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Q1ECAUMIVER, le IEA UNIVER, BIBETOTRCA UNTURRSTTARTA 2h) f 98 4213808-07 Ce eng ‘¥0 Fedora ao 0 vintogSoe Podagéiees Laci Guia Prone! Alexonino Ducane Assistoee de Proaucao Jacqueline Pre do Sauna Revisso ‘oxandre Vasconcelos de Melo Pjat gic 0 capa Potene Perazai ‘imagem da cena Juni de Oe. Fas de cons de Ogum. Oxase1ns8 2 Oru, Rio de Jens, ‘2ne Foto: rancco Mowe ca Cesta, cero de Museu do Fokser Edson Ca. ‘oo, CNFCPIPHAN. 1 aricans gel. 2. Arta negra - Brasil. .1 Rbelro, Maria Andrés ~ Wv. Serle, Ronald Duerte. Nimbo Oxeié, pertormance. Rio de Janeiro, 2004, Fotos: Secirn Stachel CAPITULO 5: DIALOGOS CONTEMPORANEOS Hoterogéneas e dispersas, embora aparegam com forca aqui e i, as conexdes estabolecidas com as culturas africanas e afro-bra- ires no chegam a constituir uma vertente especifica, nem um conjunto imediatamente destacavel na produgao de arte contempo- ranea no Brasil. Conscientes ou ndo, difusos territorialmente, muitas vezes pontuais, esses didlogos focam em questées ét sas, estéticas, artisticas, sociais e polticas, delineando 0 campo da afro-brasilidade. O que enseja e demanda sua problematizacao. Como na historia da arte européia, em que 0 encontro com a producdo artistica das culturas qualificadas como primitivas 6 constantemente mitificado’, também na historie da arte do Brasil 0 contato com a arte da Africa algumas vezes ganha aura de experién- cia crucial com forcas artisticas genuinas. Na orelha de um livro sobre a obra de Artur Barrio ¢ dito que, apés ter “intensa ligacao com a vida do campo e com as brincadel- ras dos meninos" no Porto, em Portugal, onde o artista nasceu em 1945, e antes de viver na rua onde surgi @ Bossa Nova, no Rio de |, para onde sua familia emigrou em 1955, Barrio teve outra experiéncia marcante: “Em 1952 passa todio o ano em Angole, tomando contato com a arte primitiva africana.”? Ou seja, com sete anos, entre a liidica infancia portuguesa e a boemia cat 1950, Barrio toria conhecido, in Jaco, e experimentado 1A ese respeite, var: GOMBRICH, E. H. The preference for the primitive: episo- des in the history of western taste and Art. Oxford: Phaidon, 2002; PERRY, Gill. O pprimitivismo eo “moderna”. In: FRASCINA, Francis; HARRISON, Charles; PERRY, Primitiviamo, cubismo, abstragao. Comozo do século XX. Sao Paulo: Cosac & NNaify, 1996 BARRIO, Artur Al Barrio, Rio de Janeiro: Funarte, 1978. (oretha) Méscaras ~ Série Africana, técnica mista sipapel c: 1974, Coleea0 de Daleir e Regina da Costa, primitivismmo da arte africana. Obras de Barrio, como Mascaras - Sé- rie Africana, de 1974, Marfim africano..., de 1980-1981, @ a Série Afri- canan® 1, apresentada na XIX Bienal Internacional de Sao Paulo, em 1983, podem até atestar a pertinéncia de valorizagao desse dado bio- grafico. Entretanto, caso se aceite essa hipétese, é preciso abandonar pces dominantes no imaginétio mundial da Africa como lugar isolado onde se poderia experimentar ainda pulsante 0 passado mais remoto da humanidade e da arte do continente como expresso pura ¢ intacta da vide humana ancestral, as con Tendo isto em mente e com um olhar menos viciado, 6 possivel propor que o trabalho de Barrio, a partir de sua experiéncia quando Menino, foi marcado menos pela suposta pureza africana e mais pela heterogeneidade cultural de Angola nos anos 1950. Além d anotagao existente no CadernoLivro de 1973~"Expressionismo Ci mo: Africa / Surrealismo: Oceania” — indica que a relagao de Barrio com a Africa é tanto a persisténcia de uma vivéneia infantil recuperada Pela meméria, quando a relacdo com uma forga artistico-cultural que emerge do contexto da arte, sua histéria ¢ sistema "BARRIO, Ar neiro: Ma CANONGIA, Ligie (Org.). Artur Barrio. Rio de Ja 80 Reasst0 Cov Miéscara policromada. Tivo Boku tba, Repiiblica Democratica do Congo. Acervo de Museu Real da Attica Central, Tervuren, Bélgica. Também mediado pela arte e suas instituigdes foi o en: contro de Cildo Meireles com a Africa, como ele relata: “Meus desenhos figurativos do comego dos anos 60 derivaram do im- pacto de uma exposigo de mascaras e esculturas africanas da colecao da Universidade de Dakar, Senegal, que vi na UnB em 1963.”* Em outro dep: lento, ele acrescenta Fiquoi profundamente tocado pela mostra, que exerceu uma influéncia fundamental ne minha formacéo, redirecionando 0 meu desenho. Eu me do a enfrentar qualquer superficie com 0 intulto de rest 2 da representaga stava diante da arte ju na arto africana formal era resolvida. E, tar riais, mas de modo muito vi Cexpressionismo que o artista vé normalmente nesses affo-desenhos, como os chama‘, nao deriv 8 da arte africana. O SMEIRELES, o Meireles. | MEIRELES, Cildo. Cildo Meireles. S80 Paulo: Cosac & Noify, 2000. p. 9. Sibidem. Entrevista (a Frederico Morais). In: MORAIS, Frederico (Org). Cifdo Meireles: algum desenho [1963 ~ 2005]. Rio de Janeira: CCBB, 2005. p .60-62, Jem. Pano-de-roda, Arte & Ensaios, Rio de Jar fem Artes Visuals da EBA/UFRY, ano Vin. 7, 2000, p. waco Proprio artista indica: “Outra de minhas influéncias, em meados dos anos 60, foi o cinema de animacao, particularmente o da Europa Central; havia ali uma energia © uma qualidade gestual que eu queria incorporar ao desenho figurativo.”’ Como na maioria dos didlogos artisticos com a cultura material e simb: , raramente a referéncia africana 6 oxclusiva. Naquelas mascaras € esculturas, como no cinema de animagao centro-europeu e em outras fontes, Cildo Meiroles encontrava estimulos para o caminho que desejava seguir, Mas havia ¢ ha outras Africas dispontveis experiéncia artis- tica “sem a mediacao do Cubismo” e de exposi¢des de arte africana. ‘Sua imagem aperece na critica politico-poética da cartografia feita por Anne Bella Geiger. E na revisao da histéria da Natureza feita por Denise Millan, que imagina reunificagao geolégico-cultural com um. Nevo continente, escultorico: Améfrica.* Imagem presente por sua aus€ncia no Desenho (Africa) de Waltercio Caldas, de 1972, no qual © nome do continente participa da discussao postica de estered Pos culturais, conceito e campo artistico.® De outra ordem, em didlo- 90 com sues paisagens e cultura material, 6 a Africa traduzida em telas de Gongalo Ivo como Pano da Costa, Rio. Zaire, Tissu d'Afrique. No mademismo paulista dos anos 1920, artistas e intelectu- ais viajaram ao interior do pais para conhecer arte e cultura popula- res; nesse transito, para reafirmar a condi¢ao da capital paulista como metrépole moderns, eles deixaram de olher a afro-descendéncia nela Presente, para encontré-la nas Minas Gerais, no Norte ¢ Nordeste, experimentando-a no carnaval do Rio de Janeiro. Contemporanea- mente, artistas tém se aberto a vivéncias outras em suas préprias cidades, a partir de seus mundos, experimentando miltiplas Africas impregnadas no cotidiano das cidades brasileiras. Segundo Yvonne Meggie, houve uma “celebragao das religi- Ses afro-brasileiras” nos anos 1970, quando passaram por “uma es- pécie de revival’, que a diversos campos: cinema, misica, teatro, artes plasticas, ciéncias sociais.”” Com o retluxo das vogas IMEIRELES, Cildo, Entrovista, Gerado Mosquera conversa com Cildo Mireles. in MEIRELES, Cildo, Cildo Meireles. Sa0 Paulo: Cosac & Naify, 2000, p. 9-10. SMILLAN, Denise, Améfrica. So Paulo: CCBB, 2003, FRERPTE: Poulo Séroio, Wartercio Caldas. Sao Paulo: Cosse & Ney, 2001. p. 200, NIMAGGIE, Yvonne. Postacio. In: _. Guerra de Orixd: um estuco de to. Pio de Jansiro: Jorge Zahar Ed, 2001. p. 158. 82 - Rossnro Conan da abstragao e do concretismo, essas religides @ a causa negra ressur- giram nas artes plésticas. Mas 0 interessante & observar como elas fo- ram incorporadas a reflexdo, ao fazer, nas obras, em meio ao processo de questionamento da arte e sua insercéo sociocultural, de modo figue rativo ou estrutural, explicito, pouco evidente ou subliminer. Ainda que seja um tanto romanceado pela critica, o encontro de Hélio Olticica com 0 universo afro-brasileiro se deu cotidiana- mente e, para ele, nao parecia ter 0 peso da alteridade cultural que a histéria foi construindo. Os outros, para ele, tinham nome, ou ape- ido - Jerénimo, Mosquito, Cara de Cavalo, Luiza, Roberto, Nildo, Roseni, Magndlia" - e enderego: Mangueira. Nao podia ser diferen- te, j4 que a chave de sua leitura da condigéo da arte contemporanea no Brasil - "Da adversidade vivemos!""* - 6, desde sempre, a do mundo afro-brasileiro. A edigdo nimero 5 da revista Item, com 0 tema Afro-Américas, justapde uma foto do Parangolé Xoxdba P25 capa 21, de 1968, a Vestimonta de Egum na Africa, uma imagem feita por Pierre Verger na década de 1950." A associagao é pertinen- te, embora também parcial, abrindo um caminho para outras cone- xOes. Os Parangolés estao longe de serem vestimentas relig muito menos de divindades. Tamibém nao so utilitérias. Pertencem a0 mundo da arte, de onde partem em didlogo com outras instan- cias da vida. Além das varias experiéncias com indumentaria no Construtivismo, & possivel e necessétio conectar o Parangolé as vestimentas de Babé-Egum, as fantasias usadas nos dosfiles das escolas de samba, as vestimentas das populagées de rua mergina- lizadas, com sua capacidade de transformar matérias e elementos em coisas outras, excepcion: 0, carnaval, conjuntura social ~ s80 multiplas as referéncias e articulagées pos- is com a Africa ¢ 0 afro-Brasil, mas no s6 a eles. ‘Também Lygia Pape empreendou alguns didlogos com mani- festagées culturais urbanas mais ou menos vinculadas @ problemética afro-brasileira. Pouco roménticos, ainda que fortemente empaticos, so seus encontros com esse universo. No texto “Morar na cor”, parte de sua dissertagao de mestrado - Catiti-Catiti na terra dos Brasis~, ela CA, Heo, Aspro 20 grande btn brgnaate Liens Flsted, iy oa ity Stren de tava! Roce an raAgEauaM Mfr sas. fem, revista de -BASBAUM, cade, COMER, Eduardo (Og) Ao amen sas Jae Eons Agra Case 208 9 89883 Arte Aro-Br ea Alexandre Vogl Rada. Fumacé do descaregointervengéo urbana, io de Jo neiro, Carnaval de 2007. Foto: André Sheik. a expressa 0 quanto admira a construcdo de identidades na vivéncia da cor na “chamada ‘nao arquitetura”, como qualifica “manifestagdes ar- ietdnicas do entorno da cidade do Rio de Janeiro”: “Somente nas areas de geografia suburbana ¢ rural podemos encontrar essa liberda- de existencial - 0 expressar-se no espaco coletivo — virado para fora, aberto 20 mundo como uma fruta que rompeu a casca; 0 dentro eo fora como iguais: uma ‘fita de Moebius’”. Pensa esse “uso profuso da Cor de forma expressiva: como um inconsciente coletivo por impreg- hagao", como "fendmenos espontineos” e diz que “conceitué-los objetos dé-lhes uma conotagao de magica irreveréncia, como Dade”.'* Procedimento similar a0 empregado pela artista nos Es- Pages imantacos, de 1968, dos quais um é a apropriagao fotografica do pulsar de uma roda de capoeira no centro do Rio de Janeiro’ — a0 transpor registros documentais & condigao de trabalhos artisticos, ola deixa entrever proximidade e distancia, incorporacdo © reprocessa- mento, o resignificar. VPAPE, Lygia. Morar na cor. Arquiteture Revista, Rio de Ja 1986, p. 29-32, 2 PAPE, Lysia. Gévaa de tocaia. Sao Paulo: Cosac & Naify Ecigoes, 2000. p. 52.53 ro, FAU/UFRJ, n. 6, BA Roszn Conoun Um tépico especial dos diélogos com a cultura afro 6 a mas- cara. Apesar de nao existir unicamente na Africa, ja que constitu uma categoria universal, a mascara pode ser um ponto de conexéo forte da arte contempordnea do Brasil com as culturas africanas ¢ afro-brasileiras, permitindo chegar a obras de Lygia Clark, Mario Cravo Junior e Laure Lima. No caso de Mascaras ~ Série Africana, a série feita por Barrio em 1974 que indicam, a principio, uma relacéo reta com a produgao tribal africana, é produtivo, contudo, pensar menos em relacdes icénico-estilisticas & mais em associagées inter- dopendentes entre configuragées plasticas e ritos, em formas que exalam a energia de sua fabricacao. Relagao entre ritual e plasticida- de nas praticas religiosas afro-brasileiras que é facil e potentemente conectavel as interveng6es feitas por Barrio - como “IdéiaSituacao: InterRelacionamento SubjetivoObjetivo", realizada em 2002, na Do cumenta 11, em Kassel - @ as instauragées de Tunga. Nesse sentido, 6 interessante rever 0 texto de Barrio sobre Detlagramento de Situacdes sobre Ruas, que, em 1970, langou pelas ruas do Rio de Janeiro 500 sacos de plastico contendo materiais, versos ("Sangue, Pedagos de unha, Saliva (escarro), Cabelos, Urina mijo], Merda, Meleca, Ossos, Papel higiénico, utilizado ou nao, Mo- dess, Pedagos de algodéo usados, Papel timido, Serragem, Restos de comida, Tinta, Pedacos de filme (negativas), etc.""*: “Numa das inter- vengées, numa rua da Tijuca, um transeunte interessou-se vivamente pelos sacos (objetos deflagradores) @ pediu-me um perguntando 0 que representavam, ja que em principio pensou que eram despa- chos; respondi-the que nao, que o que ele tinha nas maos era arte, a0 que prontamente respondeu-me que tinha gostado ¢ que, portanto, ia levé-lo para casa." Retornar a interpretagao primeira do tran- seunte tijucano, indo contra a resposta de Barrio, é perceber como, no contexto das cidades brasileiras, tendo em vista a problemética afro, esses sacos com materiais organicos e inorganicos langados nas ruas podem ser vinculados a certas praticas das religioes afro- brasileiras, especialmente aos despachos ou sactificios, oferendas 0 ebés: configuragées plastico-senséries compostas pelos mais diferen- tes elementos e matérias, que resultam de rituais, visam a diferentes fins (purificag3o espiritual, riqueza, atracao afetivo-sexual, trabalho) & "BARRIO, Artur. DFL.-SITUACAO...$+..AUAS...ABRIL...1970. In: CANONGIA, (Org.). Artur Barrio. Rio de Jarveiro: Modo, 2002. p. 26. ‘iden ga Antonio Dias, Gigante dormindo cachorro latindo, bronae poliero ido, 29x43x15 cm, 2002, Foto: Vicente de Melia, 820 dispostas em estradas, esquinas, pracas, jardins, praias e mates, entre outros lugeres.® Também é sedutor vinculer os ebés ¢ rituais as praticas de Lygia Clark com seus Objetos relacionais, criagdes de alto estimulo estético que subsidiavam sua singuler terapéutica. Indicacao que pode oferecer um caminho para pensar essas experiéncias, as quais 6s criticos t8m dificuldade em situar no campo artistico. Nesse sen- tido, suas Mascaras sensoriais, de 1967, feitas com teci idos, e as Mascaras abismo, de 1968, produridas com sacos em rede de "Apu PRAND, Reginoio, Méoogie dos Orde. Sto Palo: Compania das Lo- ‘tras, 2001. p, S65. = Samngenin ces 86 Ro 70 Conus naylon, pedras e sacos plasticos cheios de ar, aproximam-se a0 contexto afro-brasileiro, menos por reporem a questo da mascara do que por também serem objetos sé compreensiveis se estiverem