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1. Historico, CONCETTOS PROPOSIGOES Tanto os médicos como os sofistas afirmam que a medicina nao pade ser compreendida se no se sabe 0 que é 0 homem, Hipocrates apud Desmond O'Neill (175) 1.1 Introdugado O estudo das relagdes mente-corpo € um dos temas que vem assumindo progressiva importancia no contexto da medicina no século atual, permitindo uma nova visio do fendmeno da doenga. O termo medicina psicossomatica, sob 0 qual genericamente tm sido estudadas estas relacées, comegou a ser utilizado nas primeiras décadas do século XX e foi consagrado quando em 1939 foi criada nos Estados Unidos uma sociedade médica com este nome e a partir daf editada uma publicagéo mensal. Todavia o conhecimento destas interagdes tem acompanhado a prdpria histéria da medicina e est presente em significativas obras de literatura de todos os tempos, através do conhecimento que os grandes pensadores t8m dos problemas que caracterizam a natureza humana. Embora ndo existam trabalhos especificos sobre a evolugdo do Pensamento psicossomatico ao longo de nossa histéria, podemos encontrar referéncias a este tema nos tratados de histéria da ps quiatria e da psicologia médica — pelas apresentam — bem como referéncias varias Critas a propdésito das idéias e da pritica ps\ 175, 183, 185, 205, 256). urais Conexdes que diversas obras es- ssomitica (40, 44, Jouio of Meio Fino 4 1.2 Consideragées histéricas cra dominada por concepgées dos elementos da natureza Sabe-se que a medicina pré-heléni migico-animistas sobre as influénci: indo no homem, Com o grande florescer do conhecimento humano em geral, que caracterizou a Grécia antiga, esbogos de concepgies € priticas médicas mais préximas do cientffico também surgiram. Na Grécia pré-hipocritica a medicina era praticada inicialmente de modo também miigico nos templos de Esculipio, de onde os doentes mentais eram expulsos a pedradas. Todavia, alguns anos antes da fase hipocrtica os gregos j& comegavam a se voltar para as observagées € experimentagdes. Alcmeon parece ter sido primeiro a dissecar um cadaver. Ele supunha que 0 cérebro era o centro da alma e da razao- Ao mesmo tempo os fildsofos pré-socraticos comegavam a sé interessar pelos temas que séculos depois contribuiram para o arcabouco da psicologia moderna e da psicandlise. Herdclito foi talvez o primeito a chamar a atengao para a importdncia do individuo como tal — para sua identidade, dirfamos hoje — e Protdgoras, a nosso ver, selou-a em sua frase que ecoa até hoje: “O homem é a medida de todas as coisas”. Empédocles, voltado para a importancia das emogGes, definiu 0 amor e 0 édio como as principais fontes da vida e suas modificagées. Contudo, apesar desta riqueza de fragmentos nos quais se basearam as concepgées de hoje em dia, a filosofia grega manteve uma tradicAo que nao foi contestada por muitos séculos pela medicina: a mente humana como dominio exclusivo da filosofia. Assim era, em linhas gerais, a medicina da Grécia antiga, quando surgiu Hipécrates. Zilboorg diz-nos que Hipécrates viveu numa era nica da historia (256). Os maiores pensadores gregos do apogeu helénico foram seus contemporaneos. Sua grande cultura, inteligéncia e senso critico, voltados para o sofrimento humano, consagraram-no © pai da medicina. Sua sentenga “nada ao acaso; nada a ser visto por alto” caracteriza o sentido global do seu interesse médico, que o levava a, além de examinar cuidadosamente seu paciente, conversar com ele, inquirindo-o sobre suas queixas, inclusive sobre as circunstdncias nas quais se iniciaram, como também sobre habitos e condigées de vida. Também iniciou a prética de conversar com os parentes do paciente sobre o que sabiam a respeito de sua doenga. Concercho Psicossomatica: VISAO ATUAL, 15 Assim, como diz-nos Desmond O'Neill (175), 0 objetivo de Hipécrates era a doenga, mio a parte, € sim o todo, o individuo. As teorias migicas das primeiras escolas médicas, como da Mesopotamia, dominadas pela demonologia, foram postas de lado e substituidas por uma concepgao humoral. A doenga seria um desequilibrio nos humores corporais em conseqiiéncia das disposigées naturais do paciente ou temperamento, das influéncias do meio ambiental e das ages atuais do paciente. Hipécrates tentou ser o médico integral