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Léa das Gragas Camargos Anastasiou e Leonir Pessate Alves (Orgs.) .Processos de Ensinagem na Universidade Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula neu m= an tant UNVIll Bw EDITORA univille PRODUGAO EDITORIAL Editora Uni Coordenagio geral Andrea Lima dos Santos Schneicler Revisi0 Cristina Aleintara Viviane Rodrigues Projeto grafico e diagramacio Raphael Schmitz. Impressio Sociedade Vicente Pallotti ‘Tiragem 1.000 exemplares Imagem da capa ‘A Escola de Atenas (Rafael Sanzio, afresco, 1508-1511) Reservados todos os direitos ce publicacao em lingua portuguesa a EDITORA UNIVILLE, Campus Universitario, s/n°~ Bom Retiro ‘CEP 89219.905 - Joinville - SC - Brasil ‘Telefones: (47) 3461-9110 / 3461-9141 - Fax: (47) 3461-9027 ‘e-mail editora@univille br ISBN - 978-85-87977-15-1 Catalogacao na fonte pela Biblioteca Universitaria da Univille Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em P963 aula / organizadoras Léa das Gragas Camargos Anastasiou e Leonit Pessate Alves — 10. ed. ~ Joinville, SC: Editora Univille, 2015, 155 p. 1. Processos de ensinagem. 2. Ensino superior. 3. Organizagdo curricular. 4, Ensino — Aprendizagem. 5. Universidades — Processos de ensinagem. 6. Avaliagao curricular. 7. Professores ~ Educagio continuada. I. Anastasiou, Léa das Gragas Camargos (org.). II. Alves, Leonir Pessate (org.). CPD 370.1523 SUMARIO APRESENTACAO. Terezinha Azerédo Rios INTRODUGAO... ‘Léa das Gracas Camargos Anastasiou ~ Leonir Pessate Alves 1 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM. ai Léa das Gragas Camargos Anastasiow 11 Ensinar... 1.2 Aprender e aprender... 1.3. Processo de ensinagem 14 Processo de ensinagem: 0 movimento necessario 23 1.5. O movimento e o método dialético: breve incursio.... 1.6 As operacées de pensamento. 1.7. Dos passos aos momentos. 18 Na busca de uma sintese posstvel van 40 Referencias 2DA VISAO DE CIENCIA A ORGANIZACAO CURRICULAR... Léa das Gragas Camargos Anastasiow 2A IntrodUcdo....n 2.2 Aciéncia ea organizacao curricular. 2.3. O conhecimento e o saber escolar curricular 24 Oconhecimento ea estrutura globalizante do currieulo 2.5 Planos de ensino e programas de aprendizagem.... 2.6 Da acao docente individual para a compartilhada.. 2.7 Das condicées de trabalho: a atuacao do coletivo docente 28 Da questo da mudanga...... ” Qneees Referéncias 1 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM Léa das Gragas Camargos Anastasiou ea.anastasiou@gmail.com ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM ‘1Para um maior aprofundamento acerca do modelo jesuitico de ensino e sua influencia atual, do Ratio Stutionum e dos passos previstos na agao docente ¢ discente, vide ANASTASIOU, Ldas G. C, Metadotogia do ensino superior: da pratica docente a ‘uma possivel teoria pedagogica. (Curitiba: IBPEX, 1998. 1.1 ENSINAR ‘Um dos elementos bisicos de discussdo da acdo docente refere-se ao ensinar, ao aprender e ao aprender. Essas aces 840 muitas vezes consideradas e executadas como acdes disjuntas, ouvindo-se até de professores afirmagGes do tipo: “eu ensinei, 0 aluno é que nao aprendeu”, Isso decorre da ideia de que ensinar é apresentar ou explicar o contetido numa exposicao, o que a grande maioria dos docentes procura fazer coma maxima habilidade de que dispoe; dai a busca por técnicas de exposigao ou oratoria, como elementos essenciais para a competéncia docente. Historicamente, sabe-se que o modelo jesuttico, presente desde 0 inicio da colonizacio do Brasil pelos portugueses, apresentava em seu manual, Ratio Studiorum ~ datado de 1599! -, os trés passos basicos de uma aula: prelecdo do contetido pelo professor, levantamento de ddividas dos alunos e exercicios para fixagao, cabendo ao aluno a memorizagdo para a prova. Nessa visio de ensino, a aula é 0 espaco em que 0 professor fala, diz, explica o contetido, e compete ao aluno anota- lo para depois memorizé-lo, Dai poder prescindir da presenga do proprio aluno, pois, se ha um colega que copia tudo, basta fotocopiar suas anotagdes e estuda-las, para dar conta dessa maneira de memorizar os contetidos. Nesse caso, mesmo numa situacao que tradicionalmente seja considerada wma boa aula, em geral explicita-se 0 contetido da disciplina com suas definigdes ou sinteses, desconsiderando- se os elementos histéricos e contextuais, muitas vezes tomando suas sinteses tempordrias como definitivas, desconectando- as de afirmacées técnicas das pesquisas cientificas que as originaram. Toma-se, assim, a simples transmissao da informacao como ensino, ¢ 0 professor fica como fonte de saber e torna-se 0 portador e a garantia da verdade. Segundo Not (1993), isso pode provocar uma adocio da estrutura do outro, e quando se fala ao outro utiliza-se até a mesma linguagem, com as mesmas palavras, principalmentena hora da prova. Como afirma Reboul (1982, p. 27): Process de Ensinagent na Universidade -17 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM ( aluno registra palavras ou formulas sem compreendé-las. Repete-as simplesmente para conseguir boas classificacoes ou. para agradarao professor [.];habitua-se acrer que existe uma "lingua do professor” , que tem de aceitar sem a compreender, um pouco como a missaem latim.[..] © verbalismo estende-se atés matematicas; pode-se passar a vida inteira sem saber por que é que se faz um transporte numa operacio; aprendeu-se ‘mas nao se compreendeu; contenta-se em saber aplicar uma f6rmula magica, Nesse processo, ficam excluidas as historicidades, os determinantes, os nexos internos, a rede tedrica, enfim, 0s elementos que possibilitaram aquela sintese obtida; a auséncia dlesses aspectos cientificos, sociais e histéricos deixa os contewdos soltos, fragmentados, com fim em si mesmos. Embora esse tenha sido o modelo que nés, professores atuais, vivenciamos como alunos e com 0 qual conseguimos efetivar sinteses que nos possibilitaram prosseguir em nossa caminhada académica, temos hoje dados de pesquisas que nos permitem um caminhar cientifico relacionado ao quadro tebrico- pratico atual que a Pedagogia coloca a disposicdo. A compreensao do que seja ensinar é um elemento fundamental nesse processo. O verbo ensinar, do latim insignare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para 0 conhecimento. Na realidade da sala de aula, pode ocorrer a compreensio, ou nao, do conteaido pretendido, a adesio, ou nao, a formas de pensamento mais evoluidas, a mobilizacao, ou nao, para outras acées de estudo e de aprendizagem. ‘Como outros verbos de agdo, ensinar contém, em si, duas dimensoes: una utilizagio intencional e unin de resultado, ou seja, a intencdo de ensinar e a efetivacdo dessa meta pretendida, ‘Assim, se eu expliquei um contetido mas o estudante nao se apropriou dele, posso dizer que ensinei ow apenas cumpri uma parte do processo? Mesmo tendo uma sincera intencao de ensinar, se a meta (a apreensdo, a apropriagao do conteado por parte do aluno) nao se efetivou plenamente, como seria necessario ou esperado para prosseguir 0 caminho escolar do aluno, posso dizer que ensinei? Terei cumprido as duas dimensies pretendidas na acdo de ensinar? 