Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Psicofarmacologia Para Quem Tem Pressa (2020)
Psicofarmacologia Para Quem Tem Pressa (2020)
Sumário
Antidepressivos ....................................................................................................... 45
Mecanismos de ação...................................................................................................... 46
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) ............................................... 46
Fluoxetina .............................................................................................................................. 47
Sertralina ............................................................................................................................... 47
Fluvoxamina........................................................................................................................... 47
Paroxetina ............................................................................................................................. 48
Citalopram e escitalopram..................................................................................................... 48
Inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) ................................... 48
Duloxetina ............................................................................................................................. 49
Venlafaxina e desvenlafaxina ................................................................................................. 49
Milnaciprano .......................................................................................................................... 49
Outros antidepressivos modernos ................................................................................. 50
Bupropiona ............................................................................................................................ 50
Mirtazapina ............................................................................................................................ 50
Trazodona e nefazodona ....................................................................................................... 51
Agomelatina .......................................................................................................................... 51
Atomoxetina e reboxetina ..................................................................................................... 51
Vilazodona ............................................................................................................................. 52
Vortioxetina ........................................................................................................................... 52
Inibidores da monoamina oxidase (IMAO) .................................................................... 53
Interação com a tiramina ....................................................................................................... 53
Interação com fármacos de ação noradrenérgica .................................................................. 54
Interação com fármacos de ação serotoninérgica ................................................................. 54
Antidepressivos tricíclicos .............................................................................................. 55
Alternativas para depressão refratária ........................................................................... 55
Estabilizadores de Humor ....................................................................................... 56
Lítio ................................................................................................................................ 56
Anticonvulsivantes ......................................................................................................... 57
Ácido valproico...................................................................................................................... 57
Carbamazepina e oxcarbazepina ........................................................................................... 57
Lamotrigina............................................................................................................................ 58
Outros anticonvulsivantes ...................................................................................................... 58
Antipsicóticos como estabilizadores de humor ............................................................. 59
Adjuvantes aos estabilizadores de humor ..................................................................... 59
Associação com antidepressivos ........................................................................................... 60
Gestação e aleitamento ................................................................................................. 60
5
Ansiolíticos ............................................................................................................... 61
Transtornos de ansiedade .............................................................................................. 61
Neurobiologia do medo ................................................................................................ 62
Neurobiologia da preocupação ..................................................................................... 62
Predisposição à preocupação: “Warriors vs. Worriers” ......................................................... 62
GABA ............................................................................................................................. 63
Síntese, recaptação e degradação ........................................................................................ 63
Receptores ............................................................................................................................ 63
Benzodiazepínicos ......................................................................................................... 64
Mecanismo de ação ............................................................................................................... 64
Aplicação clínica .................................................................................................................... 65
Antídoto ................................................................................................................................ 65
Agentes serotoninérgicos .............................................................................................. 65
Ligantes α2δ ................................................................................................................... 66
Hiperatividade noradrenérgica na ansiedade ................................................................ 66
Condicionamento do medo ........................................................................................... 66
Reconsolidação...................................................................................................................... 67
Dor Crônica .............................................................................................................. 68
Via nociceptiva ............................................................................................................... 68
Mecanismos de surgimento da dor neuropática ........................................................... 69
Fibromialgia ................................................................................................................... 70
Sinapses descendentes inibitórias da dor ...................................................................... 70
Projeções de neurônios opioides........................................................................................... 70
Projeções de neurônios monoaminérgicos ............................................................................ 71
Transtornos do Sono e da Vigília.............................................................................. 72
Neurobiologia do sono e da vigília ................................................................................ 72
Histamina ....................................................................................................................... 73
Síntese e degradação ............................................................................................................ 73
Receptores ............................................................................................................................ 73
Promotores do sono ...................................................................................................... 74
Benzodiazepínicos e fármacos Z ............................................................................................ 74
Antidepressivos indutores do sono ....................................................................................... 74
Anti-histamínicos ................................................................................................................... 75
Melatonina............................................................................................................................. 75
Sono de ondas lentas..................................................................................................... 75
Síndrome das pernas inquietas ...................................................................................... 76
Orexina (hipocretina) ..................................................................................................... 76
6
Lista de Ilustrações
Ilustração 1 Tipos de neurotransmissão. ........................................................................... 11
Ilustração 2 Cascata iniciada por neurotransmissor. ......................................................... 13
Ilustração 3 Transportadores de monoaminas. ................................................................. 15
Ilustração 4 Síntese de dopamina. .................................................................................... 22
Ilustração 5 Ciclo do glutamato......................................................................................... 25
Ilustração 6 Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia. ................................................... 27
Ilustração 7 Síntese de serotonina. .................................................................................... 32
Ilustração 8 Como a serotonina inibe a liberação de dopamina na via nigroestriatal. ...... 33
Ilustração 9 Síntese de noradrenalina................................................................................ 43
Ilustração 10 Propriedades dos antidepressivos ............................................................... 52
Ilustração 11 Síntese de GABA.......................................................................................... 63
Ilustração 12 Tipos de receptores GABAA......................................................................... 65
Ilustração 13 Síntese e degradação da histamina. ............................................................ 73
Ilustração 14 Síntese e degradação da acetilcolina. .......................................................... 88
Lista de Tabelas
Tabela 1 Substratos, inibidores e indutores das principais CYPs ...................................... 18
Tabela 2 Topografia das disfunções na esquizofrenia....................................................... 22
Tabela 3 Descrição das vias dopaminérgicas .................................................................... 23
Tabela 4 Classificação de Akiskal para TAB ...................................................................... 41
Tabela 5 Propriedades dos ISRSs ...................................................................................... 48
Tabela 6 Linhas de tratamento dos transtornos de ansiedade, conforme o Stahl. ........... 67
Tabela 7 Características clínicas de algumas das principais demências degenerativas. ... 84
Tabela 8 Estágios da doença de Alzheimer. ..................................................................... 86
Tabela 9 Medicamentos direcionados aos transtornos por uso de substâncias. .............. 95
9
Lucas Martins
10
Neurotransmissão
Tipos de neurotransmissão
Hormônios (estrogênio,
tireoidiano, cortisol) ativam
transcrição gênica pela ligação
direta a um receptor
citoplasmático, que migra ao
núcleo da célula (por isso, ação
mais rápida).
Epigenética
Transportadores
Transportadores de monoaminas
Cada monoamina tem um transportador de recaptação pré-sináptica específico
(Serotonina = SERT / Noradrenalina = NAT / Dopamina = DAT), porém há um único
transportador vesicular (VMAT2: Transportador Vesicular de Monoaminas 2) para as três.
Contudo estes transportadores específicos também têm grande afinidade por outros
neurotransmissores, que, se estiverem próximos, podem “pegar carona”. Por exemplo, o
NAT tem grande afinidade pelo transporte de dopamina; o DAT pelo transporte de
anfetaminas e o SERT pelo transporte de MDMA (“ecstasy”).
Quem tem dois, tem um: O VMAT2 se concentra mais no cérebro, enquanto o VMAT1 é
mais periférico.
Enzimas
O lítio tem capacidade de inibir a GSK-3, que promove morte celular. Deste modo, esse
fármaco leva à neuroproteção e à plasticidade a longo prazo. Também contribui para as
ações antimaníacas e estabilizadoras de humor.
Clozapina
Olanzapina
Asenapina Fluvoxamina
1A2 Tabagismo
Duloxetina Ciprofloxaxino
Agomelatina
Alguns Tricíclicos
Asenapina
Risperidona
Fluoxetina
Venlafaxina Paroxetina
2D6
Tricíclicos Duloxetina
Bupropiona
Codeína
Ritonavir
Clozapina
Quetiapina
Iloperidona Fluvoxamina
Lurasidona Fluoxetina Carbamazepina
Aripiprazol
Cetoconazol Rifampicina
3A4
Buspirona Eritromicina
Benzodiazepínicos Efavirenz,
(Alprazolam, Triazolam) Verapamil Nevirapina
Diltiazem
Estatinas
Anticoncepcional
Detalhes importantes:
A ativação destes receptores modifica imediatamente o fluxo de íons. Por isso, os fármacos
direcionados a eles - como os benzodiazepínicos e outros ansiolíticos e hipnóticos - podem
ter ação quase imediata.
Diferentemente, por exemplo, do que ocorre com fármacos direcionados a receptores
ligados à Proteína G - como alguns antidepressivos - que precisam aguardar o início das
alterações das funções celulares ativadas pela cascata de transdução do sinal.
Modulação alostérica
Outras moléculas podem se ligar aos receptores ionotrópicos em locais diferentes
daqueles em que os neurotransmissores se ligam (sítios alostéricos).
Estas moléculas são chamadas “moduladores alostéricos”, pois podem reforçar ou
bloquear/reduzir a ação dos neurotransmissores.
Os moduladores que reforçam são chamados Moduladores Alostéricos Positicos (PAM).
Os moduladores que bloqueiam/reduzem são chamados Moduladores Alostéricos
Negativos (NAM).
Exemplos de PAM são os benzodiazepínicos, que reforçam a ação do GABA nos canais
iônicos de cloreto controlados por ligantes do tipo GABAA.
Alguns canais iônicos não são acionados pela ligação de neurotransmissores, mas sim por
cargas elétricas: os canais iônicos sensíveis a (ou “regulados por”) voltagem.
São estes que controlam o impulso elétrico de um neurônio (potencial de ação).
O potencial de ação é conduzido pelo axônio pela abertura sequencial de Canais de Sódio
Sensíveis à Voltagem (VSSC) até alcançar os Canais de Cálcio Sensíveis à Voltagem
(VSCC), que estão ligados às vesículas sinápticas e, quando acionados, permitem a
liberação dos neurotransmissores na sinapse.
Os fármacos anticonvulsivantes atuam, dentre outros sítios, nestes canais iônicos sensíveis
a voltagem.
Psicose e
Esquizofrenia
Psicose é uma síndrome que envolve, primordialmente, delírios e alucinações, dentre
outras alterações que comprometem a capacidade mental, afetiva, de reconhecimento da
realidade, de comunicação e de relacionamento do indivíduo.
Condições como esquizofrenia, transtornos psicóticos induzidos por substâncias,
transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, transtorno delirante, transtorno
psicótico breve e transtorno psicótico devido a condição médica geral exigem a psicose
como característica definidora.
Condições como mania, depressão e transtornos cognitivos tais qual o Alzheimer também
podem apresentar sintomas psicóticos, mas não necessariamente.
Clínica da esquizofrenia
Por definição, a esquizofrenia deve durar 6 meses ou mais, com persistência de dois ou
mais dos seguintes critérios por pelo menos um mês (ou menos, se tratado): 1) delírios, 2)
alucinações, 3) discurso desorganizado, [obrigatório um dos três primeiros], 4)
comportamento desorganizado ou catatônico ou 5) sintomas negativos.
Os sintomas positivos (delírios, alucinações, agitação, catatonia, desorganização de
discurso ou comportamento, distorções ou exageros de linguagem etc.) da esquizofrenia
podem surgir repentinamente, como um episódio psicótico (“ruptura psicótica”). São
estes os sintomas tratados mais efetivamente pelos antipsicóticos.
