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Revista Crítica de Ciências Sociais

113 | 2017
Número não temático

Klein, Naomi (2016), Tudo pode mudar. Capitalismo vs.


clima. Tradução de Ana Cristina Pais
Pedro Miguel Cardoso

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/rccs/6718
DOI: 10.4000/rccs.6718
ISSN: 2182-7435

Editora
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Edição impressa
Data de publição: 1 setembro 2017
Paginação: 179-181
ISSN: 0254-1106

Refêrencia eletrónica
Pedro Miguel Cardoso, « Klein, Naomi (2016), Tudo pode mudar. Capitalismo vs. clima. Tradução de Ana
Cristina Pais », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 113 | 2017, posto online no dia 27 julho
2017, consultado o 23 setembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/rccs/6718 ; DOI : https://
doi.org/10.4000/rccs.6718
Revista Crítica de Ciências Sociais, 113, setembro 2017: 173‑184

Recensões

Madden, David; Marcuse, Peter (2016), In Defense of Housing. The Politics


of Crisis. London/New York: Verso, 240 pp.*
“Críticos, reformadores e ativistas têm evo- ao recenseamento das situações de habi-
cado o termo ‘crise habitacional’ por mais de tação precária (Resolução da Assembleia
um século. A expressão tornou-se de novo da República n.º 48/2017) e começou o
omnipresente após o colapso financeiro processo de preparação de uma lei de bases
global de 2008. Mas devemos ser cuidadosos da habitação.2 Lisboa encontra-se no meio
na utilização do conceito de crise. de uma “tempestade perfeita” no que toca
A ideia de crise implica que a habitação à habitação.3 Por um lado, persistem graves
inadequada ou inacessível é uma con- situações de habitação precária e de habi-
dição fora do normal, um afastamento tação social em condições extremas.4 Por
temporário de um critério que funciona outro, muitas áreas do centro da cidade
bem. Mas para as classes trabalhadoras e encontram-se num processo de rápida gen-
comunidades pobres, a crise habitacional trificação e/ou turistificação, que resultam
é a normalidade. A escassez de habitação da enorme pressão imobiliária motivada
tem sido a marca dos grupos dominados ao por uma série de fatores que incidem
longo da história.” (p. 9; tradução do autor) sobre a oferta e procura de habitação: pelo
A “crise habitacional” tornava-se tema lado da oferta, veja-se a liberalização do
de discussão em Lisboa precisamente na mercado de arrendamento (Novo Regime
altura em que acabava de ler In Defense de Arrendamento Urbano aprovado nos
of Housing. A visita em dezembro de anos da “Troika”); pelo lado da procura,
2016 de Leilani Farha, Relatora Especial vejam-se fenómenos como investimentos
das Nações Unidas para a Habitação estrangeiros atraídos pelos Vistos Gold,
Adequada, desencadeou debate polí- a repentina ascensão de Lisboa entre várias
tico e, aparentemente, ação pública, em cidades cool à escala global, ou a afluência
torno de um tema que, durante muito de estudantes e start-uppers. Porém, seria
tempo, parecia já não ser relevante. errado considerar conjuntural a crise habi-
Após uma reportagem e uma entre- tacional em Lisboa, uma vez que se trata
vista a esta relatora publicadas no jornal da “óbvia” consequência de uma trajetória
Público, 1 a Assembleia da República com décadas de história e várias vertentes:
recomendou ao governo que procedesse o incumprimento e as falhas do Programa

*
Agradeço a Ana Catarina Ferreira pela revisão do Português.
1
Ver www.publico.pt/2016/12/11/sociedade/noticia/este-e-o-apocalipse-dos-sem-direito-a-
-casa-1754071 e www.publico.pt/2016/12/13/sociedade/noticia/nao-se-pode-demolir-uma-casa-
-sabendo-que-a-pessoa-vai-ficar-semabrigo-1754581. Consultados a 26.06.2017.
2
Ver www.dn.pt/lusa/interior/ps-da-luz-verde-a-deputada-independente-helena-roseta-para-criar-
-lei-de-bases-da-habitacao-6241978.html. Consultado a 26.06.2017.
3
Uma expressão que me foi sugerida em conversas com o Luís Mendes, a quem agradeço.
4
Ver o trabalho da Habita, Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade (www.habita.info/).
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Especial de Realojamento lançado em O habitacional é político – ou seja, a forma