18 ~ Processos de Ensinagem wa Universidade 2 Segundo Morin (2005, p. 69- 70), apreender & um processo evolutivo em espiral, no qual 6s termos inato/adquirido se encadeiam, se permutam e se produzem, desenvolvendo a carebralizagao e, por intermédio disso, as compeléncias inatas aptas a adquirir conhecimento, © desenvolvimento das competéncias inatas avanga em paralelo com o desenvolvimento das aptiddes para adquirir, ‘memorizare tratar conhecimento, ‘nam aprimoramento em espiral que nos permite compreender € interferirno processo,0 gual inclu ‘a conjuncao clo reconhecimento & dda descoberta © desenvolvimento cerebral necessita do estimulo do meio para operar e desenvolver-se, situando-se af 0 papel mediador do docente. ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM 1.2 APRENDER E APREENDER Existe também uma diferenca entre aprender e aprender, embora nos dois verbos exista a relacao entre os sujeitos e 0 conhecimento. O aprender, do latim apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Nao se trata de um verbo passivo; para aprender ¢ preciso agit, exercitar-se, informar- se, tomar para si, apropriar-se, entre outros fatores. O verbo aprender, derivado de apreender por sincope, significa tomar conhecimento, reter na meméria mediante estudo, receber a informacdo de... E preciso distinguir quais agdes esto presentes na meta que estabelecemos ao ensinar. Se for apenas receber « informagio de, bastard passi-la por meio da exposicdo oral. Nessa perspectiva, uma boa palestra é 0 suficiente para a transmissio da informacio. No entanto, se nossa meta se refere @ apropriacao do conhecimento pelo aluno, para além do simples repasse da informacao, é preciso se reorganizar, superando o aprender, que tem se resumido em processo de memorizacao, na direcao do aprender, segurar, apropriar, agarrar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender e compreender. Dai a necessidade atual de revisar o “assistir a aulas", pois a acao de apreender nao € passiva®. O agarrar por parte do estudante exige ado constante e consciente: informar- se, exercitar-se, instruir-se. O assistir ou dar aulas precisa ser substituido pela acao conjunta do fazer aulas. Nesse fazer aulas 6 que surgem as necessérias formas de atuacéo do professor com 0 estudante sobre o objeto de estudo e a definicao, escolha € efetivacdo de estratégias diferenciadas que facilitem esse novo fazer. rocessos de Ensinagemt na Universidade ~ 19 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM 1.3 PROCESSO DE ENSINAGEM® Foi diante dessas reflexdes que surgiu o termo ensinagem, usado entao para indicar uma prética social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ado de ensinar quanto a de aprender, em um proceso contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construcao do conhecimento escolar, decorrente de aces efetivadas na sala de aula e fora dela. Trata-se de uma acdo de ensino da qual resulta a aprendizagem do estudante, superando o simples dizer do contetido por parte do professor, pois é sabido que na aula tradicional, que se encerra numa simples exposicao de t6picos, somente ha garantia da citada exposicao, enada se pode afirmar acerca da apreensio do contetido pelo aluno. Nessa superacio da exposicao tradicional como tnica forma de explicitar os contetidos é que se inserem as estratégias de ensinagem. Trabalhando com os conhecimentos estruturados como saber escolar, é fundamental destacar 0 aspecto do saber referente a0 gosto ou sabor, do latim sapere ~ fer gosto. Na ensinagem, processo de ensinar e apreender exige um clima de trabalho tal que se possa saborear conhecimento em questao. O sabor 6 percebido pelos estudantes quando o docente ensina determinada Area que também saboreia, na lida cotidiana profissional e/ou na pesquisa, e a socializa com seus parceiros na sala de aula. Para isso, o saber inclui um saber o qué, um saber como, um saber por qué eum saber para qué. Nese processo, 0 envolvimento dos sujeitos, em sua totalidade, é fundamental. Além do 0 qué e do como, pela ensinagem deve-se possibilitar o pensar, situagao em que cada estudante possa reelaborar as relagées dos contetidos, por meio dos aspectos que se determinam e se condicionam mutuamente, numa a¢io conjunta do professor e dos alunos, com agdes € niveis de responsabilidades proprias e especificas, explicitadas com clareza nas estratégias selecionadas. Assim, propde-se uma unidade dialética processual, na qual o papel condutor do professor e a autoatividade do estudante' se efetivem em dupla mao, num ensino que provoque 20 ~ Process de Ensinagem na Universidade 3 A expresso ensinagem foi inicialmente explicitada no texto de ANASTASIOU, L. das G. CG, resultante da pesquisa de doutorado: Metodotogia do ensino superior: da pratis docente a uma possivel teoria pedagégica. Curitiba: IBPEX, 1098, p, 198-201. Termo adotado para significar uma situagio de ensino da qual necessariamente decorra a aprendizagem, sendo a parceria entre professor e alunos a condicio fundamental para © ‘enfrentamento do conhecimento, necessario a formacao do aluno durante 0 cursar da graduacio. 4A complexidade do aparetho seurocerebal que lspededupla memoria (genética epessoa),exige uso de programas eestratégias programas construidos por uma sequéncia preestabelecida de acdes encadeadas acionadas por um signo ou sinal, ea estrategia produzida durante a aso, capaz de modificar-se conforme os desafios, tendo como predeterminado apenas as suas finalidades (MORIN, 2008, 6971), 5 0s aspectos mobilizagéo para © conecimento, construcio do conhecimento e elaboracio da sintese do conhecimento s80 analisados por VASCONCELOS, . Construgo do conecimento em sala de aula, Sto Paulo: Libertad, 1994, (Cadernos Pedagogicos do Libertad, 2) 6 Contrato didatico: expressio utilizada por Marcos Tarciso Masetto desde 1992 em palestras, indicando o contrato estabelecido ‘entre professor e aluno, no inicio do semestre ou ano curricular, em torno do compromisso que conjuntamente assumem quanto & construgdo do conhecimento, dentro do curriculo que os une. ‘7Uma metodologia na perspectiva dialética entende o homem como tum ser ativo e de relagoes [..] e que conhecimento ¢ construido pelo sujeito na sua relaggo com 0s outros e com @ mundo (VASCONCELOS, 1995). ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM a aprendizagem por meio das tarefas continuas dos sujeitos, de tal forma que o proceso interligue o aluno ao objeto de estudo © 08 coloque frente a frente, Nesse contexto, € fundamental a mediacao docente, que prepara e dirige as atividades eas acdes necessarias e buscadasnas estratégias selecionadas, levando os alunos ao desenvolvimento de processos de mobilizacdo, construcao e elaboracdo da sintese do conhecimento (VASCONCELLOS, 1994)’. Situamos, assim, as estratégias como ferramentas de trabalho, definidas pelos docentes e/ou pelo contrato didatico’, estabelecido no inicio do ano ou semestre, fase, médulo ete. ‘Como a aprendizagem exige a compreensio e apreensio do contetido pelo estudante, é essencial a construgao de um conjunto relacional, de uma rede, de um sistema, em que o novo conhecimento apreendido pelo aluno amplie ou modifique 0 sistema inicial, a cada contato, Quando isso ocorre, a visao sincrética, ca6tica e nao elaborada que o estudante trazia inicialmente pode ser superada ereclaborada numa sintese qualitativamente superior, por meio da andlise via metodologia dialética’, Compreender é apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento; é vé-lo em suas relagdes com outros objetos ou acontecimentos. Os significados constituem, pois, feixes de relagdes que por sua vez se entretecem, se articulam em teias,em redes, construidas social e individualmente, e em permanente estado de atualizagao (MACHADO, 1994, p. 21). O processo de apreensio, de conhecer, esta relacionado com 0 enredar, estabelecendo os nés necessarios entre os fios a serem tecidos. Para dar conta desse “enredamento”, ha que se superar as dificuldades vencendo a simples memorizacao. O estudante tem de ativamente refletir, no sentido de dobrar-se de novo e de novo - tantas vezes quanto seja preciso -, para apropriar-se do quadro te6rico-pratico objetivado pelo professor e pela proposta curricular, em relagdo a realidade visada no proceso de ensino, As aprendizagens nao se dao todas da mesma forma, dependem tanto do sujeito que apreende quanto do abjeto de apreensao, Nao sao, assim, iguais: podemoscitarasaprendizagens ‘Procesos de Ensinagem na Universidade ~ 21. ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM. por imitacao de um modelo, por repeticao, por ensaio e erro ou descoberta (insight, O verdadeiro desafio consiste na construcio mental ou na abstracdo que se efeliva quando, mentalmente, se é capaz de reconstruir 0 objeto apreendido pela concepgio de nogdes & principios, independentemente do modelo ou exemploestudado, associando ideias, enredando e chegandoa deduzir consequéncias pessoais ¢ inéditas, por meio de uma ago, ow uma praxis, que no dizer de Vasconcellos (1994) pode ser predominantemente motora, reflexiva e/ou perceptiva, Existe uma relacao entre 0 proceso de apreensdo ¢ © tipo de contetido trabathado; Zabala (1998) diferencia na aprendizagem as caracteristicas de quatro tipos de contetidos: * os contetidos factuais: conhecimentos de fatos, acontecimentos, situacdes, fendmenos concretos € singulares, as vezes menosprezados, mas indispensaveis,e cuja aprendizagem é verificada pela reproducio literal; 0s contetidos procedimentais: conjunto de aces ordenadas e com um fim, incluindo regras, técnicas, métodos, destrezas e habilidades, estratégias e procedimentos, verificados pela realizagao das agdes dominadas pela exercitag’o miiltipla e tornados conscientes pela reflexao sobre a propria atividade; os contetidos atitudinais: podem ser agrupados em valores, atitudes e normas, verificados por sua interiorizagao e aceitacdo, o que implica conhecimento, avaliacao, anilise e elaboracao; + ea aprendizagem deconceitos (conjunto de fatos, objetos ou simbolos) principios (leis e regras que se produzem num fato, objeto ou situagao): possibilita elaboracao construcao pessoal, nas interpretacdes e transferéncias para novas situagdes. Cada uma dessas aprendizagens exige rotina, pois nao ocorrerao de forma espontaneista ou magica, além de exigir, em virtude da intencionalidade e da busca do éxito contidas na ensinagem, a escolha e a execugao de uma metodologia que se operacionaliza nas estratégias selecionadas, adequada aos objetivos, aos contetidos do objeto de ensino e principalmente aos estudantes. 22 —Processs de Ensinagem na Universidade 8 Ratio Atque Institutio Shudiorarn Societets Jesu, ou Ratio Sturiorum, €o nome do manual quecontinha asnormas utilizadas nos colégios jesuitas, cuja primeira edicio data de 1599, e que representa 0 resultado de estucos iniciadosem 1564, Vide ANASTASIOU, L das G.C,, 1998, p. 96-97. ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM Compete ao professor planejar e conduzir esse proceso continuo de agées que possibilitem aos estudantes, inclusive aos que tém maiores dificuldades, ir construindo, agarrando, apreendendo o quadro te6rico-pratico pretendido, em momentos sequenciais e de complexidade erescente. Ecabe aqui um destaque sobre a aco docente individual e coletiva: temos constatado nas instituigées onde atuamos um avanco significativo quando ocorre uma acdo docente compartilhada no planejamento ¢ na conducaio do proceso continuo citado. Pontuamos a importancia de retomar a acdo do corpo docente do curso, ago articulada propria a qualquer corpo com seus componentes, num funcionamento harmonioso. O desafio de superar a grade curricular na direc de processos, integrados entre os saberes pode funcionar como elo que possibilita e favorece a necessaria articulacao das atividades que interligam os saberes, Essas atividades de ensino e de aprendizagem deveraio atender as caracteristicas do Projeto Politico-Pedagégico do curso, que se reflete na area de estudo com seu contetido (seja factual, conceitual, procedimental, atitudinal) e, principalmente, nas caracteristicas dos sujeitos do processo. Podem ser estratégias realizadas individual ou coletivamente e propostas paraa sala de aula ou outros espacos onde co-habitem tanto o dizer da ciéncia por intermédio ou nao do dizer do professor quanto a leitura da (eaacao sobre a) realidade, da qual o universitario, como futuro profissional, tera de dar conta, além dos recursos ambientais, teenolégicos, sociais, culturais ete. 1.4 PROCESSO DE ENSINAGEM: O MOVIMENTO NECESSARIO Para