O delírio mais comum na esquizofrenia é o persecutório e a alucinação mais
característica é a auditiva.
Já os sintomas negativos (hipo/alogia; embotamento afetivo, associabilidade [redução do
interesse e da interação social], anedonia, avolição etc.) podem representar um
“pródromo” da esquizofrenia e, diversas vezes, determinam se o paciente apresentará ou
não desfecho favorável. Os atuais tratamentos com antipsicóticos são limitados na
capacidade de tratar estes sintomas.
Além destes, a esquizofrenia pode, ainda, estabelecer sintomas cognitivos, agressivos e
afetivos. Os sintomas cognitivos da esquizofrenia consistem em prejuízos da atenção e
do processamento de informações. Comprometem a fluência verbal, a aprendizagem
sequencial e a vigilância. Em suma, representam uma disfunção executiva (em manter e
estabelecer metas ou prioridades, alocar recursos atencionais, modular comportamento
com base em pistas sociais etc.).
22
Circuitos mesocorticais +
NEGATIVOS Nucleus accumbens
(circuitos mesolímbicos: sistema de recompensa)
Dopamina
Síntese e degradação
Receptores
O receptor de dopamina mais relevante para a psicofarmacologia é o D2.
Ele é o principal receptor estimulado por fármacos agonistas no tratamento da doença de
Parkinson e bloqueado por antipsicóticos antagonistas no tratamento da esquizofrenia.
23
Vias dopaminérgicas
Os neurônios dopaminérgicos se difundem pelo cérebro, exercendo diversas funções
[ver Stahl Fig. 4.11]:
Tabela 3 Descrição das vias dopaminérgicas
Emoções e sintomas
Da área tegmental ventral positivos; sistema de
(mesencéfalo) para o recompensa (sensações de
MESOLÍMBICA
nucleus accumbens prazer, motivação...) – que
(sistema límbico) se relaciona aos sintomas
negativos da psicose
Da substância negra
NIGROESTRIATAL (mesencéfalo) para o Controle do movimento
estriado
Controle da secreção de
TUBEROINFUDIBULAR Do hipotálamo para a
prolactina
adeno-hipófise
Há ainda uma quinta via - que surge de diversos locais e se dirige ao tálamo - cuja função
ainda não está perfeitamente elucidada, mas está provavelmente relacionada ao sono.
Fármacos antipsicóticos que bloqueiam os receptores dopaminérgicos podem, além da
ação terapêutica, alterar o funcionamento saudável das vias. Assim, o bloqueio na via
tuberoinfundibular pode causar hiperprolactinemia e, consequentemente, galactorreia,
amenorreia e disfunção sexual.
Do mesmo modo, o bloqueio na via nigroestriatal pode causar distúrbios de movimento
como parkinsonismo (rigidez, bradicinesia, tremor), acatisia (sensação subjetiva de
necessidade incontrolável de se mexer) e distonia (movimentos de torção, particularmente
da face e do pescoço). O bloqueio crônico de receptores D2 nesta via pelos neurolépticos
é a causa da discinesia tardia. Acredita-se também que a hiperatividade da dopamina
nesta via causa distúrbios hipercinéticos como coreia, discinesias e tiques.
24
Glutamato
O EAAT também atua como transportador de recaptação pré-sináptica - tal qual DAT,
NAT e SERT nas monoaminas - e, já dentro do neurônio, o glutamato é transportado para
as vesículas sinápticas pelo transportador vesicular de glutamato (vGluT) – análogo à
função de VMAT2 nas monoaminas.
25
Receptores
O principal receptor glutamatérgico é o NMDA (N-metil-D-aspartato), mas ele depende,
além do glutamato, da presença de um cotransmissor para funcionar. Este pode ser a
glicina ou a D-serina.
Uma vez ativo, o NMDA abre canais de cálcio, permitindo a passagem do estímulo
químico. O magnésio é um modulador alostérico negativo (NAM) nos receptores NMDA,
obstruindo o canal de cálcio no estado de repouso.
Outros receptores glutamatérgicos de canais iônicos regulados por ligantes são o AMPA
e o cainato, que mediam a neurotransmissão excitatória rápida (pois não precisam de
cotrasmissores), possibilitando a entrada de sódio no neurônio para despolarizá-lo.
26
Neurodesenvolvimento e esquizofrenia
Neuroimagem e esquizofrenia
Genética e esquizofrenia
Antipsicóticos
Discinesia tardia
A discinesia tardia é um distúrbio de movimento hipercinético ocasionado pelo bloqueio
farmacológico crônico de receptores dopaminérgicos D2 na via nigroestriatal
(principalmente por antipsicóticos típicos).
Provoca coreia, espasmos, movimentos faciais e da língua (mastigação constante,
protrusão da língua, caretas...) etc.
Cerca de 5% dos pacientes mantidos com antipsicóticos típicos irão desenvolver discinesia
tardia todos os anos. 25% desenvolverão em 5 anos.
Pacientes que evoluem com sintomas extrapiramidais logo no início do tratamento têm
duas vezes mais risco de evoluir com discinesia tardia.
O risco diminui consideravelmente após 15 anos de tratamento.
Pode se tornar um distúrbio irreversível, por isso o médico deve estar atento e ajustar a
terapêutica aos primeiros sinais de parkinsonismo/sintomas extrapiramidais do paciente.
Outra condição relacionada ao bloqueio de D2 na via nigroestriatal pelo uso de
antipsicóticos – rara, porém fatal - é a síndrome neuroléptica maligna, que se associa a
rigidez muscular extrema, febre alta, coma e até mesmo morte.
31
Receptores H1 histamínicos
Causando: sonolência e ganho de peso.
Os antipsicóticos típicos que menos causam sintomas extrapiramidais são aqueles que
têm maiores propriedades anticolinérgicas (bloqueio dos receptores M1 muscarínicos).
Isso acontece porque o surgimento de SEP se relaciona com a interação dos neurônios
dopaminérgicos com os neurônios colinérgicos nigroestriatais:
A dopamina, normalmente, inibe a liberação de acetilcolina nessa via.
Quando D2 está bloqueado, há hiperatividade da acetilcolina, o que se associa ao
mecanismo farmacológico dos SEP.
O bloqueio da acetilcolina por um agente anticolinérgico “reequilibra a balança”,
diminuindo a ocorrência de SEP [ver Stahl Fig. 5.11].
Serotonina
Síntese e degradação
Receptores 5HT2A
Todos os receptores 5HT2A têm localização pós-sináptica. Estão distribuídos por todo o
cérebro.
O antagonismo dos receptores 5HT2A presentes em (1) neurônios glutamatérgicos
do córtex e (2) interneurônios gabaérgicos do tronco encefálico é responsável pela
redução dos sintomas extrapiramidais dos antipsicóticos atípicos:
Serotonina ⇢ estimula 5HT2A no córtex (neurônios glutamatéricos) ⇛ Libera glutamato ⇢
Estimula interneurônio gabaérgico ⇛ Inibe neurônios dopaminérgicos da substância
negra ⇶ Redução da liberação de dopamina no estriado.
Serotonina ⇢ estimula 5HT2A no tronco encefálico (neurônios gabaérgicos) ⇛ Libera
GABA ⇛ Inibe neurônios dopaminérgicos da substância negra ⇶ Redução da liberação de
dopamina no estriado.
Receptores 5HT1A
Como consequência, não haverá estimulação dos receptores 5HT2A dos interneurônios
gabaérgicos da substância negra e nem dos neurônios glutamatérgicos do córtex que se
conectam aos interneurônios gabaérgicos no tronco encefálico para inibir a liberação de
dopamina na via nigroestriatal.
A ativação dos receptores 5HT1A pós-sinápticos atua hipoteticamente de modo
semelhante, inibindo diretamente os neurônios glutamatérgicos no córtex. Assim, em
última análise, a estimulação dos receptores 5HT1A – pré e pós-sinápticos - potencializa a
liberação de dopamina.
Alguns antipsicóticos com ação de agonismo parcial 5HT1A são: quetiapina, lurasidona,
iloperidona, aripiprazol, brexpiprazol, cariprazina, sulpirida, amissulprida.
Receptores 5HT1B/D
Os receptores serotoninérgicos 5HT1B/D são autorreceptores presentes nos terminais
axônicos dos neurônios serotoninérgicos que partem da rafe do tronco encefálico [ver
Stahl Fig. 5.27].
Quando estes autorreceptores são estimulados pela serotonina, ela inibe a própria
liberação. Assim, fármacos que bloqueiam 5HT1B/D promovem a liberação de
serotonina.
Isso tem ação antidepressiva (vortioxetina) e reduz efeitos colaterais do bloqueio de D2
em antipsicóticos atípicos (asenapina, iloperidona, ziprasidona).
Receptores 5HT2C
Por esta propriedade, a olanzapina costuma ser associada à fluoxetina (que também é
antagonista 5HT2C) para reforçar ações antidepressivas na depressão bipolar resistente
ao tratamento.
Receptores 5HT3
Os receptores 5HT3 são pós-sinápticos e regulam interneurônios gabaérgicos de várias
áreas cerebrais que, por sua vez, inibem a liberação de acetilcolina, histamina,
dopamina, noradrenalina e da própria serotonina.
O bloqueio de 5HT3, portanto, aumenta a liberação destes neurotransmissores, tendo
ação antidepressiva e pró-cognitiva. Os antidepressivos mitarzapina e vortioxetina são
antagonistas potentes de 5HT3. O antagonismo 5HT3, no entanto, não contribui para as
ações clínicas dos antipsicóticos atípicos.
Receptores 5HT6
Os receptores serotoninérgicos 5HT6 são pós sinápticos e regulam a liberação de
acetilcolina. O bloqueio desse receptor permite maior aporte colinérgico, o que melhora
a aprendizagem e a memória em animais de laboratório.
Alguns antipsicóticos atípicos são potentes antagonistas 5HT6, como clozapina e
olanzapina. Os antagonistas 5HT6 são propostos como novos agentes pró-cognitivos
(mas ainda sem eficácia comprovada).
36
Receptores 5HT7
Os receptores 5HT7 são pós-sinápticos e estão localizados em interneurônios gabaérgicos
na rafe do tronco encefálico e no córtex pré-frontal.
Na rafe, a estimulação destes receptores serve como retroalimentação negativa, inibindo
a liberação adicional de serotonina. O bloqueio de 5HT7 nesta região leva a maior
liberação de serotonina, tendo ação antidepressiva [ver Stahl Fig. 5.60].
No córtex pré-frontal, a estimulação destes receptores libera o GABA, que inibe neurônios
glutamatérgicos. O bloqueio de 5HT7 no córtex pré-frontal provoca maior liberação de
glutamato corrente abaixo, com diversas implicações como ações reguladoras de ritmo
circadiano, sono e humor [ver Stahl Fig. 5.61].
Vários antipsicóticos - especialmente “pina” e “dona” - são potentes antagonistas dos
receptores 5HT7. É plausível, mas não comprovado, que o antagonismo 5HT7 contribua
para ação antidepressiva de fármacos como a quetiapina e aripiprazol.
Outros antipsicóticos com antagonismo 5HT7 importante são: Clozapina, risperidona,
paliperidona, lurasidona, ziprasidona, brexpiprazol e cariprazina.
