Você está na página 1de 2

PORTUGUÊS, 12º ANO

Prof. António Alves

Análise do poema

“O guardador de rebanhos”, de Alberto Caeiro

Este poema começa assim: “Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse”, mas a seguir,
Alberto Caeiro explica-se melhor, dizendo-se “pastor por metáfora”:

Minha alma é como um pastor,


Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.

Logo neste primeiro poema, O Guardador de Rebanhos, Caeiro dá o tom: ele é um ser natural, que vive no
seio da natureza (assim se explica a sua imagística e vocabulário simples, do campo semântico da natureza
– rebanhos, pastor, vento, sol, pôr de sol, como uma borboleta, ruído de choc alhos); que tem “pensamentos
contentes”, mas tem pena de saber que são contentes, porque “pensar incomoda como andar à chuva”.
Acrescenta que não tem ambições, nem a de ser poeta – “Ser poeta / é a minha maneira de estar sozinho”;
saúda os que o lerem e deseja-lhes sol e chuva, “quando a chuva é precisa”; que tenham, em suas casas
uma janela abert a e uma cadeira onde se sentem a ler os seus versos e que, ao lê-los, “pensem que (é) /
sou qualquer coisa natural”.

O sujeito lírico afirma nunca ter guardado rebanhos, “Eu nunca guardei rebanhos”, mas todo o poema nos
sugere que ele se comporta como se efetivamente os guardasse e que procede, mesmo, se bem que
ficticiamente, por artes do fingimento, como um guardador de rebanhos (“é como se os guardasse”). Não é,
então, um pastor verdadeiro, real, pois ele afirma-nos convicto “Eu nunca guardei rebanhos”, mas comporta -
se como se o fosse , “Mas é como se os guardasse”.

Há realmente uma parte de si, a alma, que age como um pastor e é, no poema, caracterizada como sendo
profundamente íntima da natureza, pois “Conhece o vento e o sol”, “E anda pela mão das Estações / a
seguir”, marcada pela sedução da viagem, “e a olhar”, preocupada sobretudo com o que vai observando –
de notar a personificação. Por causa da sua alma, o sujeito poético tem acesso a “Toda a paz da Natureza
sem gente” que vai sentar-se a seu lado.

“Mas eu fico triste” diz o sujeito lírico, explicando que a sua tristeza acontece quando um bem, por exemplo,
o sol que ao pôr-se, desaparece, e s e converte num mal, “E se sente a noite entrada“, como se se t rat asse
de uma desilusão que chega imperc etivelmente, “Como uma borbolet a pela janela”. De salientar as
aliterações e jogos de sons para ex primir o modo como o pôr -do-sol acontece à entrada da noite,
entristecendo o sujeit o poético. Este pôr do sol é “Para a nossa imaginação” sempre mais excessivo, bem
pior do que é na realidade. Esta tristeza do sujeito lírico é natural e justa, por isso ele conforma-se, não se

Publicado em http://port12ano.blogspot.com por António Alves


excede, “Mas a minha tristeza é sossego” “E é o que deve estar na alma” quando a alma se ocupa em
pensar , “Quando já pensa que existe”, não dando pela nat ureza, pelas flores que as mãos colhem, “E as
mãos colhem flores sem ela dar por isso”.

A alma do sujeit o poético encontra-se dividida, por uma lado, está devotada à simplicidade, à paz, à
natureza, à sensibilidade, por outro lado, vot a-se à tristeza, ao pensamento. Merece-se ser triste, confessa
o sujeito lírico, quando o pensamento invade a alma. É que os seus pensamentos aparecem “com um ruído
de chocalhos”, isto é de forma ruidosa, destituídos de simplicidade e “para além da curva da estrada” são
contentes, obstinados. Ele não lamenta que os seus pensamentos sejam contentes, eles sê -lo-iam de
qualquer modo, “Em vez de serem contentes... / Seriam... contentes. O que ele lament a é “Só tenho pena
de saber que eles são contentes / Porque, se o não s oubesse, / Em vez de serem... tristes, / Seriam
alegres”. Tudo isto, porque pensar incomoda, incomoda tanto como “andar à chuva / Quando o vento cresce
e parece que chove mais”., logo é o pensamento que gera a infelicidade e não a tristeza.

O sujeito poético confessa “Não tenho ambições nem desejos / Ser poeta não é uma ambição minha”. Ser
poeta “é a minha maneira de estar sozinho”, acrescenta. “Às vezes”, tem um desejo : “ser cordeirinho”
(simbolizando um ser pacífico, natural, ingénuo, que não pens a), Ou ser o r ebanho todo” para melhor sentir
a felicidade:
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),

E justifica-o com a necessidade de ultrapassar a tristeza que por vezes o assola, representada
simbolicamente pelo pôr-do-sol (o pôr do sol do verso 36 está relacionado com o pôr-do-sol do verso 9), da
nuvem que “passa a mão por cima da luz” (personificação) ofuscando-lhe a felicidade, do silêncio que
“corre... pela erva fora.
O sujeito lírico prossegue a sua caracterização enquanto pastor: ele é pastor quando escreve versos na
realidade e escreve versos no pensamento quando é pastor. Sente “um cajado nas mãos”, s ímbolo do
pastor, mas também da sua segurança, da sua estabilidade, e vê-se no cimo de um outeiro olhando o
rebanho (rebanho = ideias -> metáfora) e exigindo ingenuidade.

“E vejo um recort e de mim” é mais uma manifestação da dispersão que aflige o sujeito poético, ele não é
tudo aquilo que quer ser, eles sente -se dividido. E é nessa condição de pastor/poeta, sem outra ambiç ão
que não seja a de tentar ultrapassar a tristeza, a nuvem, o silêncio, que ele, ingénuo e simples, deseja
saudar todos os que lerem os seus versos. Ele é um mestre muito procurado por todos os que se
interessam pela sua doutrina, pela sua filosofia, saudando-os e brindando-os com tudo o que é simples e
objetivo, pac ífico e suave, ingénuo e natural: o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predileta, a
árvore antiga, a criança despreocupada...
E o que ele deseja, unicamente, é fazer-se passar por qualquer coisa natural, completamente alheia ao ato
de pensar:
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa nat ural

Publicado em http://port12ano.blogspot.com por António Alves

Você também pode gostar