Você está na página 1de 76
DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO Pelo Dr. Anténio Menezes Cordeiro § 1° INTRODUGAO 1. NOCAO DE LOCACAO; ELEMENTOS; CARAC- TERISTICAS; MODALIDADES I. «l.ocagéo € 0 contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar 4 outra 0 goz0 temporério de uma coisa, mediante retribui¢ao» (1). Infere-se, desta definicio legal, que a locagdo € um acto juridico de natureza negocial, bilateral, com trés elementos especificos, condigdes necessdrias da existéncia do préprio pacto locativo como tal (2): (1) Artigo 1022.° do Cédigo Civil. O direito comparado, nomeada- mente mo que toca aos sistemas juridicos mais préximos do nosso, indi- cia definigdes semelhantes. Dispdem, assim, os cédigos civis francés, ita- liano, alemAo e brasileiro, respectivamente: art. 1709.9: «A locagdo das coisas € o contrato pelo qual uma das partes se obriga a fazer gozar a outra uma coisa, durante certo tempo, e mediante um certo prego que esta se obriga a pagar-lhe»; art. 1571.9: «A locagao € 0 contrato com o qual uma parte se obriga a fazer gozar 4 outra uma coisa mével ou imével por dado tempo, contra um determinado correspectivo»; § 535 «Através do contrato de locacao fica 0 locador obrigado a conceder (gewabren) 20 locatdrio 0 uso (Gebrawh) da coisa locada durante o tempo da locagio. © locatério € obrigado a pagar a0 locador a renda (aluguer, Mietzins) combinada»; artigo 1188.0: «Na locagdo de coisas, uma das partes se obriga a conceder a outra, por tempo determinado, ou no, 0 uso ¢ gozo da coisa nao fundivel, mediante certa retribuigio». (2) Por todos, vide GALVAO TELLES, in Arrendamento, Lisboa, 62 A. MENEZES CORDEIRO -—~ uma «obrigacio de proporcionar 0 gozo de uma coisa»; —um prazo; —uma rettibuigao. Il. De acordo com MIRABELLI(3), 0 contrato de locagio € um contrato consensual, sinalagmédtico, oneroso ¢ com prestagies correspectivas, néo aleatério, de execugdo continuada, dis- cutindo-se, por fim, se os seus ¢feitos sio obrigacionais ou reais. Consensual na medida em que o seu objectivo € atingido pela simples verificagdo do acordo, independentemente de tra- digio da coisa (4). Sinalagmético potquanto produz efeitos em relagio a ambas as partes, havendo conexfo entre as obrigagdes em causa. Oneroso ¢ com prestagées correspectivas visto implicar sacrifi- cio econémico para ambas as partes, com equivaléncia tedrica. Néo aleatério, uma vez que o montante das prestagdes ¢ de antemio, conhecido pelas partes (5); 1946, § 13, p. 85. Fala cm «elementos caracteristicos» ¢ em «clementos definidores» JOAO DE MATOS, no Manual do Arrendamento ¢ do Aluguer, 1, Porto, 1968, p. 20; por seu turno, PEREIRA COELHO em Direito Civil — Arrendamento, Coimbra, 1976, p. 9 ptefere a expresso clissica «elementos essenciais»y, HERMANN ROQUETE, in Das Mietrecht des Bargerlichen Gesetzbuches, Tabingen, 1966, descobre seis elementos na pre- visio normativa (Tathestandselementen) da locagio (pp. 29-30): 1. Um contrato como fundamento juridico da locagio; 2. Duas pessoas como partes no contrato —o locador ¢ 0 locatdtio; 3. Uma coisa como objecto da locagio; 4. A concessio do gozo como prestacio do locador; 5. Uma limitago temporal no gozo; 6. A renda como contetido da prestacio do locatério, ‘Tem-se aqui em vista a situagio locativa complexa. (3) La Locazione, vol. 7.°, tomo 4.° do Trattato di Diritto Civile Italiano de FILIPPO VASSALLI, Turim, 1972, pp. 3 4 28. Segue-o, de perto, PEREIRA COELHO no -Arrendamento cit., pp. 13 € 88., embora com algumas especificidades. (4) Consensual contrapde-se, aqui, a real quoad constitutionem; pode, porém, contrapor-se, também, a formal, surgindo, neste ultimo sentido, a locagto como negécio ora consensual, ora solene ou formal. (5) C£., no entanto, os artigos 11.9 e 12.