entender o movimento do pensamento, éimportante retomar os elementos da metodologia tradicional. Como a inteligéncia era associada 4 memorizacdo, o trabalho docente dirigia-se a explanagao do contetido e a manutencao da atencao do aluno. A exposicao era o centro do processo, acompanhado da anotacao e memorizacdo: a estratégia predominante era a da aula expositiva tradicional. No manual Ratio Studiorumt, ja citado, encontramos explicitadas as formas de ensinar as diferentes Processus de Ensinagen ra Universidade - 23 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM disciplinas do curriculo jesuitico, os passos a seguir, registro do que era explicado e realizacao de exercicios pelos alunos, bem como 0 exame que conferia os resultados, como a énfase do proceso. Encontramos também em Herbart (1820 apud SAVIANI, 1982) a definicao de passos didaticos a serem seguidos pelo docente para o ensino; so eles: preparacao, aplicacao, generalizagio, simbolizacio, abstracio. Essas duas propostas citadas revelam a ideia de que © processo de ensino deveria se estruturar em passos a serem seguidos, visando ao aleance do conceito final, ou simbolo a ser abstraido. Esse simbolo, apés memorizado pelo aluno, era verificado na hora da prova. O movimento pretendido era o de encaminhamento do estudante na direcdo de acdes que garantissem a aprendizagem, tal como era vista na época. Pela proposta atual, no processo de ensinagem a acio de ensinar esta diretamente relacionada & acéo de aprender, tendo como meta a apropriacao tanto do conteitdo quanto do processo. As orientagdes pedagégicas nao se referem mais a passos a serem seguidos, mas a momentos a seremt construidos pelos sujeitos em agao, respeitando sempre o movimento do pensamento. Diferentemente dos pasos, que devem acontecer um apés 0 outro, 5 momentos nao ocorrem de forma estanque, fazendo parte do processo de pensamento. 1.5 O MOVIMENTO E O METODO DIALETICO: BREVE INCURSAO Adiscussao acerca do movimento” existente na natureza €, por consequéncia, no préprio pensar humano precisa considerar uma diferenciacao na légica que vem fundamentando historicamente a ciéncia e o seu avango. Se a ciéncia é buscada e explicitada por uma teoria filoséfica e seo conhecimento gerado deriva dela, é preciso ter clara essa légica. Ela vai fundamentar e direcionar 0 contetido que por sua vez vai interferir na organizacao ou na forma de apropriagao do conhecimento. Estamos considerando, entao, quea visio do conhecimento resultante dessa légica ~ formal ou dialética - gera um 24 ~ Prcessos de Ensinagem na Universidade 9" Omovimento que criaomundo do pensamento € 0 mesmo que abre o pensamento ao mundo” (MORIN, 2005, p. 77). ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM posicionamento do professor quer como investigador, quer como docente, principalmente se nao houver uma clara consciéncia daquele elemento, Nao nosso objetive aqui aprofundaroestudo da légica, mas verificamos que 0s filésofos gregos formularam certo mimero de regras universais, que o pensamento devia seguir em todas as circunstancias, para evitar 0 erro. O conjunto dessas regras recebeu onome de logica. A logica tem por objeto o estudo dos principios e regras que o pensamento deve seguir na pesquisa da verdade. Esses princfpios e regras nao derivam da fantasia. Originam-se do contrato permanente do homem “légico", que Iheensinou que nao pode fazer o que bem entenda (POLITZER, 1970, p. 35). © autor segue explicitando as trés principais regras da logica tradicional, também chamada de l6gica formal, quais, sejam: o prinefpio de identidade, o de nao contradicio e o do terceiro excluido, Que visdo do conhecimento seria decorrente dessas caracteristicas? De acordo com Vieira Pinto (1979, p. 44), a légica formal ao excluir as contradigdes como um equivoco do pensamento, a ser repelido a todo custo, condena-se a sera lgica da superficie da realidade, da imobilidade das coisas, da intemporalidade dos fendmenos, Nao ¢ preciso esforco para se ver que essa concepcio restritiva e unilateral significa falsear a objetividade, pois o mundo oferece uma dimensao infinita de profundidade, est em constante mobilidade e todos os fatos que nele ocorrem acham-se situados no tempo fisico ou no tempo [..] podemos compreender que a légica formal, sem ser falsa em sentido absoluto, é umaatitude que apreende parcialmente a realidade efetiva dos processos objetivos, submetendo-os a condicdes restritivas, nao aceitando a totalidade dos elementos cognoscitivos que constituem seu contetido, e impondo-lhes distorgdes, que os desfiguram. Assim supde a impossibilidade de pensar a mobilidade das coisas em sua esséncia, porque essa parecer entao “contraditdria segundo os principios abstratos previamente decretados validos incondicionalmente”[...; a logica formal nao pode romper o circulo por ela mesma criado porque nao tem poder para explicar a totalidade do conhecimento, Process de Ensinagen na Universidade ~25 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM. Segundo esse autor, acrise da légica formal como tinica logica possivel para explicar a estrutura do raciocinio se deu nao somente pelo progresso da filosofia, mas também pelo proprio desenvolvimento da ciéncia que, incluindo conceitos de transformacao, de organizacao crescente e a ideia de tempo, exigiu a construcéio de novos conceitos que extrapolaram a area da logica tradicional. Os modelos formais revelaram-se insuficientes, ¢ estabeleceu-se a crise: crise, realmente, s6 havia uma, a da logica formal, até entao utilizada com o carater de nica espécie de lgica. Mas na verdade essa crise era ada filosofia metafisica, agora solicitada a atender a exigencias superiores aos seus poderes"° (VIEIRA PINTO, 1979, p. 176) O autor levanta trés circunstancias que impuseram a passagem do procedimento formal de raciocinio parao dialético: a penetracao da explicacao cientifica na intimidade dos processos naturais, objetivos ou subjetivos; a necessidade da superacdo da referéncia aos objetos, transformacdes e velocidades em escala humana ea visdio desarmada ow apenas servida de meios instrumentais primarios devidos aos avancos tecnolégicos; e ao fato de a légica dialética ser aquela indispensavel para a compreensao dos acontecimentos em que o homem 6 simultaneamente investigador e um dos elementos do problema investigado (p. 176-196). 