que se preocupava com as doengas fisicas e com os problemas mentais. Foi ele quem consi- derou 0 cérebro como o érgio do pensamento e escreveu que as doengas mentais tinham causas naturais, desmistificando a epi- lepsia como doenga sagrada. Também descreveu de modo comple- to quadros melancdlicos, manfacos e parandicos, classificando-os inclusive. E seu interesse pelos temas psicolégicos relacionados com as enfermidades provocou reagées da cultura vigente em sua épo- ca, como alids acontece ainda nos dias atuais... Alias, nas préprias descrigdes de Hipécrates pode-se perceber seu interesse pela concomitancia dos aspectos mentais e fisicos: descrigdo dos delirios dos tuberculosos, de disttirbios de memsria em um caso de disenteria e estados confusionais agudos seguindo grave hemorragia. Este interesse levou-o a fazer as primeiras des- crigdes do que hoje chamamos alternancia psicossomatica ao dizer que o surgimento de uma desinteria pode aliviar um quadro de loucura, ou que os estados manfacos podem desaparecer quando surgem varizes ou hemorrdides. Ndo € sem razdo que Zilboorg afir- ma que Hipdcrates escreveu a primeira pagina da histéria da psi- cologia médica e que esta permaneceu por muitos anos sem adi- ao de uma linha. Outros grandes nomes da filosofia e da medici- na grega, todavia, também contribufram para o alvorecer destas idéias. Platao, apesar do seu alto grau de abstragdo, foi essencialmence um mistico e contribuiu muito pouco para a compreensiao integral do homem. Assim, na sua visio fundamental, a mente governava inteiramente 0 corpo, que era apenas o executor de seus desejos e idéias. As concepgdes de Plato sio ao mesmo tempo divisionistas — haveria duas almas, uma racional e mortal e os afetos e emogdes 16 Jou ne Maite Fino que af habi © considerados inferiores e destitufdos de importancia corporal. Apesar d: idéias racionalistas téo distanres das concepgdes de Hipderates, Plato teve momentos de maior intuigdo quando disse, por exemplo, que quando a alma entra no corpo de modo muito forte produzem-se mudangas mentais e também este & afetado, acrescentando que se estas agdes 40 muito poderosas 0 corpo entra mesmo num estado de consumpgio. Apés as influéncias das doutrinas racionalistas e a invasao da Grécia pelos romanos, poucos médicos e pensadores deste perfodo contribuiram na diregdo psicolégica da medicina. Uma excegao foi Cicero, que descreveu os disttirbios de carter e clamou pela necessidade do tratamento médico também voltar-se para os ma- les da alma; outra foi Areteo, que pela primeira vez demonstrou que mania e depressio costumam ser fases de uma mesma doenga. E, referindo-se aos estados mentais ele chamou a atengdo para a importincia do médico ouvir o que 0 paciente sente e pensa. Areteo também pregou uma postura humilde para o médico — ao contra- rio de toda a tendéncia dominante naquela época — dizendo que © médico sé poderia curar seu paciente integralmente se fosse igual a Deus. Também foi Areteo um dos primeiros a admitir que as doengas fisicas podem ter causas psicolégicas ao mencionar que perturbagdes emocionais poderiam causar uma paralisia. Galeno, que foi a ultima grande figura da medicina neste periodo, ao lado das suas j4 classicas contribuigdes taxondmicas, também assinalou que o alcoolismo, a adolescéncia, as perturbagdes da menstruagio, os fracassos econdmicos e amorosos poderiam ser causas de doengas ment: Na Idade Média, com o declinio geral da cultura, das artes e dos rudimentos de ciéncia, as concepgées e as praticas médicas também. foram profundamente atingidas, principalmente as referentes aos fendmenos mentais. Com o dominio amplo e total da Igreja sobre todas as estruturas sociais, as fungdes mentais passaram pata o dominio exclusivo dos sacerdotes e os médicos ficaram limitados apenas aos males do corpo. Assim a divisio mente-corpo que de modo geral predominou dos primérdios da medicina até entao — com as exceges citadas do perfodo helénico — foi “sacralizada” na Idade Média com um enorme prejutzo para a evolugio das idéias médicas Concercho Paicosnomarica: VISAO ATUAL, 7 nos séculos seguintes, Foi o perfodo da demonologia, em que quaisquer perturbagdes ment am atribufdas a possessdes demonfacas, ¢ consegiientes rituais de exorcismo ou castigo como forma de “cura-las”. Uma grande excegio a este modo de pensar foi John Weyer que disse que um grande ntimero de torturados e queimados por bruxaria eram infelizes doentes mentais. O Renascimento trouxe um sopro de liberdade e uma orientagao humanistica que apagou a fogueita da Inquisigdo e abriu caminho para os grandes avangos cientfficos com Galileu e posteriormente Newton. Galileu criou o modelo naturalista das cincias que postula que todos os fendmenos da natureza posstiem as mesmas causas ¢ os mesmos efeitos: relagdes explicativo-causais. Para que algo seja considerado cientifico € preciso que se exprima com exatidao matemitica. Linneu a seguir incluiu o homem no conjunto da natureza, distinguindo-o dos demais pelo privilégio da razdo e, como nos recorda Perestrello a este respeito (185), o que estiver fora da tazo € desequilibrio, anomalia: daf s6 se focalizar as perturbagdes mentais grosseiras, “nao légicas”. Em relagao aos males fisicos o mesmo critério: como a natureza apresenta uma ordenagio, 0 que provoca desequilibrios é necessariamente estranho e se enxerta no individuo, ser passivo, a partir de fora e, acrescenta Perestrello, a “... medicina —e com ela a psiquiatria — entraré na ordem das ciéncias fisicas, serd materialist e essa coisa estranha que vem de fora e se superpoe ao homem, a doenca, deve ser estudada isoladamente”. Estas idéias foram enormemente reforgadas pelo dualismo cartesiano, dividindo o homem em corpo e alma, como unidades funcionando separadamente, Para Descartes a doenga, seja mental ou fisica, deveria ser sempre investigada dentro do campo da fisica e das ciéncias naturai Contudo este corpo fechado de idéias foi sofrendo continuamente abalos. A partir de Pinel os doentes mentais comegaram a ser tratados de modo menos cruel e as doengas mentais comegaram a ser investigadas em sua etiologia, depois da descoberta de que a paralisia cerebral progressiva era causada pela neuro-lues, E iniciaram-se as tentativas de classificagéo de Kraepelin. No terreno da filosofia também se prenunciavam grandes modificagdes. Hegel, com a sua dialética, mostrou que toda a 18 J0Lt0 of Meco FILHO verdade pode ser contestada: tese e antftese. Ao historiador Dilthey coube, segundo Perestrello, o papel fundamental de definir, ao lado ¢ naturais, as ciéncias que denominou histérico- s ou ciéncias do homem. Enquanto as ciéncias fisicas € naturais se regem pelas relagdes de causa-efeito (explicativo- catisais), as ciéncias do homem sio regidas pelas relagdes de sentido e significagao. Assim os fendmenos psicoldgicos adquiriram uma nova dimensio, podendo ser compreendidos, em vez de explicados- Por outro lado, as concepgées materialistas em medicina adquiriam nova forga com as descobertas da microbiologia, com os progressos da anatomia patoldgica e © conhecimento cada vez mais intimo das modificagdes estruturais que acompanham a doenga. Ao mesmo tempo, como se fossem movimentos antitéticos, surgiam importantes Ses no campo da fisica, representados pela teoria da lade, e Marx demonstrava que muitos fatos do comportamento humano podiam ser explicados por razGes socioeconémicas. Foi neste mundo conturbado pela multiplicidade destas novas idéias que surgiu Freud em fins do século passado e, como Dilthey — nao no campo da histéria e sim da medicina —, mostrou que as reag6es humanas normais ou patolégicas guardam relages de sen- tido e podem ser sempre compreendidas. Ao mesmo tempo a histé- tia do homem também pode ser entendida como a histéria das nagées pelo encadeamento sucessivo dos eventos. Daf sua biogra- fia ter um enorme valor para compreensao de sua vida, de sua satide e de seu adoecer. Foi esta viséo integral de Freud e o seu trabalho clinico que permitiram, a nosso ver, a primeira compreensiio global de uma enfermidade: a histeria de conversao. As suas descobertas do inconsciente dindmico permitiram explicar ndo s6 a bizarria dos sonhos, certos sintomas mentais estranhos, como as fobias, porém também muitas das razdes do adoecer somiatico. Entre os seguidores de Freud, alguns, desde 0 inicio, se interessaram pelo estudo das relagdes mente-corpo e pela importancia das rafzes emocionais de doengas orginicas, como Ferenczi, Jelyfe e Rodeck, citados por Sapir (205). Pouco tempo. depois Alexander e French, em Chicago, iniciaram