1993 para “acabar com as barracas”;5 a que um sistema habitacional assume é
financeirização facilitada pela transição sempre o resultado de lutas entre diferen-
da política da habitação para o suporte à tes grupos e classes. A habitação levanta
propriedade individual a partir do fim dos inevitavelmente questões sobre a ação
anos 80;6 e, de uma perspetiva mais geral, pública e o sistema económico em geral.
a neoliberalização das políticas urbanas e Porém, o modo através do qual o anta-
de regeneração.7 gonismo social influencia a habitação tem
O livro de David Madden e Peter Marcuse sido frequentemente ocultado. Este livro
proporciona pistas úteis para a compreen- constitui uma tentativa de os trazer de volta
são da conexão entre crises locais, como à luz.” (p. 4; tradução do autor).
a que experimenta Lisboa, e a escala O livro estrutura-se em torno de um
global da habitação e sua financeirização; conflito central entre as conceções alter-
e entre a dimensão conjuntural e o longo nativas, mas (inevitavelmente?) entrela-
termo da mercantilização da habitação. In çadas, da habitação (housing) como casa
Defense of Housing é um ensaio político, (home) e (valor) imobiliário (real estate).
fundamentado na extensa experiência de Organiza-se em cinco capítulos, com uma
investigação e ativismo de Peter Marcuse progressão que nos leva da abordagem
nas áreas da crítica do planeamento conceptual até ao papel dos movimentos
urbano, da gentrificação e da habitação, sociais. O primeiro capítulo mostra como
com uma robusta estrutura teórica assente a “crise” atual resulta das trajetórias que
no Marxismo clássico, bem como em auto- levaram o paradigma do real estate a
res como Henri Lefebvre ou Iris Marion ganhar força sobre a home.9 O segundo
Young.8 capítulo debate as implicações da mercan-
Logo na introdução os autores clarificam tilização da habitação para alienação social
a sua conceção do “problema” e o contri- e o acréscimo da desigualdade. O terceiro
buto esperado: “Entendemos a habitação capítulo enfatiza a interseccionalidade entre
de uma perspetiva mais abrangente [para a habitação e as questões de (opressão de)
além da perspetiva tecnicista dominante]: classe, género e “raça”.10 O quarto capítulo
como um problema de economia política. expõe os “mitos” da política de habitação

5
A história do PER e, especialmente, o papel dos peritos na sua ideação e implementação são
os temas fulcrais do projeto “exPERts. Making sense of planning expertise: Housing policy
and the role of experts in the PER” (https://expertsproject.org/; financiamento FCT: PTDC/
ATP-EUR/4309/2014).
6
Ver: Santos, Ana Cordeiro; Teles, Nuno; Serra, Nuno (2014), “Finança e habitação em Portugal”,
Cadernos do Observatório sobre Crises e Alternativas, 2.
7
Ver: Mendes, Luís (2014), “Gentrificação e políticas de reabilitação urbana em Portugal: uma
análise crítica à luz da tese rent gap de Neil Smith”, Cadernos Metrópole, 16(32), 487-511; Tulumello,
Simone (2016), “Reconsidering Neoliberal Urban Planning in Times of Crisis: Urban Regeneration
Policy in a ‘Dense’ Space in Lisbon”, Urban Geography, 37(1), 117-140.
8
Para exemplos de trabalhos teóricos, ver: Madden, David (2012), “City Becoming World: Nancy,
Lefebvre, and the Global-urban Imagination”, Environment and Planning D, 30(5), 772-787;
Marcuse, Peter (2014), “Reading the Right to the City”, City, 18(1), 4-9.
9
Deve dizer-se que é bastante surpreendente a ausência de Gramsci entre as referências teóricas
utilizadas, pois o conceito de hegemonia podia proporcionar importantes pistas para uma melhor
compreensão da própria aceitação geral da dominação do paradigma de real estate entre as classes
e os grupos que mais são afetados pela crise da habitação.
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no contexto das democracias liberais oci- basicamente, se reduz à retirada de poder


dentais (sobretudo nos EUA), sugerindo de “peritos e burocratas” (pp. 213-216).
que as políticas têm reproduzido, mais do Algo que é muito compreensível no con-
que resolvido, o problema da habitação. texto dos EUA onde o ceticismo face aos
Finalmente o quinto capítulo faz uma “peritos” está relacionado com o enorme
reflexão sobre o papel dos movimentos poder que tiveram personagens como
sociais em Nova Iorque, as suas vitórias e Robert Moses (talvez o padre do moder-
os seus retrocessos. Na conclusão os autores nismo urbanista norte-americano) e o papel
apresentam uma série de propostas para do zonamento na (re)produção de padrões
reformas “transformativas”, nem utópicas, de segregação e exclusão – fenómenos que
nem “liberais” (no seio do paradigma domi- nos contextos europeus tiveram padrões
nante): demandas atuáveis e, ao mesmo bastante diferentes, incluindo na habitação
tempo, capazes de proporcionar a progres- onde muitas vezes os “peritos” deram voz
siva viragem de paradigma (do predomínio a instâncias alternativas às dominantes.11
do real estate para a home). De um modo geral, a crítica de Madden e
In Defense of Housing é um importante Marcuse é “global” numa escala que, porém,
contributo teórico – organizando de corresponde ao mundo (pós-)industrializado
forma coerente muitas perspetivas críticas (e mais urbanizado), ou seja principal-
sobre habitação e suas políticas – e polí- mente ao contexto dito “ocidental”, com
tico – proporcionando úteis instrumentos as suas dinâmicas próprias e os seus ciclos
conceptuais e práticos ao ativismo e à de provisão de welfare – onde encontramos
reforma política. Seria de esperar, no qua- padrões de urbanização concentrada e
dro da nova atenção ao tema que sublinhei um papel central do Estado através das
inicialmente, uma rápida tradução para “políticas da habitação”. Assim, uma
português, que pudesse levar o livro além pista para futura investigação e reflexão
do mundo académico. teórica será uma expansão do foco da
Deve no entanto sublinhar-se a sua prin- análise para as dinâmicas de urbaniza-
cipal limitação, aliás reconhecida pelos ção global, ou melhor, planetária, 12 e
seus autores em algumas passagens. as dimensões de habitação (e suas polí-
Embora “global” no seu objetivo teórico, ticas) nessa escala – focando nas (des)
In Defense of Housing é claramente influen- conexões entre centros e “periferias”
ciado pelo contexto norte-americano, do sistema capitalista, contextos pós-
sobre o qual se debruçou grande parte da e “proto-industriais”, contextos onde a
atividade dos autores. Um bom exemplo “crise” assume um cariz mais conjun-
pode ser encontrado na sétima proposta de tural ou mais estrutural. Numa época
reforma (democratize public housing) que, em que a gentrificação parece tornar-se

