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Sumário

Lista de Ilustrações ...................................................................................................... 8


Lista de Tabelas ........................................................................................................... 8
Como Usar Este Material ............................................................................................. 9
Neurotransmissão ................................................................................................... 10
Tipos de neurotransmissão ............................................................................................ 11
Cascata de transdução de sinais .................................................................................... 12
Epigenética .................................................................................................................... 14
Alvos de Ação dos Psicofármacos (pt.1)................................................................... 15
Transportadores ............................................................................................................. 15
Transportadores de monoaminas .......................................................................................... 15
Receptores ligados à proteína G ................................................................................... 16
Enzimas .......................................................................................................................... 17
Sistema enzimático do citocromo P450 ................................................................................. 17
Alvos de Ação dos Psicofármacos (pt.2)................................................................... 19
Receptores ionotrópicos ................................................................................................ 19
Dessensibilização dos receptores .......................................................................................... 19
Modulação alostérica............................................................................................................. 20
Canais iônicos regulados por voltagem ......................................................................... 20
Psicose e Esquizofrenia ............................................................................................ 21
Clínica da esquizofrenia ................................................................................................. 21
Dopamina....................................................................................................................... 22
Síntese e degradação ............................................................................................................ 22
Receptores ............................................................................................................................ 22
Vias dopaminérgicas .............................................................................................................. 23
Hipótese dopaminérgica da esquizofrenia ............................................................................ 24
Glutamato ...................................................................................................................... 24
Ciclo de ação e recaptação ................................................................................................... 24
Receptores ............................................................................................................................ 25
Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia ............................................................................ 26
Neurodesenvolvimento e esquizofrenia ........................................................................ 27
Neuroimagem e esquizofrenia ....................................................................................... 28
3

Genética e esquizofrenia ............................................................................................... 28


Antipsicóticos ........................................................................................................... 29
Típicos vs. atípicos ......................................................................................................... 29
Discinesia tardia..................................................................................................................... 30
Outras propriedades dos antipsicóticos ................................................................................ 31
Serotonina ...................................................................................................................... 32
Síntese e degradação ............................................................................................................ 32
Receptores 5HT2A ................................................................................................................ 32
Receptores 5HT1A ................................................................................................................ 33
Receptores 5HT1B/D ............................................................................................................. 34
Receptores 5HT2C ................................................................................................................ 34
Receptores 5HT3 ................................................................................................................... 35
Receptores 5HT6 ................................................................................................................... 35
Receptores 5HT7 ................................................................................................................... 36
Antipsicóticos “pina” ..................................................................................................... 36
Clozapina ............................................................................................................................... 36
Olanzapina............................................................................................................................. 37
Quetiapina ............................................................................................................................. 37
Asenapina .............................................................................................................................. 37
Antipsicóticos “dona” .................................................................................................... 37
Risperidona e paliperidona .................................................................................................... 37
Lurasidona e ziprasidona ....................................................................................................... 38
Iloperidona ............................................................................................................................ 38
Outros antipsicóticos com propriedades atípicas .......................................................... 38
Aripiprazol ............................................................................................................................. 38
Sulpirida e amissuprida .......................................................................................................... 39
Transição de antipsicóticos ............................................................................................ 39
Transtornos do Humor ............................................................................................. 40
Conceitos ....................................................................................................................... 40
Espectro bipolar ............................................................................................................. 41
Transtorno esquizoafetivo ..................................................................................................... 42
Neurotransmissores e transtornos de humor ................................................................. 42
Noradrenalina ................................................................................................................ 43
Síntese e degradação ............................................................................................................ 43
Receptores ............................................................................................................................ 44
Regulação mútua de serotonina e noradrenalina .................................................................. 44
Circuitos monoaminérgicos ........................................................................................... 44
4

Antidepressivos ....................................................................................................... 45
Mecanismos de ação...................................................................................................... 46
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) ............................................... 46
Fluoxetina .............................................................................................................................. 47
Sertralina ............................................................................................................................... 47
Fluvoxamina........................................................................................................................... 47
Paroxetina ............................................................................................................................. 48
Citalopram e escitalopram..................................................................................................... 48
Inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) ................................... 48
Duloxetina ............................................................................................................................. 49
Venlafaxina e desvenlafaxina ................................................................................................. 49
Milnaciprano .......................................................................................................................... 49
Outros antidepressivos modernos ................................................................................. 50
Bupropiona ............................................................................................................................ 50
Mirtazapina ............................................................................................................................ 50
Trazodona e nefazodona ....................................................................................................... 51
Agomelatina .......................................................................................................................... 51
Atomoxetina e reboxetina ..................................................................................................... 51
Vilazodona ............................................................................................................................. 52
Vortioxetina ........................................................................................................................... 52
Inibidores da monoamina oxidase (IMAO) .................................................................... 53
Interação com a tiramina ....................................................................................................... 53
Interação com fármacos de ação noradrenérgica .................................................................. 54
Interação com fármacos de ação serotoninérgica ................................................................. 54
Antidepressivos tricíclicos .............................................................................................. 55
Alternativas para depressão refratária ........................................................................... 55
Estabilizadores de Humor ....................................................................................... 56
Lítio ................................................................................................................................ 56
Anticonvulsivantes ......................................................................................................... 57
Ácido valproico...................................................................................................................... 57
Carbamazepina e oxcarbazepina ........................................................................................... 57
Lamotrigina............................................................................................................................ 58
Outros anticonvulsivantes ...................................................................................................... 58
Antipsicóticos como estabilizadores de humor ............................................................. 59
Adjuvantes aos estabilizadores de humor ..................................................................... 59
Associação com antidepressivos ........................................................................................... 60
Gestação e aleitamento ................................................................................................. 60
5

Ansiolíticos ............................................................................................................... 61
Transtornos de ansiedade .............................................................................................. 61
Neurobiologia do medo ................................................................................................ 62
Neurobiologia da preocupação ..................................................................................... 62
Predisposição à preocupação: “Warriors vs. Worriers” ......................................................... 62
GABA ............................................................................................................................. 63
Síntese, recaptação e degradação ........................................................................................ 63
Receptores ............................................................................................................................ 63
Benzodiazepínicos ......................................................................................................... 64
Mecanismo de ação ............................................................................................................... 64
Aplicação clínica .................................................................................................................... 65
Antídoto ................................................................................................................................ 65
Agentes serotoninérgicos .............................................................................................. 65
Ligantes α2δ ................................................................................................................... 66
Hiperatividade noradrenérgica na ansiedade ................................................................ 66
Condicionamento do medo ........................................................................................... 66
Reconsolidação...................................................................................................................... 67
Dor Crônica .............................................................................................................. 68
Via nociceptiva ............................................................................................................... 68
Mecanismos de surgimento da dor neuropática ........................................................... 69
Fibromialgia ................................................................................................................... 70
Sinapses descendentes inibitórias da dor ...................................................................... 70
Projeções de neurônios opioides........................................................................................... 70
Projeções de neurônios monoaminérgicos ............................................................................ 71
Transtornos do Sono e da Vigília.............................................................................. 72
Neurobiologia do sono e da vigília ................................................................................ 72
Histamina ....................................................................................................................... 73
Síntese e degradação ............................................................................................................ 73
Receptores ............................................................................................................................ 73
Promotores do sono ...................................................................................................... 74
Benzodiazepínicos e fármacos Z ............................................................................................ 74
Antidepressivos indutores do sono ....................................................................................... 74
Anti-histamínicos ................................................................................................................... 75
Melatonina............................................................................................................................. 75
Sono de ondas lentas..................................................................................................... 75
Síndrome das pernas inquietas ...................................................................................... 76
Orexina (hipocretina) ..................................................................................................... 76
6

Promotores da vigília ..................................................................................................... 77


Modafinila.............................................................................................................................. 77
Cafeína .................................................................................................................................. 78
Oxibato de sódio (GHB) ........................................................................................................ 78
TDAH ....................................................................................................................... 79
TDAH e a “sintonização” de noradrenalina e dopamina ............................................... 79
TDAH e neurodesenvolvimento ..................................................................................... 80
Tratamento do TDAH .................................................................................................... 81
Metilfenidato e lisdexanfetamina .......................................................................................... 81
Atoxoxetina ........................................................................................................................... 82
Guanfacina e clonidina .......................................................................................................... 82
Abordagem das comorbidades ............................................................................................. 82
Demências ................................................................................................................ 84
Hipótese da cascata amiloide ........................................................................................ 85
Processamento da proteína precursora amiloide .................................................................. 85
Atividade da apoliproteína E ................................................................................................. 86
Estágios da doença de Alzheimer.................................................................................. 86
Ressonância magnética e neurodegeneração........................................................................ 87
Acetilcolina .................................................................................................................... 88
Síntese e degradação ............................................................................................................ 88
Receptores nicotínicos........................................................................................................... 88
Receptores muscarínicos ....................................................................................................... 88
Anticolinesterásicos ....................................................................................................... 89
Memantina ..................................................................................................................... 89
Tratamento dos sintomas comportamentais da demência ............................................ 90
Impulsividade, Compulsividade e Adição ................................................................. 91
Circuitos da impulsividade e da compulsividade ........................................................... 91
Adição a substâncias ...................................................................................................... 91
Sequestro da via de recompensa .......................................................................................... 91
Cocaína e estimulantes .......................................................................................................... 92
Maconha ................................................................................................................................ 92
Moduladores alostéricos positivos de GABAA ....................................................................... 92
Alucinógenos ......................................................................................................................... 93
Opioides ................................................................................................................................ 93
Anestésicos de uso recreativo ............................................................................................... 93
Nicotina ................................................................................................................................. 93
Álcool .................................................................................................................................... 94
7

Compulsões alimentares ................................................................................................ 96


Vias do apetite....................................................................................................................... 96
Fentermina e topiramato ....................................................................................................... 96
Bupropiona e naltrexona ....................................................................................................... 96
Outros tratamentos para obesidade...................................................................................... 97
Comportamentos impulsivos e compulsivos.................................................................. 97
Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ............................................................................... 97
8

Lista de Ilustrações
Ilustração 1 Tipos de neurotransmissão. ........................................................................... 11
Ilustração 2 Cascata iniciada por neurotransmissor. ......................................................... 13
Ilustração 3 Transportadores de monoaminas. ................................................................. 15
Ilustração 4 Síntese de dopamina. .................................................................................... 22
Ilustração 5 Ciclo do glutamato......................................................................................... 25
Ilustração 6 Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia. ................................................... 27
Ilustração 7 Síntese de serotonina. .................................................................................... 32
Ilustração 8 Como a serotonina inibe a liberação de dopamina na via nigroestriatal. ...... 33
Ilustração 9 Síntese de noradrenalina................................................................................ 43
Ilustração 10 Propriedades dos antidepressivos ............................................................... 52
Ilustração 11 Síntese de GABA.......................................................................................... 63
Ilustração 12 Tipos de receptores GABAA......................................................................... 65
Ilustração 13 Síntese e degradação da histamina. ............................................................ 73
Ilustração 14 Síntese e degradação da acetilcolina. .......................................................... 88

Lista de Tabelas
Tabela 1 Substratos, inibidores e indutores das principais CYPs ...................................... 18
Tabela 2 Topografia das disfunções na esquizofrenia....................................................... 22
Tabela 3 Descrição das vias dopaminérgicas .................................................................... 23
Tabela 4 Classificação de Akiskal para TAB ...................................................................... 41
Tabela 5 Propriedades dos ISRSs ...................................................................................... 48
Tabela 6 Linhas de tratamento dos transtornos de ansiedade, conforme o Stahl. ........... 67
Tabela 7 Características clínicas de algumas das principais demências degenerativas. ... 84
Tabela 8 Estágios da doença de Alzheimer. ..................................................................... 86
Tabela 9 Medicamentos direcionados aos transtornos por uso de substâncias. .............. 95
9

Como Usar Este Material


Apesar do esmero para entregar um conteúdo acurado e bem diagramado, isto não é
um e-book, tampouco uma revisão de literatura ou qualquer espécie de produção com
rigor científico. Não houve revisão por pares. A finalidade desta leitura é mais didática que
acadêmica:
Trata-se de um compilado de exercícios de fixação de aprendizado produzidos
durante um R1, no transcorrer da disciplina de psicofarmacologia. Portanto, tem uma fonte
norteadora - conquanto insira algumas observações próprias - que foi a referência da
matéria: o livro “Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas”, do
grande Stephen Stahl.
Deste modo, este documento se organiza conforme a divisão da quarta edição da
obra, publicada no Brasil em 2017 pela editora Guanabara Koogan. Assim, uma boa forma
de aproveitá-lo é como um resumo auxiliar de estudos: antes da leitura dos capítulos do
Stahl, fornecendo um panorama de tópicos importantes a serem observados, ou depois,
para revisão direcionada.
Obviamente, sintetizar os conceitos apresentados em centenas de páginas neste
curto espaço exige diversas simplificações. Este arquivo, em absoluto, não abrange a
enorme complexidade da psicofarmacologia, nem dispensa a necessidade da leitura dos
livros de referência da área.
Porém, pode ser um suporte inicial aos recém-residentes que, na íngreme curva de
aprendizado dos primeiros meses de estágio na psiquiatria, correm contra o relógio para
adquirirem conceitos fundamentais e evitarem iatrogenias no cotidiano de atendimento
que se impõe imediatamente, sem esperar o tempo que o correto aprofundamento
demanda.
É também um auxílio para médicos de outras especialidades, estudantes de
medicina e outros profissionais da saúde que precisem de informações pontuais, ou
psiquiatras já bem familiarizados com o tema que queiram revisitar algum dado específico.
O enfoque aqui dedicado é a psicofarmacologia teórica. Doses e aspectos mais
pragmáticos da prescrição dos medicamentos são comentados superficialmente. Para este
intuito, boas recomendações são “Prescriber’s guide” – do próprio Stahl – e
“Psicofármacos: consulta rápida” do Dr. Aristides Cordioli, ambos editados pela Artmed.
A propósito, certamente devem haver incorreções e desatualizações neste material.
Ficarei contente de ser alertado e construir meu aprendizado junto a você. Este
compartilhamento é, afinal, a motivação fundamental desta produção.

Um forte abraço (quando a pandemia acabar),

Lucas Martins
10

Neurotransmissão

Um neurônio recebe um estímulo químico de outro neurônio. Isto produz um impulso


elétrico, que irá se propagar ao longo do axônio por provocar a abertura de canais de
sódio sensíveis a voltagem (o que despolariza a membrana celular).
Ao chegar no terminal axônico, a carga elétrica possibilita a abertura de canais de cálcio
sensíveis a voltagem e, consequentemente, libera os neurotransmissores armazenados
nas vesículas pré sinápticas [ver Stahl Fig. 1.3].
Desta forma, o estímulo elétrico é novamente convertido em estímulo químico, em um
processo denominado acoplamento excitação-secreção, que constitui a primeira etapa
da neurotransmissão química.
O sentido da propagação do sinal é, geralmente, dendrito ⇨ corpo celular ⇨ axônio.
Porém, além das conexões sinápticas convencionais, denominadas axodendríticas
(recepção do sinal pelo dendrito do neurônio pós-sináptico), existem ainda as
axossomáticas (recepção do sinal pelo corpo celular) e axoaxônicas (recepção do sinal
pelo axônio) [ver Stahl Fig. 1.2].
11

Tipos de neurotransmissão

Ilustração 1 Tipos de neurotransmissão.


12

Cascata de transdução de sinais

A neurotransmissão química inicia uma sequência de eventos denominada “cascata de


transdução de sinais”, mediada por uma série de moléculas, os “mensageiros”.
Enquanto os primeiros eventos após uma sinapse ocorrem em frações de segundos, as
consequências distais desta cascata podem durar minutos, horas ou dias [ver Stahl Fig.
1.10] e têm como alvo a formação de fosfoproteínas e a transcrição gênica, permitindo,
em última análise, a comunicação entre os genomas dos neurônios.
Este é o mecanismo pelo qual a “mensagem” que um neurônio transmite se converte em
“ação” no neurônio seguinte. Por isso, os medicamentos podem interferir em diversas
etapas da cascata, alterando o resultado final.
Quatro importantes cascatas de transdução de sinais são: ligadas à proteína G, ligadas a
canais iônicos, ligadas a hormônios e ligadas a neurotrofinas.
Todas as cascatas são complexas e diversas, mas as duas primeiras são de especial
interesse para a psicofarmacologia, pois são desencadeadas por neurotransmissores:

O neutrotransmissor se liga ao receptor...


Se o receptor for ligado a Proteína G,
O neurotransmissor ativa um segundo mensageiro químico:
A enzima adenilato ciclase produz AMP cíclico.
Se o receptor for ligado a canais iônicos,
O neurotransmissor permite a abertura de canais iônicos:
Cálcio é liberado.
Se o segundo mensageiro for o cAMP,
Ativará enzimas quinase.
Se o segundo mensageiro for o Ca*,
Ativará enzimas fosfatase.
*o cálcio também pode levar à ativação de quinases quando interage com uma proteína denominada calmodulina.

Se o terceiro mensageiro for quinase,


Haverá fosforilação: quinase acrescenta fosfato às proteínas, ativando-as.
Se o terceiro mensageiro for fosfatase,
Haverá desfosforilação: fosfatase retira fosfato das proteínas, inativando-
as. [ver Stahl Fig. 1.9]
As fosfoproteínas - produtos da ativação das quinases - são diversas (canais
iônicos, enzimas...) e capazes de gerar numerosas respostas biológicas, que
irão interferir na sequência da cascata. Assim, o equilíbrio das ações
ativadoras das quinases (fosforilação) e inativadoras das fosfatases
(desfosforilação) regula numerosos processos da neurotransmissão.

A quinase se dirige ao núcleo da célula e fosforila (ativa) uma proteína “dormente”:


O fator de transcrição denominado CREB...
13

...que atua na região reguladora do gene (dividida em região potencializadora e


região promotora), ativando, por sua vez, a enzima RNA polimerase.
A RNA polimerase age na a região codificadora do DNA, que é um “molde” para
a transcrição gênica.
Este processo sintetiza os genes imediatos precoces cJun e cFos.
Estes genes atuam como quintos mensageiros, codificando as proteínas Jun e Fos,
que...
...tanto desencadeiam respostas imediatas (começam a agir em 15 minutos após a
neurotransmissão, mas duram apenas de 30 a 60 minutos)...
...quanto se associam em “zíper de leucina” para formar um outro fator de
transcrição (sexto mensageiro), que...
...expressa o produto gênico tardio (sétimo mensageiro), responsável – este sim -
pela resposta biológica sustentada, mais duradoura.

Hormônios (estrogênio,
tireoidiano, cortisol) ativam
transcrição gênica pela ligação
direta a um receptor
citoplasmático, que migra ao
núcleo da célula (por isso, ação
mais rápida).

Neurotrofinas ativam uma via


de transdução de sinais a partir
da Ras (uma proteína G), que
ativa uma quinase após a
outra, até a mudança de
expressão gênica [ver Stahl Fig.
1.11].

Ilustração 2 Cascata iniciada por neurotransmissor.


14

Epigenética

"Os genes são as palavras, enquanto a epigenética é a história contada"


Todas as células do corpo possuem o mesmo genoma, mas o que determina se serão
células hepáticas ou cardíacas, por exemplo, é quais regiões estarão ativas e quais estarão
silenciadas (no que consiste a epigenética).
O principal processo envolvido é a metilação, embora existam outros, como a acetilação:
A metilação e a de desacetilação silenciam os genes.
(Tornam a cromatina mais compacta e, assim, restringem o acesso dos fatores de transcrição
à região promotora do DNA, interrompendo a cascata de transdução de sinais)

A desmetilação e a acetilação reativam os genes.


(Descompactam a cromatina; revertem o processo)

As histonas (que compõem a cromatina) podem ser metiladas pela histona-


metiltransferase e desmetiladas pela histona-desmetilase.
O DNA é metilado pela DNA-metiltransferase e desmetilado pela DNA-desmetilase.
Experiências de vida podem alterar a epigenética até mesmo de neurônios maduros
diferenciados. Experiências negativas (deficiência nutricional, abusos na infância, estresse
na vida adulta...) e positivas (psicoterapia, boa qualidade de vida...) interferem nos padrões
de ativação e silenciamento dos genes.
15

Alvos de Ação dos


Psicofármacos (pt.1)
Os principais sítios de ação dos psicofármacos são: 1) transportadores de
neurotransmissores; 2) receptores ligados à Proteína G; 3) canais iônicos e 4) enzimas.