promovendo experiéncias sensoriais, ainda que nao religiosas. Ain- da nessa trilha, 6 instigante aproximar Cabega coletiva, de 1975, uma pega de madeira estruturada com materizis variados que as pessoas vestem, cobrindo toda a cabeca, 8 ceriménia de bori (dar comida a cabeca) realizada no Candomblé, na qual a cabega da pes 808 é alimentada, fortificada, As Mascaras de Lygia e os Parangolés de Hélio Citicica abrem caminho para experiéncias contemporaneas com vestes como ele- mentos detonadores de performances como 0 Ambiente curto (bucha) de Jarbas Lopes, de 1998, e as vestes elaboradas por Laura Lima: Ca- puzes (homem=carne/mulher=carne), 2001. De Laura Lima, também, as aves enfeltadas ressoam mais quando aproximadas do contexto religioso afro-brasileiro, fazendo lembrar a preparagéo dos animais para os rituais de comunhdo coletiva entre humanos e divindades. E possivel encontrar a ambigiiidade significative de que fala Yve-Alain Bois - a ancoragem dos signos a significados em fungao do contexto de aparecimento — em obras de Antonio Dias, como Poeta/Porndgrafo, de 1973, e Home of the dead, de 1981, que exem- plificam bem os sentidos abertos de sua bandeira-casa-galeria e de seus ossos-ferramentes-folos, Essa abertura semantica da obra de Antonio Dias incentiva a fazer uma conexao mais direta com o uni- verso afro-brasileiro. Em especial, a recorréncia ao falo, mais ou menos alusiva, permite e estimula associar alguns trabalhos - Dans mon jardin e Solitério, de 1967, Duelo, de 1976, Sem titulo (grafite, madeira ¢ rodo sobre tela), de 1985, Todas as cores dos homens, de 1996, e Seu marido, de 2002 - com Exu, com o orixa da poténoia, do sexo, do movimento e da comunicagao para os nagés, um mito fundamental na cultura afto-brasileira. Seu marido traz duplamente 0 desenho de tridente, permitindo remeter diretamente as repre- sentagdes em metal de Exu, enquanto as outras obras citadas do artista se conectam de modo mais enviesado com 0 universo mitico das religides afro-brasileiras. A recorréncia falica incentiva leituras abrangentes, universalizantes, ainda que nao inviabilize, muito me- é0da nos iniba conexées culturais mais localizadas. Contexto, aq itura, mas também o da cultura onde a obra é gerida ¢ atua, Chico Tal Exus, escultura em madeira, 1995. Acerve do Musou Iclore Edison Carneiro, CN- FCPIPHAN. Foto: Décio Daniel Assim, também, algumas obras produzidas em 1973 por An- tonio Manuel ampliam seus sentidos se aproximadas do universo cultural afro-brasileiro. E 0 desafiador Exu quem mais uma vez ron- da 0 trabalho. A comegar pela performance do artista nu, com falo 4 mostra, em 1970, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ‘em protesto contra a recusa por parte do jtiri de aceitar seu corpo como obra. Qutra obra é Bode, de 1973, que também aconteceria no MAM/RJ, mas foi censurada e acabou transformada, aparecendo nos Super Jornais ~ Clandestinas, publicados no jornal O Dia. O ar- tista relaciona 0 bode & liberdade de sua infancia em Portugal, & body arte ao bode, giria da época que se refere ao estado causado pelo fumo da maconha, mas que ele conecta ao ambiente repres: vo do Brasil & época. Tomando a afro-brasilidade como context que se infiltra a partir das noticias sensacionalistas que descrevem macabros rituais nas paginas de O Dia, manipuladas e transforma- das por Antonio Manuel, 0 bode preto de Bode pode ser, também, to-somente um animal, 0 bode, que, assim como o galo - também representado pelo artista em O galo (The cock of the golden eggs), de 1972 - os quais so muitas vezes sacrificacios para serem oferta- dos 20s deuses nas religibes de matrizes africanas. (89 Roser Consus Falar de Exu remete obrigatoriamente a Chico Tabibuia e sua relagao ambigua com essa poderosa entidade; no seu préprio dizer, ele tem "Exu na cabeca e deus no cora¢a0”. Ao corporificar Exu, Tebibuia “faz com que fique aprisionado ne escultura, ‘pare nao fa- zer mais mal ao povo’, ficando cada vez mais fugido das matas’, onde poderia atuar em liberdade.”® Tentativa de aprisionamento ¢ controle que nao deixa de ser incorporagao, vivencia profunda de tensdes duei contemporaneas porque atemporais: cidade e campo, religido e ero- tismo, cultura e natureza, masculino e feminino, bem e mal. Fé em Deus ~ Fé em Diabo € 0 titulo de um trabalho de outro artista com obras diretamente conectadas ao onipresente Exu: Alexan- dre Vogler. Em Macumbanonsite - trabalho para Maria Padilha, Rainha da encruzilhada, a referéncia & explicita. Superpondo @ nogéo de obra artistica com a de trabalho religioso, misturando instalagao, macumba e rap, arma com reveréncia bem-humorada algumas perguntas: para qual divindade trabalha o artista? E a arte sua rainha, sua pomba-gira? Quer agradar ao piblico? E para seu proprio proveito o trabalho? Au- mentando 0 tom e 0 risco, sem abandonar a ironia critica, ele parece propor Exu como patrono das midias téticas