10
No mundo anglófono, o tema da “raça” é relativamente pouco conflitual, no sentido em que
até nos círculos científicos preocupados com o “racismo” (como no caso deste livro) se aceita a
utilidade do conceito de “raça” para definir diferenças que, na Europa, são mais frequentemente
consideradas étnicas. Eis a utilização das aspas.
11
Utilizando o exemplo do PER e as primeiras evidências do projeto exPERts já mencionados,
veja-se o trabalho do grupo de Ecologia Social do LNEC nos anos 90, ou de “peritos” como Isabel
Guerra ou Helena Roseta.
12
Veja-se o trabalho de Neil Brenner e colegas no Urban Theory Lab da Harvard Graduate School
of Design.
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verdadeiramente global, e a habitação um embora parcial, para uma compreensão da


dos motores centrais das dinâmicas de “crise planetária da habitação”.
opressão e resistência, o livro de Madden
e Marcuse constitui um importante avanço, Simone Tulumello

Gingras, Yves (2014), Les dérives de l’évaluation de la recherche. Du bon


usage de la bibliométrie. Paris: Editions Raisons d’Agir, 122 pp.

As tecnologias que mais se desenvol- No primeiro, o autor faz uma descrição


vem hoje são as da gestão, da coleta, da das origens e dos modos de utilização da
análise e transmissão das informações. bibliometria, uma subárea da cientome-
Nesse sentido, são elaborados diversos tria. Aquela se limita à análise das publi-
indicadores de excelência e de qualidade cações e seus proprietários, enquanto a
que se multiplicam, ao mesmo tempo tarefa da cientometria é medir o conjunto
que se camuflam as bases de construção das atividades científicas. Antes da exis-
desses indicadores estatísticos. É no tência dos computadores, as análises
contexto de reforma das universida- eram feitas manualmente. Para o autor,
des, particularmente na Europa, desde é a publicação do estudo do estatístico
o início do ano 2000, que o conceito Alfred Lotka sobre a distribuição da pro-
central passou a ser a avaliação. Tudo dutividade científica dos pesquisadores
deve ser avaliado no ensino superior: os que define o início da bibliometria, nos
professores, os pesquisadores, os alunos, anos 1920.
os programas de formação e as universi- Segundo Benoît Godin, os psicólogos
dades. O método empregado consiste em fizeram o primeiro estudo, no início do
utilizar as publicações e citações como século XX , analisando a evolução das
indicadores de produção científica. Estes publicações da área da psicologia. No
são utilizados como medidas objetivas entanto, o seu objetivo não era criar
do valor dos resultados das pesquisas. uma lei geral como fez Lotka (Gingras,
Mediante o avanço dos modos de ava- 2014: 16). A quantidade de revistas está
liação, muitos são os pesquisadores que em constante crescimento e as pesquisas
criticam a bibliometria e seus efeitos per- dos bibliotecários se interessaram por
versos. A bibliometria tornou-se sinônimo métodos objetivos que permitam selecio-
de avaliação, como se o único objetivo do nar as mais úteis para os pesquisadores.
trabalho acadêmico fosse a avaliação da É nesse contexto de gestão das revistas,
pesquisa. com a análise sistemática das referências
O objetivo do livro de Yves Gingras não é (citações) contidas nesses periódicos, que
apenas apresentar, de modo sistemático, os a bibliometria emerge.
métodos bibliométricos de pesquisa e seus A análise descritiva foi aplicada pri-
diferentes usos, mas também demonstrar meiramente às ciências da natureza e,
que a bibliometria é um campo cujos posteriormente, às ciências huma-
modos de aplicação são mais abrangentes. nas e sociais. O autor constatou que,
O livro contém quatro capítulos. depois da Segunda Guerra Mundial,
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com o aumento da quantidade de arti- faz referências a livros e não a artigos;