Antipsicóticos “pina”
Clozapina
A clozapina é o “protótipo” dos antipsicóticos atípicos, com um dos mais complexos perfis
farmacológicos dentre estes agentes. É o antipsicótico padrão-ouro para a esquizofrenia
refratária e a agressividade psicótica. Pode ser capaz de diminuir a gravidade da
discinesia tardia em alguns pacientes; dificilmente provoca hiperprolactinemia e é capaz
de produzir um “despertar” em alguns casos – com retorno às funções cognitivas,
interpessoais e vocacionais de base, além da redução de sintomas positivos.
Porém, é reservada para casos refratários devido ao risco de agranulocitose (0,5 a 2%
dos pacientes). Pela alta afinidade com os receptores H1 histamínico, M1 colinérgico e
alfa-1 adrenérgico, outros efeitos colaterais importantes são salivação e sedação
excessivas e alto risco cardiometabólico/ganho de peso.
Olanzapina
A olanzapina é um antipsicótico potente, associado a efeitos antidepressivos (pode ser
associado à fluoxetina na depressão refratária), especialmente pelo antagonismo de
5HT2C. Não está bem indicada para pacientes com ganho de peso significativo ou alto
risco cardiometabólico.
Quetiapina
A quetiapina possui diferentes ações farmacológicas a depender da dose e da formulação:
Com cerca de 50 mg/dia (em liberação imediata), possui boa propriedade sedativo-
hipnótica, devido ao bloqueio de H1. Porém, para este fim, é uma opção cara e com riscos
metabólicos.
Até 300 mg/dia (em liberação prolongada), possui boa propriedade antidepressiva,
devido ao bloqueio de recaptação do NAT e ao antagonismo 5HT2C pela norquetiapina,
seu metabólito ativo. Foi aprovada tanto para depressão bipolar quanto para potencializar
ISRS/IRSN na depressão unipolar resistente.
Até 800 mg/dia (em liberação prolongada), possui boa propriedade antipsicótica.
Praticamente não provoca nenhum sintoma extrapiramidal, nem hiperprolactinemia. Tende
a ser, por isso, o antipsicótico atípico preferido para pacientes com doença de Parkinson.
Asenapina
A asenapina é um antipsicótico atípico que se distingue por ser administrada por via
sublingual, com rápida absorção. Pode ser usada como opção de ação rápida quando
não for possível recorrer à injeção. Pacientes não podem ingerir líquidos ou alimentos até
10 minutos após uso. Não tem alta propensão a produzir SEP ou ganho de peso, apesar
da propriedade antagonista 5HT2C.
Antipsicóticos “dona”
Risperidona e paliperidona
A risperidona tem propriedades “atípicas” particularmente em doses mais baixas (se
tornando “típico” em doses altas). Assim, tem uso preferencial em crianças e
adolescentes. Porém, mesmo em doses baixas, pode provocar bastante
hiperprolactinemia.
A paliperidona, ou 9-hidroxirrisperidona, é o metabólito ativo da risperidona, não
sofrendo com metabolismo hepático/interações medicamentosas como esta última. A
paliperidona possui forma oral de liberação prolongada, podendo ser administrada em
tomada única ao dia mesmo em doses maiores, sem ocorrer sedação ou hipotensão
ortostática, diferentemente da risperidona. As doses necessárias de paliperidona são, em
geral, maiores que de risperidona. Possui formulação injetável de depósito com duração
de 4 semanas, comumente preferida em relação a outras opções como olanzapina e
risperidona (cuja duração do injetável é de 2 semanas).
38
Lurasidona e ziprasidona
A lurasidona e a ziprasidona têm como propriedade diferencial a baixa associação com
ganho de peso e alterações metabólicas, além do fato de demandarem administração
junto a grandes refeições (500 calorias) para correta absorção.
A lurasidona possui mínima afinidade pelos receptores H1 histamínico e M1 colinérgico.
Desse modo, é um antipsicótico que produz pouca sedação. Sua alta afinidade pelo
receptor serotoninérgico 5HT7 pode conferir propriedades antidepressivas teóricas.
Iloperidona
A iloperidona é um antipsicótico atípico recente que – assim como a clozapina e a
quetiapina - é potente antagonista alfa-1.
Receptores alfa-1 estão presentes em neurônios glutamatérgicos corticais, que se
conectam a interneurônios gabaérgicos que, por sua vez, inibem os neurônios
dopaminérgicos da substância negra [ver Stahl Fig. 5.58]. Logo, o antagonismo de alfa-1
proporcionará a desinibição da dopamina na via nigroestriatal.
Isto contribui para que estes três fármacos apresentem pouquíssimos sintomas
extrapiramidais. No entanto, como desvantagem, associam-se a potencial hipotensão
ortostática e sedação, em especial após aumento rápido de dose.
O antagonismo alfa-1 central é uma linha terapêutica para melhora dos pesadelos no
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), como exercido pela prazosina. A
efetividade da iloperidona no tratamento de TEPT ainda não está bem estabelecida,
contudo.
Aripiprazol
Principal representante dos antipsicóticos “pip/rip” (juntamente ao brexipiprazol e à
cariprazina, menos consolidados), o aripiprazol se destaca pois, diferentemente dos “pina”
e dos “dona”, suas propriedades atípicas advêm, principalmente, do agonismo parcial de
5HT1A e do agonismo parcial de D2.
O agonismo parcial exerce função estabilizadora nestes receptores, conferindo ao
aripiprazol propriedades antimaníacas importantes. Pode ser usado também para a
potencialização de ISRS/IRSN na depressão maior resistente. Assim como a risperidona,
foi aprovado para uso em vários grupos de crianças e adolescentes, como para a
esquizofrenia e a irritabilidade associada ao autismo.
À semelhança de lurasidona e ziprasidona, tem pouca repercussão cardiometabólica.
Causa pouca sedação, pois não exerce muito antagonismo dos receptores H1 e M1. Como
aspecto negativo deste fármaco, é relativamente frequente o surgimento de acatisia nos
pacientes.
39
Sulpirida e amissulprida
A sulpirida e a amissulprida são dois antipsicóticos que, em doses baixas, têm ação mais
próxima de um agonismo parcial de D2 (semelhante ao aripiprazol), enquanto, em doses
altas, têm ação mais próxima a um antagonismo de D2 (semelhante aos antipsicóticos
típicos). Além de D2, têm alta afinidade pelo receptor dopaminérgico D3, mas não está
bem elucidado como isto interfere no perfil clínico destas drogas.
Em doses baixas, têm boa eficácia para sintomas negativos da esquizofrenia e
depressão (podem ser associados à fluoxetina para simular um “dual de baixo custo”),
porém provocam bastante hiperprolactinemia.
Transição de antipsicóticos
Transtornos
do Humor
Conceitos
Afeto: a expressão “externa” do humor, que, por sua vez, seria uma emoção
vivenciada “por dentro”.
Depressão unipolar vs. bipolar: tendo em conta que mania e depressão são
consideradas “polos” opostos do humor (a primeira, “para cima”, de euforia,
elação...; a segunda, “para baixo”, de tristeza, anedonia...), designa-se “unipolar”
à depressão em indivíduos que não apresentam fases maníacas/hipomaníacas
(transtorno depressivo maior) e “bipolar” à depressão que constitui fase do
transtorno afetivo bipolar (TAB).
TAB I vs. TAB II: no TAB tipo I, a elevação de humor é mais exacerbada (mania)
que no TAB tipo II (hipomania). Geralmente a mania se manifesta após um
episódio depressivo, mas não necessariamente.
Ciclagem rápida: quando mania sofre recidiva (ou alterna para estado
depressivo) pelo menos quatro vezes ao ano.
Episódio misto: situação na qual o indivíduo atende critérios tanto para
depressão maior quanto para mania/hipomania, simultaneamente.
Distimia: depressão “menos severa”, porém de longa duranção (> 2 anos).
Depressão dupla: pacientes que, entre dois episódios de depressão maior,
mantêm-se em distimia (sem alcançar remissão dos sintomas) [ver Stahl Fig. 6.4].
Transtorno ciclotímico: caracteriza-se por oscilações de humor frequentes,
porém mais brandas que a depressão maior e a mania (entre a distimia e a
hipomania) [ver Stahl Fig. 6.8].
Temperamentos: variações não patológicas do humor (por exemplo, o
temperamento hipertímico: otimismo, impulsividade, muita confiança etc.). Não
implicam em prejuízos funcionais, mas podem representar fatores de risco para
transtornos do humor futuros.
Espectro bipolar
Alguns pesquisadores do humor postulam que, na prática clínica, existam mais variações
além dos estabelecidos “tipo I” e “tipo II” para o TAB. Akiskal sugere a seguinte
classificação:
TIPO DEFINIÇÃO
1 Transtorno esquizoafetivo*
/2
(“evolução intermediária”, com sintomas sobrepostos de esquizofrenia e TAB)
I Mania
Transtorno esquizoafetivo
O modelo dicotômico apresentado por Kraepelin propõe que os transtornos psicóticos
e os transtornos de humor são entidades nosológicas distintas: a esquizofrenia é uma
doença ininterrupta, com desfecho ruim e declínio da função psíquica, enquanto o
transtorno bipolar é uma doença de melhor desfecho e boa restauração da função entre
os episódios.
Já o modelo do continuum da doença argumenta que esquizofrenia e TAB são dois
pólos de uma mesma doença, entremeados por, de um lado, transtorno psicótico breve,
transtorno esquizofreniforme etc. e, do outro, depressão maior, depressão pós-parto etc.
No meio deste espectro, estaria o transtorno esquizoafetivo [ver Stahl Fig. 6.13B].
A perda neuronal é reversível com o uso de antidepressivos, pela restauração das cascatas
de transdução de sinais do BNDF e de outros fatores tróficos.
Noradrenalina
Síntese e degradação
Receptores
Os receptores noradrenérgicos são classificados em α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3.
São receptores pós-sináptico, exceto o α2 (A, B e C), que pode ser pré-sináptico
(autorreceptor). Quando ocupado, o α2 pré-sináptico inicia um processo de
retroalimentação negativa na liberação da NA [ver Stahl Figs. 6.28 e 6.29]. Portanto,
antagonistas α2 podem aumentar a quantidade de NA disponível.
Circuitos monoaminérgicos
Antidepressivos
Mecanismos de ação
Fluoxetina
O antagonismo de 5HT2C (que desinibe a liberação de NA e DA) produz o efeito
ativador/energizante na fluoxetina, com redução de fadiga e melhora na concentração.
Assim, este é um bom ISRS para pacientes deprimidos que apresentam redução do afeto
positivo, hipersonia, retardo psicomotor, apatia e fadiga.
Consequentemente, é menos apropriado para pacientes com agitação, insônia e
ansiedade. Estes podem apresentar ativação indesejada e, até mesmo, ataques de
pânico. O bloqueio discreto de NAT (receptador pré-sináptico de NA) também contribui
para esta propriedade.
A meia-vida da fluoxetina é longa (2 a 3 dias), e seu metabólito ativo tem meia-vida ainda
mais longa (2 semanas). Isto é vantajoso pois reduz as reações de retirada do fármaco.
Em contrapartida, exige um tempo mais prolongado de interrupção antes de iniciar um
IMAO (pelo risco de síndrome serotoninérgica).