° da Lei do Arrendamento Rural (n.° 76/77, de 29 de Setembro) que prevém alteragdes na tenda; PEREIRA COELHO, pronunciando-se no ambito do art. 8.° da Lei anterior (Decreto-Lei n.? 201-c/75, de 15 de Abril), inclins-se para 0 carkc- ter comutativo do contrato, ainda neste caso. DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO cy De execugéo continuada porque o cumprimento das obriga- gdes dele emergentes se difere ao longo do tempo (6); De éfeitos obrigacionais ou reais consoante se entenda que da sua celebragio derivam meras obrigagées ou, pelo contririo, um auténtico direito real. Ill. Tendo, apenas, em conta as modalidades de locagio previstas na lei, podemos distinguir 0 a/uguer do arrendamento, consoante a coisa, objecto do contrato, seja mével ou imd- vel (7). O arrendamento diz-se urbano ou réstico conforme 0 tipo de prédio a que respeite, podendo subdividir-se ainda, o pri- meiro, em arrendamento para habitagéo, para comércio on inddstria, para profissdo liberal ou para ontros fins e 0 segundo em arrenda- mento ristico rural ou néo rural (8) € feito a agricultor auténomo (9) Ou a empresdrio (10) (11), IV. Locagio diz-se, também, a situacao juridica complexa emergente do contrato em causa; assim entendida, podemos decompé-la em: (©) Sao relagdes obrigacionais duradouras (Danersebuldverbaltnis , muito salientadas na doutrina alema; cf. OTTO PALANDT, Bargerliches Gesetxbuch, 39. edigdo, Munique, 1980, p. 488. (7) Vide 0 artigo 1025.° do Cédigo Civil. (8) Conforme tenha por fim, ou nfo, a «exploragio agricola, pecua- ria ou lorestal, nas condigdes de uma regular utilizagdo». Confere o art. 1.9, n° 1, da Lei n° 76/77, bem como PEREIRA COELHO, Arrendamento cit, p. 35. (9) Agticultor auténomo € a expresso utilizada pela actual lei do arrendamento rural, em substituiggo de «cultivador directo», formula que nos parece mais clara preferida pelo Decreto-Lei n.° 201-c/75. De facto, cagricultor auténomon é, nos termos da Lei do Arrendamento Rural, aquele que explora o prédio arrendado com o seu proprio trabalho ou o das pessoas do seu agregado doméstico (art. 1.9, n.° 2). (10) A express’o € de PEREIRA COELHO, ob. ¢ loc. cit. (11) Nao referimos, agora, a locagio financeira, que transcende a mera situagao locativa, e cujo regime consta do Decreto-Lei 0.° 171/79, de 6 de Junho. A locagio financeira também pode respeitar a méveis ou a iméveis. oF A. MENEZES CORDEIRO —um direito do locador; —-um direito do locatario; — relagdes estabelecidas entre os titulares dos dois direi- tos referidos. 2. A POSIGAO JURIDICA DO LOCATARIO I. Sem qualquer preocupagao de analisar exaustivamente o regime da situagio juridica da locagéo, mas procurando, apenas, continuar a tarefa de delimitagao prévia da matéria a cuja an4lise vamos proceder, cabe enunciar os elementos caracteristicos da posigao do locatério. Il. O artigo 1 038.° do Cédigo Civil faz um longo enun- ciado das obrigacdes do locatario. Podemos orden4-las como segue: 1.9 Obrigacées quanto 4 coisa: —nio a aplicar a fim diverso daquelas a que se des- tina; —nio fazer dela um uso imprudente; —nio proporcionar a outrem o gozo total ou par- cial da coisa, por meio de cessio da sua posigio contratual, excepto se a lei o permitir ou o locador © autorizar. 2.