ao pintar um tridente na encosta da serra do Vulcdo, atras e acima do Mirante do Cruzoi to, em Nova Iguacu. Assim, explora a ambigiidade do signo, que remete ao cetro mitolégico de Netuno, mas também ao tridente dos Exus afro-brasileiros, para desafiar a intolerancia religiosa e 0 populismo politico. A questéo do contexto e do sacrificio traz novas ressonan- cias para um trabalho de Cildo Meireles como Tiradentes: totem-mo- numento ao preso-politico, que foi realizado em abril de 1970, por ‘ocasiéo das comemoragdes da semana da Inconfidéncia Mineira, na exposicao de inauguragao do Palacio des Artes, em Belo Horizonte. Nessa obra, sobre um quadrilétero marcado por um pano branco stadas @ uma estaca de 2,59 m de altura em cujo topo havia um ter- mémetro clinico, foram dispostas dez galinhas molhadas com gaso- lina, as quais foi ateado fogo. Esclarece o artista: imagem da expiosao, que om primeira instancia sludia 20 auto-sacrif. Cie des bonzos durante a guerra do Vietnem, fundementalmente rametia 2: 1) visio indica da situacao vernissage (atitude retomada palo artista "FROTA, Lélia Coelho. Poqueno dicionério da arte do pove brasileiro, século XX. Rio do Janoiro: Aoroplano, 2008. p. 139. ane atra-tra Cildo Meiroles. Insoredes om circultos an- tropolégicos: Black Pente, 1971/73. Arquivo do artista, ‘em 1978, na exposigéo "Sermo da Montanha: Fiat Lux”, Centro Ci ‘Céndido Mendes, Ric); 2) processo de desmetaforizapao, 2 nival de ‘guagem, procurando utilizar 0 que seria tema como matéria-prime. Nur terceiro el apreander a ironia hasica da proposta, pois iinguagem era um trabalho nac-matatérico, por outro. lado trabalhave a metéfora de um acontecimento mais amplo: asiuagdo nacional nesse periodo de violenta repressao politica." A principio, nada no trabalho remete ao universo cultural afro-brasileiro. No entanto, um comentério do artista, quase 30 anos depois, permite uma associaggo. Diz ele: "Claro que jamais repetiria um trabalho como Tiradentes... Ainda posso ouvir as pobres g nhas em minha meméria psicolégica, Mas em 1970 senti que equi tinha que ser felto.”*' O sofrimento e a culpa que o artista possa ainda sentir pela violéncia extrema no trato com os animeis podem ser ate- nuados se forem pensados a partir das religides afro-brasileiras, nas ®MEIRELES, Cildo. Cifdo Meirales. Rio de Janeiro: F "idem, “Entrevista. Geredo Mosquera conversa co te, 1981. p. 19, Meirales". Op. ft, p. 16. 60 Roserro Consunu quais 0 sacrificio de animais 6 uma pratica vinculada és oferendas que ‘0 feitas para os orixds ¢ partilhadas entre eles e os fiéis, embora ndo pressuponham uma relacao estética contemplativa. O sacrificio de ani- mais, injustificado por si $0, teria sentido, como diz Meireles, no con- texto artistico e politico brasileiro dos “anos de chumbo” da ditadura far, como nos cultos afro-brasileiros quando é feito para estabele- cer a comunhéo entre e deuses, agregando a comunidade.” Em sentido oposto, é bastante direta a vinculagao com a cul tura afro-brasileira de outra obra de Cildo Meireles, Insergées em circuits antropolégicos: Black Pente, de 1971-1973: Projeto de produgao @ distribuigao a prego de custo de pentes para ne- ‘ros. Na série “Inserc6es em circuitos ideolégicos” o dado fundamental & 2 constatagao da existéncia do(s serg0 verbal constitu ume interferéncia nesse flux ica contra 0 circuito estabelecido. Jé nas ‘Insergaes ern tropologicos’ ("Black Ponto", “Tokon’), importa mais 3 nogao. de “insergac’ do que a de circuito: a canfecgdo de objetos, elaborados em nalagia com 0$ do circulto institucional, tem por objetivo induzir a urn LOJAS AFRICANAS LOJAS AFRICANAS LOJAS AFRICANAS Leandro Machado. Lojas Africanas. Imagem digital, 2003. Arquivo do artista =Ume aproximagao dessa obra de Cildo Meireles com os cultos afro-brasi felta, tambem, em MAGGIE, op. crt Frente 3 de fevereiro, BRASIL NEGRO SALVE, So Paulo, Estédio Morumbi, 14 de jutho de 2005, Frente 3 de fevereiro, ONDE ESTAO OS NEGROS?, Campinas, Estadio Moisés Lu- 14 de agosto de 2006. Fronte 3 de feverciro, ZUMBI SOMOS NOS, Sao Paulo, Estadio do Pacaembu, 20 de novembro de 2005. Fotos: Daniel Correie Ferreira Lima, 192. Roaser> Conouns Ade do caracterizar um nove comportamento. No k Pente", o projeto trabalharia no sentido de afi- magao de uma etnia.