Sertralina
Por sua ação inibidora fraca de DAT, em pacientes ansiosos é prudente uma titulação
mais lenta da sertralina, pois a ativação excessiva pode ocasionar transtorno do pânico.
Alguns especialistas sugerem que a ocupação do DAT pela sertralina não é suficiente para
ser clinicamente relevante, mas talvez um pequeno grau de inibição do DAT possa
produzir melhora na energia, na motivação e na concentração. A associação de
bupropiona à sertralina pode ser interessante para alguns pacientes por somar as
propriedades inibitórias fracas de DAT destes dois agentes.
Fluvoxamina
Dentre os ISRS, a fluvoxamina apresenta a mais potente ligação aos receptores sigma-1.
Outro antidepressivo a possuir esta propriedade – em menor grau – é a sertralina.
Não se conhece perfeitamente a funcionalidade dos receptores sigma (“enigma sigma”),
porém se especula que tenham efeitos ansiolíticos e antipsicóticos. Por isso, estes
fármacos podem ser vantajosos, por exemplo, para depressão psicótica.
48
Paroxetina
As ações anticolinérgicas atribuem à paroxetina um perfil clínico mais
tranquilizante/sedativo, tornando o fármaco mais indicado para pacientes com sintomas
de ansiedade, em relação a outros ISRS mais ativadores, como fluoxetina e sertralina.
Contudo, o rebote anticolinérgico pela suspensão súbita torna esta droga notória por
causar reações de abstinência, com aparecimento de sintomas como acatisia,
inquietação, tontura, formigamento, alterações gastrointestinais etc.
A paroxetina também inibe a enzima óxido nítrico sintetase (NOS) - o que pode
ocasionar disfunção erétil – e é o ISRS com ação noradrenérgica (inibição de NAT) mais
pronunciada.
Citalopram e escitalopram
O citalopram é um dos ISRS mais bem tolerados, com boa resposta no tratamento
antidepressivo de idosos. É uma molécula formada por dois enantiômeros – imagens
especulares – R e S.
O enantiômero R pode interferir na capacidade do enantiômero S de inibir o SERT, o que
costuma exigir aumento da dose para otimizar o tratamento, porém este aumento é
limitado devido a um potencial prolongamento do intervalo QTc. Além disso, o
citalopram tem propriedades anti-histamínicas leves que residem no enantiômero R.
O escitalopram é a molécula do citalopram apenas com o enantiômero S. Portanto,
possui eficácia mais previsível em doses menores e não apresenta propriedades anti-
histamínicas. Por ser uma molécula mais “pura”, que age praticamente apenas em SERT,
é talvez o ISRS mais bem tolerado dentre todos; além disso, com as menores taxas de
interações medicamentosas mediadas por CYP.
Tabela 5 Propriedades dos ISRSs
Duloxetina
Dentre os IRSN, a duloxetina se destaca no manejo de sintomas físicos dolorosos.
Também demonstrou eficácia no tratamento dos sintomas cognitivos da depressão –
proeminentes na depressão geriátrica – explorando, possivelmente, as consequências pró-
noradrenérgicas e pró-dopaminérgicas da inibição do NAT no córtex pré-frontal:
No córtex pré-frontal, há tanto SERT quanto NAT abundantes, porém existem poucos
DAT. Como consequência, a DA tem maior liberdade para afastar-se da sinapse sem ser
recapturada. Deste modo, a ação da dopamina não termina com o DAT no córtex pré-
frontal, mas sim por outros dois mecanismos: degradação pela COMT ou recaptação pelo
NAT, que a transporta para dentro do neurônio noradrenérgico. Portanto, a inibição de
NAT aumenta tanto noradrenalina quanto dopamina no córtex pré-frontal.
Venlafaxina e desvenlafaxina
Em doses menores, a venlafaxina apresenta mais ações serotoninérgicas. As ações
noradrenérgicas se intensificam progressivamente com o aumento da dose. A adição
de inibição do NAT pode acarretar reações adversas como sudorese e elevação da
pressão arterial (nos IRSN de modo geral). Está disponível em versão de liberação
prolongada, que reduz significativamente efeitos colaterais, principalmente náuseas, mas
– nesta formulação – pode causar reações de abstinência incômodas à retirada abrupta de
tratamento prolongado.
A venlafaxina é convertina em desvenlafaxina pela CYP 2D6. A desvenlafaxina tem
maior ação de inibição da recaptação de noradrenalina em comparação à venlafaxina e
constitui boa indicação para mulheres perimenopausa com sintomas vasomotores (ondas
de calor, sudorese noturna, insônia...):
A desregulação de sistemas de neurotransmissores nos centros termorreguladores
hipotalâmicos pela flutuação irregular dos níveis de estrogênio pode levar a deficiências
de neurotransmissores que desencadeiam tanto SVM quanto depressão. Os ISRS parecem
atuar melhor em mulheres na presença do estrogênio, enquanto os IRSN têm eficácia
consistente independentemente do estrogênio.
Milnaciprano
Milnaciprano é um IRSN que difere dos demais pois é um inibidor relativamente mais
potente de NAT do que de SERT. Assim, torna-se mais energizante e ativador que os
outros, com perfil farmacológico favorável ao tratamento de sintomas cognitivos e
sintomas físicos dolorosos. Como efeito negativo, pode também causar mais sudorese e
hesitação urinária (pela ação noradrenérgica nos receptores alfa-1 vesicais). Nos EUA não
está aprovado para depressão, mas sim para fibromialgia.
50
Bupropiona
A bupropiona é um inibidor de NAT e DAT.
É particularmente recomendado para pacientes com quadro de redução dos sintomas
positivos (perda de alegria, desinteresse, anergia, anedonia, hipovigilância, diminuição
da autoconfiança etc.). Também útil para os que não toleram os efeitos colaterais
serotoninérgicos ou para evitar a disfunção sexual decorrente da inibição do SERT.
Atua como pró-fármaco para diversos outros metabólitos ativos, com ação inibitória
ainda mais potente em NAT e tão potente quanto em DAT.
Quando 50% ou mais dos DAT são bloqueados (impedindo a recaptação de DA)
rapidamente e por um breve período de tempo, podem haver manifestações clínicas
indesejáveis como euforia e reforço (Ex: cocaína).
Quando esta mesma porcentagem é bloqueada, porém mais lentamente e de modo mais
duradouro, os estimulantes são menos passíveis de uso abusivo, sendo úteis no tratamento
do TDAH (Ex: metilfenidato).
Um baixo nível de ocupação (bloqueio) do DAT, de início lento e de longa duração, é o
desejável para um antidepressivo.
Mirtazapina
O principal mecanismo antidepressivo da mirtazapina é o antagonismo alfa-2
adrenérgico. A ativação deste autorreceptor inibe liberação de NA. Consequentemente,
quando bloqueado pela mirtazapina, a liberação de noradrenalina é desinibida.
Consequentemente, a serotonina também é liberada, devido à ativação dos receptores
noradrenérgicos alfa-1 de neurônios serotoninérgicos na rafe (conforme discutido no
capítulo 6).
Por isso, a mirtazapina pode ser associada a IRSN no tratamento de casos que não
respondem à monoterapia de IRSN, para somar mecanismos de ação (“combustível para
foguetes da Califórnia”).
A mirtazapina ainda possui mais propriedades: antagoniza 5HT2A (↑ DA), 5HT2C (↑ DA
e NA) e 5HT3 (↑ DA, NA, 5HT, acetilcolina e histamina).
Trazodona e nefazodona
A trazodona e a nefazodona são denominados “AIRS”: antagonistas (5HT2A e 5HT2C) e
inibidores da recepção de serotonina. A nefazodona é um inibidor mais fraco de SERT em
comparação à trazodona, e é menos utilizada devido à ocorrência de hepatotoxicidade.
Nos ISRS/IRSN, a inibição apenas de SERT eleva os níveis de serotonina em todos os
receptores: tanto 5HT1A, gerando o efeito terapêutico a partir de sua dessensibilização,
quanto 5HT2A, 5HT2C etc., que, quando estimulados, ocasionam efeitos colaterais como
disfunção sexual, insônia e ativação/ansiedade.
Diferentemente na trazodona, à medida que a inibição de SERT gera o efeito terapêutico
em 5HT1A, os outros receptores, que causariam os efeitos colaterais, estão sendo
antagonizados, reduzindo reações adversas (o mesmo perfil clínico se aplica a outros
antagonistas 5HT2A/C - quando acrescentados aos ISRS/IRSN - como mirtazapina e
antipsicóticos atípicos).
Doses mais baixas da trazodona exploram os mecanismos de antagonismo 5HT2A,
antagonismo H1 e antagonismo alfa-1, o que confere boa aplicação deste fármaco no
tratamento da insônia.
São necessárias doses mais altas (150 – 600 mg) para, além destas ações, recrutar
mecanismos como a saturação do SERT (inibição de recaptação de serotonina) e o
antagonismo 5HT2C, para, assim, potencializar a ação de fato antidepressiva.
A trazodona tem meia-vida curta e atinge pico logo após a administração, com queda
igualmente rápida de níveis plasmáticos. Assim, é um hipnótico ideal, evitando “ressaca”
ao despertar.
Porém, isso exigiria várias tomadas diárias para se atingir doses antidepressivas, e causa
sedação excessiva na formulação de liberação imediata. A formulação de liberação
controlada dirime este problema, proporcionando efeito antidepressivo sem sedação.
Agomelatina
Vários genes operam de modo circadiano, sensíveis aos ritmos de luminosidade-escuridão,
e anormalidades em vários destes estão associadas aos transtornos de humor.
O mecanismo de ação deste fármaco se baseia na ideia de que a depressão é uma doença
circadiana, pois se relaciona com a dessincronização generalizada dos processos
biológicos: achatamento do ciclo diário de temperatura corporal, elevação da secreção do
cortisol durante o dia e redução da secreção da melatonina à noite etc.
A agomelatina é um antidepressivo que exerce agonismo nos receptores melatonina 1
(MT1) e melatonina 2 (MT2) e antagonismo nos receptores 5HT2C.
Estes receptores flutuam de maneira circadiana no núcleo supraquiasmático do
hipotálamo (o “marca-passo” do cérebro) e a agomelatina, ao estimular MT1 e MT2 e
bloquear 5HT2C nesta região, parece ressincronizar os ritmos circadianos.
Atomoxetina e reboxetina
São inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina, utilizados no TDAH.
52
Vilazodona
A vilazodona é um antidepressivo que combina a inibição de SERT com agonismo parcial
5HT1A. É denominada “APIRS” (agonista parcial + inibidor de recaptação de serotonina).
Anteriormente ao desenvolvimento da vilazodona, esta combinação de efeitos era obtida
com a associação ISRS + antipsicóticos agonistas 5HT1A (quetiapina, aripiprazol...) ou pela
associação ISRS + buspirona (ansiolítico com ação agonista parcial 5HT1A).
A vilazodona tem apresentado menor incidência de disfunção sexual em relação aos ISRS
isolados ou ISRS + buspirona; presumivelmente pelo aumento de liberação de dopamina
devido ao agonismo 5HT1A.
A ação do APIRS provoca elevações mais imediatas e estáveis dos níveis de serotonina.
