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A Negativa 1925 DIE VERNEINUNG Edlgées Alemds: 1925 * IMAGO, 11 (3), 217-21. 1926 © Paychoanalyse der Neurosen, 199-204. 1928 © GS, 11, 3-7. 1931 © Theoretische Schriften, 399-404, 1948 © GW, 14, 11-5, & Comentarios editoriais da Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud A traducao inglesa ¢ versio modificada da publicada em 1950. A tradugao de 1950 esté reimpressa em D. Rapaport, Organization and Pathology of Thought, Nova lorque, 1951. Diz-nos Ernest Jones (1957, 125) que este texto foi escrito em julho de 1925. O assunto, contuda, estivera evidentemente nos pensa- mentos de Freud por algum tempo, como ¢ demonstrado pela nota de todapé por ele acrescentada ao caso clinico de “Dora” em 1923. (Ver nota 30 do presente artigo). E um de seus mais sucintos ¢ densos arti- gos. Embora fundamentalmente trate de um aspecto especifico da me- tapsicologia, também aborda questées técnicas (no infcio ¢ ao final do artigo). As referéncias nas notas de rodapé, mostram que ambos esses aspectos do trabalho j4 hé muito ocupavam Freud. Extratos da tradusio anterior (1925) deste artigo foram incluf- dos na General Selection fiom the Works of Sigmund Frend, de Rickman (1937, 63-7). 0 real sentido da nova idéia obsessiva. OBRAS PSICOLOGICAS DE Freud 147 [qu hyphae Observando-se 0 modo como os pacientes apresentam as idéias {Einfiille]* que vao thes ocorrendo ao longo da sesso, podem ser feitas algumas interes- santes constatages. O paciente diz: “Agora o sr. deve estar. pensando que cu queria dizer algo ofensivo, mas realmente nfo é essa minha intengo”, Enten- demos essa fala do paciente como uma maneira de repelis, através de projecio, Ou entao: “O senhor me pergunta quem poderia ser essa pessoa no meu u sonho. Nao €a minha mie.” E nds cor- rigimos: “Portanto, é sua mae”. Assim, ao interpretar tais idéias, podemos desconsiderar a negativa [Verneinung]* da frase e destacar apenas seu conteti- do. E como se o paciente tivesse dito: “Com relagio a essa pessoa, de fato, pensei na mae, mas nio tenho a menor vontade de deixar esta idéia valer”> Em outras ocasides, constatamos que é possfvel obter algum esclareci- mento sobre o recalcadof inconsciente de uma maneira bastante simples. Per- guntamos: “O que o sr. pensa ser o mais improvavel naquela situagao? Qual, na sua opinido, seria sua intengao mais remota?” Se o p. tha ¢ menciona aquilo em que menos acredita, quase sempre z o verdadeiro contetido de seu pensamento. Uma bela contrapartida dessa ten- tativa ocorre com o neurdtico obsessive [Zwangsneurotiker}® j4 familiarizado com a compreensio psicanalitica dos seus sintomas. “Tive uma idéia obsessiva [Zwangsvorstellung|s e logo me ocorreu que cla poderia significar o seguinte. Mas nao, nao pode ser, pois nesse caso ela nao teria me ocorrido.” Fica claro que esse tipo de argumentagio, na verdade, esté servindo apenas para repelir? Nota-se, portanto, que o contetido recal mma idéia_ ou pensa- mento mento pode penetrar na consciéncia, desde le que seja negado (verneinen]. Isso porque a negativa [Verncinung] € uma maneira de tomar conhecimento do Ts Ww * Freud a Negasiva 148 recalcado.em_um plano apenas intelectual. O que estd em jogo, nesse caso, é tecalque, naturalmenté aida nao sua plena aceitacio 18 (Annahme]: * Esse fendmeno nos mostra como a fungao intelectual se separa _do processo afetivo. Na verdade, com a negativa, somente um dos resultados sso d ue é revertido: aquele que impede que o contetido da idéia alcance a consciéncia. Disso resulta, entao, uma aceitagao apenas intelec- tual do recalcado, o essencial do recalque permanece intocado? Outra varian- te, muito importante ¢ um tanto estranha, da mesma situagao ocorre quando logramos derrubar a negativa e impor uma completa aceitagao [Annahme] da existéncia do