* Esse estimulo a afirmagao étnica tinha enorme sentido politico a conjuntura da ditadura militar @ grande originalidade no contexto brasileiro por sua defesa de uma causa social com a arte, Obra e acéo que ajudam a compreender a amplitude das aproximagées da arte contemporénea no pafs com o universo cultural afro-brasileiro. Variam quanto & origem e ao modo as agées integradas a causa da negritude. E critica a brincadeira de Leandro Machado com © nome e o logotipo das Lojas Americanas em suas sacolas ¢ cami- setas das ficticias “Lojas Africanas”. Se, em Porto Alegre, o mesmo Machado pinta com hené (cremes para alisamento de cabelos] ¢, em Salvador, Ayrson Heréclito 0 faz com azeite de dendé, é certo que agregam ressonéncias culturais as obras, em suas relacées criticas com os meios de produgao pictérica. Como visto, no Rio de Janeiro, Cabelo, funde Tio Sam e Zumbi em sua convocatéria urbana a luta, enquanto, em Sao Paulo, 0 coletive Frente 3 de Fevereiro questiona também publicamente, em estadios de futebol, a visibilidade @ a con- digo social dos afro-descendentes. Em clave pessoal, também de Sao Paulo, Rosana Paulino, aborda com Parede de meméria, de 1994, questées da mulher afro-descendente a partir da meméria familiar, enquanto, de fora do pais, Vik Muniz parece retornar, em tom compungido e humanitario, a figurago dos marginalizados ur- banos em obras como Valentine, a mais répida e Jacinte adora suco de leranja, ambas de 1996. Contudo, a vertente mais freqiiente de conexao dos artistas contemporaneos a cultura afro-brasileira ainda é o imaginario reli- gioso. Nesse sentido, é interessante aproximar o trabalho de Nelson Leirner ao universo afro por meio de instalagdes que se valem de imagens de diferentes religides e Ambitos culturais. Também Regina Vater reporta-se a divindades afro-brasileiras em varias de suas rea- lizagdes. Caminho seguido por Rodrigo Cardoso, que usa imagens de lamanja, Oxumaré e outras divindades e santos, na obra Invoca- g6es, de 2003, ¢ em /emanjé posto 6, de 2006. Ménica Nador, no JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube] também usa figuras de orixas como elementos de painéis decorativos na renovagao comunitari de fachadas da periferia paulistana PMIEIRELES, op. cit, 1981, p. 26, do fazor © oxidacao, Se esses artistas dialogam com o imaginario, os mitos e icones difundides na paisagem e na cultura contemporanea do pais, outros chegam mais préximo e se envolvem com a questao dos ritos religiosos. Em WVimbo/Oxalé, Ronald Duarte remete formance de pessoas com equipamentos extintores de (sexta-feira), cor (branco) ¢ elemento (nuver dade seméntica dessas religides ¢ a sua difusao subrepticia em aos cédigos culturais brasileiros. De modo semelhante ~ sem representagées icdnicas, com signos ambiguos e intervencao performdtica ~ Marepe realizou Pérola de dgua doce, em 2006, langando 13 mil pérolas de agua doce no rio Tieté, em Sao Paulo um ritual de oferenda a Oxum, divindade das religides afro-brasi Ieiras associada as aguas doces, que ¢ também um manifesto c tra a poluigao do rio ¢ a degradagao ambiental. Essas ages de Ronald Duarte e Marepe se conectam mais dire- tamente com obras de artistas que vivenciam as religides afro-brasi ras, sem que isso implique iniciagao nas mesmas e afastamento da problemética da arte contemporanea. Nesse caminho estao 0 ja citaco Ayrson Herdclito, de quem se poderia falar das ceriménias coletivas Martinho Pat ia bordada © madei Museu de Arto Moderna Al vio Lamenha. io, Daniibio Azul, cetim, fita de cetim, renda, 260x260 cm, 1996. Acervo do isio Magalhaes, Recife. Foto: Fla Arte Afro Brasileira -87 proparatsrias ¢ de degustacao de comida. Da Paraiba, Martinho Patri- cio 6 outro, com seus panos dobrados, ou estendidos, que remetem aos altares de Umbanda. A partir do Para, Arthur Leandro propée vi culos, robatimentos entre artistic e cultural, universal e local, ao c nectar @ reflexdo sobre a morte contemporénea do artista & ceriménia do axexé, ritual fanebre do culto nagé, em suas Noticias falsas da pro pria morte implantedas no ol e pagas com débito em conta telefénica ou cartéo de crédito do pretenso falecido. Poética para futuros historiadores... Nesse ambito, destaca-se a obra de Mario Cravo Neto. Algumas de suas fotos referentes as religides afro-brasileiras aparentam retra- tar cenas como os desenhos de Carybé e as fotos de Verger: uma baiana fazendo acarejé, pessoes incorporadas de orixés, assentamen- 103, outros espacos e detalhes dos terreiros, de seus rituals. Contudo, € um equivoco se prender as aparéncias, pois seu trabalho recusa taci- tamente 2 etnografia, procura ir além da linguagem fotografica e das praticas religiosas para se encontrar na confluéncia entre artistico ¢ espiritual. Com efeito, tanto ha séries explicitamente alegéricas, quanto obras nas quais a representagao ¢ indireta, revelando seu profundo vivenciar de fotogratia, de religiao e da arte. Como disse lidésio Tavares: Quando Mariozinho esta com a realidade cotidiene, pode-se faci ‘mente notar a intengao de transgredir 0 codigo convencional, o novo anguio u dngulos que ele focalze para cepturar 0 fugez, no processo de congelar 0 Tempo que @. fotografia. £ quando 0 magico transforma a realidade em ma- ic, no que podemos chamar de procedimento alquimico, metamorfose que ico Laroyé, seu livro trabalho oferenda | ele diz muitas coisas com outras - li- ar a leitura aberta, fluida, que adeptos das religioes no ver e sentir, no viver, Livro encruzilhada de 108 afro-descendentes no Bra: idasio. O