Deve-se ter o cuidado de realizar uma titulação lenta até alcançar a dose total, pois o
rápido aumento da serotonina não é bem tolerado, particularmente pelos efeitos
colaterais gastrointestinais.
Vortioxetina
A vortioxetina é uma molécula
mais recentemente
desenvolvida, com
propriedades “multimodais” –
isto é, atua em diversos
mecanismos de ação, dentre
eles o bloqueio de SERT, o
antagonismo de 5HT3 e 5HT7 e
o agonismo parcial de 5HT1A e
5HT1D. Assim, produz liberação
não apenas das três
monoaminas, mas também de
histamina e acetilcolina, o que
sugere efeitos pró-cognitivos e
de potencialização da eficácia
antidepressiva. Por razão
semelhante à vilazodona,
apresenta pouca ou nenhuma
disfunção sexual.
A inibição da MAO B tem valor na doença de Parkinson, pois reforça a ação da levodopa,
retardando a evolução degenerativa. A selegilina e a rasagilina são inibidoras seletivas de
MAO B.
MAO A é a principal forma de monoamina oxidase fora do cérebro, com exceção das
plaquetas e dos linfócitos, em que predomina MAO B.
Antidepressivos tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos (ATC) são assim chamados porque contêm três anéis em suas
estruturas químicas. A maioria bloqueia tanto recaptação de serotonina quanto
noradrenalina, e alguns são antagonistas 5HT2A e 5HT2C.
São antidepressivos muito efetivos, porém com diversos efeitos adversos, por outras
ações farmacológicas: bloqueio H1 (sedação, ganho de peso); bloqueio M1 (boca seca,
visão turva, retenção urinária, constipação intestinal); bloqueio alfa-1 adrenérgico
(hipotensão ortostática, tontura); bloqueio de canais de sódio sensíveis à voltagem no
coração (arritmias, PCR) e no cérebro (coma, convulsão).
Os ATC não são apenas úteis para depressão. A clomipramina tem efeito no TOC e muitos
exercem efeito antipânico e parecem eficazes para tratar dor neuropática e dor lombar.
Estabilizadores
de Humor
O conceito de “estabilizador de humor” pode variar, mas, de modo simplificado, são
fármacos voltados a tratar ou prevenir a mania e a depressão bipolar. Possuem
diferentes eficácias no tratamento das “quatro etapas” do transtorno bipolar: tratar
agudamente a mania, evitar a recidiva de mania, tratar agudamente a depressão e evitar
a recidiva de depressão.
A classe destas medicações também é diversa, mas se destacam o lítio, os
anticonvulsivantes (ácido valproico, lamotrigina etc.) e os antipsicóticos atípicos (já
discutidos anteriormente), como a olanzapina e a quetiapina, que também possuem ações
estabilizadoras. Frequentemente se exige a associação de dois ou mais fármacos para uma
resposta terapêutica adequada [ver Stahl Fig. 8.12].
Lítio
Os mecanismos de ação do lítio enquanto estabilizador de humor ainda não estão bem
estabelecidos, mas destacam-se: 1) inibição de segundos mensageiros, como a enzima
inositol monofosfatase; 2) modulação de proteínas G e 3) inibição da GSK-3 (enzima
envolvida na apoptose; por isso especula-se que o lítio possa ter também efeito
neuroprotetor).
A inibição da GSK-3 pelo lítio poderia inibir a fosforilação de proteínas tau (τ) e, assim,
retardar a formação de placas na doença de Alzheimer, impedindo a progressão do
comprometimento cognitivo (efeito ainda controverso e considerando administração por
longo período [> 1 ano], mesmo em doses baixas).
O lítio é mais efetivo na estabilização da fase maníaca que da fase depressiva, e tem
eficácia igual ou superior ao valproato no transtorno bipolar. Há evidência de que
contribua na prevenção de suicídio em pacientes com transtorno de humor. Embora não
seja formalmente aprovado, o lítio também pode ser usado como agente potencializador
de antidepressivos na depressão unipolar.
Os efeitos colaterais do lítio incluem sintomas gastrointestinais, ganho de peso, queda
de cabeço, acne, tremor, sedação, prejuízos cognitivos e de coordenação motora. Em
longo prazo, pode acarretar prejuízos à tireoide e ao rim.
57
Anticonvulsivantes
Ácido valproico
O mecanismo de ação do ácido valproico/valproato como estabilizador de humor – tal
qual o do lítio - permanece incerto. Três possibilidades são: 1) inibição dos canais de
sódio sensíveis à voltagem (VSSC), diminuindo a neurotransmissão excessiva; 2)
potencialização do GABA, aumentando sua liberação, diminuindo sua recaptação ou
retardando sua inativação metabólica e 3) regulação das cascatas de transdução de sinal,
por exemplo, pela inibição de GSK-3 - assim como o lítio - ou pela atuação em diversos
outros alvos, como a fosfoproteína quinase C (PKC).
O ácido valproico costuma apresentar efeitos adversos como queda de cabelo, ganho de
peso e sedação. A cronicidade de exposição pode gerar consequências hepáticas e
pancreáticas e algum risco de amenorreia e ovários policísticos nas mulheres.
Carbamazepina e oxcarbazepina
A carbamazepina possivelmente atua bloqueando a subunidade alfa dos VSSC. É
desvantajosa - dentre outros motivos - por apresentar muita sedação, ter efeito supressor
sobre a medula óssea (exigindo monitoramento inicial das células sanguíneas) e induzir a
CYP 3A4 (o que diminui a eficácia de fármacos importantes como clozapina, quetiapina,
lurasidona e aripiprazol e reduz a segurança de contraceptivos hormonais) Como
vantagem, produz menos ganho de peso que outros anticonvulsivantes.
A oxcarbazepina é um pró-fármaco da licarbazepina, que, por sua vez, tem como forma
ativa o enantiômero S, conhecido como eslicarbazepina. É um anticonvulsivante com
mesmo mecanismo de ação da carbamazepina, que produz menos sedação, menos
supressão da medula óssea e menos indução de CYP 3A4, porém nunca foi
comprovado que atue como estabilizador de humor.
58
Lamotrigina
O mecanismo de ação da lamotrigina é, possivelmente, a redução da neurotransmissão
de glutamato pelo bloqueio dos VSSC dos neurônios glutamatérgicos. Isso explicaria a
melhor eficiência em relação a outros estabilizadores de humor no tratamento “de baixo
para cima” (da depressão à eutimia).
Costuma ser bem tolerada, exceto por sua propensão a causar erupções cutâneas (e,
raramente, síndrome de Stevens-Johnson, potencialmente fatal).
Por este efeito, a dose do fármaco deve ser aumentada muito lentamente no início do
tratamento, e interações medicamentosas devem ser evitadas, especialmente com o
ácido valproico, que eleva substancialmente os níveis da lamotrigina.
Devido ao longo tempo de titulação (2 meses ou mais) e à latência do início de ação uma
vez alcançada a dose adequada (até 3 meses adicionais), por vezes se utiliza a estratégia
“lami-quel”, de associação da lamotrigina com antipsicóticos atípicos (como a
quetiapina), até que se alcance o efeito terapêutico.
Outros anticonvulsivantes
O topiramato não tem propriamente efeito estabilizador de humor; talvez sendo útil como
adjuvante em casos de ganho de peso, insônia, ansiedade ou uso abusivo de substâncias
comórbidos ao TAB. Seu mecanismo de ação é diferente dos demais anticonvulsivantes,
pois potencializa a função do GABA e reduz a função do glutamato ao interferir em ambos
os canais de sódio e cálcio. É aprovado como anticonvulsivante, para enxaqueca e, mais
recentemente, usado em associação à bupropiona para perda de peso. Como efeito
adverso comum, pode ocasionar prejuízos executivos/cognitivos transitórios.
A gabapentina e a pregabalina são anticonvulsivantes com ação consistente no
tratamento de várias condições dolorosas – desde dor neuropática até fibromialgia – e
transtornos de ansiedade. No entanto, também não têm efeito como estabilizadores de
humor. O mecanismo de ação de ambas é a ligação seletiva e com alta afinidade ao sítio
α2δ (alfa-2-delta) dos canais de cálcio sensíveis à voltagem (VSCC), impedindo a liberação
de neurotransmissores como o glutamato nas vias da dor e da ansiedade.
O riluzol tem ação semelhante à da lamotrigina, impedindo a liberação de glutamato.
Desenvolvido para retardar a evolução da esclerose lateral amiotrófica (ELA);
hipoteticamente pode ter atividade na depressão bipolar, na depressão unipolar resistente
e em transtornos de ansiedade, no entanto é muito caro e costuma causar anormalidades
da função hepática.
59
Entende-se que o transtorno bipolar não compreenda atividades neurais “muito altas” ou
“muito baixas”, mas sim “fora de sintonia”. Portanto, bem como o lítio e os
anticonvulsivantes estabilizadores de humor, os antipsicóticos atípicos podem contribuir:
As propriedades antagonistas ou agonistas parciais D2 podem explicar a redução dos
sintomas psicóticos na mania, enquanto as propriedades antagonistas 5HT2A e
agonistas parciais 5HT1A justificam a redução dos sintomas maníacos e depressivos não
psicóticos.
Numerosos mecanismos destes fármacos também podem aumentar a disponibilidade de
monoaminas, de reconhecida importância na ação dos antidepressivos na depressão
unipolar.
O transtorno bipolar em mulheres tem natureza mais depressiva que nos homens, com
mais tentativas de suicídio, mania mista e ciclagem rápida. Acredita-se que a
potencialização do hormônio T3 possa aumentar a estabilidade de alguns casos, mesmo
na ausência de disfunção de tireoide.
60
Gestação e aleitamento
Ansiolíticos
Transtornos de ansiedade
Neurobiologia do medo
O medo é regulado por conexões recíprocas da amígdala com outras áreas cerebrais, que
determinam respostas que irão compor a clínica da ansiedade [ver Stahl Figs. 9.8 a 9.13]:
Sentimento/afeto de medo:
Amígdala ⇌ Córtex orbitofrontal e córtex cingulado anterior
Neurobiologia da preocupação
GABA
Receptores
Os receptores GABAA são canais iônicos controlados por ligantes e compõem um
complexo macromolecular que forma um canal de cloreto inibitório. São os alvos dos
benzodiazepínicos, hipnóticos, barbitúricos e álcool.
Os receptores GABAB são receptores ligados a proteínas G, que podem se acoplar a
canais de cálcio e/ou potássio, estando possivelmente envolvidos nos processos de dor,
memória, humor e outras funções do SNC.
Os receptores GABAC são semelhantes aos GABAA, contudo não têm papel bem
estabelecido. Não parecem ser alvo dos benzodiazepínicos.
64
Benzodiazepínicos
Mecanismo de ação
Os benzodiazepínicos (BZD) são, em síntese, moduladores alostéricos positivos (PAM)
dos receptores GABAA.
Os receptores GABAA são formados por cinco subunidades, que se reúnem com um canal
de cloreto no centro. Existem subtipos sensíveis aos BZD e insensíveis aos BZD, a
depender das subunidades presentes:
Os receptores GABAA sensíveis aos BZD contêm: duas subunidades α (α1, α2 ou α3); duas
subunidades β e uma subunidade γ (γ2 ou γ3).