Transportadores

Após determinado tempo de ação, os neurotransmissores presentes nas fendas sinápticas


são capturados e reconduzidos para dentro do neurônio pré-sináptico pelos
transportadores de recaptação pré-sináptica, e, sequencialmente, para dentro da
vesícula sináptica pelos transportadores vesiculares.
O bloqueio desses transportadores impede a recaptação, aumentando, assim, o tempo
de ação do neurotransmissor na fenda sináptica, o que é visado pelos psicofármacos.
A energia para o transporte de recaptação pré-sináptica é oferecida pela enzima sódio-
potássio ATPase (“bomba de sódio”, que bombeia continuamente Na+ para fora do
neurônio, criando um gradiente favorável à recaptação).
A energia para o transporte vesicular é oferecida pela ATPase de prótons (“bomba de
prótons”, que bombeia continuamente H+ para fora da vesícula sináptica, criando um
gradiente favorável à recaptação).

Transportadores de monoaminas
Cada monoamina tem um transportador de recaptação pré-sináptica específico
(Serotonina = SERT / Noradrenalina = NAT / Dopamina = DAT), porém há um único
transportador vesicular (VMAT2: Transportador Vesicular de Monoaminas 2) para as três.

Ilustração 3 Transportadores de monoaminas.


16

Contudo estes transportadores específicos também têm grande afinidade por outros
neurotransmissores, que, se estiverem próximos, podem “pegar carona”. Por exemplo, o
NAT tem grande afinidade pelo transporte de dopamina; o DAT pelo transporte de
anfetaminas e o SERT pelo transporte de MDMA (“ecstasy”).

Quem tem dois, tem um: O VMAT2 se concentra mais no cérebro, enquanto o VMAT1 é
mais periférico.

O transportador de recaptação pré sináptica do GABA é o GAT1. Ele é bloqueado pelo


anticonvulsivante tiagabina. Este, portanto, aumenta as concentrações sinápticas do
GABA, podendo ter ação terapêutica na ansiedade, nos transtornos do sono e da dor.

Nem todos os neurotransmissores são regulados por transportadores de recaptação pré-


sináptica. A histamina, por exemplo, parece não ter nenhum transportador pré-sináptico
(embora seja transportada para as vesículas sinápticas pelo VMAT2, tal qual as
monoaminas). Acredita-se que a inativação das histaminas seja totalmente enzimática.

Receptores ligados à proteína G

Fármacos agonistas provocam mudança na conformação dos receptores ligado à proteína


G, deflagrando a síntese de um segundo mensageiro.
Os agonistas totais são as moléculas capazes de produzir a máxima transdução de sinais
quando ligadas a um receptor. Normalmente, são representados pelos neurotransmissores
naturais. Contudo, eventualmente outras substâncias podem atuar de maneira tão integral
quanto.
Os agonistas de ação direta são aqueles que se ligam diretamente no sítio do
neurotransmissor, produzindo os mesmos efeitos que um agonista total.
Os agonistas de ação indireta são aqueles que elevam os níveis do agonista total
indiretamente, pelo bloqueio dos mecanismos de inativação deste neurotransmissor. Por
exemplo, acetilcolinesterase e inibidores da monoamina oxidase (iMAO).

Os agonistas parciais são denominados estabilizadores, pois, na ausência de um agonista


total, aumentam a transdução dos sinais. Contudo, na presença deste, reduzem a força do
sinal.
Ressalta-se que, mesmo na ausência de qualquer tipo de agonista, algum grau de
transdução de sinal segue acontecendo. A este estado de repouso do receptor se
denomina “atividade constitutiva”.
Os antagonistas não realizam a função inversa dos agonistas, mas apenas restauram o
estado de conformação “basal” do receptor na ausência do agonista – isto é, a atividade
constitutiva. Ou seja, bloqueiam a ação dos agonistas (tanto total quanto parcial).
Por outro lado, os agonistas inversos, sim, ligam-se ao receptor para provocar ação
oposta à do agonista. Os antagonistas também são capazes de reverter os agonistas
inversos [ver Stahl Fig. 2.3].
17

Enzimas

Várias enzimas estão envolvidas na síntese e destruição de neurotransmissores e na


transdução de sinais.
Três enzimas são conhecidas como alvo de psicofármacos: monoamina oxidase (MAO),
acetilcolinesterase e glicogênio sintase quinase (GSK).

O lítio tem capacidade de inibir a GSK-3, que promove morte celular. Deste modo, esse
fármaco leva à neuroproteção e à plasticidade a longo prazo. Também contribui para as
ações antimaníacas e estabilizadoras de humor.

Sistema enzimático do citocromo P450


As enzimas CYP participam da farmacocinética (o “caminho” do fármaco até o sítio de
ação) dos psicofármacos.
Elas agem na parede intestinal e no fígado, convertendo parcialmente o substrato
farmacológico em um produto biotransformado, que seguirão ambos (substrato e
produto) na corrente sanguínea até o sítio de ação (onde exercerão a atividade
farmacodinâmica – ou seja, o que o fármaco faz quando chega ao seu “destino”).

Nem todos os indivíduos possuem as mesmas enzimas CYP.


Existem os metabolizadores lentos, que apresentam redução de atividade de
determinadas CYP, de modo a precisarem metabolizar substâncias e fármacos por vias
alternativas que não são tão eficientes. Estes costumam apresentar níveis elevados dos
fármacos, ou seja, têm respostas mais exuberantes com doses menores.
Já os metabolizadores rápidos têm CYPs extremamente ativas, de modo a ter menor
disponibilidade de substrato na corrente sanguínea, proporcionalmente.
Atualmente existem testes genéticos destinados a prever o comportamento enzimático
de cada indivíduo para ajuste de doses.

As enzimas CYP possuem substâncias que as inibem e, portanto, se administratas


conjuntamente, podem potencializar a ação de um substrato (uma vez que este será
menos metabolizado) e substâncias que as induzem e, portanto, se administradas
conjuntamente, podem reduzir a ação de um substrado (uma vez que este será mais
metabolizado).
Algumas das principais CYPs são: CYP 1A2, CYP 2D6 e CYP 3A4.
A tabela a seguir reúne alguns dos principais substratos metabolizados por estes três
subtipos, além de seus inibidores e indutores:
18

Tabela 1 Substratos, inibidores e indutores das principais CYPs

SUBSTRATOS INIBIDORES INDUTORES

Clozapina
Olanzapina
Asenapina Fluvoxamina
1A2 Tabagismo
Duloxetina Ciprofloxaxino
Agomelatina
Alguns Tricíclicos

Asenapina
Risperidona
Fluoxetina
Venlafaxina Paroxetina
2D6
Tricíclicos Duloxetina
Bupropiona
Codeína
Ritonavir

Clozapina
Quetiapina
Iloperidona Fluvoxamina
Lurasidona Fluoxetina Carbamazepina
Aripiprazol
Cetoconazol Rifampicina
3A4
Buspirona Eritromicina
Benzodiazepínicos Efavirenz,
(Alprazolam, Triazolam) Verapamil Nevirapina
Diltiazem
Estatinas
Anticoncepcional

Detalhes importantes:

Pacientes tabagistas podem exigir doses maiores de antipsicóticos (clozapina, olanzapina)


ou antidepressivos (duloxetina, ATC) pela maior atividade metabolizadora de CYP 1A2;
A CYP 2D6 é responsável pela conversão de dois pró-fármacos relevantes: risperidona em
paliperidona e venlafaxina em desvenlafaxina;
A associação de inibidores da CYP 2D6 a antidepressivos tricíclicos exige monitoramento
próximo, pois pode aumentar o risco de eventos cardíacos pelo incremento da dose destes;
Fluvoxamina (inibidora de 1A2 e 3A4) e fluoxetina (inibidora de 2D6 e 3A4) são ISRS que
exigem especial atenção, pois interagem com muitos fármacos;
A atividade indutora de CYP 3A4 da carbamazepina é uma propriedade muito negativa:
pode prejudicar o efeito de muitos antipsicóticos atípicos, além de reduzir a eficácia
anticoncepcional;
A combinação de um inibidor da CYP 3A4 com uma estatina aumenta o risco de
rabdomiólise.
19

Alvos de Ação dos


Psicofármacos (pt.2)
Receptores ionotrópicos

Receptores ionotrópicos (também denominados “receptores ligados a canais iônicos”, ou


“canais iônicos regulados por ligantes”) são, em síntese, canais iônicos que se abrem
quando estimulados por neurotransmissores.

A ativação destes receptores modifica imediatamente o fluxo de íons. Por isso, os fármacos
direcionados a eles - como os benzodiazepínicos e outros ansiolíticos e hipnóticos - podem
ter ação quase imediata.
Diferentemente, por exemplo, do que ocorre com fármacos direcionados a receptores
ligados à Proteína G - como alguns antidepressivos - que precisam aguardar o início das
alterações das funções celulares ativadas pela cascata de transdução do sinal.

O conceito de espectro agonista - detalhado para receptores ligados à Proteína G no


capítulo 2 – também se aplica aos receptores ionotrópicos. Neste caso, o estado de
repouso não consiste em um canal completamente fechado. Há um certo grau de fluxo de
íons mesmo na ausência de agonista (atividade constitutiva).
Dois subtipos dos receptores ionotrópicos são:
Subtipo tetramérico: receptores glutamatérgicos NMDA e AMPA;
Subtipo pentamérico: receptores de glicina; GABAA; colinérgico nicotínico e
serotoninérgico 5HT3.

Dessensibilização dos receptores


A exposição prolongada de agonistas a receptores ionotrópicos pode produzir a mudança
na conformação destes receptores, provocando a dessensibilização como forma de
proteção contra estimulação excessiva.
Esta pode ser, inicialmente, revertida de modo rápido pela remoção do agonista.
Contudo, se o agonista permanecer por várias horas, o receptor é convertido, de um
estado de simples dessensibilização, para um estado de inativação.
Neste estado, apenas a retirada do agonista já não é mais suficiente. São necessárias várias
horas de ausência do agonista para que o receptor retorne ao estado de repouso, sendo
novamente sensível ao estímulo agonista.
20

A inativação pode ser bem caracterizada pelos receptores colinérgicos nicotínicos.


A acetilcolina é rapidamente hidrolisada pela enzima acetilcolinesterase, presente em
grandes quantidades, de modo que dificilmente consegue se concentrar a ponto de
dessensibilizar e inativar os receptores nicotínicos.
No entanto, a nicotina não é hidrolisada por essa enzima, estimulando os receptores
nicotínicos de modo duradouro, de forma que, quando inativados, para retornar ao estado
de repouso são necessárias várias horas sem o estímulo da nicotina.

Modulação alostérica
Outras moléculas podem se ligar aos receptores ionotrópicos em locais diferentes
daqueles em que os neurotransmissores se ligam (sítios alostéricos).
Estas moléculas são chamadas “moduladores alostéricos”, pois podem reforçar ou
bloquear/reduzir a ação dos neurotransmissores.
Os moduladores que reforçam são chamados Moduladores Alostéricos Positicos (PAM).
Os moduladores que bloqueiam/reduzem são chamados Moduladores Alostéricos
Negativos (NAM).

Exemplos de PAM são os benzodiazepínicos, que reforçam a ação do GABA nos canais
iônicos de cloreto controlados por ligantes do tipo GABAA.

Canais iônicos regulados por voltagem

Alguns canais iônicos não são acionados pela ligação de neurotransmissores, mas sim por
cargas elétricas: os canais iônicos sensíveis a (ou “regulados por”) voltagem.
São estes que controlam o impulso elétrico de um neurônio (potencial de ação).
O potencial de ação é conduzido pelo axônio pela abertura sequencial de Canais de Sódio
Sensíveis à Voltagem (VSSC) até alcançar os Canais de Cálcio Sensíveis à Voltagem
(VSCC), que estão ligados às vesículas sinápticas e, quando acionados, permitem a
liberação dos neurotransmissores na sinapse.

Os fármacos anticonvulsivantes atuam, dentre outros sítios, nestes canais iônicos sensíveis
a voltagem.

Os subtipos de VSCC de maior interesse para a psicofarmacologia são os P/Q, de


localização pré-sináptica. O subtipo L é o encontrado no músculo liso vascular, no qual
atuam os anti-hipertensivos “bloqueadores de canal de cálcio”.
21

Psicose e
Esquizofrenia
Psicose é uma síndrome que envolve, primordialmente, delírios e alucinações, dentre
outras alterações que comprometem a capacidade mental, afetiva, de reconhecimento da
realidade, de comunicação e de relacionamento do indivíduo.
Condições como esquizofrenia, transtornos psicóticos induzidos por substâncias,
transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo, transtorno delirante, transtorno
psicótico breve e transtorno psicótico devido a condição médica geral exigem a psicose
como característica definidora.
Condições como mania, depressão e transtornos cognitivos tais qual o Alzheimer também
podem apresentar sintomas psicóticos, mas não necessariamente.

Clínica da esquizofrenia

Por definição, a esquizofrenia deve durar 6 meses ou mais, com persistência de dois ou
mais dos seguintes critérios por pelo menos um mês (ou menos, se tratado): 1) delírios, 2)
alucinações, 3) discurso desorganizado, [obrigatório um dos três primeiros], 4)
comportamento desorganizado ou catatônico ou 5) sintomas negativos.
Os sintomas positivos (delírios, alucinações, agitação, catatonia, desorganização de
discurso ou comportamento, distorções ou exageros de linguagem etc.) da esquizofrenia
podem surgir repentinamente, como um episódio psicótico (“ruptura psicótica”). São
estes os sintomas tratados mais efetivamente pelos antipsicóticos.
O delírio mais comum na esquizofrenia é o persecutório e a alucinação mais
característica é a auditiva.
Já os sintomas negativos (hipo/alogia; embotamento afetivo, associabilidade [redução do
interesse e da interação social], anedonia, avolição etc.) podem representar um
“pródromo” da esquizofrenia e, diversas vezes, determinam se o paciente apresentará ou
não desfecho favorável. Os atuais tratamentos com antipsicóticos são limitados na
capacidade de tratar estes sintomas.
Além destes, a esquizofrenia pode, ainda, estabelecer sintomas cognitivos, agressivos e
afetivos. Os sintomas cognitivos da esquizofrenia consistem em prejuízos da atenção e
do processamento de informações. Comprometem a fluência verbal, a aprendizagem
sequencial e a vigilância. Em suma, representam uma disfunção executiva (em manter e
estabelecer metas ou prioridades, alocar recursos atencionais, modular comportamento
com base em pistas sociais etc.).
22

Tabela 2 Topografia das disfunções na esquizofrenia

SINTOMAS LOCALIZAÇÃO CEREBRAL

POSITIVOS Circuitos mesolímbicos

Circuitos mesocorticais +
NEGATIVOS Nucleus accumbens
(circuitos mesolímbicos: sistema de recompensa)

COGNITIVOS Córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL)

AFETIVOS Córtex pré-frontal ventromedial (CPFVM)

Córtex pré-frontal orbitofrontal (COF) +


AGRESSIVOS
Amígdala (sistema reativo)

Dopamina

Síntese e degradação

Ilustração 4 Síntese de dopamina.

O excesso de DA é degradado, dentro do neurônio, pelas enzimas MAO (Monoamina


Oxidades) A ou B e, fora do neurônio, pela enzima COMT (Catecol-O-Metiltransferase).

Receptores
O receptor de dopamina mais relevante para a psicofarmacologia é o D2.
Ele é o principal receptor estimulado por fármacos agonistas no tratamento da doença de
Parkinson e bloqueado por antipsicóticos antagonistas no tratamento da esquizofrenia.
23

Os receptores D2 podem ser pré ou pós-sinápticos. Os pré-sinápticos, atuam como


autorreceptores “guardiões”, pois regulam um feedback negativo: quando a DA se
acumula na sinapse a ponto de ligar-se a estes receptores pré-sinápticos (localizados no
terminal axônico ou na área somatodendrítica), estes enviam um sinal ao neurônio para inibir
a liberação de mais DA [ver Stahl Fig. 4.9].

Vias dopaminérgicas
Os neurônios dopaminérgicos se difundem pelo cérebro, exercendo diversas funções
[ver Stahl Fig. 4.11]:
Tabela 3 Descrição das vias dopaminérgicas

VIA TRAJETO FUNÇÃO RELACIONADA

Emoções e sintomas
Da área tegmental ventral positivos; sistema de
(mesencéfalo) para o recompensa (sensações de
MESOLÍMBICA
nucleus accumbens prazer, motivação...) – que
(sistema límbico) se relaciona aos sintomas
negativos da psicose

Da área tegmental ventral Sintomas cognitivos


MESOCORTICAL (mesencéfalo) para o (CPFDL), afetivos (CPFVM)
córtex pré-frontal e negativos da psicose

Da substância negra
NIGROESTRIATAL (mesencéfalo) para o Controle do movimento
estriado

Controle da secreção de
TUBEROINFUDIBULAR Do hipotálamo para a
prolactina
adeno-hipófise

Há ainda uma quinta via - que surge de diversos locais e se dirige ao tálamo - cuja função
ainda não está perfeitamente elucidada, mas está provavelmente relacionada ao sono.
Fármacos antipsicóticos que bloqueiam os receptores dopaminérgicos podem, além da
ação terapêutica, alterar o funcionamento saudável das vias. Assim, o bloqueio na via
tuberoinfundibular pode causar hiperprolactinemia e, consequentemente, galactorreia,
amenorreia e disfunção sexual.
Do mesmo modo, o bloqueio na via nigroestriatal pode causar distúrbios de movimento
como parkinsonismo (rigidez, bradicinesia, tremor), acatisia (sensação subjetiva de
necessidade incontrolável de se mexer) e distonia (movimentos de torção, particularmente
da face e do pescoço). O bloqueio crônico de receptores D2 nesta via pelos neurolépticos
é a causa da discinesia tardia. Acredita-se também que a hiperatividade da dopamina
nesta via causa distúrbios hipercinéticos como coreia, discinesias e tiques.
24

Hipótese dopaminérgica da esquizofrenia


Pela hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, a hiperatividade da via dopaminérgica
mesolímbica responde pelos sintomas psicóticos positivos e agressivos deste
transtorno, enquanto o déficit de dopamina na via mesocortical causaria os sintomas
negativos, com as projeções para o córtex pré-frontal dorsolateral causando os sintomas
cognitivos e para o córtex pré-frontal ventromedial causando os sintomas afetivos.
Isto gera um dilema terapêutico: diminuir a disponibilidade de dopamina melhoraria os
sintomas positivos, mas pioraria os negativos, e aumentá-la causaria o inverso.
A causa da hiperatividade ou do déficit de dopamina não é bem definida, mas pode ser
justificada por consequências distais da atividade do glutamato, estudada a seguir.

Glutamato

O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC. Ele pode excitar e


ativar praticamente todos os neurônios do SNC, atuando em diversas vias. Por isso, é
chamado de “interruptor mestre”.

Ciclo de ação e recaptação


Após agir na sinapse, o glutamato é captado por células da glia vizinhas por uma bomba
de recaptação chamada transportador de aminoácidos excitatórios (EAAT).
Nas células da glia, é convertido em glutamina pela enzima glutamato sintetase.
Esta conversão provavelmente acontece pois o uso principal do glutamato não é como
neurotransmissor, mas como aminoácido na síntese proteica. Assim, isto impede que o
glutamato seja direcionado a este fim.

A glutamina é liberada das células da glia pelo transportador específico de aminoácidos


neutros (SNAT) e “pega carona” até um neurônio por outro tipo deste mesmo
transportador.
No interior do neurônio, a glutamina é convertida novamente a glutamato por uma
enzima presente nas mitocôndrias denominada glutaminase.