Magico 0 @ Magia. In: CRAVO NETO, Mario, O Tigre do Daho- hydalh. Salv Editore, 2004, p. 10. io. Leroy, Salvador: Aries Editore, 2000, Mario Cravo Nato. Laroyé, fotografia, 2001 Arquivo do artista. ‘Auto Atro-Brasoira “98 7 CONCLUSAO No vasto e variado conjun s entre arte € afro-bra: izagdes dinmicas: tude e excesso; adver sagem, vitéria. Quadro no qual a arte afro-brasileira aparece mi conformando um hete- rogéneo campo de forgas, 0 qual vem emergindo no processo crescente de reflexao sobre a problematica afro-descendente, de liberdade nas préticas religiosas, de interagdes no campo artistico. Movimento prenhe de futuros. delineado a0 serem explorados incidente o configurar Essa empreitada parece, cont as articulagdes entre arte ¢ afro-brat sistema de arte no Brasil: museus, mercado, historiogra Entretanto, ¢ preciso reconhecer que jé hé caminhos trilhados, ex- periéncias realizadas, espacos abertos, a ocupar. abrem ca- Além dos esforgos e realizagSes dos artistas, q 6 xes sobre minhos, apontam as relacdes texto As Bellas-Artes nos Colonos Pretos do Brazil — a Esculptura, escrito por Nina Rodrigues, na Bahia, e publicado na Revista Kosmos, no Rio de Janeiro, em 1904. Nesse texto, ele diz participar da reabili taco cultural dos negros, acreditando que "As manifestagées da sua tura e na esculptura—as mais a mtisica ea dansa.” Em que pese sua perspec toma a representacao naturalista como paradigma, ele de Joaquim dos Santos. Casa da Flor, S40 Pedro da Aldeia, Rio de Jeneiro, 2007. Foto: guns “curiosos specimens da esculptura negra” pertencentes 20 sco Moreira da Costa, Acervo Museu de Folclore CNFCPIPHAN, Museu de Etnografia do Trocadéro, em Paris, no qual Picasso, um par de anos depois, encontrou pecas africanas que confirmaram as Pesquisas artisticas que vinha empreendendo. Rodrigues aponta imperteigdes na execugao das esculturas dos negros, mas acres- centa: “feito o desconto, nesses toscos productos, jé é a arte que se revela ¢ desponta na concepedo da pressdo conferida @ idéia dominante dos motivos”. uma aposta no futuro, em fungao de mudangas sociai {ros recursos, em outro meio, muito podem dar de si como arte teve continuidade no trabalho de varios autores que vem delineando 0 territ6rio da arte afro-brasileira a partir de diversos campos ~ antropologia, religiao, arte, arquitetura, historia, c de arte: Arthur Ramos, Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Cla- rival do Prado Valladares, Edison Carneiro, Emanoel Araujo, Gunter Weimer, José Roberto Teixeira Leite, Juana Elbein dos Santos, Lélia Coelho Frota, Luis da Camara Cascudo, Mariano Carneiro da Cunha, Kabengele Munanga, Luiz Saia, Maria Heloisa Leuba Salurn, Manuel Querino, Marcelo Campos, Maria Lucia Montes, Mario Berata, Nel- son Aguilar, Odorico Tavares, Paulo Herkenhoft, Raul Lody, Vivaldo da Costa Lima, No processo de ampliagio da presenga publica de valores afro-descendentes no Brasil, deve ser ressaltado 0 extravasamento de questées da africanidade e afro-brasilidade a partir de situagdes particulares, individuais e de grupos restritos, para conquistar di- mens6es amplas, coletivas, ptiblicas, em instituig6es, arquitetura, urbanismo, imaginario coletivo. No campo das exposigdes e dos museus, é importante des- tacar 2 jé citada agéo de Abdias do Nascimento para criagdo do Museu de Arte Negra, 0 conjunto de mostras curadas por Lina Bo Bardi? ¢ a proposta de criagao do Museu das Origens, elaborada por Mario Pedrosa para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro "RODRIGUES, Nina. As Bellas-Artes nos Colonos Protos do Brazil ~ A esculptura. Revista Késmos, Rio de Janeito, ano |, n. 8, ago. 1904, p. 11-16. Apucl ARAUO, Emanoel (Org.|. Pars nunca asquecor: nogras momérias / memérias de negros. Rio do Janeiro: Museu Historico Nacional, 2002. p 158-163, \V Bienal Internacional de $30 Paulo, em 1959; Civilizagao do Nordeste, 1uguragao do Museu de Arte Popular do Unhao, na Bahia, em 1963, que foi ceneurada polo governo ditatorial brasileiro @ dasmontada, er 1985, quan: do estava prestes 2 ser ineugurada na Galeria de Arte Moderna de Rome; "A Méo do Povo Brasileiro”, no Museu de Arte de Sao Paulo, em 1969, 102 Roser Conouns apOs © incéndio que destruiu suas instalagdes e a maior parte de seu acervo, em 1978.5 No que tange a colecionar @ expor a cultura material @ a produgao artistica vinculada as religiSes afro-brasi diferentes experiéncias s4o empreendidas por varias instituigdes no pais, com acervos coletados por pesquisadores e/ou recolhidos a partir de a¢oes policiais: Museu Nacional, no Rio de Janeiro, Museu Afro-brasileiro, em Salvador, Museu de Arqueologia e Etnogratia da USP, em Séo Paulo, Musou do Homem do Nordeste ¢ Museu de Arte de Pernambuco, no Recife. Mais recentemente, merece ser destacada a Mostra do Redescobrimento, realizada em Sao Paulo em 2000, com curadoria geral de Nelson Aguilar, que tomou como ponto de partida a proposta do Museu das Origens, desdobrando am treze médulos os cinco museus idealizados por Mério Pedrosa. 