contetido recalcado. Notamos, entéo, que o processo de recal- que, ainda assim, continua inalterado. Na verdade, todos estes atos de confirmar [bejahen]® ou negar [vernei- i nen]" 0 contetido dos nossos pensamentos correspondem a fungao ps{quica de emitir jutzos. Assim, se levarmos em conta as observagies que fizemos sobre “arelagao entre 0 recalque a negativa, podemos agora rastrear a origem psico- Iégica da funcao ir jufzos. Negar [verneinen] algo basicamenté quer dizer: “Isto eu prefiro recalcar”. A atitude de condenar algo nada mais é do que 9 10 uit dizei um substituto intelectual do recalque! ¢ 0 “nao” é sua marca, um certificado de origem, como se fosse um “made in Germany”. Por meio do simbolo da negativa [Verneinungssymbol] o pensar liberta-se das restrig6es do recalque e se . lw mnt; yrorcene de contetidos dos quais nao podia prescindir na sua atividade. > A fungao de emitir juizos se refere basicamente a duas questées: decidir SEND 3 1 I se uma coisa [Ding] possui ou nao uma certa caracteristica € coniirmnarics ou . at (a refutar sé a a representagio [Vorstellung]™ psiquica dessa coisa i Py oF real, Quanto a caracteristica a ser atribufda ou nao & coisa, diremos que, na ' Cahacter ‘ ?> etapa inicial do desenvolvimento, sua qualidade pode ser boa ou mé, dul ou L danosa. Exprimindo na linguagem mais antiga dos ‘impulsos pulsionais" orais: i “Isto eu_quero comer, isto eu quero expelir para longe de mim”, ou de forma mais abrangente: “Isto eu quero colocar dentro de mim e isto eu quero pér I~ para fora”, ou seja: “Deve estar dentro, ou fora de mim”, Conforme expus em | outra parte, o Eu-prazer'é presente no inicio do desenvolvimento quer intro- jetar tudo que €bom expelir de si tudo que é mau. Inicialmente, para o Eu- ef Ado hid diferenga entre o mal, o que é ‘estranho [Fremd] ao Eu e tudo “aquilo que se situa fora do Eu, As trés categorias sao idénticas. ' ~~ A outra questo com a qual a fungao de emitir juizos deve lidar refere-se existéncia real, ou nao, da coisa [Ding] que esté sendo psiquicamente repre- “sentada {vorgestellt]. Cabe destacar que essa ¢ uma questo de interesse do Eu-real-definitivo, o qual se origina ¢ desenvolve a partir do Eu-prazer inicial. oe OBRAS PS 9 2 ICOLOGICAS DE (Trata-se do teste de realidade): Portanto, nao é mais uma que: to atinente ao Eu-prazer. Agora, nao se trata mais de saber se algo (alguma coisa) que foi percebido deve set acolhido pelo Eu, mas de saber se algo que esta disponivel na forma de uma representagio [Vorstellung] psiquica no Eu pode ser reencon- trado também na esfera da percepgao_{Wabrnehmung]” (realidade). Confor- me podemos r, € novamente uma questao de dentro e fora. Q. ndo-real, isto é, 0 que € somente imaginado (das Vorgestellte], 0 subjetivo, esté presente so- _mente no dentro; enquanto o real estaré também present no fora. Assim, no curso do des: desenvolvimento psiquico, a consideragéo pelo principio de prazer ‘foi, nesse momento, colocada de lado. A experiéncia ensinou a psique que no ésomente importante saber sé uma coisa [Ding] (objeto de satisfagao)"® possui ~uma qualidade “boa”, isto é, se merece ser acolhida no Eu, mas, também, se ela estd presente no. mundo externo, de modo a que seja poss{vel apoderar-se dela conforme surja a necessidade (Bediirfinis} para tal, Para melhor compre- ender esse desenvolvimento, devemos nos lembrar que todas as represefitagoes riientais [Vorstellungen] se originaram de percepcées de fato elas sio tepeti- Goes [Wiederbolung!” destas ultimas. Dessa forma, a prdpria existéncia de uma representasao [ [Vorsiellung] ja & na sua origem, uma garantia da realidade do ntado [des Vorgestellten]. Assim, a oposi¢io entre 0 subjetivo ¢ o objeti- vo nao existe desde 0 inicio. Ela somente se estabelece pelo fato de que o pensar possui a capacidade de novamente presentificar, através