° Obrigagdes quanto ao socador: — pagar a renda ou aluguer; — facultar ao locador o exame da coisa locada; —tolerar as reparagdes urgentes; —comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedéncia do gozo da coisa por algum dos referidos titulos (12); — avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vicios na coisa, ou saiba que a (22) Ou seja: «... por meio de cessio onerosa ou gratuita da sua posicio juridics, sublocagio ou comodato...» DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO 6 ameaga algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relagio a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador; — restituir a coisa locada findo o contrato. Ill. Mas ao locatério nao assistem apenas, obrigagdes. A lei civil no autonomiza, no entanto, os seus direitos, limi- tando-se a indicar as obrigagées do locador: delas podemos, por simetria, extrait os direitos da contraparte. E sio eles: 1.° Direitos quanto a coisa: — goza-la, dentro dos fins a que a coisa se destina (artigo 1031.9, alinea 6)) (13); — fazer repatagdes € outras despesas urgentes (artigo 1036.9); — defendé-la por meio de acces possessérias (artigo 1037.9, n.° 2); — levantar, findo o prazo do contrato, as benfeitorias uteis quando o possa fazer sem detrimento da coisa (artigo 1273.°, aplicavel ex vi artigo 1046.9, n.° 1). 2.9 Direitos quanto ao locador: — exigir a entrega da coisa (artigo 1031.9, al{nea 2); —exigit o reembolso de reparagdes ou despesas urgentes feitas com a coisa (artigo 1036.9, n.° 1 € 2); — consentir actos do locador que diminuam o gozo da coisa (artigo 1037.9, n.° 1); — ser indemnizado pelas benfeitorias necessdrias ¢ ser satisfeito no valor das benfeitorias uteis, quando o seu levantamento nao seja possivel sem detrimento para a coisa, de acordo com as regras do enrique- cimento sem causa (artigo 1273.°, aplicavel ex vf artigo 1046.9, n.° 1). IV. Focamos o essencial da posigéo do locatatio. No entanto, nomeadamente em matéria de arrendamento, nas suas (13) © gozo compreende, com precisdes aqui desnecessérias, 0 110 © a fruigao. =5- 66 ‘A. MENEZES CORDEIRO modalidades de ristico rural e urbano para habitagdo, existem especialidades por vezes de monta. Essas especialidades tra- duzem-se, porém, na generalidade, em restrigdes de ambito da autonomia das partes quando da celebragao do contrato — prazos, rendas, etc. — visando garantir e consolidar a posi- Gio do locatario. Modelam, por isso, 0 conteido dos direitos € obrigacdes apontados, sem — teoricamente — os suprimir. ‘Tém, no entanto e como veremos, ineg4vel interesse uma ‘vez que reforgam, pelo seu significado politico-social as con- clusdes que se obtenham quanto a natureza da posigio do locatatio. V. Por tudo isto, podemos sintetizar a posigao do loca- trio dizendo que ela consiste, essencialmente, num direito de goro sobre uma coisa alheia, acompanhado da obrigagio de pagar uma renda. Verifica-se, depois, a existéncia de varias obrigagées aces- s6rias, instrumentais em relacao ao delineado cerne da situagio locativa. 3. A NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO I. Referida a nogio de locagio, isolados os seus elementos, apontadas as suas caracteristicas, enumeradas as suas modalida- des e determinada a posigio juridica do locatatio, podemos for- mular o problema que ora nos vai ocupar: @ naturexa do direito do locatdrio. II. Muitas so as classificagdes possiveis dos dircitos sub- jectivos (14); limitar-nos-emos, a aferir 0 direito do locatario em relagio as principais. (24) Por exemplo, entre nés, vide JOSE TAVARES, Nogdes Funda- mentais do Direito Civil, I, Lisboa, 1929, p. 256 2 296; CABRAL DE MON- CADA, Ligdes de Direito Civil I, 3.