso que retornei para Boston, é por isso que, neste
exato momento, estou parado em frente à propriedade de meus pais.
Soube que eles estão se divorciando e que Bastian e Brianna se
mudaram. Estão morando juntos. Aqui, será apenas Hernan e eu.
Bato na porta e espero alguns momentos.
— Sim.
— Sim.
Encaro-o, boquiaberta.
Phoenix sorri.
— Sim?
— Um dia irei conhecer sua família? — Olha para mim,
cheia de expectativa.
Não sei o que responder. Após tudo o que aconteceu,
minha única família se resume a Bastian e Brianna. Sendo que os
dois moram em continentes diferentes.
— Sim, vamos visitar Bastian uma hora — respondo.
Quem sabe consiga reunir Brianna por lá também.
Talvez, finalmente possamos ser uma família de verdade.
36
— Por quê?
— Sim, mas isso faz parte de quem ele é. Ele viu que Donna
se arrependeu e estava disposto a dá-la uma segunda chance, mas,
por outro lado, entendo Liam. Isso não é uma obrigação. É algo
que acontece de forma natural.
— Tem razão — concordo.
— Não sei. Liam viu nossa mãe e surtou. Acha que eu fiz
de propósito, mas não sabia que ela viria. Fiquei tão surpreso
quanto ele.
— Vou tentar ligar para ele — começo a dizer, mas
murcho assim que vejo seu telefone no braço do sofá.
Brianna e Donna entram na casa, com expressões tristes.
Os olhos de Donna estão marejados, e ela me cumprimenta
brevemente antes de ir para a cozinha, como se estivesse
envergonhada. Brianna me abraça, murmurando um pedido de
desculpas.
— Está tudo bem. — Tento confortá-la. — Logo ele deve
voltar.
— Alemanha.
— Agora não.
— Cale a boca.
— Você também.
— Então deixe que ela fale, por apenas cinco minutos. Por
favor. — Os olhos castanhos no tom de avelã que tanto me
fascina permanecem fixos em mim, cheios de esperança.
— Cinco minutos — murmuro, mal-humorado. — E será tudo.
— De nada.
— Eu te desculpo.
— Pelo o quê?
FIM
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todo mundo que esteve correndo
comigo nos bastidores para que esse livro fosse lançado. Sem
vocês, não estaríamos aqui.
Escrever sobre o Liam foi um desafio para mim, então
também não posso deixar de ser grata a todas minhas leitoras
que pediram por isso e ficaram tão ansiosas quanto eu quando
decidi transformar a ideia toda em uma série.
Esse foi apenas o volume II.