importante estudo em doentes com patologias outras além da histeria, como Conc neta Paicostomanic: VISAO ATUAL 9 hipertensos, ulcerosos, asmiticos e coliticos (7). Foi a unido desta corrente de Alexander com a de Dunbar que permitiu a fundagio da Associagiio Americana de Medicina psicossomatica que deu, a partir daf, um fmpeto ainda maior ds novas investigagées. Paralelamente ao avango das contribuigGes psicanaliticas, 0 pro- gresso da tecnologia médica, permitindo a aplicagio da experimen- taco em homens e animais, possibilitou os importantes trabalhos de Pavlov, Cannon e Selye. Estes pioneiros com suas pesquisas fizeram outras notiveis descobertas, sobre os concomitantes fisiolégico das emogées e sobre os mecanismos que medeiam a ago dos estimulos e agressdes ambientais ao homem, descrevendo os mecanismos neuro- hormonais com os quais este responde a estas ages. 1.3 Conceitos fundamentais A medicina psicossomatica, expresso sob a qual se acumulam estes varios conhecimentos é, portanto, mais uma atitude e um campo de pesquisa e ndo uma especialidade médica, como o queriam os primeiros investigadores a trabalhar neste terreno. Assim, tende a tornar-se uma concepgio definitivamente integrada ao saber médico, por uma natural absorgo paulatina de suas idgias descobertas. Compartilhamos da concepgao que toda doenga humana é psi- cossomética, j4 que incide num ser sempre provido de soma e psi- que, insepardveis, anatémica e funcionalmente. E, neste mesmo sentido, a divisio de doengas em orginicas ¢ mentais é acima de tudo um problema de classificagdo de formas clinicas, j& que todas as doengas orgfnicas sofrem, inevitavelmente, influéncias da mente de quem as apresenta e as doengas mentais siio traduzidas, em sua intimidade Gltima, por processos bioquimicos que, de resto, acom- panham todos os momentos do viver, Em iiltima instancia, os pro- cessos bioldgicos, mentais ou fisicos, sio simultineos, exteriorizan- do-se predominantemente numa rea ou noutra, conforme a sua Natureza ou o Angulo sob o qual esto sendo observados (25, 32, 46, 91, 156, 169, 190, 233). Vale assinalar que a expresso psicossomiitica foi de infcio usada Para referit-se apenas a certas doengas, como a tileera péptica, a asma 20 Jowe pa Manco Puno branguica, a hipertensio arterial e a colite ulcerativa, em que estas correlagdes psicofisicas eran’ muito nftidas e que tal uso ainda petsiste em certos meios médicos. Todavia, 2 medida que observagdes de pacientes com enfermidades as mais diversas prosseguiram, os pesquisadores neste campo foram percehendo que tal conceituagao € potencialmente viilida para toda e qualquer doenga ¢ a tendéneia atual dominante é a unitaria; de outro modo partiriamos para uma nova divisio, em doengas psfquicas, somaticas ¢ psicossomaticas. A expressio medicina psicossomitica tem sido criticada sob varios Angulos. Por um lado, tem sido dito que ela j4 contém implicitamente uma tinica dire¢ao: da psique para o soma. Por outro, que nao abrange a totalidade dos fendmenos que influenciam o homem na satide e na doenga: sociais, culturais, etc. Também, segundo outros, porque j4 perpetua em si a diviséo mente-corpo. ‘Assim, para substitui-la tem sido propostos outros termos, inclusive por autores brasileiros como Danilo Perestrello (Medicina da Pessoa). ‘A nosso ver contudo a designagdo original impde-se, apesar das possiveis imperfeicGes, pelo seu uso. O grande ausente, pensamos, na designagio sao os fatores sociais, que poderiam ser acrescidos na expressio medicina psico-sdcio-somdtica. Todavia, por pensar que a terminologia original est definitivamente implantada, nao advogamos. © uso desta nova expressao. Apesar das reagées do modelo médico tradicional a este novo enfoque, as idéias psicossométicas, e suas aberturas, vém ganhando terreno na formagéo e prética médicas, sendo uma prova insofismavel disto a atual definigdo de doenga da Organizagio Mundial de Satide abrangendo as influéncias biopsicossociais. Dentre os varios conceitos advindos da pesquisa psicossomitica, um dos primeiros foi o de psicogenidade, isto é, o estudo da génese de sintomas ou doengas a partir de causas psiquicas. Se hé um compo- nente psicogénico em toda e qualquer enfermidade, é ainda um problema em aberto no estagio atual dos nossos conhecimentos. Outro