O EAAT também atua como transportador de recaptação pré-sináptica - tal qual DAT,
NAT e SERT nas monoaminas - e, já dentro do neurônio, o glutamato é transportado para
as vesículas sinápticas pelo transportador vesicular de glutamato (vGluT) – análogo à
função de VMAT2 nas monoaminas.
25

Ilustração 5 Ciclo do glutamato

Receptores
O principal receptor glutamatérgico é o NMDA (N-metil-D-aspartato), mas ele depende,
além do glutamato, da presença de um cotransmissor para funcionar. Este pode ser a
glicina ou a D-serina.
Uma vez ativo, o NMDA abre canais de cálcio, permitindo a passagem do estímulo
químico. O magnésio é um modulador alostérico negativo (NAM) nos receptores NMDA,
obstruindo o canal de cálcio no estado de repouso.
Outros receptores glutamatérgicos de canais iônicos regulados por ligantes são o AMPA
e o cainato, que mediam a neurotransmissão excitatória rápida (pois não precisam de
cotrasmissores), possibilitando a entrada de sódio no neurônio para despolarizá-lo.
26

Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia


Uma importante hipótese para a esquizofrenia é a hipofunção dos receptores
glutamatérgicos NMDA devido a anormalidades no neurodesenvolvimento.
Embora existam receptores NMDA em todo o cérebro, as anormalidades ocorreriam em
um local específico: os interneurônios gabaérgicos que podem ser encontrados no córtex
pré-frontal contendo uma proteína de ligação do cálcio denominada parvalbumina.
Em indivíduos normais, o glutamato liberado por um neurônio glutamatérgico
intracortical pode se ligar ao receptor NMDA de um interneurônio gabaérgico (também
cortical), que, então, libera o GABA para ativar o receptor gabaérgico α-2 de outro
neurônio intracortical glutamatérgico. E isso inibe a liberação de glutamato por este
último.
Em indivíduos esquizofrênicos, o NMDA hipofuncionante prejudica esse processo, não
inibindo a liberação do glutamato pelo segundo neurônio intracortical glutamatérgico.
As vias glutamatérgicas que vão do córtex para o tronco encefálico regulam as vias
dopaminérgicas mesolímbicas e mesocorticais.
A via dopaminérgica mesolímbica é inervada diretamente, ou seja, estimulada
pelo sinal glutamatérgico.
A via dopaminérgica mesocortical é inervada indiretamente, ou seja, passa por
outro interneurônio gabaérgico (desta vez, no tronco encefálico) e é, portanto,
inibida pelo sinal glutamatérgico.
Deste modo, se o receptor NMDA do interneurônio gabaérgico intracortical está
deficiente, não será liberado GABA para inibir o sinal do neurônio glutamatérgico
intracortical que partirá para o tronco encefálico. Assim, a via glutamatérgica estimulará
excessivamente os neurônios dopaminérgicos da via mesolímbica, causando sintomas
positivos, e inibirá excessivamente os da via mesocortical, causando sintomas negativos.
27

Ilustração 6 Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia.

Neurodesenvolvimento e esquizofrenia

Em indivíduos normais, as sinapses se formam em ritmo acelerado até os 6 anos de


idade. Os circuitos mais relevantes se “fortalecem”, adquirindo receptores
glutamatérgicos NMDA mais eficientes e maior quantidade de receptores glutamatéricos
AMPA.
A partir de então, dos 14 aos 60 anos, inicia-se um processo de eliminação competitiva
(“poda neuronal”), que elimina as sinapses ineficientes e raramente usadas; sobrevivendo
cerca de dois terços das sinapses da infância na vida adulta [ver Stahl Fig. 4.40].
A gênese da esquizofrenia envolve fatores genéticos (metade dos gêmeos idênticos
também apresentam a doença) e epigenéticos/ambientais (uso de maconha, por
exemplo), que afetam este neurodesenvolvimento, de modo que sinapses importantes
não são adequadamente fortalecidas e, por conseguinte, são eliminadas
inadvertidamente.
28

Neuroimagem e esquizofrenia

O exame de Ressonância Magnética Funcional (RMf) é capaz de detectar a atividade de


neurônios próximos à superfície do cérebro. No funcionamento topográfico do cérebro, o
córtex pré-frontal dorsolateral é mais relacionado ao funcionamento cognitivo, como
resolução de problemas, enquanto o córtex pré-frontal ventromedial (+ amígdala) ao
funcionamento emocional.
Alterações podem ser observadas em pacientes com esquizofrenia: quando estimulado
com atividade cognitiva, o CPFDL se encontra hipoativado em relação ao indivíduo
normal, ao passo que o CPFVM pode estar hiperativo diante de um estímulo neutro ou
hipoativo diante de um estímulo como um rosto assustador. Isso ajuda a explicar porque
esquizofrênicos ora reagem impassivelmente em situações de emoção, ora se sentem
ameaçados/perseguidos em situações ordinárias [ver Stahl Figs. 4.42 e 4.43].

Genética e esquizofrenia

Indivíduos com o gene da COMT (catecol-O-metiltransferase) de maior atividade


enzimática, denominado Val (pela substituição pelo aminoácido valina em local crítico),
apresentam baixos níveis de dopamina no córtex pré-frontal dorsolateral e, portanto,
processamentos menos eficientes de informação que indivíduos com o gene da COMT de
menor atividade enzimática, denominado Met (pela substituição de metionina).
Portanto, indivíduos com a variante Val da COMT estão, por isso, mais predispostos a
desenvolver esquizofrenia. Este déficit de processamento de informações é ainda mais
acentuado se a Val estiver associada a outra variante, a forma T da enzima MTHFR
(metileno tetraidrofolato redutase).
29

Antipsicóticos

Os primeiros antipsicóticos surgiram na década de 1950, quando foi descoberto que a


clorpromazina, fármaco então utilizado para efeitos anti-histamínicos, reduzia sintomas
positivos em esquizofrênicos. Desde então, novas moléculas têm sido desenvolvidas, com
vantagens e desvantagens, para o tratamento da psicose.
Convencionou-se denominar as mais antigas como “antipsicóticos típicos” (ou “de
primeira geração”). As mais recentes, com novos mecanismos farmacológicos, têm sido
designadas como “antipsicóticos atípicos” (ou “de segunda geração”).

Típicos vs. atípicos

Os antipsicóticos típicos têm como principal mecanismo de ação o bloqueio dos


receptores dopaminérgicos D2. Isto reduz globalmente a ação da dopamina, diminuindo
os sintomas positivos (via mesolímbica), porém ocasionando também efeitos colaterais
como:
Sintomas extrapiramidais (SEP): parkinsonismo, acatisia, coreia, distonia,
discinesia tardia e outros distúrbios do movimento, devido ao bloqueio
dopaminérgico na via nigroestriatal;
Hiperprolactinemia e suas consequências: galactorreia, amenorreia, disfunção
sexual, infertilidade etc., pois a dopamina é responsável por inibir a liberação da
prolactina na via tuberoinfundibular;
Sintomas negativos, afetivos e cognitivos (”neurolepsia” - por isso os
antipsicóticos típicos eram chamados de “neurolépticos”), pelo bloqueio de D2
na via mesocortical e no nucleus accumbens (centro do prazer/sistema de
recompensa presente na via mesolímbica).
Tanto para que ocorra redução dos sintomas positivos, quanto para que se manifestem
estes efeitos colaterais, a taxa de ocupação (bloqueio) de receptores dopaminérgicos D2
pelo fármaco nas vias correspondentes tem que ser em torno de 80% [ver Stahl Fig. 5.4].
Surgiram, então, os antipsicóticos atípicos, que, além do bloqueio D2, são definidos por
compartilhar outra propriedade: o antagonismo dos receptores serotoninérgicos
5HT2A.
Ao estimular os receptores 5HT2A presentes em neurônios dopaminérgicos, a serotonina
inibe a liberação de dopamina na via nigroestriatal. Consequentemente, ao bloquear
5HT2A, a liberação de dopamina deixa de ser inibida nesta via.
30

Assim, os antipsicóticos atípicos dispõem de um mecanismo que inibe a ação


dopaminérgica globalmente (bloqueio D2) e outro que a estimula especificamente na via
nigroestriatal (bloqueio 5HT2A).
Deste modo, a taxa de ocupação de D2 pelo fármaco segue sendo 80% na via
mesolímbica (possibilitando redução dos sintomas positivos), mas não alcança este
mesmo limiar na via nigroestriatal, bloqueando cerca de 60-70% (o que evita os SEP)
[ver Stahl Fig. 5.23].
Além disso, as células lactotróficas hipofisárias possuem tanto receptores D2 quanto
5HT2A: o estímulo dopaminérgico inibe a liberação de prolactina, enquanto o estímulo
serotoninérgico promove. Por conseguinte, se o bloqueio D2 causa hiperprolactinemia, o
bloqueio simultâneo de 5HT2A “contrabalanceia”, impedindo o estímulo serotoninérgico
para mais liberação de prolactina.
Isso explica por que antipsicóticos atípicos produzem menos efeitos colaterais em
relação aos típicos, mas demonstra ainda que, em altas doses, esses fármacos passam a
também bloquear mais que 80% em todas as vias e, portanto, perdem a propriedade
“atípica”.

Em determinados antipsicóticos (principalmente “pip” e “rip” – aripiprazol, brexpiprazol),


o agonismo 5HT1A parece ser o principal mecanismo responsável pela redução dos SEP e
da hiperprolactinemia; mais que o antagonismo 5HT2A.
Além disso, interações particulares de alguns antipsicóticos com outros receptores
serotoninérgicos (5HT3, 5HT6, 5HT7...) também podem auxiliar na redução de sintomas
negativos, cognitivos e afetivos.

Discinesia tardia
A discinesia tardia é um distúrbio de movimento hipercinético ocasionado pelo bloqueio
farmacológico crônico de receptores dopaminérgicos D2 na via nigroestriatal
(principalmente por antipsicóticos típicos).
Provoca coreia, espasmos, movimentos faciais e da língua (mastigação constante,
protrusão da língua, caretas...) etc.

Cerca de 5% dos pacientes mantidos com antipsicóticos típicos irão desenvolver discinesia
tardia todos os anos. 25% desenvolverão em 5 anos.
Pacientes que evoluem com sintomas extrapiramidais logo no início do tratamento têm
duas vezes mais risco de evoluir com discinesia tardia.
O risco diminui consideravelmente após 15 anos de tratamento.

Pode se tornar um distúrbio irreversível, por isso o médico deve estar atento e ajustar a
terapêutica aos primeiros sinais de parkinsonismo/sintomas extrapiramidais do paciente.
Outra condição relacionada ao bloqueio de D2 na via nigroestriatal pelo uso de
antipsicóticos – rara, porém fatal - é a síndrome neuroléptica maligna, que se associa a
rigidez muscular extrema, febre alta, coma e até mesmo morte.
31

Outras propriedades dos antipsicóticos


Além dos receptores monoaminérgicos, os antipsicóticos (típicos e atípicos) também
podem bloquear:
Receptores M1 muscarínicos
Causando: constipação intestinal, boca seca, visão turva, embotamento cognitivo.

Receptores H1 histamínicos
Causando: sonolência e ganho de peso.

Receptores Alfa-1 adrenérgicos


Causando: hipotensão ortostática (receptores periféricos) e sonolência (receptores centrais).

Os antipsicóticos típicos são obsoletamente classificados como de “alta potência” (Ex:


haldol) ou de “baixa potência” (Ex: clorpromazina). Os de baixa potência necessitam de
doses mais altas que os de alta potência para produzir o efeito antipsicótico.
Os agentes de baixa potência apresentam maiores propriedades anticolinérgicas, anti-
histamínicas e antagonistas alfa-adrenérgicas, sendo, em geral, mais sedativos.
Dentre os agentes atípicos, em geral os antipsicóticos “pina” têm mais interação com
estes receptores e, portanto, são mais sedativos que os antipsicóticos “dona”.

Os antipsicóticos típicos que menos causam sintomas extrapiramidais são aqueles que
têm maiores propriedades anticolinérgicas (bloqueio dos receptores M1 muscarínicos).
Isso acontece porque o surgimento de SEP se relaciona com a interação dos neurônios
dopaminérgicos com os neurônios colinérgicos nigroestriatais:
A dopamina, normalmente, inibe a liberação de acetilcolina nessa via.
Quando D2 está bloqueado, há hiperatividade da acetilcolina, o que se associa ao
mecanismo farmacológico dos SEP.
O bloqueio da acetilcolina por um agente anticolinérgico “reequilibra a balança”,
diminuindo a ocorrência de SEP [ver Stahl Fig. 5.11].

Outra estratégia para reduzir os sintomas extrapiramidais é a administração concomitante


de fármacos anticolinérgicos (como o biperideno, por exemplo). Essa medida, no entanto,
não reduz a capacidade dos antipsicóticos causarem discinesia tardia.
32

Serotonina

Síntese e degradação

Ilustração 7 Síntese de serotonina.

A serotonina é convertida em metabólito inativo pela enzima MAO (Monoamina Oxidades)


- principalmente MAO-A, fora do neurônio.

Receptores 5HT2A

Ao estimular receptores 5HT2A, a serotonina inibe a liberação de dopamina na via


nigroestriatal. Consequentemente, ao bloquear 5HT2A, a liberação de dopamina deixa de
ser inibida nesta via. Por isso, antagonismo 5HT2A é o mecanismo principal pelo qual os
sintomas extrapiramidais são reduzidos nos antipsicóticos atípicos.

Todos os receptores 5HT2A têm localização pós-sináptica. Estão distribuídos por todo o
cérebro.
O antagonismo dos receptores 5HT2A presentes em (1) neurônios glutamatérgicos
do córtex e (2) interneurônios gabaérgicos do tronco encefálico é responsável pela
redução dos sintomas extrapiramidais dos antipsicóticos atípicos:
Serotonina ⇢ estimula 5HT2A no córtex (neurônios glutamatéricos) ⇛ Libera glutamato ⇢
Estimula interneurônio gabaérgico ⇛ Inibe neurônios dopaminérgicos da substância
negra ⇶ Redução da liberação de dopamina no estriado.
Serotonina ⇢ estimula 5HT2A no tronco encefálico (neurônios gabaérgicos) ⇛ Libera
GABA ⇛ Inibe neurônios dopaminérgicos da substância negra ⇶ Redução da liberação de
dopamina no estriado.

Assim, ao estimular os receptores 5HT2A destes neurônios, a serotonina inibe a liberação


de dopamina na via nigroestriatal. Consequentemente, ao antagonizar 5HT2A, a
liberação de dopamina deixa de ser inibida nesta via, reduzindo os SEP.
33

Ilustração 8 Como a serotonina inibe a liberação de dopamina na via nigroestriatal.

Receptores 5HT1A

O agonismo dos receptores serotoninérgicos 5HT1A, no fim de uma cadeia de eventos,


resulta em maior liberação de dopamina - o que permite reduzir efeitos colaterais do
bloqueio de D2 nos antipsicóticos atípicos.

Os receptores serotoninérgicos 5HT1A têm localização (1) pré-sináptica (autorreceptor) -


nos dendritos e nos corpos celulares dos neurônios serotoninérgicos que partem da rafe
do tronco encefálico [ver Stahl Fig. 5.25] - e (2) pós-sináptica em todo o cérebro.
Quando a serotonina ocupa um autorreceptor 5HT1A, ela bloqueia a liberação de mais
serotonina pelos neurônios serotoninérgicos da rafe.
34

Como consequência, não haverá estimulação dos receptores 5HT2A dos interneurônios
gabaérgicos da substância negra e nem dos neurônios glutamatérgicos do córtex que se
conectam aos interneurônios gabaérgicos no tronco encefálico para inibir a liberação de
dopamina na via nigroestriatal.
A ativação dos receptores 5HT1A pós-sinápticos atua hipoteticamente de modo
semelhante, inibindo diretamente os neurônios glutamatérgicos no córtex. Assim, em
última análise, a estimulação dos receptores 5HT1A – pré e pós-sinápticos - potencializa a
liberação de dopamina.

Os antipsicóticos “pina” (Ex: clozapina, olanzapina, quetiapina) e “dona” (Ex: risperidona,


lurasidona, ziprasidona) têm propriedade de ligação 5HT2A mais forte que a ligação D2.
Já os antipsicóticos “pip” (Ex: aripiprazol, brexpiprazol) e “rip” (Ex: cariprazina) têm
propriedade de ligação D2 mais forte que a ligação 5HT2A e, portanto, têm características
atípicas devido a outras ações como o agonismo parcial de 5HT1A e o agonismo parcial
de D2 [ver Stahl Fig. 5.35].

Alguns antipsicóticos com ação de agonismo parcial 5HT1A são: quetiapina, lurasidona,
iloperidona, aripiprazol, brexpiprazol, cariprazina, sulpirida, amissulprida.

Receptores 5HT1B/D
Os receptores serotoninérgicos 5HT1B/D são autorreceptores presentes nos terminais
axônicos dos neurônios serotoninérgicos que partem da rafe do tronco encefálico [ver
Stahl Fig. 5.27].
Quando estes autorreceptores são estimulados pela serotonina, ela inibe a própria
liberação. Assim, fármacos que bloqueiam 5HT1B/D promovem a liberação de
serotonina.
Isso tem ação antidepressiva (vortioxetina) e reduz efeitos colaterais do bloqueio de D2
em antipsicóticos atípicos (asenapina, iloperidona, ziprasidona).

Receptores 5HT2C

O bloqueio de 5HT2C estimula a liberação de dopamina e noradrenalina no córtex pré-


frontal e exerce ações pró-cognitivas e, principalmente, antidepressivas.

Os receptores 5HT2C são pós-sinápticos. Estão presentes em interneurônios gabaérgicos


do locus coeruleus e da área tegmental ventral que, quando ativados pela serotonina,
inibem, respectivamente, neurônios noradrenérgicos e neurônios dopaminérgicos que
partem para o córtex pré-frontal [ver Stahl Fig. 5.52].
Deste modo, a estimulação de 5HT2C inibe a liberação de noradrenalina e dopamina e,
consequentemente, o antagonismo deste receptor promove maior aporte destas
monoaminas no córtex pré-frontal. Isto produz ações pró-cognitivas e, principalmente,
antidepressivas.
35

Fármacos antidepressivos como tricíclicos, mitarzapina e agomelatina são antagonistas


5HT2C. Os antipsicóticos “pina” são antagonistas 5HT2C particularmente fortes
(especialmente quetiapina e olanzapina).

Por esta propriedade, a olanzapina costuma ser associada à fluoxetina (que também é
antagonista 5HT2C) para reforçar ações antidepressivas na depressão bipolar resistente
ao tratamento.

A estimulação de 5HT2C suprime a liberação de dopamina curiosamente mais na via


mesolímbica que na via nigroestriatal. Isso, em teoria, é excelente para antipsicóticos:
reduz efeitos positivos sem gerar sintomas extrapiramidais. Há um antipsicótico agonista
seletivo de 5HT2C em fase de testes: a vabacaserina.

A estimulação de 5HT2C é uma abordagem experimental no tratamento da obersidade.


Há um fármaco agonista seletivo 5HT2C para este fim, a lorcaserina.
Contudo, em 2020, a Anvisa emitiu recomendação para não prescrição deste medicamento
pela ocorrência de neoplasias, conforme estudo pós-comercialização conduzido pela FDA.

Receptores 5HT3
Os receptores 5HT3 são pós-sinápticos e regulam interneurônios gabaérgicos de várias
áreas cerebrais que, por sua vez, inibem a liberação de acetilcolina, histamina,
dopamina, noradrenalina e da própria serotonina.
O bloqueio de 5HT3, portanto, aumenta a liberação destes neurotransmissores, tendo
ação antidepressiva e pró-cognitiva. Os antidepressivos mitarzapina e vortioxetina são
antagonistas potentes de 5HT3. O antagonismo 5HT3, no entanto, não contribui para as
ações clínicas dos antipsicóticos atípicos.

Receptores 5HT3 periféricos controlam a motilidade intestinal. O bloqueio de 5HT3 é


também uma abordagem terapêutica para alívio de náuseas e vômitos causados pela
quimioterapia do câncer (a ondansetrona é um antagonista seletivo de 5HT3).

Receptores 5HT6
Os receptores serotoninérgicos 5HT6 são pós sinápticos e regulam a liberação de
acetilcolina. O bloqueio desse receptor permite maior aporte colinérgico, o que melhora
a aprendizagem e a memória em animais de laboratório.
Alguns antipsicóticos atípicos são potentes antagonistas 5HT6, como clozapina e
olanzapina. Os antagonistas 5HT6 são propostos como novos agentes pró-cognitivos
(mas ainda sem eficácia comprovada).
36

Receptores 5HT7
Os receptores 5HT7 são pós-sinápticos e estão localizados em interneurônios gabaérgicos
na rafe do tronco encefálico e no córtex pré-frontal.
Na rafe, a estimulação destes receptores serve como retroalimentação negativa, inibindo
a liberação adicional de serotonina. O bloqueio de 5HT7 nesta região leva a maior
liberação de serotonina, tendo ação antidepressiva [ver Stahl Fig. 5.60].
No córtex pré-frontal, a estimulação destes receptores libera o GABA, que inibe neurônios
glutamatérgicos. O bloqueio de 5HT7 no córtex pré-frontal provoca maior liberação de
glutamato corrente abaixo, com diversas implicações como ações reguladoras de ritmo
circadiano, sono e humor [ver Stahl Fig. 5.61].
Vários antipsicóticos - especialmente “pina” e “dona” - são potentes antagonistas dos
receptores 5HT7. É plausível, mas não comprovado, que o antagonismo 5HT7 contribua
para ação antidepressiva de fármacos como a quetiapina e aripiprazol.
Outros antipsicóticos com antagonismo 5HT7 importante são: Clozapina, risperidona,
paliperidona, lurasidona, ziprasidona, brexpiprazol e cariprazina.