'No entanto Vieira Pinto ressalta a importancia de percebermos que o que tem de ser dialeticamente percebido, compreendido eanalisado deve ser formalmente explicitado, pois a explicitagao, tanto oral quanto escrita, se encontra submetida a regras da linguagem criadas formalmente pelo homem, Isso quer dizer que a apreensao que o professor/pesquisador faz de seu objeto de estudo, considerando os elementos do movimento, contradicao, alteracao qualitativa e outros, é dialética. Nesse caso, busca-se a esséncia do objeto, por intermédio de suas determinagdes: aquelas que tornam 0 objeto assim como ele 6, Todavia, ao organizar e registrar a sintese alcangada para fins de explicitacao, utilizam-se as regras da légica formal, Nos enunciados, nos textos orais ou escritos apresentados ao 10 A ideia de crise nas cidneias resultante de novos paradigmas ~ e que voltaremos a retomar a0 longo desse trabalho - & também. analisada por KHUN, na obra A estructura das revolucies cientificas. ‘Sao Paulo: Perspectiva, 1994, 26 - Processos de Ensinagem na Universidade ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM 11 Segundo Vieira Pinto (1979, p.181),al6gica formal foisoberana, ‘enquanto a fisica, no periodo ‘issico, se ocupavadadescoberta das propriedades superficiais, simples e gerais da matéria, dos fendmenos diretamente acessiveis, embora mesmo nesse nivel se manifestassem jaalgumas inquietantes imperfeigoes ¢ discrepancias. Com 0 progresso da fisica, pensamento cientifico ‘obriga-se cada vex maisa proceder a explicacao dos fendmenos relacionados diretamente com a estrutura intima da materia, abrangendo campos da realidade {quendo se deixam dominar pelas relagies classicas da causalidade formal, universitério, procedera a uma organizacao deliberada do material a ser apreendido, nao deixando de explicitar, pela formalidade da linguagem, os elementos do crescimento espiral, hist6rico e contextualizado, das descobertas da pr6pria pesquisa ou da pesquisa de outros. Pontuamos que a logica formal representa uma sintese importante que possibilita a organizacao e a explicitagao do conhecimento obtido em cada momento histérico, oferecendo ferramentas essenciais para o trabalho docente. Nesse trabalho, 0 método de ensino atua sobre (e com) 0 conhecimento a ser apreendido pelas novas geracoes e, no caso da universidade, pesquisado por cientistas/professores. Quando a logica que fundamenta a visdo do ensinar é a formal”, baseada nos princfpios de identidade e de negacao, os conceitos sao tomados como contetidos mentais a serem assimilados pelos alunos e elaborados a partir de experiéncias chamadas concretas. Ainda sob essa légica, para possuir um conceito a pessoa deve ser capaz de atribuir-Ihe um signo e de dar-Ihe um sentido, dat aimportancia das experiéncias chamadas concretas. Para isso, seguem-se as etapas de introducao, generalizagio, abstracao e simbolizagao dos conceitos. Se o estudante é capaz de chegar ao simbolo e por intermédio dele conceituar o objeto estudado, considera-se que ele aprendeu o coneeito. Se o professor subsidiar sua acdo docente apenas nessa logica, organizara situagbes de apresentagio do conhecimento, geralmente, em aula expositiva, mas quando tem a visio da necessidade das outras etapas organiza atividades com as quais © aluno possa generalizar, diferenciar, abstrair simbolizar os conceitos trabalhados. Quando, pela avaliacdo, o estudante demonstra que aprendeu oconceito ensinado, 0 professor considera que ja realizou © seu papel de “ensinante” e passa a dizer o novo contetido do programa, Nesse tipo de relacdo de ensino, 0 que se requer do aluno 6 0 aprendizado do conceito enunciado geralmente por meio de memorizaco. Isso, normalmente, propicia ao aluno 0 resultado necessério para sua aprovagao na disciplina, no ano e no curso, porém nao garante o “apropriar-se”, ‘A proposta é que, onde a légica formal propde a verificago do dominio do contetido, qual seja, no simbolo, se Processes de Ensinage a Unioersidade -27 ENGINAR, APREN JER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM continue a caminhada em diregao a construcéo daquilo que chama de o concreto pensado, isto é, a possibilidade de o estudante reproduzir no pensamento € pelo pensamento 0s contetidos trabalhados, de forma relacional. Nas palavras de Wachowicz (1992, p. 68): Aquilo que se convencionou chamar de cognigio, enquanto possibilidade de expressar em simbolos contetidos mentais apreendidos, nao termina depois de formadaa abstracio desse mesmo contetido, mas inicia-se justamente ai, na abstracao. Incorporando as operagies realizadas, a cognicao se realiza ‘quando supera o isolamento em que se definem os conceitos, pondo-os em relacdo uns com os outros, de modo acomporem estruturas teéricas, essas sim, explicativas da realidade. Aorelacionar leis e principios, supera-se 0 isolamento dos conceitos dando ao pensamento o espaco de ago significativa. Esse método de ensino, fundamentado na l6gica dialética, considera que a realidade nao pode ser diretamente apreendida pelo sujeito, sendo imprescindivel que ela seja apreendida pelo pensamento e no pensamento, portanto, tendo a reflexdo como condic&o basica. Isso vem responder a muitos anseios dos professores, os quais, constantemente, denunciam que “os alunos nao sabem ou tém dificuldade em pensar, em raciocinar”. A logica dialética considera que, além dos principios de identidade e negacao, na base do processo de construgao do conhecimento estao os principios de movimento, contradigao, existéncia de uma visio inicial e sinerética trazida pelo estudante e de uma possibilidade de anélise intencional e sistemética, visando a construcao de sinteses, sempre provisorias, a serem efetivadas no processo do pensar humano, em agio conjunta de alunos e professores. Portanto, o processo de reflexao mediatiza a apreensao da realidade, devendo-se considerar que o momento de chegada a0 simbolo, etapa final do ensino baseado na légica formal, se torna ponto intermediario do processo de apreenstio pela logica dialética Enecessario realizar todo um “caminho de volta”, do simbolo ao ser confrontado com a realidade para a teoria existente. Assim: © trabalho da educagao escolar, no cotidiano da sala de aula, é um trabalho de reflexao pelo qual o pensamento dos alunos e professores vem a apossar-se do significado da 28 ~ Processos de Ensinagem na Universidade 12 Segundo Morin (2005, p. 58), “conhecer é realizar aperacbes de que conjunto constitui tradugio/construgdo/solucao. Emoutraspalavras,oconhecimento é necessariamente: + tradugao em simbolos/signos ¢ ‘em sistemas de signos/simbolos (depois, com os desenvolvimentos cerebrais, em representacdes, ideias e teorias..); + construgio, ou seja, traducto construtora.a partirde principios/ regras ( programas’) quepermitem