Duas moléculas GABA (em cada complexo receptor) se ligam entre as subunidades α e β.
Os BZD se ligam entre as subunidades α1/2/3 e γ2/3. São, por isso, considerados
moduladores alostéricos – pois se ligam em um sítio diferente do GABA.
Os receptores GABAA sensíveis aos BZD com subunidade α1 são os mais importantes para
a regulação do sono, enquanto os com subunidades α2 ou α3 são os mais importantes
para a regulação da ansiedade. Os benzodiazepínicos hoje não são seletivos. Agentes
α2/3 seletivos teoricamente poderiam ser ansiolíticos sem sedação indesejada.
Por sua vez, os receptores GABAA insensíveis aos BZD são os que contêm as subunidades
α4, α6, γ1 ou δ. Do mesmo modo que nos sensíveis aos BZD, duas moléculas GABA (em
cada complexo receptor) se ligam entre as subunidades α e β. Outras substâncias (álcool,
alguns anestésicos gerais, neuroesteroides naturais sintetizados pela neuroglia...) se
ligam entre as subunidades α e δ/γ1, produzindo, também, modulação alostérica nestes
receptores.
Aplicação clínica
Pela potencialização do GABA - que age nos circuitos do medo e da preocupação – os
benzodiazepínicos, são excelentes fármacos ansiolíticos, com rápida resposta após a
administração. Como inconveniente, podem produzir tolerância e dependência se
utilizados por longos períodos, não sendo, portanto, primeira linha para tratamentos de
manutenção. Em geral, são prescritos como medicações de resgate (“se necessário”) em
situações agudas, como crises de pânico. São úteis também no processo de adaptação
aos ISRS e ISRN (agudamente, estes fármacos podem agravar os sintomas ansiosos,
enquanto os receptores ainda estão em processo de infrarregulação).
Antídoto
As ações dos benzodiazeínicos podem ser revertidas pelo flumazenil, um antagonista de
ação curta dos BZD. Atua ocupando os sítios alostéricos dos receptores GABAA. Sua
administração intravenosa pode ser muito útil para reversão de intoxicações (que podem
ocasionar depressão respiratória, rebaixamento de nível de consciência…), com resultado
observável em segundos. Contudo, pode induzir convulsões ou reações de abstinência
em pacientes dependentes de BZD.
Agentes serotoninérgicos
Ligantes α2δ
Condicionamento do medo
Uma ideia que surge é a estimulação de receptores glutamatérgicos NMDA (por exemplo,
com agonistas de ação direta, como a D-ciclosserina, ou com inibidores seletivos de
recaptação de glicina) durante sessões de TCC, quando as sinapses da extinção do medo
estariam sendo, teoricamente, ativadas seletivamente.
Reconsolidação
Reconsolidação é o estado em que memórias emocionais de medo consolidadas se
tornam instáveis, e exigem síntese de novas proteínas para se manterem intactas.
Especula-se que β -bloqueadores possam interromper o processo de reconsolidação.
Uma abordagem futura vislumbrada para transtornos de ansiedade é a reativação de
memórias emocionais por meio de psicoterapia, para trazê-las a este momento de
“fragilidade” da reconsolidação e, neste instante, administrar a terapia farmacológica.
Tabela 6 Linhas de tratamento dos transtornos de ansiedade, conforme o Stahl.
1ª LINHA 2ª LINHA
ISRS, ISRN, Tricíclicos, Mirtazapina,
TAG
Buspirona, Ligantes α2δ, BDZ* Trazodona, Vilazodona
ISRS, ISRN, IMAO, Tricíclicos,
T. DE PÂNICO
Ligantes α2δ, BDZ* Mirtazapina, Trazodona
ISRS, ISRN, IMAO, BDZ,
T. DE ANS. SOCIAL
Ligantes α2δ β -bloqueadores**
IMAO, Tricíclicos,
TEPT ISRS, ISRN
Ligantes α2δ, BDZ*
* Reservados a situações pontuais, como período adaptação de ISRS/ISRN ou ataques de pânico.
** Úteis para perfis específicos de ansiedade social, como ansiedade de desempenho.
68
Dor Crônica
Dor nociceptiva é a dor “normal”, causada pela ativação de fibras nervosas em resposta
a um estímulo (via nociceptiva). Dor neuropática é a dor que surge em decorrência de
dano ou disfunção no sistema nervoso (central e/ou periférico).
Processos de dor de origem periférica (fora do sistema nervoso central) - se continuados
cronicamente - podem causar modificações no SNC que perpetuam a dor periférica
original (ex: osteoartrite, lombalgia, dor neuropática na diabetes). Outras condições podem
ter origem central sem qualquer causa periférica (ex: depressão, ansiedade, fibromialgia).
Via nociceptiva
Nos gânglios da raiz dorsal são sintetizadas as proteínas especializadas que se dirigem aos
terminais periféricos dos NAP para detectarem os estímulos e realizarem mudanças de
voltagem para despolarização de membranas e transmissão do impulso. Anestésicos
locais, como a lidocaína, atuam bloqueando os VSSC nesta etapa. Os AINEs também têm
ação periférica, reduzindo os estímulos dolorosos provenientes dos NAP.
Dos gânglios da raiz dorsal, os NAP enviam axônios para o corno dorsal da medula
espinhal, onde fazem sinapse com os Neurônios de Projeção (NP). Estes são, portanto,
os primeiros neurônios da via nociceptiva totalmente localizados no SNC.
Com o passar do tempo, a remodelação dos receptores pode fazer com que a percepção
dolorosa não mais dependa de qualquer estímulo externo. É o que ocorre em condições
como a dor fantasma, após a amputação de um membro.
Este mecanismo também explica a ação de técnicas como acupuntura, vibração, esfregar
etc., que produzem alívio aplicando estímulos inócuos distantes do local da dor,
“redirecionando” a via.
Fibromialgia
Relatos preliminares sugerem que a dor crônica - tal qual o estresse crônico - se relacionaria
à atrofia do hipocampo e, consequentemente, à desregulação do eixo HHSR. Deste modo,
pode levar à ativação excessiva de neurônios do CPFDL, com redução de volume de
substância cinzenta, ocasionando disfunções cognitivas observadas em alguns estados
dolorosos, como “fibro-fog” na fibromialgia.
As fibras Aβ (que respondem aos estímulos não nocivos) não expressam receptores
opioides μ, o que explica por que analgésicos opioides poupam estímulos sensoriais
normais.
As projeções opioides descendentes são ativadas por lesão grave ou perigo iminente, para
permitir que a dor não inviabilize reações de luta/fuga. Os opioides demonstraram pouco
ou nenhum efeito no tratamento de processos dolorosos crônicos, como a fibromialgia.
Por isso, fármacos que potencializam somente serotonina, como ISRS, não
costumam ser tão úteis em síndromes dolorosas, ao contrário dos que aumentam o
tônus de ambas, como IRSN e antidepressivos tricíclicos.
Transtornos do
Sono e da Vigília
A sonolência pode ser conceituada como transtorno de ativação diurna deficiente e a
insônia como transtorno de ativação noturna excessiva. Ambas causam prejuízos
cognitivos.
Existem agentes farmacológicos que aumentam a ativação (estimulantes [metilfenidato,
anfetaminas], cafeína, modafinila...) – ou seja, tratam a hipersónia – e agentes que reduzem
a ativação (moduladores alostéricos GABAA [BZD, fármacos Z], antagonistas H1,
antagonistas 5HT2A/2C [trazodona, mirtazapina]…) - ou seja, tratam a insônia.
Ressalta-se, contudo, que a higiene do sono é essencial (talvez ainda mais que a
abordagem medicamentosa) para bons resultados terapêuticos na insônia [ver Stahl
Tabelas 11.2 e 11.3].
Dois outros conjuntos de neurônios são os responsáveis por “ligar” e “desligar” este
“interruptor”: um de neurônios contendo orexina (hipocretina), do hipotálamo lateral -
responsáveis por “estabilizar” a vigília (são perdidos na narcolepsia) -; outro de neurônios
sensíveis à metalonina, do núcleo supraquiasmático - que respondem ao ciclo circadiano
de luz/escuro, deflagrando promotor do sono POVL no fim do dia [ver Stahl Fig. 11.5].
Histamina
Síntese e degradação
Receptores
Os receptores histamínicos H1 são os responsáveis pela regulação da vigília, alvos dos
fármacos “anti-histamínicos”.
Os receptores histamínicos H2 são responsáveis pela regulação da secreção de ácido
gástrico; alvos dos fármacos antiúlcera.
Os receptores histamínicos H3 são autorreceptores que exercem retroalimentação
negativa, inibindo a liberação de mais histamina. Novos fármacos promotores de vigília e
pró-cognitivos estão sendo desenvolvidos no intuito de bloquear H3.
Os receptores histamínicos H4, pelo que se sabe, não ocorrem no cérebro.
Por fim, como não existem bombas de recaptação histamínicas, a histamina pode se
difundir para longe da sinapse, atuando como modulador alostérico em receptores
NMDA de sinapses glutamatérgicas.
74
Promotores do sono
Benzodiazepínicos e fármacos Z
Tanto benzodiazepínicos quanto fármacos Z (zolpidem, zopiclona...) atuam como
moduladores alostéricos positivos de GABA, ligando-se, mais especificamente, aos
subtipos α1, α2, α3 e α5 dos receptores GABAA:
O subtipo α1 se associa à produção de sedação;
Os subtipos α2 e α3 se associam à ação ansiolítica;
O subtipo α5 se associa à cognição e a outras funções.
Alguns fármacos Z (zolpidem e zaleplona) são seletivos para α1, o que talvez contribua
para o menor risco de tolerância e dependência desses agentes. Além disso, os BZD se
ligam ao receptor de modo a modificar sua conformação, o que potencialmente produz
mais tolerância, dependência e abstinência.
Por isso, os BZD são considerados agentes de segunda linha para insônia. São cinco os
benzodiazepínicos aprovados para insônia nos EUA: flurazepam, quazepam, triazolam,
estazolam, temazepam.
Anti-histamínicos
A difenidramina e muitos outros fármacos exploram a ação hipnótica do antagonismo H1,
porém podem produzir colateralmente efeitos como turvação visual, boca seca,
constipação intestinal e problemas de memória devido ao antagonismo concomitante de
receptores colinérgicos muscarínicos.
Na prática clínica, doses baixas de outros tricíclicos - bem como de antipsicóticos como
clorpromazina, levomepromazina e quetiapina – são utilizadas para sono no intuito de
explorar o antagonismo histaminérgico.
Melatonina
A melatonina é um neurotransmissor secretado pela glândula pineal, que atua no núcleo
supraquiasmático (NSQ) para regular os ritmos circadianos.
Atua nos receptores melatonina 1 (MT1), melatonina 2 (MT2) e no sítio de melatonina 3
(não envolvido na fisiologia do sono).
MT1 media a inibição de neurônios no NSQ, promovendo o sono ao atenuar os sinais de
alerta do NSQ. MT2 media sinais de mudança de fase transmitidos ao NSQ.