Antipsicóticos “pina”

Clozapina
A clozapina é o “protótipo” dos antipsicóticos atípicos, com um dos mais complexos perfis
farmacológicos dentre estes agentes. É o antipsicótico padrão-ouro para a esquizofrenia
refratária e a agressividade psicótica. Pode ser capaz de diminuir a gravidade da
discinesia tardia em alguns pacientes; dificilmente provoca hiperprolactinemia e é capaz
de produzir um “despertar” em alguns casos – com retorno às funções cognitivas,
interpessoais e vocacionais de base, além da redução de sintomas positivos.
Porém, é reservada para casos refratários devido ao risco de agranulocitose (0,5 a 2%
dos pacientes). Pela alta afinidade com os receptores H1 histamínico, M1 colinérgico e
alfa-1 adrenérgico, outros efeitos colaterais importantes são salivação e sedação
excessivas e alto risco cardiometabólico/ganho de peso.

Antipsicóticos atípicos estão associados a aumento de apetite/ganho de peso pelo


bloqueio dos receptores histamínicos H1 e serotoninérgicos 5HT2C, além de alterações
metabólicas como hipertrigliceridemia e resistência insulínica (por mecanismos ainda não
esclarecidos). Os de maior risco metabólico são clozapina e olanzapina. Quetiapina e
risperidona/paliperidona têm risco moderado.
Usuários crônicos destes fármacos morrem mais prematuramente que a população geral
devido a complicações cardiometabólicas. Por isso, estes pacientes devem ser monitorados
sempre quanto a parâmetros como IMC, triglicerídeos em jejum, glicose em jejum e
pressão arterial, antes e depois de iniciar o uso.
37

Olanzapina
A olanzapina é um antipsicótico potente, associado a efeitos antidepressivos (pode ser
associado à fluoxetina na depressão refratária), especialmente pelo antagonismo de
5HT2C. Não está bem indicada para pacientes com ganho de peso significativo ou alto
risco cardiometabólico.

Quetiapina
A quetiapina possui diferentes ações farmacológicas a depender da dose e da formulação:
Com cerca de 50 mg/dia (em liberação imediata), possui boa propriedade sedativo-
hipnótica, devido ao bloqueio de H1. Porém, para este fim, é uma opção cara e com riscos
metabólicos.
Até 300 mg/dia (em liberação prolongada), possui boa propriedade antidepressiva,
devido ao bloqueio de recaptação do NAT e ao antagonismo 5HT2C pela norquetiapina,
seu metabólito ativo. Foi aprovada tanto para depressão bipolar quanto para potencializar
ISRS/IRSN na depressão unipolar resistente.
Até 800 mg/dia (em liberação prolongada), possui boa propriedade antipsicótica.
Praticamente não provoca nenhum sintoma extrapiramidal, nem hiperprolactinemia. Tende
a ser, por isso, o antipsicótico atípico preferido para pacientes com doença de Parkinson.

Asenapina
A asenapina é um antipsicótico atípico que se distingue por ser administrada por via
sublingual, com rápida absorção. Pode ser usada como opção de ação rápida quando
não for possível recorrer à injeção. Pacientes não podem ingerir líquidos ou alimentos até
10 minutos após uso. Não tem alta propensão a produzir SEP ou ganho de peso, apesar
da propriedade antagonista 5HT2C.

Antipsicóticos “dona”

Risperidona e paliperidona
A risperidona tem propriedades “atípicas” particularmente em doses mais baixas (se
tornando “típico” em doses altas). Assim, tem uso preferencial em crianças e
adolescentes. Porém, mesmo em doses baixas, pode provocar bastante
hiperprolactinemia.
A paliperidona, ou 9-hidroxirrisperidona, é o metabólito ativo da risperidona, não
sofrendo com metabolismo hepático/interações medicamentosas como esta última. A
paliperidona possui forma oral de liberação prolongada, podendo ser administrada em
tomada única ao dia mesmo em doses maiores, sem ocorrer sedação ou hipotensão
ortostática, diferentemente da risperidona. As doses necessárias de paliperidona são, em
geral, maiores que de risperidona. Possui formulação injetável de depósito com duração
de 4 semanas, comumente preferida em relação a outras opções como olanzapina e
risperidona (cuja duração do injetável é de 2 semanas).
38

Lurasidona e ziprasidona
A lurasidona e a ziprasidona têm como propriedade diferencial a baixa associação com
ganho de peso e alterações metabólicas, além do fato de demandarem administração
junto a grandes refeições (500 calorias) para correta absorção.
A lurasidona possui mínima afinidade pelos receptores H1 histamínico e M1 colinérgico.
Desse modo, é um antipsicótico que produz pouca sedação. Sua alta afinidade pelo
receptor serotoninérgico 5HT7 pode conferir propriedades antidepressivas teóricas.

Iloperidona
A iloperidona é um antipsicótico atípico recente que – assim como a clozapina e a
quetiapina - é potente antagonista alfa-1.
Receptores alfa-1 estão presentes em neurônios glutamatérgicos corticais, que se
conectam a interneurônios gabaérgicos que, por sua vez, inibem os neurônios
dopaminérgicos da substância negra [ver Stahl Fig. 5.58]. Logo, o antagonismo de alfa-1
proporcionará a desinibição da dopamina na via nigroestriatal.
Isto contribui para que estes três fármacos apresentem pouquíssimos sintomas
extrapiramidais. No entanto, como desvantagem, associam-se a potencial hipotensão
ortostática e sedação, em especial após aumento rápido de dose.
O antagonismo alfa-1 central é uma linha terapêutica para melhora dos pesadelos no
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), como exercido pela prazosina. A
efetividade da iloperidona no tratamento de TEPT ainda não está bem estabelecida,
contudo.

Outros antipsicóticos com propriedades atípicas

Aripiprazol
Principal representante dos antipsicóticos “pip/rip” (juntamente ao brexipiprazol e à
cariprazina, menos consolidados), o aripiprazol se destaca pois, diferentemente dos “pina”
e dos “dona”, suas propriedades atípicas advêm, principalmente, do agonismo parcial de
5HT1A e do agonismo parcial de D2.
O agonismo parcial exerce função estabilizadora nestes receptores, conferindo ao
aripiprazol propriedades antimaníacas importantes. Pode ser usado também para a
potencialização de ISRS/IRSN na depressão maior resistente. Assim como a risperidona,
foi aprovado para uso em vários grupos de crianças e adolescentes, como para a
esquizofrenia e a irritabilidade associada ao autismo.
À semelhança de lurasidona e ziprasidona, tem pouca repercussão cardiometabólica.
Causa pouca sedação, pois não exerce muito antagonismo dos receptores H1 e M1. Como
aspecto negativo deste fármaco, é relativamente frequente o surgimento de acatisia nos
pacientes.
39

Sulpirida e amissulprida
A sulpirida e a amissulprida são dois antipsicóticos que, em doses baixas, têm ação mais
próxima de um agonismo parcial de D2 (semelhante ao aripiprazol), enquanto, em doses
altas, têm ação mais próxima a um antagonismo de D2 (semelhante aos antipsicóticos
típicos). Além de D2, têm alta afinidade pelo receptor dopaminérgico D3, mas não está
bem elucidado como isto interfere no perfil clínico destas drogas.
Em doses baixas, têm boa eficácia para sintomas negativos da esquizofrenia e
depressão (podem ser associados à fluoxetina para simular um “dual de baixo custo”),
porém provocam bastante hiperprolactinemia.

A amissulprida exige monitoramento cardíaco, pelo risco de aumento do intervalo QTc,


assim como a iloperidona.

Transição de antipsicóticos

Na troca de antipsicóticos, a introdução e a retirada dos antipsicóticos “pina” e “dona”


devem ser escalonadas, com aumento/redução progressiva de doses, até alcançar a
dose ótima/retirada completa.
Isto para evitar efeitos colaterais indesejáveis como sedação excessiva, insônia, psicose de
rebote, hipotensão ortostática, abstinência etc.
Se a troca for entre antipsicóticos da mesma classe (“pina” com “pina”, “dona” com
“dona”), a transição pode ocorrer em 1 semana.
Se a troca for por classes diferentes, como possuem mais afinidade por receptores H1,
M1 e alfa-1, os “pina” devem ser introduzidos e retirados em mais tempo (no mínimo
2 semanas) que os “dona” (no mínimo 1 semana).
Especificamente a clozapina deve ser interrompida mais lentamente, em 4 semanas ou
mais.
O aripiprazol (que, diferentemente destes, atua como agonista parcial D2) pode ser
introduzido já em doses médias (aumentando-o rapidamente, em 3 a 7 dias) e retirado
sem desmame.
Este momento de transição é o único em que há evidência para justificar o uso
concomitante de mais de um antipsicótico [ver Stahl Fig. 5.70].
A instituição de dois antipsicóticos simultâneos a longo prazo – bem como outras
estratégias, como aumentar doses acima do recomendado e associar um estabilizador de
humor ao antipsicótico - são usadas na prática clínica para casos refratários, mas não há
evidência concreta que sustente estas práticas.
40

Transtornos
do Humor
Conceitos

Afeto: a expressão “externa” do humor, que, por sua vez, seria uma emoção
vivenciada “por dentro”.
Depressão unipolar vs. bipolar: tendo em conta que mania e depressão são
consideradas “polos” opostos do humor (a primeira, “para cima”, de euforia,
elação...; a segunda, “para baixo”, de tristeza, anedonia...), designa-se “unipolar”
à depressão em indivíduos que não apresentam fases maníacas/hipomaníacas
(transtorno depressivo maior) e “bipolar” à depressão que constitui fase do
transtorno afetivo bipolar (TAB).
TAB I vs. TAB II: no TAB tipo I, a elevação de humor é mais exacerbada (mania)
que no TAB tipo II (hipomania). Geralmente a mania se manifesta após um
episódio depressivo, mas não necessariamente.
Ciclagem rápida: quando mania sofre recidiva (ou alterna para estado
depressivo) pelo menos quatro vezes ao ano.
Episódio misto: situação na qual o indivíduo atende critérios tanto para
depressão maior quanto para mania/hipomania, simultaneamente.
Distimia: depressão “menos severa”, porém de longa duranção (> 2 anos).
Depressão dupla: pacientes que, entre dois episódios de depressão maior,
mantêm-se em distimia (sem alcançar remissão dos sintomas) [ver Stahl Fig. 6.4].
Transtorno ciclotímico: caracteriza-se por oscilações de humor frequentes,
porém mais brandas que a depressão maior e a mania (entre a distimia e a
hipomania) [ver Stahl Fig. 6.8].
Temperamentos: variações não patológicas do humor (por exemplo, o
temperamento hipertímico: otimismo, impulsividade, muita confiança etc.). Não
implicam em prejuízos funcionais, mas podem representar fatores de risco para
transtornos do humor futuros.

Sintomas mais associados à depressão bipolar que à unipolar são: diminuição da


necessidade de sono, ingesta excessiva de alimentos, ansiedade comórbida, retardo motor,
labilidade de humor, sintomas psicóticos, ideias suicidas etc.

Na infância, o diagnóstico de transtorno bipolar pode ficar nebuloso devido à


sobreposição de sintomas com o TDAH. A mania pediátrica frequentemente pode evoluir
para mania mista no adulto (que acomete 20 a 30% dos adultos com mania bipolar).
41

Espectro bipolar

Alguns pesquisadores do humor postulam que, na prática clínica, existam mais variações
além dos estabelecidos “tipo I” e “tipo II” para o TAB. Akiskal sugere a seguinte
classificação:

Tabela 4 Classificação de Akiskal para TAB

TIPO DEFINIÇÃO

1 Depressão unipolar instável, que responde de forma não duradoura a


/4
antidepressivos (“escape” do antidepressivo)

1 Transtorno esquizoafetivo*
/2
(“evolução intermediária”, com sintomas sobrepostos de esquizofrenia e TAB)

I Mania

I 1/2 Hipomania sem depressão.

II Hipomania após episódio depressivo

II 1/2 Temperamento ciclotímico que apresenta episódio depressivo

III Hipomania induzida por fármaco

III 1/2 Hipomania induzida por drogas de abuso

IV Temperamento hipertímico que apresenta episódio depressivo

V Depressão mista (com sintomas hipomaníacos concomitantes)

VI TAB associado a demência

* O transtorno esquizoafetivo será comentado no tópico seguinte.


42

Defensores desta ampliação de conceitos argumentam que a compreensão mais


detalhada do perfil do paciente auxilia na decisão terapêutica. Por exemplo, pacientes
não formalmente diagnosticados como TAB, mas com depressão unipolar pouco
responsiva (“tipo 1/4”), eventualmente podem se beneficiar da associação de
estabilizadores de humor aos antidepressivos. Já a monoterapia de antidepressivos em
pacientes “tipo II 1/2" ou “tipo V” pode, inclusive, aumentar a ciclagem de humor,
induzindo episódios maníacos completos.

Transtorno esquizoafetivo
O modelo dicotômico apresentado por Kraepelin propõe que os transtornos psicóticos
e os transtornos de humor são entidades nosológicas distintas: a esquizofrenia é uma
doença ininterrupta, com desfecho ruim e declínio da função psíquica, enquanto o
transtorno bipolar é uma doença de melhor desfecho e boa restauração da função entre
os episódios.
Já o modelo do continuum da doença argumenta que esquizofrenia e TAB são dois
pólos de uma mesma doença, entremeados por, de um lado, transtorno psicótico breve,
transtorno esquizofreniforme etc. e, do outro, depressão maior, depressão pós-parto etc.
No meio deste espectro, estaria o transtorno esquizoafetivo [ver Stahl Fig. 6.13B].

Neurotransmissores e transtornos de humor

Dentre os neurotransmissores, os circuitos das monoaminas (serotonina, dopamina,


noradrenalina) são os mais comumente implicados nos transtornos de humor:
A disfunção difusa da dopamina determina, predominantemente, a redução do afeto
positivo (perda de felicidade, perda de energia/avolição, perda de confiança, perda do
interesse/anedonia, diminuição da autoconfiança, hipovigilância).
A disfunção difusa da serotonona determina, predominantemente, o aumento do afeto
negativo (culpa/aversão, medo/ansiedade, hostilidade, irritabilidade, solidão).
A disfunção difusa de noradrenalina está envolvida em ambos os efeitos.
Assim, pacientes que apresentam redução de afeto positivo podem se beneficiar mais de
fármacos que aumentem a função dopaminérgica; pacientes com aumento do afeto
negativo terão melhor resposta a medicações que atuem no estímulo à serotonina, e
pacientes que apresentam sintomas de ambos os grupos podem necessitar de tratamento
que estimule as três monoaminas [ver Stahl Fig. 6.46].

A clássica hipótese monoaminérgica da depressão especula que este transtorno se


deveria a uma deficiência de receptores monoamínicos, enquanto a mania corresponderia
ao processo oposto – com excesso destas substâncias.
No entanto, a latência de resposta terapêutica dos antidepressivos leva a crer que a
deficiência do transtorno de humor não esteja na simples quantidade de monoaminas
(rapidamente repostas pelo fármaco), mas sim na transdução do sinal iniciada por estes
neurotransmissores.
43

O local de possível falha na transdução de sinais na depressão é o gene-alvo do BDNF


(fator neurotrófico derivado do cérebro). Normalmente, o BDNF mantém a viabilidade
dos neurônios cerebrais. Sob estresse, pode ocorrer repressão do gene do BNDF.
O estresse pode, ainda, reduzir os níveis de serotonina, aumentar agudamente e, em
seguida, causar depleção crônica de noradrenalina e dopamina. Estas alterações
monoamínicas, somadas à deficiência de BNDF, podem ocasionar atrofia e apoptose de
neurônios vulneráveis.

Neurônios do hipocampo e da amígdala são responsáveis por suprimir o eixo hipotámo-


hipófise-suprarrenal. Quando estão atrofiados na depressão, a hiperatividade do eixo
HHSR leva a níveis elevados de glicocorticoides. Estes podem ter efeito tóxico aos
neurônios.

A perda neuronal é reversível com o uso de antidepressivos, pela restauração das cascatas
de transdução de sinais do BNDF e de outros fatores tróficos.

Além da desordem química, fatores ambientais/epigenéticos e fatores intrínsecos também


predispõem ao surgimento de transtornos de humor. Por exemplo, o genótipo s do gene
que codifica o SERT é mais propenso a desenvolver transtornos de humor, enquanto o
genótipo l é mais resiliente.

Noradrenalina

Síntese e degradação

Ilustração 9 Síntese de noradrenalina.

O excesso de NA é degradado, dentro do neurônio, pelas enzimas MAO (Monoamina


Oxidades) A ou B e, fora do neurônio, pela enzima COMT (Catecol-O-Metiltransferase).
44

Receptores
Os receptores noradrenérgicos são classificados em α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3.
São receptores pós-sináptico, exceto o α2 (A, B e C), que pode ser pré-sináptico
(autorreceptor). Quando ocupado, o α2 pré-sináptico inicia um processo de
retroalimentação negativa na liberação da NA [ver Stahl Figs. 6.28 e 6.29]. Portanto,
antagonistas α2 podem aumentar a quantidade de NA disponível.

Regulação mútua de serotonina e noradrenalina


A serotonina pode inibir a liberação de noradrenalina pela ligação aos receptores 5HT2C
e 5HT3, conforme comentado no capítulo 5. Reciprocamente, a noradrenalina pode
regular o aporte serotoninérgico:
A noradrenalina estimula a liberação de serotonina ao se ligar a receptores α1
presentes na região somatodentrítica dos neurônios serotoninérgicos, na rafe.
A noradrenalina inibe a liberação de serotonina ao se ligar a receptores α2
presentes nos terminais axônicos dos neurônios serotoninérgicos, no córtex.

Circuitos monoaminérgicos

Os neurônios dopaminérgicos se originam predominantemente no tronco


encefálico (substância negra e área tegmental ventral) e se projetam para diversas
regiões, como córtex pré-frontal (cognição/psicose), estriado
(movimento/volição), nucleus accumbens (prazer/recompensa), dentre outras.
Existem também projeções de outras áreas diretas para o tálamo (vigília/sono)
[ver Stahl Fig. 6.31].

Os neurônios noradrenérgicos se originam predominantemente no tronco


encefálico (locus coeruleus) e se projetam para diversas regiões, como córtex pré-
frontal (cognição/humor), hipotálamo (temperatura/pressão arterial), medula
espinhal (modulação da dor: via descendente), dentre outras [ver Stahl Fig. 6.32].

Os neurônios serotoninérgicos se originam predominantemente no tronco


encefálico (rafe) e se projetam para diversas regiões, como córtex pré-frontal
(humor), tálamo (sono), amígdala (medo/ansiedade), medula espinhal (modulação
da dor: via descendente), dentre outras [ver Stahl Fig. 6.33].
45

Antidepressivos

Ao contrário dos antipsicóticos, cuja regra é a monoterapia, os antidepressivos


comumente exigem associação de dois ou mais fármacos.
A terapia antidepressiva objetiva a remissão completa do quadro (não “tolerando”
sintomas residuais) e a manutenção deste nível de melhora, pois, caso contrário, a
estabilização duradoura pode ser dificultada, havendo mais recidivas.
Ensaios clínicos têm dificuldade em estabelecer a real eficácia dos antidepressivos em
relação ao placebo. Algumas hipóteses para explicar isto podem ser o viés de seleção ou
o fato de que o acompanhamento do ensaio clínico é muito mais frequente e mais
minucioso que o da “vida real”, obtendo benefícios psicoterapêuticos colaterais.
Em testes em contexto de prática clínica, apenas um terço dos pacientes obtêm remissão
no primeiro tratamento antidepressivo [ver Stahl Fig. 7.4].
Os sintomas que mais comumente persistem após o início do tratamento antidepressivo
farmacológico são: insônia, fadiga, dor física, problemas de concentração, falta de
motivação. Os antidepressivos costumam atuar razoavelmente bem em humor deprimido,
ideação suicida e retardo psicomotor.
A idade de melhor resposta antidepressiva é entre 25 e 64 anos. Antes, há um pequeno
- porém estatisticamente maior - risco de suicídio; depois, podem não responder tão
rápida ou intensamente quanto nesta faixa etária ótima.