* edigio, Coimbra, 1958, pp. 69 a 815 CASTRO MENDES, Direito Civil— Teoria Geral, UW, Lisboa, 1968, Pp. 57 @ 87. DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO 7 E indubitivel que se trata de um direito subjectivo pri- vado, seja qual for o critério adoptado para isolar o direito Publico (15): visa a prossecugio de interesses particulares, nio prevé a actuagio de sujeitos dotados de ius imperii e € regulado por normas tradicionalmente colocadas no direito civil (16), Também € pacifica a sua classificagio como direito patrimo- nial: a economicidade essencial da sua natureza deriva, clara- mente da possibilidade de avaliagio pecunidria (17), bem ilus- trada pela obrigacao da renda. A locagio ¢, ainda, um direito referido a bens materiais (18): © gozo de uma coisa nao parece, de forma alguma, ser ctiagio do espirito. Ora, sendo a locagio um direito subjective privado, patri- monial e referente a bens materiais, s6 pode ser ou um direito real ou um direito de crédito, Neste ponto, nio foi ainda possivel qualquer unanimidade doutrinal. TI. A maioria esmagadora da doutrina tem-se inclinado para a natureza obrigacional ou pessoal do direito do locatério. Independentemente de razées de ordem técnica que examinare- mos depois detidamente, podemos adiantar que existem fortes razées gerais favoraveis a esse tipo de opgao: o contrato de (13) Remetemos para os nossos Direitos Reais, vol. I, Lisboa, 1979, no 1, I, e Direito das Obrigagies, vol. I, Lisboa, 1980, n.° 2, II e para 2 bibliografia que referimos nesses locais. (18) Na verdade, a hoje j4 classica intervengao do Estado na situagio locativa, nomeadamente nos arrendamentos srbano para habitagdo e ristico rural, agudizada, em Portugal, nos tltimos quatro anos, veio importar para o scio do direito locativo a crise que a distingdo do diteito em publico ¢ privado tem vindo a sofrer, face 4s arremetidas do chamado «direito econémico» e do «direito social». Referiremos os desvios que este factor tem introduzido no seio da regulamentacao privada da locacio sempre que possam influir na anélise a que procedemos. (17) Para maiores desenvolvimentos, vide PAULO CUNHA, Do Patriménio, Lisboa, 1934, pp. 16 e 8s.; PIRES DE LIMA, Ligdes de Direito Civil — Direitos Reais, 3.8 digo, pp. 2 € 88. (18) Por oposigio a bens imateriais que se incluem, por exemplo com as prestagGes, na categoria das coisas incorpéreas. 68 A. MENEZES CORDEIRO locagio figura no livro II do Cédigo Civil dedicado ao direito das obrigaces; a lei fala sempre em obrigagdes do locador € do locatério, apresentando-as como contrapartida umas das outras € nfo parecendo qualquer elemento, extravasar do esquema clissico do vinculo crediticio; existe sdlida jurispru- déncia constante no sentido da pessoalidade da locagio; conhe- cidos nomes da civilistica portuguesa perfilharam-na e defen- deram-na; finalmente é a posi¢io dominante nas doutrinas estrangeiras que maior influéncia tem exercido na portuguesa, nomeadamente a francesa, a italiana e a alemi. IV. No entanto, desde que TROPLONG, na primeira metade do século XIX, proclamou que o Cédigo Napoleio subvertera os quadros anteriores, atribuindo ao locatério um verdadeiro direito real, semelhante ao usufruto, nunca mais a opiniio dominante deixou de ser incomodada por uma pequena mas aguerrida hoste de realistas. Centenas de paginas em dezenas de tratados ou obras especializadas foram consagradas a provar, definitivamente, a natureza pessoal da locagio; insignes juscivilistas proclamaram, nos seus escritos, terem, de vez, silenciado tio irreverente