Deste modo, a melatonina e agonistas seletivos de MT1 e MT2 (Ralmeteon, Tasimelteon)
proporcionam o início do sono, mas não necessariamente a sua manutenção.
São úteis para indivíduos com insônia inicial, atraso de fase (dormem muito tarde: por
exemplo, adolescentes normais), avanço de fase (dormem muito cedo: por exemplo,
idosos normais) ou dessincronose (jet lag).
Conforme comentado no capítulo 7, a agomelatina é um antidepressivo melatoninérgico
que, adicionalmente, também tem ação antagonista dos receptores 5HT2C e 5HT2B.
Nem todos os pacientes com insônia apresentam deficiência no sono de ondas lentas e
nem todos os que têm deficiência no sono de ondas lentas apresentam insônia.
Orexina (hipocretina)
Promotores da vigília
Modafinila
O mecanismo de ação da modafinila ainda não é totalmente elucidado. Age ativando
neurônios do núcleo tuberomamilar e do hipotálamo lateral, acarretando a liberação,
respectivamente, de histamina e orexina.
Entretanto, estas ações parecem ser consequências distais dos efeitos da modafinila
sobre neurônios dopaminérgicos, semelhante ao que ocorre com as anfetaminas e o
metildenidato (estimulantes também promotores da vigília - serão mais profundamente
comentados no capítulo 12. Ambos agem inibindo DAT e NAT, e as anfetaminas,
adicionalmente, inibem VMAT2).
A modafinila é um inibidor fraco de DAT, porém, em doses suficientemente altas, pode
ser obtido um efeito substancial. A farmacocinética de elevação lenta dos níveis
plasmáticos promove uma atividade dopaminérgia tônica, evitando reforço e uso
abusivo.
Cafeína
A cafeína é um antagonista da adenosina, um neurotransmissor que se acumula durante
o dia e diminui à noite, relacionando-se ao ciclo circadiano de luz/escuro.
Alguns receptores de purinas (a adenosina é uma purina) estão acoplados a receptores
dopaminérgicos, de modo que a adenosina, quando se liga aos seus receptores, diminui
a sensibilidade dos receptores D2.
Assim, o antagonismo da adenosina promove, indiretamente, as ações da dopamina.
Foi rotulado como “substância do estupro” por ser utilizado junto ao álcool por criminosos
para este fim. O surto de hormônio do crescimento que o acompanha foi também usado
de modo abusivo por atletas, como substância potencializadora de desempenho.
Destarte, tornou-se de comercialização restrita.
79
TDAH
Estes sintomas, porém, não se restringem ao TDAH. O avaliador deve estar atento aos
diagnósticos diferenciais. Por exemplo, o processamento ineficiente no COF pode se
manifestar como impulsividade e violência na esquizofrenia e na mania, tendência suicida
na depressão, compulsão no uso abusivo de substâncias etc., além de se relacionar a
condições frequentemente comórbidas ao TDAH, como transtornos de conduta, opositor-
desafiador e bipolar. Disfunção executiva também ocorre em diversos contextos, como
esquizofrenia, mania, depressão, ansiedade, dor e transtornos do sono/vigília [ver Stahl
Figs. 12.7 a 12.8].
Ou seja, se a estimulação dos receptores α2A e D1 for muito baixa, todos os sinais que
chegam ao córtex ficam iguais, impedindo que o indivíduo foque em uma determinada
tarefa (atenção não focada). Se a estimulação é excessiva, os sinais se misturam à
medida que novos receptores são recrutados, o que, novamente, desfoca a atenção.
Além disso, os neurônios dopaminérgicos e noradrenérgicos podem apresentar padrões
de descargas fásicas (“agudas”, grandes aportes irregulares de neurotransmissão em curto
espaço de tempo) e tônicas (“contínuas”, neurotransmissores liberados em quantidades
estáveis ao longo do tempo).
A liberação fásica (principalmente de DA) favorece a aprendizagem e o
condicionamento de recompensa/reforço. Porém, aportes fásicos excessivos são o
mecanismo de substâncias de uso abusivo, que causam dependência e comportamentos
compulsivos.
Assim, o funcionamento ideal desse sistema cortical compreende níveis adequados (nem
baixos demais, nem altos demais) de NA e DA e predominância de descargas
dopaminérgicas tônicas.
O TDAH pode se tratar, então, tanto de deficiência de NA e DA (impossibilitando os níveis
mínimos necessários ao recrutamento adequado de α2A e D1), quanto de exagero
(recrutando α1/β1 e D1/D2 em altos níveis + desencadeando descargas fásicas excessivas).
O excesso de descargas fásicas de DA e NA pode estar subjacente ao desenvolvimento
do uso abusivo de álcool e drogas, da impulsividade, da desatenção e da ansiedade
comórbidos ao TDAH, principalmente em adolescentes e adultos.
TDAH e neurodesenvolvimento
A forma clássica do TDAH tem início aproximadamente aos 7 anos de idade (é critério
para o diagnóstico formal).
A quantidade de sinapses no córtex pré-frontal aumenta rapidamente até os 6 anos de
idade. Desta forma, não há como distinguir a desatenção de crianças em idade pré-escolar
enquanto manifestação anômala ou apenas parte do neurodesenvolvimento normal.
Na adolescência, ocorre o processo de poda neuronal, com a eliminação competitiva das
sinapses menos fortalecidas. Tal qual a esquizofrenia (conforme comentado no capítulo 4),
o TDAH tem gênese na poda neuronal inadequada, com eliminação de sinapses
relevantes. Indivíduos capazes de compensar essas anormalidades com a formação de
novas sinapses serão aqueles que irão “se curar” do TDAH na fase adulta.
Há predisposição genética, porém fatores ambientais também contribuem para o
desenvolvimento destes transtornos, como nascimento prematuro, tabagismo durante a
gestação, dentre outros.
A prevalência do TDAH na infância é em torno de 7 a 8% e na idade adulta 4 a 5%. Há de
se considerar nesta avaliação que, na fase adulta, o diagnóstico do TDAH é dificultado,
dentre outros motivos, pela presença frequente de comorbidades psiquiátricas. Cerca de
50% das crianças com TDAH é diagnosticada e tratada e o mesmo ocorre com apenas
20% dos adultos com TDAH.
81
Tratamento do TDAH
Metilfenidato e lisdexanfetamina
Como anteriormente discutido, a disfunção no TDAH consiste em níveis de noradrenalina
e dopamina muito baixos (insuficientes para recrutar os receptores α2A pós-sinápticos e
D1 necessários à transmissão do estímulo ao córtex pré-frontal) ou muito altos
(ocasionando descargas fásicas, com estímulos irregulares, prejudicando o foco).
Portanto, o tratamento do TDAH, em última análise, corresponde a potencializar NA e DA,
com fármacos que propiciem uma farmacodinâmica de descargas tônicas. Por isso, os
estimulantes (metilfenidato e lisdexanfetamina) são a primeira linha de tratamento.
O metilfenidato bloqueia NAT e DAT, ligando-se em um sítio distinto (alostérico) ao que
NA e DA se ligam nestes transportadores. Não exerce nenhuma ação sobre VMAT.
O metilfenidato apresenta um isômero d e um isômero l, sendo o primeiro mais potente
em recaptação de NAT e DAT. Nos EUA, está disponível a forma de enantiômero único d-
metilfenidato, em preparações de liberação imediata e liberação controlada.
A ocupação rápida e em alto grau do DAT por estimulantes pode causar euforia e,
consequentemente, uso abusivo. Por isso, no tratamento do TDAH, as considerações
farmacocinéticas são tão importantes quanto os mecanismos farmacodinâmicos das
medicações utilizadas.
O princípio do tratamento do TDAH consiste em ocupar uma quantidade suficiente de
NAT no córtex pré-frontal, com início lento o suficiente e duração longa o suficiente para
aumentar as sinalizações tônicas de NA e DA, por meio dos receptores α2A e D1, ocupando,
contudo, quantidade suficientemente pequena de DAT no nucleus accumbens, de modo
a não recrutar os receptores D2 desta área, evitando os efeitos reforçadores/de
recompensa que levam ao uso abusivo.
Atoxoxetina
A atomoxetina é uma opção de segunda linha para o TDAH. Inibidora seletiva de NAT,
potencializa não apenas a ação noradrenérgica, mas também a ação dopaminérgica no
córtex pré-frontal (região na qual há pouco DAT, e, por isso, a DA difunde-se para longe
da sinapse e é recapturada pelo NAT).
Isto é uma propriedade vantajosa para o tratamento de pacientes com TDAH e abuso
comórbido de substâncias, pois permite o aporte de NA e DA na região cortical, sem
potencializar dopamina no nucleus accumbens (sistema de recompensa, que pode
precipitar o uso abusivo), tal qual fazem metilfenidato e lisdexanfetamina, que bloqueiam
tanto NAT quanto DAT.
Guanfacina e clonidina
Guanfacina e clonidina são agonistas α2-adrenérgicos utilizados tratamento do TDAH,
também como segunda linha.
Os receptores α2A-adrenérgicos estão distribuídos em todo o SNC, com níveis elevados
no locus coeruleus e no córtex. São responsáveis pela regulação da desatenção, da
impulsividade e da hiperatividade no TDAH.
Os receptores α2B-adrenérgicos têm alta concentração no tálamo e no córtex. São
importantes para mediar as ações sedativas da NA.
Os receptores α2C-adrenérgicos estão mais presentes no estriado.
Por vezes, a ativação excessiva de dopamina irá ocasionar a associação do TDAH com
outras condições originárias deste mesmo mecanismo, como tiques, transtornos de
conduta e transtornos psicóticos.
Nestes casos, a associação de estimulantes (que potencializam a ação dopaminérgica) -
para o tratamento do TDAH - com antipsicóticos atípicos (que reduzem a ação
dopaminérgica) - para o tratamento das comorbidades - é contraditória.
Mas, em situações extremas, pode se justificar pela propriedade de antipsicóticos atípicos
em, simultaneamente, estimularem os receptores D1 do córtex pré-frontal e bloquearem
os receptores D2 nas áreas límbicas.
Em pacientes com TDAH e ansiedade, o uso de estimulantes pode melhorar o TDAH,
porém agravar a ansiedade. Nesse caso, uma estratégia pode ser potencializar
antidepressivos ou ansiolíticos com um ativador tônico dos sistemas DA e NA, como um
inibidor de recaptação de noradrenalina (atomoxetina) ou um agonista α2A adrenérgico
(clonidina).
84
Demências
DEMÊNCIA CARACTERÍSTICAS
A hipótese da cascata amiloide para a doença de Alzheimer (DA) postula que a gênese
desta demência consiste no surgimento excessivo de peptídeos β-A tóxicos ou em sua
remoção insuficiente.
Estes se acumulam para formar placas amiloides/amiloidose, o que deflagra uma cascata
química letal (resposta inflamatória, ativação da micróglia e dos astrócitos, liberação de
citocina e radicais livres).
Com efeito, há hiperfosforilação de proteínas tau e conversão dos microtúbulos
neuronais em emaranhados neurofibrilares, o que finda em morte difusa de neurônios.
Atividade da apoliproteína E
Outra possibilidade é que a remoção de β-A esteja deficiente no Alzheimer por
ineficiência na atividade da apoliproteína E (ApoE).