0 Museu do Negro foi desdobrado nos médulos Arte Afro-Brasileira e Negro de Corpo e Alma. O ultimo teve curadoria de Emanoel Aratt- jo e, como visto, culminou na criagdo do Museu AfroBrasil. Em suas praticas, essas e outras instituigdes vém constituindo uma historia \da a ser escrita) sobre a traducao museoldgica de saberes e pré- ticas afro-brasileiras. Nesse campo, é importante pensar na constituigéo de mu- seus © memoriais em comunidades de terreiro, como, por exemplo, ly Davina, no Ilé Omolu Oxum, em Sao Joao de Meriti, Rio de Janei- ros Por um lado, poderia ser dito que, ao se valerem de conceitos € do a légica da modernidade ocidental de guardar objetos apartacios do uso e sem vida, a qual seria, a principio, contraditéria com sua tradigdo de cuidar de coisas vivas. Entretanto, vale lembrar que lidar com paradigmas africanos europeus é uma estratégia tipica dos igides afro-brasileiras, a qual foi e parece continuar sendo necesséria diante da necessidade de sobrevivéncia em um no qual sd marginalizados e perseguidos, ico props compor o Museu das Origens # pertir de cinco museus: "Musou do indio; Museu de Arte Virgem (Museu do Inccnscianto); Museu de Arte Moder 1n9; Museu do Negro; Museu de Artes Populares”. PEDROSA, Mario. O nove MAM tera cinco museus. E a proposta dle Mario Pedrosa. In: PEDROSA, Mario. Politica das Artes (organizagao Otilia Arantes). S30 Paulo: Edusp, 1995. p. 309-312. *A ease rospeito, ver RODRIGUE, Maria das Gragas de Santans. Ori Apére 0 ritual das dguas de Oxalé. $40 Paulo: Summus, 2001, p. 67. SFREITAS, Ricerdo Oliveire de. O Mernorial ya Davina. In: _. 8 Omohy Oxuir. Conti- ‘gee © Toques para 08 Orixés. Ro de Janeiro: Museu Nacional, 2004. [Encarte de CD). fre Afro-Brasieira- 109 Dessa dinamica participam, ainda, a construgéo de monumen- tos relativos as culturas africanas e afro-brasileiras - como 0 Dique do Tororé @ © Espaco Cravo, em Salvador, o monumento a Zumbi dos Palmares e 0 Exu dos Ventos, no Rio de Janeiro - ¢ processo de tom- bamento de lugares de memoria dos afro-descendentes - como a Pedra do Sal, no Rio de Janeiro®, e os terreiros do Engenho Velho, do Axé Opé Afonjé, do Gantois e do Bate Folha, em Salvador.” Nesse carninho do individual ao coletivo, do privado ao pa- blico, da arte cultura, so cruciais, emblemiticos, os espacos criados por alguns artistas afro-descendentes: a Casa da Flor, construida a partir de sonhos, entre 1912 e 1985, por Gabriel Joa- Tatti Moreno. Grixés, esculturas em resina de poliéster, Dique do Toror6, Selvader, Foto: Marilia Andres. SFERRAZ, Eucanaa_O tombamonto do um marco da africanidade carioca: a Pedre do Sal. Revista do Patriménio, |PHAN, n. 25, 1997, p. 334-339. DOCUMENTOS: Terreiro da Casa Branca, Terreito Axé Opé Afonjé, Terreiro do Gantois, Terreiro do Bate Folha’. Rua - Revista de Urbanismo 0 Arquitetura, Salva: dor, v. 1, n. 8, jul/doe, 2003, p. 91-119. 104 Roserro Conous quim dos Santos, em Sao Pedro de Aldeia*; a reinvengao do espago e do mundo com as coisas epropriadas e refeitas por Artur Bispo do Rosério®; o Jardim do Nego, de Geraldo Simplicio, em Nova Fribu go"; a casa que Estevao Silva da Conceigao ven construindo na fa- vela de Paraisépolis, em Sao Paulo, hé mais de 20 anos; 0 Morrinho, ludica representagao da favela, construlda por Nelcirlan e outras criangas da comunidade do Pereiréo, no Rio de Janeiro, 2 partir de 1998." Plasticidade abrangente, aberta, difusa, que perpassa tam. bém as praticas do grafite e 0 universo onirico do Carnav: Signos de um imagindrio em expanséo, essas obras indi cam que hé muito por fazer, seja pela dindmica de problemética sacial afro-bresileira, seja peles possibilidades abertas nos cam- pos da arte, da critica, do ensino, da museologia, inclusive devido as muitas e ainda inexploradas vias de diélogo com as praticas culturais afro-descendentes no pais. Parafraseando o titulo de um ivro de Livio Sansone ~ Negritude sem etnicidade —, & possivel pensar na fertilidade de processos visando a explicitar e incorpo: rar as dimensées artisticas des culturas afro-descendentes no Brasil, ao estimulo da afro-brasilidade na arte, a configuragao de uma Negritude com artisticidade °ZALUAR, Amélia. A Casa da Flor - uma erquiteture poéties. Revista co Patrimanio, IPHAN, n, 25, 1987, p. 298-306. *LAZARO, Wilson {Org). Arthur Bispo do Rosario ~ séeulo XX. Ro de Janeiro: Mu ‘seu Bispo do Rosério Arte Contempordnea, 2006. ‘CONDURU, Roberto, Terra Encantada. In: __. Négo. Escultures da terra, Rio do Janeiro: CNFCP/Funarte, 1998; DEART/UERJ, 1999. Disponivel em: http://. Acesso em: 30 abr. 2007 "SANSONE, Livio. Nagritude sem etnividade, Salvador: Edufos; Rio de Jansito: Pallas, 2003, Geraldo Simpl Foto: Ricardo Go- ‘mes Lima, Acervo do Museu IPHAN. jim do Negro, Nova

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