A incidência de depressão em homens aumenta na puberdade e, em seguida, mantém-se


essencialmente constante em toda a vida. A incidência de depressão em mulheres é
semelhante à dos homens nos períodos pré-menstrual e pós-menopausa, mas duas a três
vezes maior no menacme, sugerindo uma influência dos hormônios estrogênicos.
A gravidez não é fator protetor neste sentido, e a decisão de uso de medicações
psicotrópicas neste período deve ser particularizada, priorizando casos graves.
O pós-parto e a perimenopausa são períodos especialmente críticos para eventos como
ideação suicida e surto psicótico.
46

Mecanismos de ação

Posto que os efeitos terapêuticos dos antidepressivos tardam a se manifestar, apenas a


deficiência monoamínica - rapidamente compensada pelos fármacos - não explicaria o
fenômeno da depressão. Assim, uma das explicações possíveis para o mecanismo de ação
dos antidepressivos seria a regulação dos receptores monoaminérgicos.
Por esta hipótese, na depressão, alguns receptores estariam suprarregulados. O aporte
agudo monoaminérgico causaria infrarregulação adaptativa (redução em número dos
receptores) e dessensibilização (redução em resposta dos receptores), reestabelecendo o
equilíbrio na transdução de sinais.
O tempo decorrido para esta adaptação coincide com o início dos efeitos terapêuticos e
com a tolerância a muitos efeitos colaterais que inicialmente surgem pelo aumento abrupto
de disponibilidade de monoaminas.
As alterações adaptativas podem incluir a desativação da síntese de receptores de
neurotransmissores, mas também o aumento da síntese de vários fatores neurotróficos,
como o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro).

Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS)

Os antidepressivos ISRS compartilham como característica farmacológica a inibição da


SERT.
Há uma quantidade muito mais considerável de SERT próximo à região somatodendrítica
dos neurônios serotoninérgicos (pois estão todos concentrados na rafe) que em seus
terminais axônicos (dispersos em diversas regiões cerebrais).
Deste modo, a inibição de SERT, inicialmente, terá mais efeito no polo somatodendrítico,
e a serotonina disponibilizada ocupará os autorreceptores 5HT1A que se localizam nesta
região.
A ativação de 5HT1A inibe a liberação de mais serotonina pelo neurônio serotoninérgico.
Ou seja, em um primeiro momento, não há aumento expressivo de serotonina, mas, pelo
contrário, a inibição da sua liberação.
Com o passar dos dias de tratamento, a exposição crônica dos receptores 5HT1A à
serotonina leva à infrarregulação e à dessensibilização destes; de modo que a liberação
de serotonina na fenda sináptica pelo polo axônio é desinibida.
Neste momento, a ação aguda da serotonina em vias indesejáveis pode acarretar efeitos
colaterais sem que haja, ainda, efeitos terapêuticos.
Quando os receptores 5HT pós-sinápticos das diversas regiões cerebrais também são
dessensibilizados/infrarregulados adaptativamente, tem-se tardiamente o início dos
efeitos terapêuticos, bem como a redução dos efeitos colaterais [ver Stahl Figs. 7. 13 a
7.17].
47

A redução do afeto positivo (dificuldade de concentração, diminuição do interesse, fadiga


etc.) sugere deficiência de NA e DA e, portanto, pode ser agravada por ISRSs (já que a
serotonina pode reduzir a liberação das outras monoaminas pela ligação com receptores
como 5HT2A e 5HT2C). O prescritor deve estar atento a esta possibilidade para não piorar
uma síndrome apatoabúlica aumentando doses indefinidamente na tentativa de diminuir
sintomas que, na verdade, estão sendo potencializados pela medicação [leitura
recomendada: Saltiel PF, Silvershein DI. Major depressive disorder: mechanism-based
prescribing for personalized medicine].

Fluoxetina
O antagonismo de 5HT2C (que desinibe a liberação de NA e DA) produz o efeito
ativador/energizante na fluoxetina, com redução de fadiga e melhora na concentração.
Assim, este é um bom ISRS para pacientes deprimidos que apresentam redução do afeto
positivo, hipersonia, retardo psicomotor, apatia e fadiga.
Consequentemente, é menos apropriado para pacientes com agitação, insônia e
ansiedade. Estes podem apresentar ativação indesejada e, até mesmo, ataques de
pânico. O bloqueio discreto de NAT (receptador pré-sináptico de NA) também contribui
para esta propriedade.

O antagonismo 5HT2C contribui para o efeito antibulimia de doses mais altas da


fluoxetina, o único ISRS aprovado para o tratamento desde transtorno alimentar.

A meia-vida da fluoxetina é longa (2 a 3 dias), e seu metabólito ativo tem meia-vida ainda
mais longa (2 semanas). Isto é vantajoso pois reduz as reações de retirada do fármaco.
Em contrapartida, exige um tempo mais prolongado de interrupção antes de iniciar um
IMAO (pelo risco de síndrome serotoninérgica).

Sertralina
Por sua ação inibidora fraca de DAT, em pacientes ansiosos é prudente uma titulação
mais lenta da sertralina, pois a ativação excessiva pode ocasionar transtorno do pânico.
Alguns especialistas sugerem que a ocupação do DAT pela sertralina não é suficiente para
ser clinicamente relevante, mas talvez um pequeno grau de inibição do DAT possa
produzir melhora na energia, na motivação e na concentração. A associação de
bupropiona à sertralina pode ser interessante para alguns pacientes por somar as
propriedades inibitórias fracas de DAT destes dois agentes.

Fluvoxamina
Dentre os ISRS, a fluvoxamina apresenta a mais potente ligação aos receptores sigma-1.
Outro antidepressivo a possuir esta propriedade – em menor grau – é a sertralina.
Não se conhece perfeitamente a funcionalidade dos receptores sigma (“enigma sigma”),
porém se especula que tenham efeitos ansiolíticos e antipsicóticos. Por isso, estes
fármacos podem ser vantajosos, por exemplo, para depressão psicótica.
48

Paroxetina
As ações anticolinérgicas atribuem à paroxetina um perfil clínico mais
tranquilizante/sedativo, tornando o fármaco mais indicado para pacientes com sintomas
de ansiedade, em relação a outros ISRS mais ativadores, como fluoxetina e sertralina.
Contudo, o rebote anticolinérgico pela suspensão súbita torna esta droga notória por
causar reações de abstinência, com aparecimento de sintomas como acatisia,
inquietação, tontura, formigamento, alterações gastrointestinais etc.
A paroxetina também inibe a enzima óxido nítrico sintetase (NOS) - o que pode
ocasionar disfunção erétil – e é o ISRS com ação noradrenérgica (inibição de NAT) mais
pronunciada.

Citalopram e escitalopram
O citalopram é um dos ISRS mais bem tolerados, com boa resposta no tratamento
antidepressivo de idosos. É uma molécula formada por dois enantiômeros – imagens
especulares – R e S.
O enantiômero R pode interferir na capacidade do enantiômero S de inibir o SERT, o que
costuma exigir aumento da dose para otimizar o tratamento, porém este aumento é
limitado devido a um potencial prolongamento do intervalo QTc. Além disso, o
citalopram tem propriedades anti-histamínicas leves que residem no enantiômero R.
O escitalopram é a molécula do citalopram apenas com o enantiômero S. Portanto,
possui eficácia mais previsível em doses menores e não apresenta propriedades anti-
histamínicas. Por ser uma molécula mais “pura”, que age praticamente apenas em SERT,
é talvez o ISRS mais bem tolerado dentre todos; além disso, com as menores taxas de
interações medicamentosas mediadas por CYP.
Tabela 5 Propriedades dos ISRSs

TRANSPORTADORES/RECEPTORES (ANTAGONISMO) ENZIMAS (INIBIÇÃO)


ANTIDEPRESSIVO
SERT NAT DAT 5HT2C Sigma M1 H1 NOS 1A2 2D6 3A4
FLUOXETINA
SERTRALINA
FLUVOXAMINA
PAROXETINA
CITALOPRAM
ESCITALOPRAM

Inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina


(IRSN)

Os IRSN, além do bloqueio de SERT, também bloqueiam NAT. Em teoria, o aporte


noradrenérgico auxilia na ação antidepressiva.
No tratamento de síndromes dolorosas, os IRSN têm eficácia bem definida - ao contrário
dos ISRS - pela ativação das vias descendentes noradrenérgicas, que se dirigem à medula
espinhal para inibição dos estímulos álgicos.
49

Duloxetina
Dentre os IRSN, a duloxetina se destaca no manejo de sintomas físicos dolorosos.
Também demonstrou eficácia no tratamento dos sintomas cognitivos da depressão –
proeminentes na depressão geriátrica – explorando, possivelmente, as consequências pró-
noradrenérgicas e pró-dopaminérgicas da inibição do NAT no córtex pré-frontal:
No córtex pré-frontal, há tanto SERT quanto NAT abundantes, porém existem poucos
DAT. Como consequência, a DA tem maior liberdade para afastar-se da sinapse sem ser
recapturada. Deste modo, a ação da dopamina não termina com o DAT no córtex pré-
frontal, mas sim por outros dois mecanismos: degradação pela COMT ou recaptação pelo
NAT, que a transporta para dentro do neurônio noradrenérgico. Portanto, a inibição de
NAT aumenta tanto noradrenalina quanto dopamina no córtex pré-frontal.

Venlafaxina e desvenlafaxina
Em doses menores, a venlafaxina apresenta mais ações serotoninérgicas. As ações
noradrenérgicas se intensificam progressivamente com o aumento da dose. A adição
de inibição do NAT pode acarretar reações adversas como sudorese e elevação da
pressão arterial (nos IRSN de modo geral). Está disponível em versão de liberação
prolongada, que reduz significativamente efeitos colaterais, principalmente náuseas, mas
– nesta formulação – pode causar reações de abstinência incômodas à retirada abrupta de
tratamento prolongado.
A venlafaxina é convertina em desvenlafaxina pela CYP 2D6. A desvenlafaxina tem
maior ação de inibição da recaptação de noradrenalina em comparação à venlafaxina e
constitui boa indicação para mulheres perimenopausa com sintomas vasomotores (ondas
de calor, sudorese noturna, insônia...):
A desregulação de sistemas de neurotransmissores nos centros termorreguladores
hipotalâmicos pela flutuação irregular dos níveis de estrogênio pode levar a deficiências
de neurotransmissores que desencadeiam tanto SVM quanto depressão. Os ISRS parecem
atuar melhor em mulheres na presença do estrogênio, enquanto os IRSN têm eficácia
consistente independentemente do estrogênio.

Milnaciprano
Milnaciprano é um IRSN que difere dos demais pois é um inibidor relativamente mais
potente de NAT do que de SERT. Assim, torna-se mais energizante e ativador que os
outros, com perfil farmacológico favorável ao tratamento de sintomas cognitivos e
sintomas físicos dolorosos. Como efeito negativo, pode também causar mais sudorese e
hesitação urinária (pela ação noradrenérgica nos receptores alfa-1 vesicais). Nos EUA não
está aprovado para depressão, mas sim para fibromialgia.
50

Outros antidepressivos modernos

Bupropiona
A bupropiona é um inibidor de NAT e DAT.
É particularmente recomendado para pacientes com quadro de redução dos sintomas
positivos (perda de alegria, desinteresse, anergia, anedonia, hipovigilância, diminuição
da autoconfiança etc.). Também útil para os que não toleram os efeitos colaterais
serotoninérgicos ou para evitar a disfunção sexual decorrente da inibição do SERT.
Atua como pró-fármaco para diversos outros metabólitos ativos, com ação inibitória
ainda mais potente em NAT e tão potente quanto em DAT.

Quando 50% ou mais dos DAT são bloqueados (impedindo a recaptação de DA)
rapidamente e por um breve período de tempo, podem haver manifestações clínicas
indesejáveis como euforia e reforço (Ex: cocaína).
Quando esta mesma porcentagem é bloqueada, porém mais lentamente e de modo mais
duradouro, os estimulantes são menos passíveis de uso abusivo, sendo úteis no tratamento
do TDAH (Ex: metilfenidato).
Um baixo nível de ocupação (bloqueio) do DAT, de início lento e de longa duração, é o
desejável para um antidepressivo.

O tratamento da dependência nicotínica com bupropiona é compatível com a


possibilidade de que ela bloqueie os DAT no nucleus accumbens de maneira suficiente para
reduzir a fissura, porém não suficiente para provocar o uso abusivo.

Mirtazapina
O principal mecanismo antidepressivo da mirtazapina é o antagonismo alfa-2
adrenérgico. A ativação deste autorreceptor inibe liberação de NA. Consequentemente,
quando bloqueado pela mirtazapina, a liberação de noradrenalina é desinibida.
Consequentemente, a serotonina também é liberada, devido à ativação dos receptores
noradrenérgicos alfa-1 de neurônios serotoninérgicos na rafe (conforme discutido no
capítulo 6).
Por isso, a mirtazapina pode ser associada a IRSN no tratamento de casos que não
respondem à monoterapia de IRSN, para somar mecanismos de ação (“combustível para
foguetes da Califórnia”).
A mirtazapina ainda possui mais propriedades: antagoniza 5HT2A (↑ DA), 5HT2C (↑ DA
e NA) e 5HT3 (↑ DA, NA, 5HT, acetilcolina e histamina).

O antagonismo 5HT3 protege o paciente de efeitos colaterais gastrointestinais da


serotonina em antidepressivos como mirtazapina, mianserina e vortioxetina.

Outros antagonistas alfa-2 são a mianserina e a setiptilina.


51

Trazodona e nefazodona
A trazodona e a nefazodona são denominados “AIRS”: antagonistas (5HT2A e 5HT2C) e
inibidores da recepção de serotonina. A nefazodona é um inibidor mais fraco de SERT em
comparação à trazodona, e é menos utilizada devido à ocorrência de hepatotoxicidade.
Nos ISRS/IRSN, a inibição apenas de SERT eleva os níveis de serotonina em todos os
receptores: tanto 5HT1A, gerando o efeito terapêutico a partir de sua dessensibilização,
quanto 5HT2A, 5HT2C etc., que, quando estimulados, ocasionam efeitos colaterais como
disfunção sexual, insônia e ativação/ansiedade.
Diferentemente na trazodona, à medida que a inibição de SERT gera o efeito terapêutico
em 5HT1A, os outros receptores, que causariam os efeitos colaterais, estão sendo
antagonizados, reduzindo reações adversas (o mesmo perfil clínico se aplica a outros
antagonistas 5HT2A/C - quando acrescentados aos ISRS/IRSN - como mirtazapina e
antipsicóticos atípicos).
Doses mais baixas da trazodona exploram os mecanismos de antagonismo 5HT2A,
antagonismo H1 e antagonismo alfa-1, o que confere boa aplicação deste fármaco no
tratamento da insônia.
São necessárias doses mais altas (150 – 600 mg) para, além destas ações, recrutar
mecanismos como a saturação do SERT (inibição de recaptação de serotonina) e o
antagonismo 5HT2C, para, assim, potencializar a ação de fato antidepressiva.
A trazodona tem meia-vida curta e atinge pico logo após a administração, com queda
igualmente rápida de níveis plasmáticos. Assim, é um hipnótico ideal, evitando “ressaca”
ao despertar.
Porém, isso exigiria várias tomadas diárias para se atingir doses antidepressivas, e causa
sedação excessiva na formulação de liberação imediata. A formulação de liberação
controlada dirime este problema, proporcionando efeito antidepressivo sem sedação.

Agomelatina
Vários genes operam de modo circadiano, sensíveis aos ritmos de luminosidade-escuridão,
e anormalidades em vários destes estão associadas aos transtornos de humor.
O mecanismo de ação deste fármaco se baseia na ideia de que a depressão é uma doença
circadiana, pois se relaciona com a dessincronização generalizada dos processos
biológicos: achatamento do ciclo diário de temperatura corporal, elevação da secreção do
cortisol durante o dia e redução da secreção da melatonina à noite etc.
A agomelatina é um antidepressivo que exerce agonismo nos receptores melatonina 1
(MT1) e melatonina 2 (MT2) e antagonismo nos receptores 5HT2C.
Estes receptores flutuam de maneira circadiana no núcleo supraquiasmático do
hipotálamo (o “marca-passo” do cérebro) e a agomelatina, ao estimular MT1 e MT2 e
bloquear 5HT2C nesta região, parece ressincronizar os ritmos circadianos.

Atomoxetina e reboxetina
São inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina, utilizados no TDAH.
52

Vilazodona
A vilazodona é um antidepressivo que combina a inibição de SERT com agonismo parcial
5HT1A. É denominada “APIRS” (agonista parcial + inibidor de recaptação de serotonina).
Anteriormente ao desenvolvimento da vilazodona, esta combinação de efeitos era obtida
com a associação ISRS + antipsicóticos agonistas 5HT1A (quetiapina, aripiprazol...) ou pela
associação ISRS + buspirona (ansiolítico com ação agonista parcial 5HT1A).
A vilazodona tem apresentado menor incidência de disfunção sexual em relação aos ISRS
isolados ou ISRS + buspirona; presumivelmente pelo aumento de liberação de dopamina
devido ao agonismo 5HT1A.
A ação do APIRS provoca elevações mais imediatas e estáveis dos níveis de serotonina.
Deve-se ter o cuidado de realizar uma titulação lenta até alcançar a dose total, pois o
rápido aumento da serotonina não é bem tolerado, particularmente pelos efeitos
colaterais gastrointestinais.

Vortioxetina
A vortioxetina é uma molécula
mais recentemente
desenvolvida, com
propriedades “multimodais” –
isto é, atua em diversos
mecanismos de ação, dentre
eles o bloqueio de SERT, o
antagonismo de 5HT3 e 5HT7 e
o agonismo parcial de 5HT1A e
5HT1D. Assim, produz liberação
não apenas das três
monoaminas, mas também de
histamina e acetilcolina, o que
sugere efeitos pró-cognitivos e
de potencialização da eficácia
antidepressiva. Por razão
semelhante à vilazodona,
apresenta pouca ou nenhuma
disfunção sexual.

Ilustração 10 Propriedades dos


antidepressivos
53

Inibidores da monoamina oxidase (IMAO)

Os IMAOs foram os primeiros antidepressivos, descobertos acidentalmente pela


constatação de que a iproniazida – então fármaco antituberculose – aliviava sintomas
depressivos. O mecanismo de ação consiste em evitar que as monoaminas sejam
degradadas pela enzima MAO (monoamina oxidase).
A MAO A metaboliza serotonina e noradrenalina.
A MAO B metaboliza feniletilamina.
Tanto MAO A quanto MAO B metabolizam dopamina e tiramina.

Neurônios noradrenérgicos e dopaminérgicos possuem MAO A e MAO B.


Neurônios serotoninérgicos contêm apenas MAO B em seu interior.
Portanto, para que haja o efeito antidepressivo dos IMAO, necessariamente deve haver
inibição da MAO A, uma vez que é a única que metaboliza serotonina e noradrenalina.
Tanto MAO A quanto MAO B metabolizam a dopamina, de modo que, para que ocorra
um aumento substancial desta monoamina, ambas precisam ser inibidas.

A inibição da MAO B tem valor na doença de Parkinson, pois reforça a ação da levodopa,
retardando a evolução degenerativa. A selegilina e a rasagilina são inibidoras seletivas de
MAO B.

Uma proteína denominada R1 (repressor 1) controla a expressão de MAO A. Pode haver


depleção desta proteína na depressão, havendo, portanto, níveis elevados de MAO A e,
por conseguinte, maior degradação de monoaminas nestes indivíduos, predispondo-os à
depressão.

MAO A é a principal forma de monoamina oxidase fora do cérebro, com exceção das
plaquetas e dos linfócitos, em que predomina MAO B.

Interação com a tiramina


Normalmente, a liberação de noradrenalina pela tiramina (presente na alimentação) não
tem consequência, visto que a MAO A destrói com segurança a NA liberada.
Contudo, o uso de IMAOs antidepressivos (que inibem MAO A e, portanto, diminuem a
degradação de noradrenalina) exige restrições alimentares para evitar crises
hipertensivas.
São elas: queijos envelhecidos; chopes e cervejas não pasteurizadas; muitos vinhos etc.
O uso de inibidores reversíveis da MAO A (IRMA) reduz esse risco, pois podem ser
removidos da enzima por inibição competitiva por substratos da MAO-A.
54

Assim, a tiramina libera NA e ocorre competição pela ligação à MAO A. Se os níveis de


noradrenalina forem altos o suficiente, podem deslocar o IRMA da MAO A, a atividade da
enzima é reestabelecida.

Os IMAO fenelzina, tranilcipromina e isocarboxazida são inibidores irreversíveis da


monoamina oxidase. Por isso, a atividade enzimática só retorna após a síntese de novas
enzimas, em cerca de 2 a 3 semanas.
Especificamente a moclobemida é um IRMA que necessita de restrições dietéticas tais
quais os IMAO irreversíveis.