gos publicados, tornou-se impossí- nas áreas da física e da química, 80%
vel para um pesquisador acompanhar dos artigos se referem a outros artigos.
as publicações de sua própria área. Daí a diferença entre as práticas de
A concepção que surge é a de um sistema pesquisa das diferentes disciplinas.
de indexação de todos os artigos citados. O autor alerta para o perigo da imposição
O objetivo é facilitar a pesquisa biblio- de um modelo único de elaboração de
gráfica utilizada nos artigos citados, para divulgação dos resultados da pesquisa
encontrar outros que estudam o mesmo (p. 38).
objeto. Isso permite construir rapida- A análise das citações permite compreen-
mente uma bibliografia pertinente. der o modo de recepção de uma teoria.
Para Yves Gingras, o contexto de emer- O autor demonstra que o Science
gência da bibliometria sugere que o Citation Index (SCI) era primeira-
objetivo é a gestão da literatura científica, mente um instrumento de pesquisa
não tendo nenhuma relação direta com a bibliográfica e não um instrumento
avaliação da pesquisa ou do pesquisador, para medir a performance dos pesqui-
temática que não aparece no período. sadores. A difusão da SCI modifica as
É no início de 1980 que a bibliometria práticas científicas que serão vigiadas
começa a ser utilizada para avaliação dos por avaliadores, sobretudo desde 1970,
grupos de pesquisa e se torna um instru- momento em que as citações passam
mento de gestão da carreira universitária. a ser consideradas como instrumentos de
Durante os anos 1990, torna-se um ins- medida da qualidade da pesquisa. Para
trumento de avaliação dos pesquisadores. Gingras, um dos efeitos perversos desse
No segundo capítulo, o autor demonstra modelo é a autocitação (p. 52).
como a bibliometria pode se tornar um ins- No terceiro capítulo, Gingras analisa a
trumento indispensável para a pesquisa. lógica da multiplicação de avaliações,
Os formatos de papel do índex não as quais são submetidas ao universo do
permitiam uma análise global, o que é ensino superior e da pesquisa e à maneira
possível hoje com a Internet. As tec- de impor progressivamente os métodos
nologias da informação e comunicação bibliométricos, desde 1970. O autor
transformaram o índex em uma verda- rejeita de imediato a ideia neoliberal de
deira base de dados. Com esse avanço, que a pesquisa ficou muito tempo sem
a partir das bases de dados bibliométri- ser avaliada. Ora, desde o século XVII,
cos, é possível encontrar as citações dos a avaliação da pesquisa está presente
autores de um artigo. Isso possibilita no processo da institucionalização da
estabelecer relações entre a pesquisa pesquisa científica e o problema hoje é
científica e a inovação tecnológica. a natureza da sua proliferação e não a
A bibliometria consistia apenas em contar avaliação em si mesma. É preciso dizer
os documentos, o que permitia ter uma que a avaliação era entendida como um
visão do desenvolvimento e da estrutura instrumento interno que faz avançar o
da ciência em diferentes países. debate e as inovações científicas.
Convém ressaltar que não se pode ter uma Durante muito tempo, a avaliação era
visão global da ciência, sem a bibliome- feita pelos pares, como Isaac Newton
tria que fornece os principais indicadores foi avaliado, ao submeter um artigo em
do avanço da ciência desde 1970. Assim, 1672. Da mesma forma, Max Planck
a maioria dos artigos das ciências humanas preferia solicitar alterações, a recusar
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o artigo de um colega. Albert Einstein, Como no caso da economia em que o