conceito inicial foi 0 de somatizugdo, ou seja, indugdo de um proces- so somtico a partir também de influéncias mentais. O desenvolvimento da pesquisa psicossomatica nos orienta, contudo, para pensar sempre numa possfvel influéncia psicolégica Concencho Paiconsouarica: VISAO ATUAL a na génese de qualquer doenga, tal € a importancia da mente em Nossos processos hioldgicos. Uma prova muito clara disto é a pseudociese, na qual apenas o desejo de uma gravidez, geralmente inconsciente, determina uma série de alteragdes que incluem amebios pigmentares tfpicos desse estado. Por outro lado, qualquer que seja a origem de uma doenga, por incidir num ser que € sempre mental, passa a ser instantaneamente psicossomiatica, pelas varias Tepercussdes psicoldgicas imediatamente despertadas. A tendéncia mais atual é abandonar os conceitos de psicogé- Nese, ou somatogénese, e encarar o fendmeno doenga de forma sempre global, gestaltica e em fungao da pessoa que a apresenta, em sua forma especial de viver em e com o mundo, de forma transpessoal, como nos ensina Perestrello (185). Neste contexto, a enfermidade passa a ser a expresso de um tropego existencial, de uma disfung4o no processo de viver, de um conflito, segundo auto- tes psicanaliticos como Mitscherlich (169) e também nomes con- sagrados da psiquiatria, como Lopez Ibor (137). Granel, autor de varios trabalhos sobre a génese inconsciente de situagdes de acidente, abordando o problema da intencionalidade no determinismo dos fendmenos humanos, to esquecido do médico pritico, que pensa geralmente apenas em termos de acées casuais, diz-nos a este respeito: “A pessoa adoece com alguém, por alguém e para alguém. Perguntemo-nos sempre: que se propde 0 paciente com este sintoma? quem € seu destinatdrio? em fungio de que situagao foi criado?” (91) 1.4 Proposigées A luz destas consideragées iniciais feitas, faremos, ao longo deste livro, uma revisio das principais correntes no campo da psicosso- mitica, enfatizando os trabalhos que consideramos mais significa- tivos, isto é, aqueles que trouxeram resultados concretos para a compreensio do fendmeno da doenga e para a pritica médica, ex- pressa basicamente na relagio médico-paciente, Por vermos a pra- tica psicossomética como atividade eminentemente interdiscipli- nar, procuraremos relevar tal tipo de contribuigdes. Tentaremos demonstrar que a Concepgio Psicossomitiea partiu de uma posigdo unidirecional (psique-soma) inicial para outra, atual, 2 JuLIo of MeLto FILHO que procura abranger todo o conjunto de fendmenos relacionados com 0 adoecer. A fim de integrar teoria e pratica, apresentaremos a nossa experiéncia neste terreno, através da descrigéo do funcionamento de um Setor de Psicossomitica num hospital universitério, discutindo as suas varias atividades no campo do ensino, da pesquisa e da assisténcia ao paciente, descrevendo as técnicas utilizadas com este fim ilustradas em casos cl{nicos acompanhados. Neste contexto pretendemos também demonstrar que a presenga de uma atividade deste tipo mobiliza reagGes varias na estrutura médico-hospitalar e, de forma lenta e gradual, tem perspectivas de promover modificagdes positivas na ideologia e atitude médicas, principalmente no contato com o paciente. Estes reflexos repercutem também no ensino, permitindo ampliar os horizontes do estudante, contribuindo para uma formagdo médica mais humanistica. A luz desta experiéncia clinica tentaremos discutir determinados t6picos descritos na revisao feita. Ao longo deste trabalho, apresentaremos contribuigdes da psicandlise; das correntes experimentais; os progressos no campo da imunologia, em relagéo com os fendmenos psicossomaticos; @ significagdo da relagao médico-paciente no contexto médico atual; as relagdes doenga-familia e finalmente as relagdes entre a doenga € os fendmenos socioculturais. Como entendemos que os resultados do trabalho destas varias correntes — apesar de suas metodologias distintas — nao se conflituam, intercalaremos contribuig6es outras a cada capitulo estudado, tentando desta forma integrar os resultados num mesmo campo coerente comum. E a fim de tornar menos rida a revisdio teérica dos primeiros capitulos, intercalaremos “flashes” de casos por nés acompanhados.

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