Interação com fármacos de ação noradrenérgica


A associação de IMAOs com outros fármacos que potencializem a ação noradrenérgica
(Ex: descongestionantes, muitos anestésicos) deve ser considerada com bastante cautela,
pelo risco de elevação de pressão arterial por reação adrenérgica/simpaticomimética.
Para cirurgias eletivas, o uso de IMAO deve ser suspenso com 10 dias de antecedência.
Substitutivamente aos descongestionantes, anti-histamínicos são opções seguras.

Interação com fármacos de ação serotoninérgica


Em pacientes em uso de IMAOs, deve-se estar atento à possibilidade de síndrome
serotoninérgica (desde enxaqueca, mioclonia, agitação, confusão, até hipertermia,
convulsão, PCR, lesões cerebrais, coma e morte).
Apenas cinco manifestações são necessárias para estabelecer um diagnóstico acurado:
clônus, agitação, diaforese, tremor e hiperreflexia. Hipertonicidade e hiperpirexia
foram constatadas em todos os casos potencialmente fatais.
Por este risco, opioides como tramadol, antidepressivos ISRS/IRSN, dentre outros
fármacos que também potencializam a ação serotoninérgica, jamais devem ser associados
aos IMAO. Antidepressivos tricíclicos podem ser associados com cautela, exceto a
clomipramina, que é potente inibidora da recaptação da serotonina.
Para iniciar um IMAO, é necessário aguardar, pelo menos, cinco meias-vidas após a
suspensão de outro agente serotoninérgico. Para a maioria dos fármacos, isso significa 5
a 7 dias. Para a fluoxetina, 5 semanas.
Para iniciar um outro agente serotoninérgico após a suspensão de um IMAO, é
necessário aguardar, pelo menos, 14 dias, para possibilitar a regeneração da enzima
MAO em quantidade suficiente.
Opções para controle dos sintomas neste intervalo envolvem benzodiazepínicos,
zolpidem, trazodona (em doses < 150 mg), lamotrigina, valproato, estimulantes e
antipsicóticos atípicos.
55

Antidepressivos tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos (ATC) são assim chamados porque contêm três anéis em suas
estruturas químicas. A maioria bloqueia tanto recaptação de serotonina quanto
noradrenalina, e alguns são antagonistas 5HT2A e 5HT2C.
São antidepressivos muito efetivos, porém com diversos efeitos adversos, por outras
ações farmacológicas: bloqueio H1 (sedação, ganho de peso); bloqueio M1 (boca seca,
visão turva, retenção urinária, constipação intestinal); bloqueio alfa-1 adrenérgico
(hipotensão ortostática, tontura); bloqueio de canais de sódio sensíveis à voltagem no
coração (arritmias, PCR) e no cérebro (coma, convulsão).
Os ATC não são apenas úteis para depressão. A clomipramina tem efeito no TOC e muitos
exercem efeito antipânico e parecem eficazes para tratar dor neuropática e dor lombar.

Alternativas para depressão refratária

Hormônios tireoideanos têm sido usados como agentes potencializadores dos


antidepressivos pela capacidade reconhecida da tireoide em regular a organização
neuronal, a arborização e a formação de sinapses.
Eletroconvulsoterapia (ECT) é um tratamento altamente efetivo para a depressão; com
resposta rápida – dentro de poucos dias – mesmo após uma única aplicação. Tem boa
indicação para situações de risco, urgentes e gravemente incapacitantes, como
depressões psicóticas, suicidas e depressão pós-parto. Perda de memória e estigmas
sociais são os principais problemas.
Estimulação magnética transcraniana é também uma alternativa para depressão
refratária a fármacos, menos efetiva mas menos estigmatizada que a ECT. O aparelho fica
localizado no couro cabeludo, com o paciente acordado, e cria um impulso elétrico sobre
o córtex pré-frontal dorsolateral.
A estimulação cerebral profunda (DBS), utilizada no tratamento de complicações da
doença de Parkinson, também é um tratamento proposto, ainda experimental.
A cetamina (e, particularmente, seu enantiômero S de formuação intranasal, a escetamina)
tem sido testada como alternativa para reversão rápida de quadros depressivos. A
principal ação envolvida seria o bloqueio de receptores glutamatérgicos NMDA.
O L-metilfolato - sintetizado a partir do folato - é regulador do BH4, um cofator para a
síntese das enzimas triptofano hidroxilase e tirosina hidroxilase (envolvidas na síntese das
monoaminas). Além disso, fornece o grupo metila para a metilação (silenciamento) de
genes como os da enzima COMT (que degrada monoaminas). Por isso, baixas quantidades
genéticas e/ou ambientais/alimentares de L-metilfolato podem reduzir a disponibilidade
de monoaminas, relacionando-se à depressão. Sua suplementação pode ser demandada.
As psicoterapias não foram detalhadas por este material tratar da psicofarmacologia, mas
são uma linha terapêutica fundamental. Algumas das melhores no tratamento de
depressão – do ponto de vista das evidências - são a terapia cognitivo-comportamental e
a terapia interpessoal.
56

Estabilizadores
de Humor
O conceito de “estabilizador de humor” pode variar, mas, de modo simplificado, são
fármacos voltados a tratar ou prevenir a mania e a depressão bipolar. Possuem
diferentes eficácias no tratamento das “quatro etapas” do transtorno bipolar: tratar
agudamente a mania, evitar a recidiva de mania, tratar agudamente a depressão e evitar
a recidiva de depressão.
A classe destas medicações também é diversa, mas se destacam o lítio, os
anticonvulsivantes (ácido valproico, lamotrigina etc.) e os antipsicóticos atípicos (já
discutidos anteriormente), como a olanzapina e a quetiapina, que também possuem ações
estabilizadoras. Frequentemente se exige a associação de dois ou mais fármacos para uma
resposta terapêutica adequada [ver Stahl Fig. 8.12].

Lítio

Os mecanismos de ação do lítio enquanto estabilizador de humor ainda não estão bem
estabelecidos, mas destacam-se: 1) inibição de segundos mensageiros, como a enzima
inositol monofosfatase; 2) modulação de proteínas G e 3) inibição da GSK-3 (enzima
envolvida na apoptose; por isso especula-se que o lítio possa ter também efeito
neuroprotetor).

A inibição da GSK-3 pelo lítio poderia inibir a fosforilação de proteínas tau (τ) e, assim,
retardar a formação de placas na doença de Alzheimer, impedindo a progressão do
comprometimento cognitivo (efeito ainda controverso e considerando administração por
longo período [> 1 ano], mesmo em doses baixas).

O lítio é mais efetivo na estabilização da fase maníaca que da fase depressiva, e tem
eficácia igual ou superior ao valproato no transtorno bipolar. Há evidência de que
contribua na prevenção de suicídio em pacientes com transtorno de humor. Embora não
seja formalmente aprovado, o lítio também pode ser usado como agente potencializador
de antidepressivos na depressão unipolar.
Os efeitos colaterais do lítio incluem sintomas gastrointestinais, ganho de peso, queda
de cabeço, acne, tremor, sedação, prejuízos cognitivos e de coordenação motora. Em
longo prazo, pode acarretar prejuízos à tireoide e ao rim.
57

O lítio exige monitoramento de nível plasmático. A janela terapêutica dos estabilizadores


de humor é estreita. O uso moderno destas medicações tende a se restringir à extremidade
inferior desta janela. Evita-se monoterapia em doses altas; prefere-se a associação com
outros fármacos (anticonvulsivantes, antipsicóticos atípicos...) quando necessário.

Anticonvulsivantes

Ácido valproico
O mecanismo de ação do ácido valproico/valproato como estabilizador de humor – tal
qual o do lítio - permanece incerto. Três possibilidades são: 1) inibição dos canais de
sódio sensíveis à voltagem (VSSC), diminuindo a neurotransmissão excessiva; 2)
potencialização do GABA, aumentando sua liberação, diminuindo sua recaptação ou
retardando sua inativação metabólica e 3) regulação das cascatas de transdução de sinal,
por exemplo, pela inibição de GSK-3 - assim como o lítio - ou pela atuação em diversos
outros alvos, como a fosfoproteína quinase C (PKC).

Dentre os anticonvulsivantes, valproato e carbamazepina apresentam melhores resultados


para tratar episódios de mania, enquanto a lamotrigina é melhor para tratar episódios
de depressão e evitar recidivas, tanto de mania quanto de depressão [ver Stahl Tabela
8.1].

O ácido valproico costuma apresentar efeitos adversos como queda de cabelo, ganho de
peso e sedação. A cronicidade de exposição pode gerar consequências hepáticas e
pancreáticas e algum risco de amenorreia e ovários policísticos nas mulheres.

Carbamazepina e oxcarbazepina
A carbamazepina possivelmente atua bloqueando a subunidade alfa dos VSSC. É
desvantajosa - dentre outros motivos - por apresentar muita sedação, ter efeito supressor
sobre a medula óssea (exigindo monitoramento inicial das células sanguíneas) e induzir a
CYP 3A4 (o que diminui a eficácia de fármacos importantes como clozapina, quetiapina,
lurasidona e aripiprazol e reduz a segurança de contraceptivos hormonais) Como
vantagem, produz menos ganho de peso que outros anticonvulsivantes.
A oxcarbazepina é um pró-fármaco da licarbazepina, que, por sua vez, tem como forma
ativa o enantiômero S, conhecido como eslicarbazepina. É um anticonvulsivante com
mesmo mecanismo de ação da carbamazepina, que produz menos sedação, menos
supressão da medula óssea e menos indução de CYP 3A4, porém nunca foi
comprovado que atue como estabilizador de humor.
58

Lamotrigina
O mecanismo de ação da lamotrigina é, possivelmente, a redução da neurotransmissão
de glutamato pelo bloqueio dos VSSC dos neurônios glutamatérgicos. Isso explicaria a
melhor eficiência em relação a outros estabilizadores de humor no tratamento “de baixo
para cima” (da depressão à eutimia).
Costuma ser bem tolerada, exceto por sua propensão a causar erupções cutâneas (e,
raramente, síndrome de Stevens-Johnson, potencialmente fatal).
Por este efeito, a dose do fármaco deve ser aumentada muito lentamente no início do
tratamento, e interações medicamentosas devem ser evitadas, especialmente com o
ácido valproico, que eleva substancialmente os níveis da lamotrigina.

Devido ao longo tempo de titulação (2 meses ou mais) e à latência do início de ação uma
vez alcançada a dose adequada (até 3 meses adicionais), por vezes se utiliza a estratégia
“lami-quel”, de associação da lamotrigina com antipsicóticos atípicos (como a
quetiapina), até que se alcance o efeito terapêutico.

Outros anticonvulsivantes
O topiramato não tem propriamente efeito estabilizador de humor; talvez sendo útil como
adjuvante em casos de ganho de peso, insônia, ansiedade ou uso abusivo de substâncias
comórbidos ao TAB. Seu mecanismo de ação é diferente dos demais anticonvulsivantes,
pois potencializa a função do GABA e reduz a função do glutamato ao interferir em ambos
os canais de sódio e cálcio. É aprovado como anticonvulsivante, para enxaqueca e, mais
recentemente, usado em associação à bupropiona para perda de peso. Como efeito
adverso comum, pode ocasionar prejuízos executivos/cognitivos transitórios.
A gabapentina e a pregabalina são anticonvulsivantes com ação consistente no
tratamento de várias condições dolorosas – desde dor neuropática até fibromialgia – e
transtornos de ansiedade. No entanto, também não têm efeito como estabilizadores de
humor. O mecanismo de ação de ambas é a ligação seletiva e com alta afinidade ao sítio
α2δ (alfa-2-delta) dos canais de cálcio sensíveis à voltagem (VSCC), impedindo a liberação
de neurotransmissores como o glutamato nas vias da dor e da ansiedade.
O riluzol tem ação semelhante à da lamotrigina, impedindo a liberação de glutamato.
Desenvolvido para retardar a evolução da esclerose lateral amiotrófica (ELA);
hipoteticamente pode ter atividade na depressão bipolar, na depressão unipolar resistente
e em transtornos de ansiedade, no entanto é muito caro e costuma causar anormalidades
da função hepática.
59

Antipsicóticos como estabilizadores de humor

Entende-se que o transtorno bipolar não compreenda atividades neurais “muito altas” ou
“muito baixas”, mas sim “fora de sintonia”. Portanto, bem como o lítio e os
anticonvulsivantes estabilizadores de humor, os antipsicóticos atípicos podem contribuir:
As propriedades antagonistas ou agonistas parciais D2 podem explicar a redução dos
sintomas psicóticos na mania, enquanto as propriedades antagonistas 5HT2A e
agonistas parciais 5HT1A justificam a redução dos sintomas maníacos e depressivos não
psicóticos.
Numerosos mecanismos destes fármacos também podem aumentar a disponibilidade de
monoaminas, de reconhecida importância na ação dos antidepressivos na depressão
unipolar.

Adjuvantes aos estabilizadores de humor

Os benzodiazepínicos podem ser usados como adjuvantes, oferecendo uma ação


calmante imediata em situações de emergência, de modo a proporcionar tempo para que
os estabilizadores de humor com início de ação mais lento comecem a agir. Também
podem ser úteis como prescrições de uso se necessário, para agitação intermitente,
insônia e sintomas maníacos incipientes. Devem ser administrados com cautela para
pacientes com uso abusivo de substância comórbido.
Especula-se que o ômega-3, componente normal da dieta contendo peixe, possa inibir a
fosfoproteína quinase C (PKC), com ação na transdução de sinais semelhante à do
valproato, porém ainda sem eficácia demonstrada.
O inositol, produto natural ligado aos sistemas de segundos mensageiros, pode ter efeito
potencializador de antidepressivos e estabilizadores de humor como a lamotrigina, mas
também ainda sem comprovação.
O L-metilfolato (discutido no capítulo 7) pode ser administrado na depressão bipolar para
reforçar a função das monoaminas e para repor folato (devido à interferência de vários
anticonvulsivantes na absorção ou no metabolismo desta substância).
O hormônio tireoideano T3 pode estabilizar o humor em alguns pacientes, mas esta ação
ainda é controversa, especialmente para uso em longo prazo.

O transtorno bipolar em mulheres tem natureza mais depressiva que nos homens, com
mais tentativas de suicídio, mania mista e ciclagem rápida. Acredita-se que a
potencialização do hormônio T3 possa aumentar a estabilidade de alguns casos, mesmo
na ausência de disfunção de tireoide.
60

Associação com antidepressivos


A associação de antidepressivos aos estabilizadores de humor no tratamento do
transtorno bipolar é controversa (pelo risco de facilitarem a ciclagem) e deve ser avaliada
caso a caso. As diretrizes que estipulam o uso de antidepressivos combinados aos
estabilizadores de humor, em geral, dão preferência à bupropiona e deixam para último
caso os antidepressivos tricíclicos e a venlafaxina.

Gestação e aleitamento

Durante a gravidez, o lítio e a maioria dos anticonvulsivantes estabilizadores de humor


(principalmente o ácido valproico) estão relacionados a risco de efeitos tóxicos fetais,
com defeitos do tubo neural, que podem ser atenuados pela coadministração de ácido
fólico.
A decisão de uso deve ser individualizada. Se estes fármacos necessitarem de interrupção,
isto não deve ser feito de modo repentino, pois pode aumentar a probabilidade de
recidiva. Deve ser considerada a possibilidade de estabilização do humor com
antipsicóticos atípicos durante a gravidez.
A amamentação, de modo geral, não é recomendada enquanto a mãe estiver em uso de
lítio. O aleitamento pode ser cuidadosamente considerado em mães que usem valproato,
lamotrigina, carbamazepina ou antipsicóticos atípicos, com monitoramento do lactente.
61

Ansiolíticos

Transtornos de ansiedade

Enquanto transtorno psiquiátrico, a ansiedade se caracteriza pelos sintomas nucleares de


medo e preocupação excessivos, distintamente à depressão, na qual predominam humor
deprimido e perda de interesse.
Há sobreposição de sintomas nestes dois distúrbios, como sono, fadiga e dificuldade de
concentração. Embora os tratamentos sejam semelhantes, é útil estabelecer um
diagnóstico diferencial para o acompanhamento do paciente e para documentar a
evolução dos sintomas. A remissão de todos os sintomas de pacientes com transtorno de
ansiedade generalizada, por exemplo, pode ser mais lenta que na depressão.
É comum que os transtornos de ansiedade sejam comórbidos aos depressivos, bem como
ao abuso de substâncias, ao TDAH, ao TAB, aos transtornos dolorosos e de sono, dentre
outros.
A principal estrutura relacionada ao medo nos transtornos de ansiedade é a amígdala
(localizada próximo ao hipocampo), enquanto a preocupação se associa ao funcionamento
de conexões entre córtex pré-frontal, estriado e tálamo (alças
corticoestriadotalamocorticais – CETC). O que diferencia os tipos particulares de
transtornos de ansiedade não é a localização anatômica ou os neurotransmissores
envolvidos, mas a natureza específica da disfunção:
No transtorno de ansiedade generalizada (TAG), a disfunção é persistente e ininterrupta,
ainda que sem gravidade. No transtorno do pânico, a disfunção é intermitente, porém
catastrófica e inesperada. Na ansiedade social a disfunção é intermitente, catastrófica
e esperada. No transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), a disfunção é condicionada
e de origem traumática.
O TOC não é mais majoritariamente considerado como transtorno de ansiedade, mas sim
como transtorno de impulsividade.
62

Neurobiologia do medo

O medo é regulado por conexões recíprocas da amígdala com outras áreas cerebrais, que
determinam respostas que irão compor a clínica da ansiedade [ver Stahl Figs. 9.8 a 9.13]:
Sentimento/afeto de medo:
Amígdala ⇌ Córtex orbitofrontal e córtex cingulado anterior

Resposta motora (luta/fuga ou paralisação):


Amígdala ⇌ Área cinzenta periaquedutal do tronco encefálico

Resposta endócrina (↑ cortisol):


Amígdala ⇌ Eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal
*Exposição crônica de estímulo (ansiedade): ↑ risco de DAC, DM2, AVE...

Resposta respiratória (dispneia, ↑ FR):


Amígdala ⇌ Núcleo parabraquial
*Exposição crônica de estímulo (ansiedade): exacerbação da asma, sensação de
sufocamento...

Resposta autonômica (↑ FC, ↑ PA):


Amígdala ⇌ Locus coeruleus (origem dos neurônios noradrenérgicos)
*Exposição crônica de estímulo (ansiedade): ↑ risco de IAM, aterosclerose...

Revivências (característica do TEPT):


Amígdala ⇌ Memórias armazenadas no hipocampo

Neurobiologia da preocupação

Sofrimento antecipatório, temores de infortúnio, pensamentos catastróficos, expectativa


apreensiva, ruminações, obsessões, dentre outros sintomas de preocupação presentes nos
transtornos de ansiedade estão ligados ao funcionamento das alças de retroalimentação
corticoestriadotalamocorticais. Estas, por sua vez, são moduladas por diversos
neurotransmissores - como GABA, glutamato e monoaminas – muitos dos mesmos que
regulam as conexões da amígdala.

Predisposição à preocupação: “Warriors vs. Worriers”


Como discutido no capítulo 4, a enzima COMT (catecol-O-metiltransferase), que degrada
dopamina, possui variantes de maior ou menor atividade, a depender da expressão
determinada pelo genótipo do indivíduo.
O genótipo variante Met da COMT determina menor atividade desta enzima e,
consequentemente, níveis mais altos de dopamina.
Isto melhora o processamento cognitivo/executivo pelo recrutamento dos circuitos do
córtex pré-frontal dorsolateral por este neurotransmissor, mas, por outro lado, possibilita
63

o excesso de atividade dopaminérgica em resposta a agentes estressores, predispondo a


transtornos de ansiedade (worriers).
O genótipo variante Val da COMT determina maior atividade desta enzima e,
consequentemente, níveis mais baixos de dopamina.
Isto piora o processamento cognitivo/executivo, com maior predisposição à
esquizofrenia, mas, por outro lado, otimiza a resposta em situações de estresse,
impedindo que haja atividade dopaminérgica excessiva nestas situações (warriors).

GABA

Síntese, recaptação e degradação

Ilustração 11 Síntese de GABA.

Transportador vesicular de GABA: VIAAT (Transportador vesicular de aminoácidos inibitórios);


Transportador pré-sináptico de GABA: GAT;
Enzima que converte GABA em substância inativa: GABA transaminase (GABA-T).