A ApoE é a proteína que se liga aos peptídeos amiloides para removê-los. Existem três
alelos (variantes) dos genes que a codificam: E2, E3 e E4. A variante E4 está mais associada
ao desenvolvimento da doença, enquanto a variante E2 parece ser ligeiramente protetora.
ESTÁGIO CARACTERÍSTICAS
ESTÁGIO 3:
⇲ Déficits cognitivos graves; doença instalada.
DEMÊNCIA
Legenda: CCL = Comprometimento Cognitivo Leve; LCR = Líquido Cefalorraquidiano;
PET = Tomografia por Emissão de Pósitrons; RM = Ressonância Magnética.
87
Ressalva-se que cerca de 25% dos idosos com cognição normal são positivos para amiloide
no PET e, portanto, estão no estágio 1 da doença de Alzheimer, mas, por outro lado,
aproximadamente metade dos pacientes com CCL não exibe deposição amiloide neste
exame.
Dos pacientes com CCL que exibem imagem amiloide (PET), metade evolui para demência
em um ano e 80% em três anos. O prejuízo de memória episódica (capacidade de
aprender e reter novas informações) constitui o sintoma cognitivo mais observado nos
pacientes com CCL que evoluem para demência.
Pacientes com CCL que apresentam o genótipo E4 da ApoE (responsável pela remoção
dos peptídeos β-A) têm evolução mais rápida para o estágio de demência. Outros fatores
de risco para progressão desfavorável são depressão, diabetes tipo 2 e doença vascular,
especialmente embolia cerebral.
Controle da diabetes e de fatores de risco cardiovasculares podem ser úteis na prevenção
da evolução da doença. Como é sabido, hábitos de vida positivos (alimentação
balanceada, sono adequado, exercícios físicos, lazer, estímulos intelectuais etc.) também
ajudam no envelhecimento saudável do cérebro, embora não se tenha comprovado que
retardem a progressão do estágio pré-clínico para a demência.
Acetilcolina
Síntese e degradação
Ambas as enzimas de degradação estão presentes em todo o cérebro, mas a BuChE está
especialmente concentrada nas células gliais, sendo a AChE mais relevante na inativação
das sinapses colinérgicas.
A colina originada da degradação da ACh é transportada de volta para o neurônio pelo
transportador de colina, reciclada novamente em acetilcolina e, então, transportada para
as vesículas pelo transportador vesicular de acetilcolina (VAChT).
Receptores nicotínicos
Os receptores colinérgicos nicotínicos são canais iônicos controlados por ligante, que
podem ser bloqueados pelo curare.
Subtipo α4β2: regula liberação de dopamina no nucleus accumbens (alvo da nicotina).
Subtipo α7 pós-sináptico: regula funcionamento cognitivo no córtex pré-frontal.
Subtipo α7 pré-sináptico: presente tanto em neurônios colinérgicos (autorreceptores)
quanto em neurônios glutamatérgicos e dopaminérgicos (heterorreceptores), potencializa
a liberação dos respectivos neurotransmissores (ACh, glutamato, DA), quando ativado.
Receptores muscarínicos
Os receptores colinérgicos muscarínicos são receptores ligados à proteína G, que podem
ser bloqueados pelos “anticolinérgicos”, como a atropina e a escopolamoina.
Subtipo M1: regula funções de memória da ACh.
Subtipo M2: regula feedback negativo de ACh (é um autorreceptor).
Subtipo M3: regula efeitos periféricos da ACh (expresso fora do cérebro).
89
Anticolinesterásicos
Memantina
Impulsividade,
Compulsividade
e Adição
Impulsividade é a incapacidade de interromper o início de uma ação.
(Incapacidade de adiar recompensa, incapacidade de inibição motora...)
Compulsividade é a incapacidade de interromper a continuidade de uma ação.
(Incapacidade de adaptar comportamento após retroalimentação negativa.)
Adição a substâncias
Cocaína e estimulantes
Quanto mais rápida a entrada de uma substância de uso abusivo no cérebro, mais potente
será o efeito de reforço, por deflagrar descargas dopaminérgicas fásicas. Neste sentido, a
via mais rápida é fumar, com absorção imediata pela área de superfície maciça dos
pulmões e evitando o mecanismo de primeira passagem hepática.
Exemplo disso é a distinção entre a cocaína (e derivados, como o crack) e os
estimulantes utilizados no tratamento do TDAH (metilfenidato, lisdexanfetamina): embora
ajam pelo mesmo mecanismo farmacodinâmico (antagonismo de NAT e DAT), a
farmacocinética é diferente, visto que a cocaína induz liberação fásica destes
neurotransmissores, enquanto os estimulantes provocam liberação tônica.
Adicionalmente, a cocaína também provoca inibição de SERT e age em receptores
opioides. Para pacientes dependentes de cocaína, pode-se associar buprenorfina
(agonista parcial dos receptores opioides μ e κ) e naltrexona (antagonista dos receptores
opioides μ). Resulta-se, deste modo, em estimulação apenas dos receptores κ, o que ajuda
a diminuir a autoadministração compulsiva de cocaína sem produzir adição a opioides.
Maconha
O THC (Δ9-tetraidrocanabinol) é o componente da maconha que age nos receptores
canabinoides CB1 e CB2. O CB2 predomina no sistema imune, enquanto o CB1, presente
no cérebro, pode mediar não apenas as propriedades de reforço da maconha, como
também do álcool e de outras substâncias psicoativas (possivelmente, até de alimentos).
O principal endocanabinoide (neurotransmissor de ocorrência natural com propriedades
semelhantes ao THC) é a anandamida (ananda, do sânscrito, significa “felicidade
suprema”).
Alucinógenos
Os alucinógenos mais conhecidos (MDMA, LSD, psilocibina) atuam nas sinapses
serotoninérgicas do sistema de recompensa (via mesolímbica), com agonismo dos
receptores 5HT2A. O MDMA, em particular, também bloqueia SERT.
Outra classe de alucinógenos, relacionada às anfetaminas, assemelha-se mais à
noradrenalina e à dopamina: mescalina, DOM, dentre outras.
Todas estas substâncias produzem alucinações psicodélicas (“consciência sensorial
ampliada”) e psicotomiméticas (semelhante a um estado de psicose). Porém, o efeito
psicotomimético é mais superficial em relação aos estimulantes (cocaína, anfetamina) e
outras drogas recreativas - como fenciclidina (PCP) - que imitam muito mais fielmente a
psicose.
Opioides
Tanto opioides endógenos (endorfinas, encefalinas, dinorfinas) – liberados por neurônios
opioides que se originam no núcleo arqueado – quanto os opioides exógenos (heroína,
morfina, outros medicamentos para dor...) atuam em receptores μ, δ e κ localizados na
área tegmental ventral, participando do circuito de recompensa que, em última análise,
irá proporcionar liberação de dopamina no nucleus accumbens.
A naloxona é um antagonista competitivo de receptores opioides, utilizada para
reverter quadros agudos de intoxicação por opioides (que podem provocar
rebaixamento de nível de consciência). Porém, pode, da mesma forma, precipitar
síndrome de abstinência em indivíduos dependentes.
Nicotina
A nicotina, como o nome sugere, age diretamente nos receptores colinérgicos nicotínicos.
Existem dois subtipos de receptores nicotínicos no cérebro: α4β2 e α7.
Os receptores α4β2 são os mais associados à adição ao cigarro. Estão presentes em
neurônios dopaminérgicos na área tegmentar ventral e, quando ativados, estimulam a
liberação de DA no nucleus accumbens.
O comprimento do cigarro contém a quantidade “ideal” (nem mais, nem menos) para
dessensibilizar por completo estes receptores e, portanto, não se obter mais
prazer/recompensa pelo estímulo da nicotina ou da acetilcolina.
94
Álcool
Os efeitos do álcool derivam de três mecanismos de ação:
⇈ GABA: Estimula diretamente receptores GABAA (principalmente subtipo δ) +
Bloqueia autorreceptores GABAB;
⇊ Glutamato: Bloqueia VSCC + Bloqueia receptores glutamatérgicos NMDA e
metabotrópicos (mGluR);
Atua nos receptores opioides: Estimula diretamente os receptores opioide μ +
Libera encefalina (opioide endógeno).
Portanto, o álcool tem, além dos propriedades depressoras (aumentar GABA e reduzir
glutamato), um mecanismo estimulatório (ação opioide).
95
Antagonismo dos
NALTREXONA Adição a opioides e álcool
receptores opioides μ
Inibição irreversível da
DISSULFIRAM enzima aldeído Adição ao álcool
desidrogenase
Compulsões alimentares
Vias do apetite
O centro cerebral de controle do apetite é o hipotálamo.
Uma importante via estimuladora do apetite é mediada por dois peptídeos:
neuropeptídeo Y e AgRP (proteína relacionada com Agouti).
Uma importante via inibidora do apetite é mediada por neurônios de pró-
opiomelanocortina (POMC), que produzem o peptídeo POMC, clivado em β-endorfina
ou α-MSH (hormônio α-melanócito estimulante). O α-MSH interage com os receptores de
melanócitos 4 - no hipotálamo - para suprimir o apetite.
Pode haver ganho de peso por atividade excessiva da via estimuladora ou atividade
deficiente da via inibidora do apetite [ver Stahl Fig. 14.20A]. Além disso, outros
reguladores hipotalâmicos, como orexina, leptina, grelina, insulina, glucagon etc.
também contribuem para o impulso de comer, interagindo com as vias de recompensa.
Fentermina e topiramato
A fentermina é aprovada como monoterapia para o tratamento da obesidade.
Atua como estimulante (bloqueio de NAT, DAT e, em doses altas, VMAT), aumentando
a disponibilidade de dopamina e noradrenalina, que estimularão neurônios de pró-
opiomelanocortina (POMC) a liberarem α-MSH (hormônio α-melanócito estimulante) no
hipotálamo (via inibidora do apetite).
É comum o desenvolvimento de tolerância (assim, o peso costuma retornar), adição/uso
abusivo (pelo estímulo dopaminérgico nos circuitos de recompensa) e complicações
cardiovasculares (efeitos noradrenérgicos na elevação de PA e FC).
Uma alternativa para estes inconvenientes é reduzir a dose da fentermina,
potencializando-a com a associação com topiramato, que atua inibindo a via
estimuladora do apetite, pela potencialização do impulso gabaérgico nesta via [ver
Stahl Fig. 14.20C].
Bupropiona e naltrexona
A associação de bupropiona com naltrexona também pode ser utilizada no tratamento
de obesidade.
A bupopiona (antagonista de DAT e NAT) age pela estimulação - por dopamina e
noradrenalina - dos neurônios pró-opiomelanocortina (POMC), ocasionando liberação
de α-MSH: via supressora do apetite.
A naltrexona (antagonista dos receptores opioides μ) age pela inibição da alça de
retroalimentação negativa mediada por opioides endógenos que, normalmente, limita a
ativação de neurônios POMC nesta via [ver Stahl Fig. 14.20E].
A dose de naltrexona usada para este fim é mais baixa do que a habitualmente usada no
tratamento da adição de álcool e opioides.
97
Este arquivo é um resumo didático, sem rigor científico e sem fins comerciais.
As ilustrações inseridas são de autoria própria.