constituir sistemas cognitivos articulando informacées/ signos/ simbolos; + solucao de problemas, a comecar pelo problema cognitive da adequacdo da construcao tradutora a realidade que se trata de conhecer. Isso significa que 0 conhecimento nao saberia refletir diretamente o real, s6 podendo traduzi-lo e reconstrui-lo em outta realidacdle” ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM realidade concreta, retomando-a a partir do abstrato, que 60 conhecimento existente, Nao se despreza 0 proceso de formacao de conceitos, tal como € visto na logica formal. Apenas se considera que esse, ao atingir a simbolizacao, € a pré-partida para a cognigao (WACHOWICZ, 1992, p. 71). Uma visdo estritamente formal do conhecimento e de sua transmissao como necessaria e suficiente, portanto uma visdo reducionista, leva, segundo Limoeiro (1988, p. 115-118), a diversas consequéncias, entre as quais destacamos: * a pretensao de atingir verdades absolutas e perfeitas, uma vez que do ponto de vista formal uma afirmacao ou éabsolutamente verdadeira ou falsa; oscilacao entre o dogmatismo e a negacdo igualmente absoluta de uma verdade; heterogeneidade substancial entre 0 desconhecido eo conhecido, como se 0 pensamento fosse uma substancia: © pensamento nao é algo, mas pensamento de algo [..1, © conhecido nao é0 objeto que se toma pensamento mediante um ato magico, mas 0 objeto desconhecido, que estava a margem do pensamento, que se toma objeto conhecido através da acdo do sujeito sobre ele (LIMOEIRO, 1971, p. 4), Esses elementos conduzema um posicionamento acerca da visio de conhecimento da qual decorre uma acao diferenciada no processo ensino-aprendizagem. Se os elementos da légica formal devem ser superados pelas contribuicgdes da légica dialética, por incorporacdo e nao por rejeicdo, também o serao na construcio da didatica necessaria em sala de aula, hoje, na universidade, Nao se pode desconsiderar a acdo docente existente, a qual dever ser tomada como ponto de partida para a construcao da didatica necessaria, Esta incluira outras agdes docentes além do dizer 0 contetido como sinico determinante do ensinar, ¢ a cépia desse mesmo contetido do aluno como tinico determinante do aprender. Se 0 objeto que estava a margem deve ser colocado no pensamento pela acdo do sujeito sobre ele”, tanto as agdes docentes quanto a do aluno, como sujeito aprendiz, deverao Processus de Ensinagem wa Universade - 29) ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM _ ser deliberadamente planejadas e propostas pelo professor, responsdvel pelo processo de ensinagem. E, assim, 0 estudo das estratégias tem um novo lugar, um novo espaco na docéncia universitéria, no florescimento das possibilidades dos alunos, pois, conforme Chaui (1995, p. 203), a dialética € a tinica maneira pela qual podemos alcancar a realidade ea verdade como movimento interno da contradicio [-J. A contradicio dialética nos revela um sujeito que surge, se manifesta e se transforma gracas a contradicao de seus predicados, tornando-se outro do que ele era, pela negacao interna de seus predicados. Em lugar de a contradicao ser 0 que destr6i o sujeito (como julgavam todos os filosofos), ela é o que movimenta e transforma o sujeito, fazendo sintese ativa de todos os predicados postos e negados por ele. Essa perspectiva exige o desenvolvimento do método dialético"* de abordagem do contetdo e dos aspectos da cognigao que o fundamentam, Na dialética, o pensamento passa necessariamente por uma afirmaco ou tese inicial, a construcao de sua contradicéo, ou antitese dela, para se chegar a uma sintese. Sem a pretensao de desenvolver aqui o método dialético, pontuamos que aos momentos de tese, antitese e sintese podem- se associar os momentos processuais do pensamento do aluno. Quando 0 estudante se confronta com um tépico de estudo, 0 professor pode esperar que ele apresente, a respeito do assunto, apenas uma visdo inicial, ca6tica, nao elaborada ou sincrética, e que se encontra em niveis diferenciados entre os alunos, Com a vivéncia de sistemsticos processos de anilise a respeito do objeto de estudo, passa a reconstruir essa visao inicial, que ¢ superada por uma nova visao, ou seja, uma sintese. Asintese, embora seja qualitativamente superior a visio sincrética inicial, é sempre provis6ria, pois 0 pensamento esté em constante movimento e, consequentemente, em constante alteragao. Quanto mais situagbes de andlises forem experienciadas, maiores chances 0 aluno teré de construir sinteses mais elaboradas. O caminho da sincrese para a sintese, qualitativamente superior, via andlise, € operacionalizado nas diferentes estratégias que 0 professor organiza, visando sistematizar o saber escolar. E um caminho que se processa no pensamento e pelo pensamento do estudante, sob a orientagao e o acompanhamento do professor, possibilitando conereto pensado. 30 ~ Process de Ensinagen na Uncesidade IBA respeito domeétodo dialético, vide KONDER. O que é dialética Sao Paulo: Brasiliense, 1984; POLITZER Princpiosfandamentais de ilosofa, Porto: Bditora do Porto, 1970; KOSIK. Dialética do concrete. Rio de Janeiro: Pav e Terra, 1976. 14 Refletir: dobrar-se, rever, retomar... tantas vezes quanto ecessario a compreensio ¢ a0 cenredamento pretendido, 15 RATHS et al. Ensinar a pensar. ‘So Paulo: EPU, 1977. ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM Enquanto no método tradicional os passes visavam & chegada ao simbolo, via memorizacao, dando entao grande énfase a aula expositiva e aos exercicios de repeticao, ou aos famosos questionarios pontualmente corrigidos e decorados, na visio da metodologia dialética nao se pretende simplesmente chegar ai, ao simbolo. Segundo Wachowicz (1992, p. 68), a cognicao, enquanto possibilidade de expressar em simbolos os contetidos mentais apreendicos, nao termina apés formada a abstracao desse mesmo contetido, mas inicia-se ustamente af, na abstragio. Incorporando as operacbes realizadas, a cogniciio se realiza quando superao isolamento em que se definem os conceites, pondo-os em relagao uns com os outros, de modo acomporem estruturas teéricas, esas sim, explicativas da realidade [grifos nossos}. Esse isolamento é superado, entao, no pensamento e pelo pensamento do aluno, por meio das relacdes que o estudante constr6i, com a mediacao da acdo docente. Ou seja, uma visio de totalidade crescente, de rede, vai sendo progressivamente construfda. Existe a necessidade de se continuar 0 caminho iniciado pela construcao e elaboragao da sintese, por meio de um. refletit™ sistematico, numa aco conjunta de alunose professores, sobre 