Receptores
Os receptores GABAA são canais iônicos controlados por ligantes e compõem um
complexo macromolecular que forma um canal de cloreto inibitório. São os alvos dos
benzodiazepínicos, hipnóticos, barbitúricos e álcool.
Os receptores GABAB são receptores ligados a proteínas G, que podem se acoplar a
canais de cálcio e/ou potássio, estando possivelmente envolvidos nos processos de dor,
memória, humor e outras funções do SNC.
Os receptores GABAC são semelhantes aos GABAA, contudo não têm papel bem
estabelecido. Não parecem ser alvo dos benzodiazepínicos.
64

Benzodiazepínicos

Mecanismo de ação
Os benzodiazepínicos (BZD) são, em síntese, moduladores alostéricos positivos (PAM)
dos receptores GABAA.
Os receptores GABAA são formados por cinco subunidades, que se reúnem com um canal
de cloreto no centro. Existem subtipos sensíveis aos BZD e insensíveis aos BZD, a
depender das subunidades presentes:
Os receptores GABAA sensíveis aos BZD contêm: duas subunidades α (α1, α2 ou α3); duas
subunidades β e uma subunidade γ (γ2 ou γ3).
Duas moléculas GABA (em cada complexo receptor) se ligam entre as subunidades α e β.
Os BZD se ligam entre as subunidades α1/2/3 e γ2/3. São, por isso, considerados
moduladores alostéricos – pois se ligam em um sítio diferente do GABA.

Os receptores GABAA sensíveis aos BZD com subunidade α1 são os mais importantes para
a regulação do sono, enquanto os com subunidades α2 ou α3 são os mais importantes
para a regulação da ansiedade. Os benzodiazepínicos hoje não são seletivos. Agentes
α2/3 seletivos teoricamente poderiam ser ansiolíticos sem sedação indesejada.

Acredita-se que a ação dos benzodiazepínicos consista em aumentar a frequência de


abertura dos canais de cloreto inibitórios, mas não a condutância do cloreto pelos canais,
nem a duração de abertura destes.
Os BZD não apresentam qualquer atividade na ausência do GABA.

Por sua vez, os receptores GABAA insensíveis aos BZD são os que contêm as subunidades
α4, α6, γ1 ou δ. Do mesmo modo que nos sensíveis aos BZD, duas moléculas GABA (em
cada complexo receptor) se ligam entre as subunidades α e β. Outras substâncias (álcool,
alguns anestésicos gerais, neuroesteroides naturais sintetizados pela neuroglia...) se
ligam entre as subunidades α e δ/γ1, produzindo, também, modulação alostérica nestes
receptores.

Os receptores GABAA insensíveis aos BZD se localizam fora da sinapse (extrassinápticos),


mediando uma inibição denominada tônica (regulada pelos níveis de neurotransmissores
GABA que “escaparam” da recaptação e da destruição enzimática e se difundiram para
longe da sinapse), diferente da inibição fásica (surtos de inibição desencadeados por
concentrações máximas de GABA liberado na sinapse) exercida pelos receptores GABAA
sensíveis aos BZD. Acredita-se que a inibição tônica estabeleça o tônus e a excitabilidade
gerais dos neurônios pós-sinápticos, regulando eventos como a frequência de descarga
neuronal em resposta a estímulos excitatórios.
65

Ilustração 12 Tipos de receptores GABAA.

Aplicação clínica
Pela potencialização do GABA - que age nos circuitos do medo e da preocupação – os
benzodiazepínicos, são excelentes fármacos ansiolíticos, com rápida resposta após a
administração. Como inconveniente, podem produzir tolerância e dependência se
utilizados por longos períodos, não sendo, portanto, primeira linha para tratamentos de
manutenção. Em geral, são prescritos como medicações de resgate (“se necessário”) em
situações agudas, como crises de pânico. São úteis também no processo de adaptação
aos ISRS e ISRN (agudamente, estes fármacos podem agravar os sintomas ansiosos,
enquanto os receptores ainda estão em processo de infrarregulação).

Antídoto
As ações dos benzodiazeínicos podem ser revertidas pelo flumazenil, um antagonista de
ação curta dos BZD. Atua ocupando os sítios alostéricos dos receptores GABAA. Sua
administração intravenosa pode ser muito útil para reversão de intoxicações (que podem
ocasionar depressão respiratória, rebaixamento de nível de consciência…), com resultado
observável em segundos. Contudo, pode induzir convulsões ou reações de abstinência
em pacientes dependentes de BZD.

Agentes serotoninérgicos

O reforço da ação da serotonina na amígdala e nos circuitos corticoestriadotalamocortiais


contribui para o controle dos sintomas ansiosos. Deste modo, ISRS e IRSN estão na
primeira linha de tratamento dos transtornos de ansiedade.
A buspirona é também um agente serotoninérgico. Seu mecanismo de ação é o agonismo
parcial 5HT1A. Analogamente aos ISRS/IRSN, depende da adaptação (infrarregulação)
dos receptores serotoninérgicos e, do mesmo modo, possui início de ação tardio.
Portanto, além de ser um agente potencializador de antidepressivos (pode ser associado
com inibidores de recaptação de serotonina para “simular” o efeito de “APIRS”
[vilazodona], como explanado no capítulo 7), é também um ansiolítico geral.
66

Ligantes α2δ

Além de epilepsia e síndromes dolorosas, a gabapentina e a pregabalina demonstraram


ação ansiolítica nos transtornos de ansiedade social e pânico. Podem ser úteis para
pacientes que não respondam satisfatoriamente a ISRS/IRSN ou BZD. Conforme discutido
no capítulo 8, agem bloqueando a subunidade α2δ dos canais de cálcio sensíveis à
voltagem N e P/Q, impedindo a liberação de glutamato na amígdala (medo) e nos
circuitos corticoestriadotalamocorticais (preocupação).

Hiperatividade noradrenérgica na ansiedade

A estimulação noradrenérgica excessiva na amígdala e nos circuitos


corticoestriadotalamocorticais pode - além das manifestações autonômicas periféricas -
desencadear sintomas nucleares de ansiedade e medo, como pesadelos, flashbacks e
ataques de pânico. Os receptores noradrenérgicos mais envolvidos com estes sintomas
de hiperexcitação são α1 e β1.
Antagonistas α1, como a prazosina, podem reduzi-los (é uma possível linha de
tratamento para evitar pesadelos no transtorno do estresse pós-traumpatico) e β -
bloqueadores, teoricamente, reduziriam a probabilidade de desenvolvimento de TEPT
após um evento traumático.
IRSN ou inibidores seletivos de NAT são utilizados no tratamento dos transtornos de
ansiedade pois provocam, pela exposição crônica a uma quantidade aumentada de
noradrenalina disponível, infrarregulação destes receptores noradrenérgicos.
Porém, em um primeiro momento, o aporte agudo de noradrenalina pode levar ao
agravamento transitório da ansiedade, imediatamente após o início da administração
destes fármacos.

Condicionamento do medo

O mecanismo de aprendizado de situações de risco é denominado condicionamento do


medo. Este aprendizado é fundamental para a sobrevivência, mas pode ser a gênese dos
transtornos de ansiedade, quando, mesmo após controlada, a situação amedrontadora
não é esquecida.
Os impulsos sensoriais da situação de risco são recebidos e processados pelo córtex e
pelo tálamo sensoriais, que os transmitem - por neurônios glutamatérgicos - ao núcleo
lateral da amígdala. Esta, por sua vez, irá fortalecer o estímulo, estabelecendo outra
sinapse glutamatérgica, desta vez com o núcleo central da amígdala.
Ambas as sinapses (córtex/tálamo ⇨ amígdala lateral e amígdala lateral ⇨ amígdala
central) são reestruturadas por plasticidade sináptica nos receptores NMDA, de modo
que a resposta seja desencadeada mais eficientemente em exposições a estímulos futuros.
67

Neurônios glutamatérgicos provenientes do córtex pré-frontal ventromedial e do


hipocampo podem fazer sinapse com interneurônios gabaérgicos na massa celular
intercalada da amígdala (entre os núcleos lateral e central) e inibir este processo,
ocasionando a extinção do medo. Se os estímulos do CPFVM e do hipocampo forem
insuficientes para suprimir a resposta do medo, o condicionamento prossegue [ver Stahl
Figs. 9.30 a 9.32].
Os tratamentos farmacológicos atuais para a ansiedade atuam diretamente nos impulsos
provenientes da amígdala e, por isso, auxiliam momentaneamente, mas não curam o
transtorno, já que o aprendizado neuronal do medo permanece inalterado.
Abordagens psicoterápicas buscam favorecer o circuito da extinção do medo, para que
este prevaleça sobre o do condicionamento do medo, e não somente suprimir a resposta
desencadeada (como atuam os ansiolíticos).
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) utiliza técnicas de exposição controlada aos
estímulos desencadeadores do condicionamento, para que, gradualmente, predomine o
aprendizado de que a situação é inofensiva. No entanto, o hipocampo “recorda” o
contexto desta extinção, nem sempre sendo efetivo quando o paciente está fora do
ambiente terapêutico.

Uma ideia que surge é a estimulação de receptores glutamatérgicos NMDA (por exemplo,
com agonistas de ação direta, como a D-ciclosserina, ou com inibidores seletivos de
recaptação de glicina) durante sessões de TCC, quando as sinapses da extinção do medo
estariam sendo, teoricamente, ativadas seletivamente.

Reconsolidação
Reconsolidação é o estado em que memórias emocionais de medo consolidadas se
tornam instáveis, e exigem síntese de novas proteínas para se manterem intactas.
Especula-se que β -bloqueadores possam interromper o processo de reconsolidação.
Uma abordagem futura vislumbrada para transtornos de ansiedade é a reativação de
memórias emocionais por meio de psicoterapia, para trazê-las a este momento de
“fragilidade” da reconsolidação e, neste instante, administrar a terapia farmacológica.
Tabela 6 Linhas de tratamento dos transtornos de ansiedade, conforme o Stahl.

1ª LINHA 2ª LINHA
ISRS, ISRN, Tricíclicos, Mirtazapina,
TAG
Buspirona, Ligantes α2δ, BDZ* Trazodona, Vilazodona
ISRS, ISRN, IMAO, Tricíclicos,
T. DE PÂNICO
Ligantes α2δ, BDZ* Mirtazapina, Trazodona
ISRS, ISRN, IMAO, BDZ,
T. DE ANS. SOCIAL
Ligantes α2δ β -bloqueadores**
IMAO, Tricíclicos,
TEPT ISRS, ISRN
Ligantes α2δ, BDZ*
* Reservados a situações pontuais, como período adaptação de ISRS/ISRN ou ataques de pânico.
** Úteis para perfis específicos de ansiedade social, como ansiedade de desempenho.
68

Dor Crônica

Dor nociceptiva é a dor “normal”, causada pela ativação de fibras nervosas em resposta
a um estímulo (via nociceptiva). Dor neuropática é a dor que surge em decorrência de
dano ou disfunção no sistema nervoso (central e/ou periférico).
Processos de dor de origem periférica (fora do sistema nervoso central) - se continuados
cronicamente - podem causar modificações no SNC que perpetuam a dor periférica
original (ex: osteoartrite, lombalgia, dor neuropática na diabetes). Outras condições podem
ter origem central sem qualquer causa periférica (ex: depressão, ansiedade, fibromialgia).

Via nociceptiva

Neurônios Aferentes Primários (NAP) detectam estímulos nociceptivos (térmicos,


mecânicos, químicos...) em seus terminais periféricos…
…fibras nervosas transmitem o potencial de ação até os corpos celulares dos NAP,
localizados nos gânglios da raiz dorsal, ao longo da medula espinhal (fora do SNC) [ver
Stahl Fig. 10.1].
Fibras Aβ: respondem a estímulos não nocivos.
Fibras Aδ: respondem a estímulos mecânicos nocivos e dérmicos subnocivos.
Fibras C: respondem a estímulos mecânicos, térmicos e químicos nocivos.

Nos gânglios da raiz dorsal são sintetizadas as proteínas especializadas que se dirigem aos
terminais periféricos dos NAP para detectarem os estímulos e realizarem mudanças de
voltagem para despolarização de membranas e transmissão do impulso. Anestésicos
locais, como a lidocaína, atuam bloqueando os VSSC nesta etapa. Os AINEs também têm
ação periférica, reduzindo os estímulos dolorosos provenientes dos NAP.

Dos gânglios da raiz dorsal, os NAP enviam axônios para o corno dorsal da medula
espinhal, onde fazem sinapse com os Neurônios de Projeção (NP). Estes são, portanto,
os primeiros neurônios da via nociceptiva totalmente localizados no SNC.

Os IRSN e os analgésicos opioides podem atuar nesta etapa, pela potencialização de


neurotransmissores (NA, 5HT, opioides) inibitórios desta sinapse (entre NAP e NP) no corno
dorsal, impedindo a propagação do sinal às estruturas superiores.
69

Os NP ascendem por diversos tratos, que se dividem, grosseiramente, em:


Via sensorial/discriminativa: NP ascendem pelo trato espinotalâmico e fazem sinapse
com neurônios talâmicos, que se projetam para o córtex somatossensorial primário.
↳ Transmite a localização e a intensidade do estímulo.
Via emocional/motivacional: NP ascendem pelo trato espinobulbar, e fazem sinapse com
neurônios do tronco encefálico, que projetam-se para as regiões límbicas.
↳ Transmite o componente afetivo do estímulo.

Mecanismos de surgimento da dor neuropática

Sensibilização periférica: manutenção da sinalização nociceptiva periférica na ausência


de estímulo nocivo relevante.
↳ Ocasionada por doenças ou traumatismos que desencadeiam processos
inflamatórios (alteram a atividade elétrica neuronal, possibilitando comunicação
cruzada entre neurônios).
Sensibilização central segmentar: alterações de plasticidade neuronal no corno dorsal
da medula espinhal (onde os neurônios aferentes primários da via nociceptiva fazem
sinapse com os neurônios de projeção, que transmitirão o estímulo doloroso ao SNC) [ver
Stahl Fig. 10.4].
↳ Ocasionada em decorrência de estímulos dolorosos constantes advindos da
periferia (lombalgia, neuropatia diabética, herpes-zóster...).
Como consequência, há aumento da eficiência sináptica no corno dorsal, com
respostas dolorosas a estímulos inócuos (alodinia) ou exageradas/prolongadas a
estímulos nocivos.

Com o passar do tempo, a remodelação dos receptores pode fazer com que a percepção
dolorosa não mais dependa de qualquer estímulo externo. É o que ocorre em condições
como a dor fantasma, após a amputação de um membro.
Este mecanismo também explica a ação de técnicas como acupuntura, vibração, esfregar
etc., que produzem alívio aplicando estímulos inócuos distantes do local da dor,
“redirecionando” a via.

Sensibilização central suprassegmentar: alterações de plasticidade neuronal no tálamo


e no córtex, com ou sem estímulos periféricos conhecidos (Ex: fibromialgia, depressão,
ansiedade, TEPT) [ver Stahl Fig. 10.5].

Os ligantes α2δ (gabapentina e pregabalina) atuam pelo bloqueio de canais de cálcio


sensíveis à voltagem, inibindo a liberação de neurotransmissores no corno dorsal, no tálamo
ou no córtex. Assim, podem ser úteis tanto na dor neuropática de sensibilização periférica
quanto na de sensibilização central. Outros anticonvulsivantes, como topíramato,
carbamazepina etc., que atuam em canais de sódio sensíveis à voltagem, podem ser
considerados em tentativas de segunda linha.
70

Fibromialgia

A fibromialgia é uma síndrome dolorosa caracterizada por hipersensibilidade, porém sem


patologia estrutural identificável em músculos, ligamentos ou articulações. É uma
condição crônica e debilitante, mas não necessariamente progressiva. É o segundo
diagnóstico mais comum em clínicas de reumatologia, acometendo 2 a 4% da população.
75 a 90% são mulheres, particularmente caucasianas. A dor generalizada crônica – uma
síndrome relacionada, caraterizada por dor sem hipersensibilidade – é a apresentação
mais comum em homens.
Para diagnóstico da fibromialgia, são necessárias:
História de dor generalizada (presente em todos os seguintes: lado direito do corpo; lado
esquerdo do corpo; acima da cintura; abaixo da cintura; esqueleto axial);
Evolução de - pelo menos - 3 meses;
Palpação dolorosa (referida pelo paciente) de 11 de 18 pontos sensíveis predefinidos [ver
Stahl Fig. 10.7].

Relatos preliminares sugerem que a dor crônica - tal qual o estresse crônico - se relacionaria
à atrofia do hipocampo e, consequentemente, à desregulação do eixo HHSR. Deste modo,
pode levar à ativação excessiva de neurônios do CPFDL, com redução de volume de
substância cinzenta, ocasionando disfunções cognitivas observadas em alguns estados
dolorosos, como “fibro-fog” na fibromialgia.

Sinapses descendentes inibitórias da dor

Projeções de neurônios opioides


A substância cinzenta periaquedutal é o local de origem de grande parte dos neurônios
descendentes que se projetam até o corno dorsal da medula espinhal para inibir os
estímulos dolorosos por meio da liberação de opioides endógenos.
As endorfinas agem nos receptores opioides μ (mesmo local de ação dos analgésicos
opioides), inibindo a neurotransmissão dos Neurônios Aferentes Primários nociceptivos
(NAP).

As fibras Aβ (que respondem aos estímulos não nocivos) não expressam receptores
opioides μ, o que explica por que analgésicos opioides poupam estímulos sensoriais
normais.

As encefalinas agem nos receptores opioides δ. Também têm ação antinociceptiva.


As dinorfinas agem nos receptores opioides κ. Produzem ações tanto antinociceptivas
quanto pró-nociceptivas.
71

As projeções opioides descendentes são ativadas por lesão grave ou perigo iminente, para
permitir que a dor não inviabilize reações de luta/fuga. Os opioides demonstraram pouco
ou nenhum efeito no tratamento de processos dolorosos crônicos, como a fibromialgia.

Projeções de neurônios monoaminérgicos


Outras duas vias inibitórias descendentes são a noradrenérgica (que se origina no locus
coeruleus) e a serotoninérgica (que se origina na rafe).
Os neurônios noradrenérgicos inibem a liberação de neurotransmissores pelos NAP por
meio da ligação aos receptores α2-adrenérgicos inibitórios. Por isso, fármacos ligantes
α2, como a clonidina, podem ser úteis no alívio da dor em alguns pacientes.
Os neurônios serotoninérgicos inibem a liberação de neurotransmissores pelos NAP por
meio da ligação aos receptores 5HT1B/C pós-sinápticos. No entanto, a serotonina
também pode ser uma via descendente facilitadora da dor, pela ligação aos
receptores 5HT3 dos NAP, que potencializa a liberação de neurotransmissores por estes.

Por isso, fármacos que potencializam somente serotonina, como ISRS, não
costumam ser tão úteis em síndromes dolorosas, ao contrário dos que aumentam o
tônus de ambas, como IRSN e antidepressivos tricíclicos.

A liberação descendente das vias serotoninérgica e noradrenérgica costuma ser ativa em


repouso. Acredita-se que atue fisiologicamente, mascarando a percepção de estímulos
nociceptivos irrelevantes (digestão, movimento articular etc.).
Isto pode explicar por que pacientes com transtornos que envolvam o déficit destas
monoaminas (depressão, ansiedade...) frequentemente apresentam sintomas dolorosos,
como a prevalente associação com fibromialgia.
72

Transtornos do
Sono e da Vigília
A sonolência pode ser conceituada como transtorno de ativação diurna deficiente e a
insônia como transtorno de ativação noturna excessiva. Ambas causam prejuízos
cognitivos.
Existem agentes farmacológicos que aumentam a ativação (estimulantes [metilfenidato,
anfetaminas], cafeína, modafinila...) – ou seja, tratam a hipersónia – e agentes que reduzem
a ativação (moduladores alostéricos GABAA [BZD, fármacos Z], antagonistas H1,
antagonistas 5HT2A/2C [trazodona, mirtazapina]…) - ou seja, tratam a insônia.
Ressalta-se, contudo, que a higiene do sono é essencial (talvez ainda mais que a
abordagem medicamentosa) para bons resultados terapêuticos na insônia [ver Stahl
Tabelas 11.2 e 11.3].