da reprodugéo no imaginar (Vorstellung], algo que j4 foi uma vez percebido, isto é, pode-se imaginar 0 objeto sem que ele precise estar presente no mundo externo. O primeiro € mais imediato objetivo do teste de realidade nao ¢, entao, encon- trar na percepgio real um objeto correspondente ao que foi imaginado Lvorges- ellé] mas reencontrd-lo, certificar-se de qu ainda _permanece presente.” Mas ainda ha a faculdade do pensar que contribui para o afastamen- to (Ensfremdung® entre o subjetivo € 0 objetivo: ¢ 0 fato de que a reproducao do percebido na forma ¢ de uma Tepresentagio mental | [Vorstellung} ‘nem sempie éa sua fiel repeticao; ela pode ser modificada pela omissio de diferentes ele- mentos ou pela sua condensacao. Portanto, o teste d lade deve controlar até que ponto chegam essas deformagées. Cabe ainda acrescentar que, ao lon- go do desenvolvimento, o teste de'tealidade sé entra m cena quando ¢ se os objetos, que outrora trouxeram satisfagio, jd tiverem sido perdidos. Mas além disso, emitir jufzos € uma io intelectual que também con- jocando um fim ao adia- “mento da agéo — ocasionado pelo pensar. Assim, essa fungao conduz do pen- “sar a acao. J4 tratei também do adiamento ocasionado pelo pensar em outra siste em optar por uma ag. 17 18 Tg. 120 ™m 36.23 12s sE27 128 SE29 $E30 ANegativa a] ocasiao. Esse adiamento deve ser concebido como se fosse uma agao experi- mental, simulada, um tatear motor com reduzida safda de energia [Abfiubr] 2 ‘Tentemos nos recordar, onde anteriormente o Eu exercitou um tatear desses, ‘utiliza agora “nos processos do junto as percepgées sensoriais, pois, de acordo com a nossa suposigéo, a percep¢do nao é um processo passivo; pelo contrario, o Eu envia periodicamente peque- nas quantidades de cargas de investimento [Besetzungsmengen}* ao sistema perceptive por meio das quais cle prova ¢ testa os estimulos [Reize}* externos para logo recolher-se novamente.”” Assim, 0 estudo da fungao psiquica de emitir jufzos nos enseja, talvez pela-priniéira Vez, uma visio aprofundada de como uma fungio intelectual “sufge a partir do jogo de forcas dos impulsos pulsionais primarios. Emitir jut- ue 1 a pelo principio do zos é um desenvolvimento posterior que nao se pauta mi prazer. Para lidar com a polaridade entre o incluir ¢ 0 expulsar do Eu leva-se agora em conta a adequacao aos fins. Essa polaridade entre incluir e expulsar sor om cone ee parece corresponder exatamente aos dois grupos de pulses que supomos exis- tirem. A confirmago [Bejahung] seria um substicuto da unificacao e pertence- ria a Eros; a negativa [Verneinung] seria, entio, a sucessora da expulsio, per- tencendo a pulsao de destruigo. Quanto ao caso em que h4 uma disposicao “de negar sistematicamence [ Verneinungslust]™ 0 negativismo de alguns psicéti- cos, provavelmente pode ser compreendido como um sinal de que houve — pela retirada dos componentes libidinais® — uma defusio ¢ separagao das pulsdes, Ressaltemos, ainda, que o trabalho de emitir jufzos s6 se torna possi- vel gracas ao fato de a criacgo do simbolo ¢: iva [Verneinungssymbol} ensejar ao processo do pensar um primeiro grau de independéncia com relagao aos efeitos do recalque ¢, assim, também com relagao 4s imposigoes [Zivang} do principio de prazer. inalizemos mencionando que coincidem com essa nossa concep¢io da a ve [Verneinung] o fato de que, em uma andlise, nunca se encontra um ~ ) haf» 3 : (OO US yfa0” que provenha do inconsciente ¢ o fato de que, para expressar 0 reco nhe- ‘Gimento dos contetidos inconscientes, o Eu utiliza uma formula negativa. Nao hd prova mais contundente de que logramos revelar algo do inconsciente do que quando o analisando reage 4 nossa interpretacao com a seguinte fras “Nisso en realmente néio pensei” ou “Nao (nunca) pensei nisso” °

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