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Reseaha Ree eee oe Pe Maria BLeNs BERNARDES Mestre ¢ doutera em Histéna pelo IFCH-Unicamp joi com muita erudieao que Jerusa P. Ferreim percorreu e cruzou diversificadas fontes para oferecer ao leitor quase du- ventas priginas no seu Arenadilhas di quais, como ola mesma anuncia, o tema mem6. Meriria, nas ria Gapresentado em seus clesafios, comstrugio & na cultura, na literatura ¢ naarte, impasse, 8 O sesultado ¢ um instigante € prazeroso livto, A autora recorreu ao trabalho do pin tor italiano Zoran Music; aos textos das poe: las Ossip Mandelstam, da Rissia; do sertane jo, Anténio Brasileiro: do eseritor albanés, Ismail Kadaré ¢ de semioticista € hi da arte, Juri Lotman, também russe: além dos trés contos de sua autoria, publicados num Ti ro com 6 mesmo titulo, editada, em 1991, pela Casa de Palavras, da Pundagio Casa de tormdor Jorge Amado. Olivro esi meira, Ferreira langou mio dos livros Caranfede Anténio Brasiletro; os de Mandelstam, Rurror da Tempo e Viggene a Armenia co de Kadaré, As F «as Flores de Abril, Langou mao-ainda de uma cole inca de-trabalhos de Latman, Univers of the Minds edo Catilogo Zoran Mase, nimero especial de snanaissance des Arts, Patis, 1995, Nesta parte, a: meméria ¢ dlivido em dluas partes. Na pri- sta contra partida — © esquecimento sie abordades © reativados, Os imistérios da lembranca em suas miiltiplas dimensées — relembrar, revisitar, re cordar — revivificam ¢ ao mesmo tempo acio- ami © seu oposto —esquecer, deslembrar, Des- tes territdrios vividos, rememorados, recons truidos a autora chama a atencdo para os mo- mentos ¢ objetos detandares de miceeérias Traz também um outeo conceito “armaze- RESGATE (13), 2004. Bernardes, MH, -p. 167-168 167 Resenha namento da meméria” © a partir do qual Zric transportou para as telas o que guardou de sua infancia ¢ dos momentos de horror vi campo deconcentiagio depois de capturado pela Gestapo, dutante a Guerra Ferreira diferencia ameméria negada—a que espalsa o indesejavel — da memoria selecionada — aque causa desconforto ¢ € dolorosa —assim deft nida nas palavras do poeta Ossip: “para mim so- brio hiato, centre mim eoséculo ha uma deptes- los num. sic” Bo pocta como intérprete, nao apenas desea tempo mas dos miltiplos tempos, da tradigio que recebe, das transformagdes que sc impécm ¢ dos confrontos que o-cercam (p42). Ao analisar 0 texto de Lotmam, Ferreira co- mega retomande a frase do autor “Cultura é me- mri” ¢ deixa clara. distinclo entre “faro memo viivel” ea vulosizagio hienirquica daquilo que ére~ gistrado na memria, Aqui o esquecimento niio é pat dialético da lembranga, ¢ sim aquele que mio é cultura, queédesordem e fragmentagio. Na segunda parte, a autora recotre aos con- tos desuaautotia “O esquecimemt, pivd mais yo"; 0 “Reino do vai nao tora: o mundo Arruriano, sobrenatural céltice € o sertio” ¢““Um gosto de disputa, Um combate imaginirio”. O cixo é a “meméria nartativa ¢ seus trimites, le- vando em conta o grande continuum da transmis so oral.” (pp.12-13) Em “O-esquecimento, pivé- narrative”, a autora lembra que pocsia popula, memtia € esquecimento andam juntose que cada contador ou recriador de histérias enriquece ow motila —e langa um alerta para no esquecer da interferéncia de quem transereve ou edita—, in- ‘venta ou prepara as armadilhas da poética c da meméria. Para Ferreira, 0 ouvinte € muito mais 168 que uma presenca, pois € 0 co-responsiivel, 0 elo na construcio da linguagem. Ao reeuperar c explora as wiras versGes do tema “Vai nfo torn”, a autora nos remete a0 doloroso fenémeno das migragdes, entendido como uma interpretacio alegérica de que sig- nifica o enfeentamento de tados os perigos, de inimigos visiveis, de tantos fantasmas deste mundo a combater, da morte ~ que no sio ale~ gorias — mac sim o diz-a-dia migico, vivenciado ¢ presenciado na cidade ¢ no campo: Por iiltime, a autora analise um tipo de folheto que recebe o nome de Paigis ou Dewafo, que s¢ define como uma disputa poética entre cantadores/poetas que se veicula pels literaru- ta conihecida como de cordel, Nele, 2s falas mio se contrapéem dislogicamente mas, ao contri- tio, serve para reforcat‘o universe manoligice, ctiando o que Fetteira chama de fala para si mes- mo, apesar da aparente disputa. Nao importan- do se a disputa é oral ou por escrito, ela sugere a rapidez-¢ a prontidio da resposta. Assim, o lem. Inar €imediato a partir de outras repostas¢ a ctt aco sc dé a partir da lembranga-de um repertorio comum. Nesta perspectiva, o livro traz uma refle- xio sobre a tempo vivide, seu espago secial, sua proposta de harmonizagio ¢ € neste universo de criagio coletiva ¢ pessoal que a tradigio se ‘perpetus, renova-se sempre © garante a preser- vacio a memoria, Let Anmadiltas da Meménia suscita 0 desas- sossego de queter saber mais sobre as fontes per cortidas pela autora. I leitura obrigatOria para os pesquisadores que tém a tradi¢ho oral ea memé- ria como-ferramentas para seus trabalhos. RESGATE (19), 2004, Bemardes, MH. =p 167-168

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