cujos artigos eram sempre aceitos, ficou crescimento é medido a partir de um
surpreso, ao ser informado que seu indicador principal o PIB. A questão
artigo havia sido recusado pela Physical central diz respeito à classificação que
Review. Ele considerou as observações serve o marketing das universidades e,
e publicou em outra revista (pp. 56-57). portanto, à competição entre as univer-
O mesmo processo de avaliação de sidades e os pesquisadores.
artigos se aplica a projetos de pesquisa, Desde os anos 1990, promove-se o mer-
cuja finalidade é a alocação dos recursos cado mundial da educação superior e
financeiros. A objetividade dos números tudo se inscreve na corrente do neolibe-
esconde o consenso entre os membros da ralismo que transforma as universidades
comissão avaliadora dos projetos. A ava- em um mercado como os outros. Alguns
liação analisada dos pesquisadores é um especialistas da avaliação atestam que as
tipo de procedimento administrativo avaliações praticadas não têm nenhum
que, usando os dados da bibliometria, valor científico, sendo que muitas uni-
suscitou inquietação desde o nascimento versidades a utilizam para vender sua
deste método. qualidade. O autor fundamenta-se em
Para Eugene Garfield, as citações permi- dados empíricos (pp. 98-99) e conclui
tem o acesso aos artigos e aos que citam, afirmando que a bibliometria é essen-
o que ajuda a emitir um julgamento. cial para fazer a cartografia global do
A quantidade de citações não pode estado da pesquisa, identificar as diversas
substituir tal julgamento (p. 60). Todo tendências da pesquisa e das práticas
instrumento pode se distanciar dos usos de publicação nas diversas disciplinas.
legítimos e, no caso analisado, cabe ao No entanto, o seu modo de aplicação
campo acadêmico reflexão crítica sobre para avaliar a produtividade é um desvio
a avaliação, para impedir os efeitos dos de finalidade que pode ser perverso.
indicadores como definidor da perfor- Gingras analisa os modos de emergên-
mance do pesquisador. cia da avaliação e seus efeitos, mas na
No último capítulo, Gingras analisa os conclusão não faz uma crítica à situação
indicadores mais utilizados para avaliar atual da avaliação dos pesquisadores,
os pesquisadores e, ao mesmo tempo, cri- nem aponta alternativas de ação para
tica os modos de aplicação. Ele entende combater os efeitos do produtivismo
por indicador uma variável que pode ser na vida cotidiana dos pesquisadores.
medida e que visa representar fielmente O autor faz referência, mas não apro-
a relação entre um conceito dado e a funda a ideia de que a avaliação é um
propriedade do objeto a ser medido. mecanismo moderno de controle e ins-
Como exemplo, ele cita a inflação (p. 92). trumento de gestão que emerge com a
O que surpreende mais o autor é o fato estatística e o mercado do conhecimento.
de que a multiplicação de indicadores Desse modo, a estatística tem uma legi-
não é acompanhada por critérios bem timidade científica como instrumento
definidos, para controlar a validade des- de prova, mas isso não é suficiente, pois
ses indicadores. O autor analisa as várias ela tem igualmente uma legitimidade
fontes de dados como a Web of Science, social para poder exercer um papel de
a Scopus e o Google Scholar e consta que coordenação, ou seja, de linguagem
a tendência nos debates sobre a avalia- comum entre os atores sociais. Os usos
ção é reduzir tudo ao mesmo indicador. sociais dos instrumentos estatísticos e
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da avaliação se constituem como novos atores sociais, mas isso é mais perceptível
modos de dominação, de gestão e de do ponto de vista de uma sociologia da
governança. Assim, a política dos indica- quantificação.
dores estatísticos domina a sociedade ao
retroagir sobre os comportamentos dos Antonio Paulino de Sousa

Klein, Naomi (2016), Tudo pode mudar. Capitalismo vs. clima. Tradução
de Ana Cristina Pais. Lisboa: Editorial Presença, 653 pp.

Vivemos em tempo de crise. As escolhas dinheiro que gastam em publicidade e


que fizermos serão decisivas. Ou mudamos seus efeitos negativos, à exploração dos
radicalmente o nosso sistema económico, seus trabalhadores.
ou ele muda radicalmente o nosso mundo. Em Tudo pode mudar a autora sustenta que
O capitalismo e o clima estão em colisão. a problemática das alterações climáticas
As alterações climáticas são uma batalha traz consigo um “poder revolucionário”
entre o capitalismo e o planeta. É esta (Capítulo 1). Para evitar um “futuro som-
a tese da jornalista e ativista canadiana brio” é necessário mudar o modo como
Naomi Klein. Publicado em 2014,1 Tudo vivemos e “como as nossas economias
pode mudar pode ser considerado uma funcionam”, mudar as “histórias que
sequela de um livro anterior que a autora contamos sobre o nosso lugar na Terra”
intitulou A doutrina do choque: a ascensão (p. 15). A crise climática pode, por isso,
do capitalismo de desastre. 2 Em 2008, “constituir a base de um poderoso movi-
Naomi Klein argumentou que o mercado mento de massas” (p. 19).
desregulado e global não triunfou demo- Num regresso à sua crítica do “funda-
craticamente. Pelo contrário, o capitalismo mentalismo do mercado livre” (Capítulo
usa constantemente a violência contra o 2), Klein denuncia a imposição de um
indivíduo e a sociedade, aproveitando-se quadro político global com máximas
das crises (guerra, desastres ou insegu- liberdades para as empresas multinacio-
rança) para introduzir medidas impopu- nais, que detêm demasiado poder político.
lares de choque económico. Também Denuncia os mecanismos que lhes dão
podemos considerar Tudo pode mudar 3 esse poder. Salienta a existência de lóbis
como mais um volume da sua crítica ao ideológicos e económicos poderosos
capitalismo. Vale a pena recordar outro por detrás do negacionismo em matéria
livro da autora publicado em 2000, com climática. Segundo ela, podemos encon-
o título No Logo,4 onde aborda as más trar nas negociações internacionais das
práticas das grandes marcas, desde o últimas décadas dois processos paralelos:

1
Naomi Klein (2014), This Changes Everything: Capitalism vs. The Climate. New York: Simon
& Schuster, Inc.
2
Naomi Klein (2008), The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism. New York: Henry
Holt and Company, Inc.
3
Venceu o prémio Hilary Weston Writers’ Trust Prize for Nonfiction.
4
Naomi Klein (2000), No Logo: Taking Aim at the Brand Bullies. Toronto: Vintage Canada Edition,
Random House of Canada Limited.
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o falhanço do processo climático e o vito- O extrativismo também está ligado à ideia


rioso processo de globalização empresarial. de “zonas de sacrifício”, lugares que não
É o fundamentalismo de mercado que tem contam, que podem ser envenenados e
sabotado a resposta coletiva às alterações destruídos. Esta “ideia tóxica sempre esteve
climáticas. Neste sentido, afirma que ligada ao imperialismo”, com povos e cultu-
grande parte do movimento pelo clima ras sacrificáveis e noções de superioridade
desperdiçou décadas procurando soluções racial (p. 211).
de mercado para o problema. As alterações Neste livro, Naomi Klein também aborda
climáticas constituem um desafio profundo as “ligações entre grandes empresas e gran-
ao “centrismo cauteloso” e ao “fetiche des grupos verdes” (Capítulo 6) e a ideia
do centrismo” (p. 37). de que são “os multimilionários verdes”
Para superarmos a crise climática neces- que “nos vão salvar” (Capítulo 7). Refere-se
sitamos de ação coletiva numa escala sem às boas intenções de alguns, apresentando
precedentes. A difamação da ação coletiva factos de como as exigências de construir
e a veneração da busca do lucro infiltra- um império de sucesso superaram o impe-
ram-se nas nossas sociedades e nas nossas rativo climático.
almas. Por isso é necessário “ultrapassar Sobre as soluções tecnológicas para os
os bloqueios ideológicos” (Capítulo 3). problemas, a autora é clara e mesmo
Para evitarmos o pior, as soluções modestas demolidora, afirmando que a geoenge-
não bastam. Os defensores do capitalismo nharia pode ser “o último ato trágico nesta
verde não são realistas quando apregoam história fantasista de controlo” (p. 326).
as maravilhas da tecnologia verde ou a dis- Pergunta “a solução para a poluição é mais
sociação dos impactos ambientais da ati- poluição?” (Capítulo 8). A geoengenharia
vidade económica. A economia não pode é de alto risco e com grande probabilidade
continuar a funcionar da mesma maneira. de criar ainda mais problemas. A solução
A autora acredita que há uma relação clara não é consertar o nosso mundo, mas sim
entre a propriedade pública e a capacidade consertarmo-nos a nós próprios. É neces-
das comunidades abandonarem os com- sário regressar à precaução. Por exemplo,
bustíveis fósseis. É necessário derrubar um cabe à indústria provar que os seus méto-
dos mitos ideológicos da era do mercado dos são seguros. Quando a saúde humana
livre: que os serviços geridos pelo setor pri- e o ambiente estão substancialmente em
vado são superiores aos do setor público. risco, não é necessária certeza científica
O “planeamento e a proibição” (Capítulo absoluta antes de passar à ação.
4) têm também um papel a desempenhar. As tentativas “de enfrentar as alterações
Mas um planeamento que difere das climáticas” serão infrutíferas, a não ser
versões mais centralizadas do passado. que sejam encaradas “como parte de uma
As comunidades deveriam receber pode- batalha muito mais alargada de cosmo-
res para definir os métodos que melhor visões, um processo de reconstrução e
funcionam para elas. A descentralização reinvenção da ideia do que é coletivo,
do poder e a ação climática bem-sucedida do que é comunitário, do que são recursos
andam de mãos dadas. comuns, do que é civilizado e do que é
É também fundamental “ir além” do cívico” (p. 552). As soluções para a crise
modelo económico extrativista (Capítulo 5). climática “são também a melhor esperança
O extrativismo é uma relação não recíproca de construir um sistema económico muito
com a Terra, baseada no domínio e na mais estável e equitativo, que fortaleça
violência, uma relação que tira sem cuidar. e transforme a esfera pública, promova o
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trabalho em abundância e digno e controle político e económico, mas para pior? Como
radicalmente a ganância empresarial” terá dito Walter Benjamin “cada ressurgi-
(p. 159). Uma resposta robusta às reduções mento do fascismo dá testemunho de uma
de emissões pode constituir a base de um revolução fracassada”.5 É uma responsabili-
projeto económico transformador. Daí a dade histórica. Cabe-nos dar a resposta nas
pertinência do slogan “Alteração do sis- próximas décadas.
tema, não alterações climáticas” (p. 195). Este livro, que como o anterior já deu
Naomi Klein neste livro faz um intenso origem a um documentário cinematográ-
apelo à mobilização e à ação. Apresenta fico (realizado por Avi Lewis), é também
exemplos da crescente resistência dos uma tomada de posição num crescente
cidadãos aos planos da indústria extra- debate que se tem desenrolado sobre a pos-
tiva de combustíveis fósseis (Capítulo 9) sibilidade de se superar a crise climática
e acredita no potencial destes movimentos (e ecológica) no quadro do funciona-
para revitalizar a democracia (Capítulo 10). mento do sistema capitalista, nomeada-
Defende os direitos dos indígenas (Capítulo mente na sua versão neoliberal. A célebre
11) como direitos de todos e o pagamento expressão “É mais fácil imaginar o fim
da dívida histórica dos países mais ricos do mundo do que o fim do capitalismo”
(Capítulo 12). Podemos no entanto levan- está a perder validade. Entre aqueles que
tar algumas questões: Como fazer face aos acreditam que podemos superar a crise
poderosos interesses instalados e mobilizar climática no quadro do capitalismo e
um conjunto de pessoas e países que não aqueles que defendem que só no quadro
se sentem seriamente ameaçados pelas de um sistema substancialmente diferente
alterações climáticas no imediato? Saberão se pode garantir a sustentabilidade ecoló-
as sociedades superar as tensões resultantes gica e o bem-estar da humanidade, Naomi
das crescentes migrações ambientais e resistir Klein toma posição.
à tentação da guerra? Poderão as alterações
climáticas contribuir para mudar o sistema Pedro Miguel Cardoso