0 contetido, seja ele predominantemente procedimental, factual, atitudinal ou conceitual. O proceso de reflexao sistematica mediatiza a apreensao da realidade, devendo se considerar que o momento de chegada ao simbolo, proposto por Herbart (1820 apud SAVIANI, 1982) ‘como passo final no ensino tradicional, se torna 0 momento intermediario do processo de apreensio via dialética: énecessirio realizar todo um “caminho de volta”, do simbolo pela realidade e para a teoria existente, 1.6 AS OPERACOES DE PENSAMENTO ‘Ao trabalhar dialeticamente com 0 conhecimento, sistematizando processos de pensamento, colocam-se em acao diferentes operagées encadeadas e em crescente complexidade. Num estuclo sobre operagbes de pensamento, encontra-se"* o pensar ‘como forma de perguntar pelos fatos, estudando-os em diego Proceso de Ensinagen na Universidade ~ 31 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM_ 0s objetivos, havendo assim um carter intencional. Ou seja, a0 selecionar as acdes contidas em diferentes estratégias, o programa de aprendizagem" propde ao aluno o exercicio de processos mentais de complexidade variada e crescente a observacio, & comparacao, a tomada de decisdes, a inferéncias como operacdes mentais, racionais, de julgamento, conclusio e decisio. Os autores nos apresentam uma série de operacdes possiveis ao pensar, que aqui registramos para nossa reflexo, perguntando-nos: se 0 quadro tedrico € complexo e exige pensamento complexo do estudante, poderei excluir dos processos de ensinagem na sala de aula essa mesma complexidade"”? Em que medida a complexidade prépria do saber proposto no curriculo esta intencionalmente inclufda nos objetivos e efetivada nas estratégias vividas com os alunos? © quadro na pagina seguinte nos auxilia na resposta a essas questes. Quando nos debrugamos sobre qualquer aprendizado, para além da simples memorizacdo, todos nés efetivamos varias dessas operagdes de pensamento. Mas muitas vezes, até por desconhecimento, nao refletimos sobre os desafios contidos nas diversas atividades propostas aos alunos. Se tivermos a clareza da complexidade delas e a intencionalidade de desafiarmos progressivamente nossos alunos na direcdo da construcao do pensamento cada vez mais complexo, integrativo, flexibilizado, sera impossivel prever até onde chegaremos nos processos de ensinagem. Essas operacées estao também presentes nas acdes que operacionalizamos com os estudantes, nos trés momentos propostos na metodologia dialética: mobilizagao, construgao e elaboracdo da sintese do conhecimento, visando ao conhecimento da visao inicial ou sincrética, a efetivacao da andlise ea busca de uma sintese qualitativamente superior. Seaoanalisar os objetivosdos programas de aprendizagem considerarmos esses trés momentos, estaremos contando com mais um suporte auxiliar na definicao das estratégias facilitadoras e desafiadoras do pensar e do consequente apropriar ou agarrar 0 contetido pelos estudantes. Raths ef al. (1977) destacam os comportamentos que dificultam 0 pensar; citam a impulsividade, a excessiva dependéncia em relacdo ao professor, a incapacidade para 32 - Processos de Ensinagens na Universidade 16 Programa de aprendizagem documento em que se registra © contrato didatico pretendido para uma etapa do curso a ser construida pelos professores alunos. Busca a superacao aos antigos Planos de Ensino, em {que havia toda uma centralizagio descritiva no contetido e no que ‘9 professor faria para ensinar. Diferentemente deles, 0 foco fica na aprendizagem do aluno, para ‘a qual sio dirigidas a anilise do processo,adefinicaodos objetivos, a organizacao dos conteidos, a escolha metodologica para mobilizar, construir e elaborar a sintese eavaliarasaprendizagens efetivadas, Sua questio central & que objetivos, organizacao de contetidos e metodologia so necessarios para o aluno apreender, apropriar-se ou “agarrar” as relagies, as leis € 08 principios essenciais desse programa? 17 Complexidade: vide MORIN, Edgar. Ciencia con consciencia, Barcelona: Anthropos, Editorial Del Hombre, 1994, que conceitua ‘© complexo como aquilo que tecido junto, ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM PERAGAODE' | CONCEITO/ RELAGOES ‘Examinar dois ou mais objetos ou processos com intenglo de identficar relagBes matuas, Comparacio | pontos de acordo e desacordo, Supera a simples recordacao, enquanto acao de maior ‘envolvimento do aluno. Busan “Apresentar de forma condensada a substancia do que foi apreciado, Pode ser combinado com a comparacio. Presiar alengio em algo, anotando cuidadosamente. Examinar minaciosamente, olhar’ ‘com atengio, estudar. Soba ideia de observar existe o procurar, identificar, notar e Observacio pperceber. E uma forma de descobrir informacio. Compartilhada, amplia 0 processo discriminativo. Exige objetivos definidos, podendo ser anotada, esquematizada, resumida e comparada. ice Colocar em grupos, conforme princfpios, dando ordem a existéncia, Exige andlise © eee sintese, por conelusies_préprias, Processo de atribuir ou negar sentido a experiéncia, exigindo argumentagio para videcpeciati defender 0 ponto proposto. Exige respeito aos dados e atribuicao de importancia, causalidade, validade e representatividade. Pode levar a uma descricéo inicial para depois haver uma interpretagao do significado percebido. cae Bietivar julgamento, analise e avaliacio, realizando o exame eritico das qualidade, dos defeitos, cas limitagdes. Segue referéncia a um padsio ou critério, Finca de Supor é aceitar algo sem discussio, podendo ser verdadeiro ou falso. Temos de supor suposigées | 8 confirmacio nos fatos. Apos exame cuidadoso, pode-se verifcar quais as suposigdes decisivas,o que exige discriminagSo. Imaginar ¢ ter alguma ideia sobre algo que nao esta presente, percebendo mentalmente © hiegiaasis que nio foi totalmente percebidlo. E uma forma de criatividade, liberta dos fatos e da tealidade. Vai além da realidade, dos fatos e da experiéncia, Socializar 0 imaginado introduz.flexibilidade as formas de pensamento, ‘Obter © organizar dados é a base de um trabalho independente; exige objelivos daros, Obtencio e anilise de pistas, plano de agio, definicao de tarefas-chave, definicdo e selegio de organizacao _|respostase de tratamento delas, organizacio e apresentacio do material coletado. Requer dos dados identificasio, comparacao, analise, sintese, resumo, observagao, classificacao, interpretacdo, critica, suposigoes, imaginacao, entre outros Propor algo apresentado como possivel solucao para um problema, Forma de fazer algo, Levantamento de | esforco para