teo- ria; incontaveis decis6es judiciais em varios paises tornaram quiméricas as pretensdes baseadas na realidade da locagio; nada conseguiu impedir que a tese realista renascesse das cinzas, para recomegar um combate que parecia perdido de avango. V. Na verdade, o tempo tem trabalhado a favor da rea- lidade da locagio. Por um lado, o desgaste a que a classificacao germanica de SAVIGNY tem sido submetida ao longo de quase dois séculos torna cada vez mais premente uma superagio dos seus quadros € uma renovagio dos seus contetidos. Por outro lado, as necessidades sociais que tém levado o legislador a intervir a nivel crescente, provocaram uma série de alteragdes em matéria de arrendamento, sempre no sentido do reforgo das posigdes do arrendatario. Ora é sabido que meras alteragdes quantitativas, ultrapassado certo ponto limite, provocam autén- ticas modificagdes qualitativas. Finalmente, tem vindo a ser DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO o removidos os obstaculos de tipo ideolégico que, no periodo liberal, eram adversos a quaisquer vinculagdes ou limitagdes do direito de propriedade. assim patente a distancia que medida entre a aventura de TROPLONG e as posigées, j4 sedimentadas, de autores que, actualmente, proclamam a natureza real do direito do locatario. De qualquer forma a doutrina contréria nao desarma: segura da tradigio e do seu dominio absoluto a nivel forense, é sustentada por nomes significativos, colocados na ponta da civilistica continental. A titulo de mero exemplo, temos LARENZ na Alemanha, MIRABELLI, em Itdlia, MA- ZEAUD, em Franga e PEREIRA COELHO, em Portugal. Convém, também, ter presente o reforco inesperado —e quiga imerecido — que a doutrina de GIORGIANNI sobre os direitos de gozo, tio arrojada na sua concepgio e tio cautelosa quanto as conclusées, veio trazer 4 concepgio pes- soalista ¢ que tio larga influéncia tem exercido em Itilia. VI. Pensamos que existem, hoje, elementos seguros que permitem tever a posigéo ainda maioritdria, da natureza pes- soal do direito do locatario. E essa revisio, é, face ao Direito positivo portugués, ainda mais facil do que na generalidade dos ordenamentos continentais do Ocidente onde, com difi- culdade, se tem vindo a verificar. 4. REPENSAR O DIREITO SUBJECTIVO I. Antes de entrar na matéria de fundo, parece pertinente referenciar o actual ponto da situagio em matéria de direito subjectivo e de direito real, conseguindo, assim, apoios para os desenvolvimentos subsequentes. II. A doutrina do direito subjectivo dividia-se, no século passado, entre duas tendéncias, de que WINDSCHEID e THERING foram, respectivamente, os mais conhecidos expoen- tes. A primeira, herdeira, neste ponto, da civilistica liberal que nm A. MENEZES CORDEIRO partia da pessoa humana individualmente considerada pata a construgio do direito civil, definia o direito subjectivo como o poder soberano concedido pela ordem juridica 4 vontade individual (19). A segunda, representante, por exceléncia, da pandectistica alemi a quem se deve um direito civil desperso- nalizado, mas de alto nivel cientifico, contrapunha o direito subjectivo entendido como um interesse juridicamente tute- lado (2°). III. Ultrapassado o incidente das doutrinas negativistas, de que as mais significativas sequelas se traduzem, ainda hoje, nos autores que, como NAWIASKY (2!), definem direito (19) Diritto delle Pandette, tradugio de Carlo Fadda ¢ Paolo Emilio Bensa, Reimpress4o, vol. I, Turim, 1930, p. 106. (20) Sobre esta matéria, vide, por exemplo CASTRO MENDES, Teoria Geral cit., Il, pp. 5 ¢ 88; MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relacdo Juridica, Coimbra, 1972, I, pp. 3 € 8s.; MANUEL GOMES DA SILVA, O Dever de Prestar ¢ 0 Dever de Indemnizar, Lisboa, 1944, Capi- tulo Il, pp. 27 ¢ ss; JOSH TAVARES, Principios Fundamentais cit., I, p. 185; LUIS CABRAL DE MONCADA, Lifter cit., I, pp. 56 © 8.5 NAWIASKY, Teoria General del Derecho (tradugio castelhana) § 11, pp. 213 ¢ 88; ENNECCERUS, Derecho Civil (Parte Generale) tevisto por NIP- PERDEY, tradugio de Gonzélez ¢ Alguer, Barcelona, 1943, Tomo I, 1.2 vol., § 65, pp. 287 ¢ 88.; ALEX WEILL, Droit Civil, Introduction Géné- rale, 2.8 ed., Patis, 1970, pp. 28 ¢ s.; CARBONNIER, Droit Civil 1 — Introduction - Les Personnes, 10.8 edict, Paris, 1974, pp. 179 € 88.; PAUL ROUBIER, Droits Subjectifs ef Situations Juridiques, Paris, 1963, pp. 63 € 88.3 VITTORIO FROSINI, Diritto Soggettivo, in Novissimo Digesto Italiano, vol. V, Millio, 1960, pp. 1047 ¢ 88.3 CESARINI SFORZA, Diritto Sog- gettivo, in, Enciclopedia del Diritto, vol. XII, Milo, 1964, pp. 659 € 88.3 FRANCESCO CICALA, I! Rapporto Giuridico, Milfo, 1959, pp. 57 © 88., etc. (21) Diz este autor (ob. cit., p. 218): «Direito subjectivo € uma norma juridica estabelecida a favor de uma pessoa, cuja tutela depende da vontade individual de este; ou entfo o poder de disposic’o sobre a tutela juridica estadual posto a favor de um interesse individual», Confere, também, a nogio de AUGUST THON in Norma Gisridica ¢ Diritto Sog- sitive — Indagini di Teoria Generale del Diritto (traducio italiana), Padua, 1939, p- 133 € a de KELSEN, citada em FRANCOIS LONGCHAMPS in ‘observations sur la notion de droit subjectif, in Archives de Philoso- pie du Droit, tomo IX, Paris, 1964, p. 63. DA NATUREZA DO DIREITO DO LOCATARIO n subjectivo a partir do momento coactivo que nele descobrem, a doutrina vai tentar operar uma sintese. Surgem, entio, defi- nigées tais como «interesse protegido por um poder» ou «poder do interesse» (22). Pensamos que boa parte da doutrina actual continua presa no dilema poder - interesse. Fala-se assim, em «poder concedido pela ordem juridica para a satisfacio dos interesses huma- nos» (73), «poder individual de regular o comportamento de outrem de acordo com a ordem objectiva» (24) ou «poder concedido pela ordem juridica para tutela de um interesse ou de um nucleo de interesses de uma ou mais pessoas determi- nadas» (25), IV. Pensamos que a superagio do dilema mencionado tem de ser procurada através do repensar das coordenadas gerais que informam o diteito subjectivo e nfo apenas me- diante arranjos tentados com os elementos que WINDSCHEID e IHERING nos legaram. E bastarfio algumas palavras para justificar a afirmagéo produzida: o poder da vontade nao pode intervir na nogao de direito subjectivo porque hd direitos onde a vontade falta de todo (2); outro tanto sucede com o interesse uma vez que existem interesses juridicamente tutelados que nfo sio direitos subjectivos (27) e existem direitos subjec- tivos que no acarretam para o seu titular, qualquer interesse, nem objectivo, nem subjectivo (28). (22) E a posigao de IELLINEK, BEKKER, MICHOUD, FER- RARA, etc. (23) ENNECCERUS, ob. cit., I, vol. 1.°, p. 291. (24) SFORZA, Diritto Soggettivo, cit., p. 694. (25) CASTRO MENDES, Teoria Geral cit., II, p. 20. (2) Sao cldssicos os exemplos do menor, do demente ou até, sim- plesmente, da pessoa que ignora a existéncia de um direito seu. Nin, pensaria, hoje em dia, defender esta concepg#o com o sofisma da imputacio da vontade alheia, através do nexo de representacdo. (27) Os

Você também pode gostar