Pereira, Ricardo Araújo (2016), A Doença, o Sofrimento e a Morte


entram num Bar: uma espécie de manual de escrita humorística.
Lisboa: Tinta-da-China, 112 pp.

No seu novo livro, Ricardo Araújo Pereira RAP encontra no sentido de humor um
(RAP) propõe-se pensar a natureza do mecanismo destinado a manipular e a
humor. O título da obra, que convoca a iludir o medo que temos da “doença”,
“morte” para o início de uma anedota, do “sofrimento” e da “morte”. Um atri-
é revelador da forma como o autor o irá buto funcional – algo parecido com um
fazer: explorando a ligação inextricável instinto de sobrevivência – que desenvol-
do humor com a dor e o sofrimento. vemos de forma a conseguir fazer face a

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Walter Benjamin citado por Slavoj Žižek (2013), Demanding the Impossible. Organização de
Yong-june Park. Cambridge: Polity Press.
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uma sempre latente angústia existencial. grau de atenção desproporcional; quando


De facto, já nas suas conclusões, RAP são opostas duas figuras de personalidade
chega a defender que é a consciência contrastantes; ou, ainda, quando existe
da nossa própria finitude que nos torna uma diferença clara e percetível entre
capazes de rir; e o medo da morte que nos o que um sujeito diz e faz.
motiva a fazê-lo. De seguida, o autor explica como “Imitar
Dito isto, não deixa de ser curiosa a uma coisa” pode ser proveitoso do ponto
forma como este título acaba por escon- de vista humorístico. O processo é sim-
der do leitor uma parte importante do ples, mas “perverso”, avisa RAP: consiste
argumento: a ideia de que o humor é em escolher algum aspeto de uma pes-
uma ferramenta epistemológica. Ou seja, soa, objeto, discurso, etc. para cuidadosa-
o humor e comédia constituem, na ver- mente imitar e, assim, realçar e ridicularizar.
dade, uma forma específica de pensar e O autor sublinha a crueldade deste método
revelar a realidade. RAP (p. 39) afirma: em que o imitado “não está a ser analisado de
“Esta é a minha hipótese: [o] sentido de longe: está, para todos os efeitos, presente, e
humor, é […] um modo especial de olhar esvaziado de qualquer poder” (p. 54).
para as coisas e de pensar sobre elas”. Para No quinto capítulo, é exposto o proce-
o autor, este “modo de olhar” é posto em dimento de “virar uma coisa de pernas
prática em dois momentos diferentes: para o ar”. O autor explica que se trata de
primeiro, com a adoção de um “ponto exercitar uma “simetria reflexiva” (p. 64),
de vista experimental” e, depois, com a segundo a qual os termos originais de uma
consequente revelação de aspetos oculta- situação são cuidadosamente invertidos.
dos pelas formas viciadas de olhar o real. É criada, portanto, uma nova situação
Rimo-nos, portanto, quando são reveladas apenas com recurso aos elementos de uma
as fraquezas e insuficiências das lógicas situação precedente. Trata-se, segundo
de que habitualmente dependemos para o autor, de uma operação feita segundo
processar a experiência. parâmetros rigorosos que deve conseguir
A obra começa com um “Preâmbulo rela- produzir uma representação dotada de
tivamente inútil”, em que são sucintamente coerência interna.
explicadas as principais teorias formuladas No capítulo seguinte, RAP refere como
para compreender o humor, e prossegue “aumentar uma coisa” também pode ter
com “Algumas considerações um pouco efeitos cómicos. Este processo corres-
mais proveitosas”, onde são apresentados ponde, na verdade, a uma “ampliação”, ou,
os principais argumentos do autor sobre por outras palavras, a um zoom in. O efeito
o assunto. Os restantes capítulos do livro, é o de que, à medida que uma determinada
sempre curtos e ricos em exemplos concre- coisa se torna mais percetível e nítida, tam-
tos, leem-se como um manual de utilização bém se torna excessiva, grotesca e ridícula.
do humor enquanto ferramenta epistemoló- Seguidamente, o autor analisa os efeitos
gica. Ou seja, tal como indica o subtítulo da de “Mudar uma coisa para outro sítio”.
obra, cada capítulo corresponde à descrição Este é um procedimento que consiste em
de um procedimento que permite pôr em tirar uma “peça” – i.e. uma personagem,
prática uma perspetiva humorística. um facto, um enredo ou um raciocínio – e
No capítulo “Opor uma coisa a outra”, alocá-lo noutra “engrenagem” – i.e. um
é explorado o exercício da contradição. contexto, uma narrativa ou uma lógica.
É cómico, por exemplo, quando um tema Mais uma vez, trata-se de um procedi-