explicar como algo atua, sendo guia para tentar solugao de um problema hipéteses Proposicio provisoria ou palpite com verificacdo intelectual e inicial da ideia. As |hipéteses constituem interessante desafio ao pensar do aluno. ‘Apticagio de fate solucionar problemas e desafios,aplicando aprendizados anteriores, wsando a Principios anovas |" capacidade de tanafrencae, aplicagoese gneralizagbes ao problema nove ‘Agia partir de valores aceitos e adotados na escolha, possibilitando a andlise © consciéncia deles. A escolha ¢ facilitada quando hé comparagio, observacio, ‘imaginacio e ajuizamento, por exemplo. Projetar€ Iancar ideias,intengdes, utilizando-se de esquema preliminar, plano, grupo, Planejamento | _,“efinicdo de tarefas, etapas, divisio e integragdo de trabalho, questio ou problema, Meats identificagéo das questdes norteadoras, definicéo de abrangencia, de fontes, definicao de eressuiea instrumentos de coleta dos datios, validacao de dados e respostas, etapas e cronograma. Pesamiene Requer assim identificagao, comparacdo, resumo, observacao, interpretagao, busca de suposigdes, aplicacdo de principios, decisio, imaginagSo e critica. RATHS ef al. Ensinar a pensar, Sio Paulo: EPU, 1977. Processos de Ensinage Universidade - 33 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM concentrar-se, a incapacidade para ver o significado, os processos de rigidez e inflexibilidade de comportamento, além da falta de disposigao para pensar. Sao elementos que interferem nas novas formas de ‘organizar 0 processo de ensinagem. As resisténcias nao estao presentes apenas nas instituig6es, na organizacao curriculareem nés, docentes; para 0 estudante, também se constitui novidade ter de alterar a forma memorizativa e a passividade do assistir a aulas, extremamente mais simples que desafio de realizar as operagdes mentais citadas no quadro. No entanto a acdo do estudante se efetivara a partir do direcionamento dado pelos professores ao processo, com a escolha e efetivacdo de diferentes estratégias, constituindo-se como responsabilidade coletiva. Essa escolha deve e pode ser objeto de reflexdo na discussao do contrato de trabalho, no inicio do ano ou semestre letivo. Conhecer os comportamentos que dificultam os processos de pensamento mais complexos também deve ser objeto de cuidado por parte dos docentes. Pontuamos que um dos grandes desafios do professor universitario 6 0 de selecionar, a partir do campo cientifico em que atua, os contetidos, os conceitos e as relagdes; em outras palavras, a rede pretendida, composta por elementos a serem apreendidos. Esse desafio se amplia quando atuamos coletivamente no corpo docente do curso. No entanto, depois que se definem os eixos que interligam os saberes ao perfil profissiogréfico pretendido no Projet Politico-Pedagégico do curso, organizando-os em Areas, médulos e/ou atividades, 0 avango na definicao dos elementos essenciais da rede curricular fica facilitado. Esse desafio, além das consideragGes jé tecidas sobre as exigéncias dos processos de pensamento, também se dé em virtude da complexidade, heterogeneidade, singularidade e flexibilidade do conhecimento produzido e em producao, uma vez que a ciéncia est4 em constante construcao. Apés essas escolhas, que direcionam o processo proposto, tendo como referéncia a metodologia dialética, 0 professor define as estratégias, Varios estudiosos" tém prestado sua colaboracao, a0 tratar dos elementos que possibilitam uma relacdo diferenciada entre professores, estudantes e conhecimento em sala de aula; 34 ~ Processos de Ensinagem na Universidade 18 A esse respeito vide, entre outros, WACHOWICZ, L. A. © método dialético na didatica Campinas: Papirus, 1989; DANILOV, M. e SKATIN, M Didéctica de fa escuela média Havana: Pueblo y Educacién, 1985; ANASTASIOU, L. das G. C; PIMENTA, S. G. Docéncia no ensino superior. v. 1, S80 Paulo: Cortez, 2002; LIBANEO, J. C. Fundamentos praticos e teéricas do trabalho docente: um estudo introdutério sobre pedagogia € didatica, Tese de doutorado, PUCSP, 1990; VASCONCELLOS, C.S.Construcio do conecimentoem sala de aula. S30 Paulo Libertad, 1994; SAVIANI, D. Escola ¢ democracia. S40 Paulo: Cortez, 1982 ENSINAR, APRENDER, APREENDER E PROCESSOS DE ENSINAGEM em comum, apresentam a proposta de uma relagdo em que a visao de ciéncia se situa para além da de modernidade (que fragmenta e separa as dreas), buscando uma visdo relacional, com maior flexibilidade, mobilidade ecomplexidade, para queas apropriacdes nao sejam estaticas e sim dinamicas, possibilitando revisdes tedricas e alteracées dos quadros ou paradigmas existentes, Daiaimportancia de respeitare encaminhar o pensamento ‘de um movimento da sincrese (como visio inicial, nao elaborada ‘ou até ca6tica que se tenha do objeto de estudo) na diregao de uma sintese cada vez mais elaborada desse mesmo objeto pela anilise. E essencial o processo de andlise realizado em aula com ‘a mediacao do professor, que deliberadamente planeja, propde € coordena estratégias compostas por suas agdes e dos alunos, visando a superagao da visao sincrética inicial por percepcoes, visdes € acdes cada vez mais elaboradas. Isso requer, por parte dos estudantes, um processo de apropriacao ativa e consciente dos conhecimentos, dos fundamentos das ciéncias e de sua aplicagio pratica, Por isso, a. agao de ensinar nao pode se limitar a simples exposicaio dos contetidos, incluindo necessariamente um resultado bem-sucedido daquilo que se pretende fazer, no caso a apropriagao do objeto de estudo. No processo de ensinagem, os conhecimentos sao tomados como parte de um quadro tebrico-pratico global de uma area. Contém uma determinada légica que leva a uma forma especifica de percepeao, pensamento, assimilacio e agio. Ao apreeider-se um contetido, apreende-se também determinada {forma de pensar e de elabarar esse contetido, motivo pelo qual cada ‘rea exige formas de ensinar e de apreender especificas, que explicitem e sistematizem as respectivas logicas. Nesse caso, as estratégias devem ser selecionadas dentro desse contexto. O sabor do saber esta contido na forma de assimilacdo ese encontra ligado as disposicbes, as experiéncias e as identidades, que precisam ser captadas pelo docente, pois 0 sabor, para ser obtido durante o fazer, exige uma série de esforcos: misturas e temperos adequados, tempo de cozimento, chegar-se ao ponto, cuidados, dosagem... Aqui, entra a escolha das estratégias, sendo tomadas como verdadeira atividade artistica, e exigem do Procesos de Ensinagen na Universidade ~ 35

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