notoriamente pouco importante recebe um mento que depende de uma operação
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lógica cuidadosa. Ou seja, a troca deve e sério, para pensar qual a expectativa
fundar uma nova coerência a partir de um que queremos depositar sobre a comédia
realinhamento improvável de elementos e a sátira.
preexistentes. RAP (p. 85) dá o exemplo Em segundo lugar, e apesar de o autor
de Aristipo de Cirene que, quando foi acu- ser um comediante de profissão, eu diria
sado de não amar o filho que ele próprio que este livro constitui um contributo
gerou, “respondeu que também gerava importante para as ciências sociais, e,
expetoração e, sendo ela inútil, a repelia em particular, para a antropologia.
igualmente para o mais longe possível.”. A verdade é que RAP inaugura uma linha
Finalmente, a última operação descrita por de análise do fenómeno humorístico que
RAP é a de “Repetir uma coisa”. Segundo pode revelar-se imensamente produtiva
o autor, o efeito cómico da repetição do ponto de vista antropológico. Quando
reside, em primeiro lugar, na forma como Pina Cabral (2000)1 se propôs a reequacio-
ela consegue “transformar uma bagatela nar a relação hierárquica que é geralmente
numa instituição”. Ou seja, a forma como estabelecida entre as noções de “margens”
a discussão exaustiva de um tema – por e “centro”, argumentou que as interpreta-
muito insignificante que seja – lhe atribui ções legítimas da vida social se constroem
uma importância excessiva e, portanto, em relação de contradição com as que per-
cómica. Em segundo lugar, a forma como maneceram ilegítimas. Mais: se é verdade
a repetição consegue acentuar ou revelar que a vida social tende a reger-se por um
o “caráter monomaníaco de uma figura”, conjunto restrito de significados legítimos,
produzindo, dessa forma, uma semelhante os indivíduos não deixam de adivinhar o
visão de desproporcionalidade e excesso. vocabulário mais abrangente que ficou
Este livro reveste-se de uma importância arredado. Diz este autor: “A hegemonia
simultaneamente política e científica. é como o foco teatral que, banhando de
Em primeiro lugar, é publicado numa luz intensa uma área específica do palco,
altura em que o humor assume particular transforma o resto numa relativa penum-
relevância enquanto terreno de disputa bra” (ibidem: 875). Nesse sentido, não é
política e ideológica. A candidatura e tanto o centro que dita as margens; mas
eleição de Donald Trump, cujos ecos tam- sobre as margens que se constrói o centro.
bém se fizeram sentir no debate público Ora, RAP encontra o humor justamente
português, colocaram novos pontos de nos interstícios dos significados culturais
interrogação sobre o que é esperado e exi- legitimados e nos reducionismos ineren-
gido dos comediantes. Será a sátira ainda tes às visões do mundo. Naquilo que é
uma ferramenta política útil em contextos marginal relativamente ao entendimento
de mediatização altamente direcionados? “normal” das coisas. Nesse sentido, o que
Ou – ecoando as recentes discussões em o autor acaba por propor é que pensemos
torno do politicamente correto – até que o humor enquanto forma produtiva de
ponto deverão os humoristas ser avaliados que os indivíduos dispõem para explorar
pelas dimensões morais e políticas do seu as contradições inerentes à estruturação
trabalho, e não só pelo sucesso que têm, dos significados sociais.
ou não, em induzir o riso? Este livro
constitui um ponto de partida importante, Afonso Bento

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Pina Cabral, João (2000), “A difusão do limiar: margens, hegemonias e contradições”, Análise
Social, XXXIV, 865-892.
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Simone Tulumello
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Av. Prof. A. De Bettencourt, 9, 1600-189, Lisboa, Portugal
Contacto: simone.tulumello@ics.ulisboa.pt

Antonio Paulino de Sousa


Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Av. dos Portugueses, 1966, Vila Bacanga São Luis-Maranhão, 65085-580, Brasil
Contacto: antonio.paulino@terra.com.br

Pedro Miguel Cardoso


Doutorando na Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade, 1649-004, Lisboa, Portugal
Contacto: cardoso.c.m.p@gmail.com

Afonso Bento
Doutorando em Antropologia no Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA, polo ISCTE-IUL)
Av. Forças Armadas, Edifício ISCTE-IUL, sala 2W2, 1649-026, Lisboa
Contacto: afonso.de.castro.bento@gmail.com

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