Neurobiologia do sono e da vigília

O estado de ativação de um indivíduo (sono/vigília) é influenciado, em grande parte, por


cinco neurotransmissores: dopamina, noradrenalina, serotonina, histamina e
acetilcolina.
Os circuitos destes neurotransmissores ascendem do tronco encefálico ao córtex, e atuam
conjuntamente para regular a ativação como um continuum: “50 tons” entre o sono e a
vigília. São, como um grupo, denominados sistema reticular ativador ascendente.
Há, porém, outro conjunto de circuitos no hipotálamo, que regula o sono de maneira
descontínua, como um “interruptor” de “liga/desliga” [ver Stahl Fig. 11.4].
↳ O interruptor que “liga” – conhecido como promotor da vigília – localiza-se no
Núcleo Tuberomamilar (NTM), (local de origem dos neurônios histaminérgicos),
dentro do hipotálamo.
↳ O interruptor que “desliga” – conhecido como promotor do sono – localiza-se no
Núcleo Pré-óptico Ventrolateral (POVL), também dentro do hipotálamo.
Quando o interruptor está “ligado”, o NTM está ativo e libera histamina no córtex e no
POVL.
Quando o interruptor está “desligado”, o POVL está ativo e GABA é liberado no NMT.
Por isso, trata-se a insônia com agentes potencializadores do GABA (que, assim, inibem o
promotor da vigília), ou bloqueadores histamínicos (que, assim, neutralizam a ação
histaminérgica do promotor da vigília).
73

Dois outros conjuntos de neurônios são os responsáveis por “ligar” e “desligar” este
“interruptor”: um de neurônios contendo orexina (hipocretina), do hipotálamo lateral -
responsáveis por “estabilizar” a vigília (são perdidos na narcolepsia) -; outro de neurônios
sensíveis à metalonina, do núcleo supraquiasmático - que respondem ao ciclo circadiano
de luz/escuro, deflagrando promotor do sono POVL no fim do dia [ver Stahl Fig. 11.5].

Indivíduos com retardo de fase – como pacientes deprimidos ou adolescentes normais –


ainda apresentam o promotor do sono ativado no momento de despertar. A exposição
desses indivíduos à luz pela manhã e à melatonina à noite pode reajustar o relógio
circadiano no NSQ, de modo a despertá-lo mais cedo.

Histamina

Síntese e degradação

Ilustração 13 Síntese e degradação da histamina.

Fora do cérebro, outras enzimas como a diamino-oxidase também podem interromper a


ação da histamina.

Receptores
Os receptores histamínicos H1 são os responsáveis pela regulação da vigília, alvos dos
fármacos “anti-histamínicos”.
Os receptores histamínicos H2 são responsáveis pela regulação da secreção de ácido
gástrico; alvos dos fármacos antiúlcera.
Os receptores histamínicos H3 são autorreceptores que exercem retroalimentação
negativa, inibindo a liberação de mais histamina. Novos fármacos promotores de vigília e
pró-cognitivos estão sendo desenvolvidos no intuito de bloquear H3.
Os receptores histamínicos H4, pelo que se sabe, não ocorrem no cérebro.
Por fim, como não existem bombas de recaptação histamínicas, a histamina pode se
difundir para longe da sinapse, atuando como modulador alostérico em receptores
NMDA de sinapses glutamatérgicas.
74

Promotores do sono

Benzodiazepínicos e fármacos Z
Tanto benzodiazepínicos quanto fármacos Z (zolpidem, zopiclona...) atuam como
moduladores alostéricos positivos de GABA, ligando-se, mais especificamente, aos
subtipos α1, α2, α3 e α5 dos receptores GABAA:
O subtipo α1 se associa à produção de sedação;
Os subtipos α2 e α3 se associam à ação ansiolítica;
O subtipo α5 se associa à cognição e a outras funções.
Alguns fármacos Z (zolpidem e zaleplona) são seletivos para α1, o que talvez contribua
para o menor risco de tolerância e dependência desses agentes. Além disso, os BZD se
ligam ao receptor de modo a modificar sua conformação, o que potencialmente produz
mais tolerância, dependência e abstinência.
Por isso, os BZD são considerados agentes de segunda linha para insônia. São cinco os
benzodiazepínicos aprovados para insônia nos EUA: flurazepam, quazepam, triazolam,
estazolam, temazepam.

Para o tratamento da insônia, a meia-vida dos fármacos é uma informação fundamental,


pois, caso seja demasiadamente curta, poderá ocasionar um despertar precoce e, caso
exceda em muito o tempo regular de sono, o medicamento poderá causar uma “ressaca”
ao acordar - indesejada sonolência diurna [ver Stahl Fig. 11.13].
A meia-vida do zolpidem é de aproximadamente 2 a 4 horas na formulação de liberação
imediata e de 6 a 8 horas na de liberação prolongada. Há, ainda, uma formulação sublingual
de início rápido, disponível para administração no meio da noite, para pacientes que
apresentem insônia nesta fase. Tanto a zopiclona (mistura racêmica) quanto a eszoplicona
(enantiômero S) também possuem duração de cerca de 6 horas.

Antidepressivos indutores do sono


A insônia é uma condição comórbida frequente em transtornos de humor e de ansiedade.
Há indícios de que a associação de um agente hipnótico a um antidepressivo no
tratamento da depressão e da ansiedade pode não apenas melhorar as queixas de insônia
(sintoma residual mais frequente), mas também aumentar as taxas de remissão destes
transtornos.
Neste sentido, é possível considerar o uso de fármacos antidepressivos que têm,
adicionalmente, propriedades hipnóticas, como, notadamente, a mirtazapina e a
trazodona – antagonistas dos receptores 5HT2A/C e H1 (detalhadas no capítulo 7). A
meia-vida da trazodona é de cerca de 5 a 9 horas; por isso, quando administrada em
doses hipnóticas (uma vez ao dia), não causa sedação diurna. É uma boa alternativa
quanto à “ressaca”, sem o mesmo potencial de tolerância/dependência/abstinência e os
inconvenientes efeitos adversos à memória dos fármacos Z.
75

Anti-histamínicos
A difenidramina e muitos outros fármacos exploram a ação hipnótica do antagonismo H1,
porém podem produzir colateralmente efeitos como turvação visual, boca seca,
constipação intestinal e problemas de memória devido ao antagonismo concomitante de
receptores colinérgicos muscarínicos.

Pesquisas clínicas têm buscado produzir hipnóticos antagonistas seletivos de H1. A


doxepina parece produzir este efeito em doses baixas (1 a 6 mg, em comparação a 150 a
300 mg do seu uso como antidepressivo tricíclico), por sua alta afinidade a este receptor
histaminérgico.
Em testes clínicos preliminares, tem apresentando rápida indução do sono, com
manutenção durante toda a noite e sem efeitos residuais no dia seguinte, nem
desenvolvimento de tolerância. Também não apresentou ganho de peso (como poderia ser
esperado pela ação anti-histamínica), talvez pela ausência de antagonismo 5HT2C.

Na prática clínica, doses baixas de outros tricíclicos - bem como de antipsicóticos como
clorpromazina, levomepromazina e quetiapina – são utilizadas para sono no intuito de
explorar o antagonismo histaminérgico.

Melatonina
A melatonina é um neurotransmissor secretado pela glândula pineal, que atua no núcleo
supraquiasmático (NSQ) para regular os ritmos circadianos.
Atua nos receptores melatonina 1 (MT1), melatonina 2 (MT2) e no sítio de melatonina 3
(não envolvido na fisiologia do sono).
MT1 media a inibição de neurônios no NSQ, promovendo o sono ao atenuar os sinais de
alerta do NSQ. MT2 media sinais de mudança de fase transmitidos ao NSQ.
Deste modo, a melatonina e agonistas seletivos de MT1 e MT2 (Ralmeteon, Tasimelteon)
proporcionam o início do sono, mas não necessariamente a sua manutenção.
São úteis para indivíduos com insônia inicial, atraso de fase (dormem muito tarde: por
exemplo, adolescentes normais), avanço de fase (dormem muito cedo: por exemplo,
idosos normais) ou dessincronose (jet lag).
Conforme comentado no capítulo 7, a agomelatina é um antidepressivo melatoninérgico
que, adicionalmente, também tem ação antagonista dos receptores 5HT2C e 5HT2B.

Sono de ondas lentas

O sono delta, ou de ondas lentas, compreende os estágios 3 e 4 do sono. A deficiência


no sono de ondas lentas contribui para a sensação de sono não restaurador, com fadiga
diurna.
76

ISRS, ISRN, IRND e estimulantes podem prejudicar o sono de ondas lentas.


Antagonistas 5HT2A/2C (trazodona, mirtazapina), ligantes α2δ (gabapentina, pregabalina)
e tiagabina (inibidor da recaptação de GABA) podem induzir o sono de ondas lentas.

Nem todos os pacientes com insônia apresentam deficiência no sono de ondas lentas e
nem todos os que têm deficiência no sono de ondas lentas apresentam insônia.

Síndrome das pernas inquietas

No diagnóstico diferencial de insônia, deve-se investigar a síndrome das pernas inquietas


(SPI), caracterizada pelo impulso para mover as pernas que se agrava durante a inatividade.
Na investigação da SPI, deve-se determinar os níveis de ferro (a ferritina é cofator da
tirosina hidroxilase, que sintetiza a dopamina).
É uma condição distinta do transtorno do movimento periódico dos membros (TMPM)
– que ocorre durante o sono e se diagnostica por polissonografia, mas não há urgência
para se movimentar na vigília – porém costumam estar associados, pois ambos se
relacionam a déficit dopaminérgico.
O tratamento de primeira linha consiste em agonistas dopaminérgicos, como ropinirol e
pramipexol (ou reposição de ferro/correção da condição de base), e, de segunda linha,
ligantes α2δ (gabapentina, pregabalina).

Orexina (hipocretina)

Como discutido anteriormente neste capítulo, a orexina participa do sistema descontínuo


(“interruptor liga/desliga”) de sono/vigília, responsável pela estabilização do estado de
vigília. A ausência de orexinas está, portanto, associada à narcolepsia.
Os neurônios orexinérgicos têm origem no hipotálamo (área lateral, área perifornical e
hipotálamo posterior) e se projetam para diversas regiões do cérebro [ver Stahl Fig. 11.21]
– especialmente para os centros de neurotransmissores monoamínicos do tronco
encefálico – liberando orexina A e orexina B, que irão se ligar aos receptores de orexina 1
(Ox1R) e orexina 2 (Ox2R).
A orexina A interage com ambos os receptores; a orexina B interage apenas com os Ox2R.
Os Ox1R são particularmente muito presentes no locus coeruleus (centro dos
neurônios noradrenérgicos), enquanto os Ox2R, no núcleo tuberomamilar (centro
dos neurônios histaminérgicos).
Desta forma, presumivelmente os Ox2R desempenham papel central na regulação
do sono/vigília, enquanto os Ox1R exercem papel adicional.
As orexinas também regulam o comportamento alimentar e a recompensa,
principalmente por meio dos Ox1R.
77

Fármacos antagonistas dos receptores de orexinas estão sendo investigados para


tratamento de insônia, obesidade e uso abusivo de substâncias.
Os antagonistas duais de receptores de orexina 1 e 2 (DORA) – amorexant e suvorexant –
e os antagonistas seletivos dos receptores de orexina 2 (SORA2) têm bons resultados
preliminares para insônia.
Até o momento, o DORA surovexant parece melhorar tanto o início quanto a manutenção
do sono, sem efeitos indesejados dos BZD ou fármacos Z, como dependência, abstinência,
rebote, amnésia, depressão respiratória etc.

No início de 2020, o suvorexant se tornou a primeira droga aprovada pelo FDA no


tratamento de insônia na doença de Alzheimer.

Os antagonistas seletivos de receptores de orexina 1 (SORA1) não demonstraram ser


particularmente consistentes para o sono, porém estão em fase de desenvolvimento como
possíveis tratamentos para reduzir o desejo por medicamentos ou alimentos.

Promotores da vigília

Modafinila
O mecanismo de ação da modafinila ainda não é totalmente elucidado. Age ativando
neurônios do núcleo tuberomamilar e do hipotálamo lateral, acarretando a liberação,
respectivamente, de histamina e orexina.
Entretanto, estas ações parecem ser consequências distais dos efeitos da modafinila
sobre neurônios dopaminérgicos, semelhante ao que ocorre com as anfetaminas e o
metildenidato (estimulantes também promotores da vigília - serão mais profundamente
comentados no capítulo 12. Ambos agem inibindo DAT e NAT, e as anfetaminas,
adicionalmente, inibem VMAT2).
A modafinila é um inibidor fraco de DAT, porém, em doses suficientemente altas, pode
ser obtido um efeito substancial. A farmacocinética de elevação lenta dos níveis
plasmáticos promove uma atividade dopaminérgia tônica, evitando reforço e uso
abusivo.

Está sendo desenvolvido o enantiômero R da modafinila, denominado armodafinila, que


possui meia-vida mais longa, talvez eliminando a necessidade de uma segunda dose diária,
como costuma ser necessário com a modafinila racêmica.
78

Cafeína
A cafeína é um antagonista da adenosina, um neurotransmissor que se acumula durante
o dia e diminui à noite, relacionando-se ao ciclo circadiano de luz/escuro.
Alguns receptores de purinas (a adenosina é uma purina) estão acoplados a receptores
dopaminérgicos, de modo que a adenosina, quando se liga aos seus receptores, diminui
a sensibilidade dos receptores D2.
Assim, o antagonismo da adenosina promove, indiretamente, as ações da dopamina.

Oxibato de sódio (GHB)


O oxibato de sódio (GHB) é um produto natural presente no cérebro, que possui seus
próprios receptores, formado a partir do GABA, que atua como agonista parcial dos
receptores GABAB.
Tem ações profundas sobre o sono de ondas lentas (reparador) e, por isso, como fármaco,
é aprovado para o tratamento de sonolência diurna excessiva associada à narcolepsia,
bem como para a cataplexia.

Foi rotulado como “substância do estupro” por ser utilizado junto ao álcool por criminosos
para este fim. O surto de hormônio do crescimento que o acompanha foi também usado
de modo abusivo por atletas, como substância potencializadora de desempenho.
Destarte, tornou-se de comercialização restrita.
79

TDAH

O TDAH se distingue por uma tríade de sintomas - desatenção, hiperatividade e


impulsividade – modulados por alças corticoestriadotalamocorticais [ver Stahl Figs. 12.3
a 12.6].
Os sintomas e suas respectivas regiões corticais com processamento deficiente são:
Atenção seletiva deficiente (distração, esquecimentos, descuidos, perda de
objetos, dificuldade em escutar...) ↭ Córtex cingulado anterior dorsal (CCAd);

Manutenção da atenção deficiente (resolução de problemas/função executiva) ↭


Córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL);

Impulsividade ↭ Córtex orbitofrontal (COF);

Hiperatividade ↭ Córtex motor pré-frontal.

Estes sintomas, porém, não se restringem ao TDAH. O avaliador deve estar atento aos
diagnósticos diferenciais. Por exemplo, o processamento ineficiente no COF pode se
manifestar como impulsividade e violência na esquizofrenia e na mania, tendência suicida
na depressão, compulsão no uso abusivo de substâncias etc., além de se relacionar a
condições frequentemente comórbidas ao TDAH, como transtornos de conduta, opositor-
desafiador e bipolar. Disfunção executiva também ocorre em diversos contextos, como
esquizofrenia, mania, depressão, ansiedade, dor e transtornos do sono/vigília [ver Stahl
Figs. 12.7 a 12.8].

TDAH e a “sintonização” de noradrenalina e dopamina

O TDAH se relaciona à desregulação de noradrenalina e dopamina, cujos estímulos podem


estar tanto deficientes quanto excessivos:
A NA, em baixos níveis, estimula inicialmente os receptores α2A pós-sinápticos (mais
sensíveis à NA), o que otimiza a função do córtex pré-frontal. Contudo, a liberação em
altos níveis recruta também os receptores α1 e β1, o que prejudica a memória de trabalho.
A DA, em baixos níveis, estimula inicialmente os receptores D3 (mais sensíveis à DA) e, em
seguida, recruta níveis baixos a moderados de D1 e D2, o que otimiza a função do córtex
pré-frontal. Contudo, a estimulação excessiva destes receptores prejudica o
funcionamento cortical.
80

Ou seja, se a estimulação dos receptores α2A e D1 for muito baixa, todos os sinais que
chegam ao córtex ficam iguais, impedindo que o indivíduo foque em uma determinada
tarefa (atenção não focada). Se a estimulação é excessiva, os sinais se misturam à
medida que novos receptores são recrutados, o que, novamente, desfoca a atenção.
Além disso, os neurônios dopaminérgicos e noradrenérgicos podem apresentar padrões
de descargas fásicas (“agudas”, grandes aportes irregulares de neurotransmissão em curto
espaço de tempo) e tônicas (“contínuas”, neurotransmissores liberados em quantidades
estáveis ao longo do tempo).
A liberação fásica (principalmente de DA) favorece a aprendizagem e o
condicionamento de recompensa/reforço. Porém, aportes fásicos excessivos são o
mecanismo de substâncias de uso abusivo, que causam dependência e comportamentos
compulsivos.
Assim, o funcionamento ideal desse sistema cortical compreende níveis adequados (nem
baixos demais, nem altos demais) de NA e DA e predominância de descargas
dopaminérgicas tônicas.
O TDAH pode se tratar, então, tanto de deficiência de NA e DA (impossibilitando os níveis
mínimos necessários ao recrutamento adequado de α2A e D1), quanto de exagero
(recrutando α1/β1 e D1/D2 em altos níveis + desencadeando descargas fásicas excessivas).
O excesso de descargas fásicas de DA e NA pode estar subjacente ao desenvolvimento
do uso abusivo de álcool e drogas, da impulsividade, da desatenção e da ansiedade
comórbidos ao TDAH, principalmente em adolescentes e adultos.

TDAH e neurodesenvolvimento

A forma clássica do TDAH tem início aproximadamente aos 7 anos de idade (é critério
para o diagnóstico formal).
A quantidade de sinapses no córtex pré-frontal aumenta rapidamente até os 6 anos de
idade. Desta forma, não há como distinguir a desatenção de crianças em idade pré-escolar
enquanto manifestação anômala ou apenas parte do neurodesenvolvimento normal.
Na adolescência, ocorre o processo de poda neuronal, com a eliminação competitiva das
sinapses menos fortalecidas. Tal qual a esquizofrenia (conforme comentado no capítulo 4),
o TDAH tem gênese na poda neuronal inadequada, com eliminação de sinapses
relevantes. Indivíduos capazes de compensar essas anormalidades com a formação de
novas sinapses serão aqueles que irão “se curar” do TDAH na fase adulta.
Há predisposição genética, porém fatores ambientais também contribuem para o
desenvolvimento destes transtornos, como nascimento prematuro, tabagismo durante a
gestação, dentre outros.
A prevalência do TDAH na infância é em torno de 7 a 8% e na idade adulta 4 a 5%. Há de
se considerar nesta avaliação que, na fase adulta, o diagnóstico do TDAH é dificultado,
dentre outros motivos, pela presença frequente de comorbidades psiquiátricas. Cerca de
50% das crianças com TDAH é diagnosticada e tratada e o mesmo ocorre com apenas
20% dos adultos com TDAH.
81

Quando os sintomas predominantes do TDAH são de hiperatividade, tendem a arrefecer


na idade adulta; quando são de défict de atenção, tendem a permanecer.

Tratamento do TDAH

Metilfenidato e lisdexanfetamina
Como anteriormente discutido, a disfunção no TDAH consiste em níveis de noradrenalina
e dopamina muito baixos (insuficientes para recrutar os receptores α2A pós-sinápticos e
D1 necessários à transmissão do estímulo ao córtex pré-frontal) ou muito altos
(ocasionando descargas fásicas, com estímulos irregulares, prejudicando o foco).
Portanto, o tratamento do TDAH, em última análise, corresponde a potencializar NA e DA,
com fármacos que propiciem uma farmacodinâmica de descargas tônicas. Por isso, os
estimulantes (metilfenidato e lisdexanfetamina) são a primeira linha de tratamento.
O metilfenidato bloqueia NAT e DAT, ligando-se em um sítio distinto (alostérico) ao que
NA e DA se ligam nestes transportadores. Não exerce nenhuma ação sobre VMAT.
O metilfenidato apresenta um isômero d e um isômero l, sendo o primeiro mais potente
em recaptação de NAT e DAT. Nos EUA, está disponível a forma de enantiômero único d-
metilfenidato, em preparações de liberação imediata e liberação controlada.

A anfetamina também bloqueia NAT e DAT, porém é um inibidor competitivo, ligando-


se ao mesmo sítio que NA e DA se ligam nestes transportadores.
Em altas doses (utilizadas por aditos), exerce inibição competitiva sobre VMAT2,
potencializando ainda mais a dopamina, o que compreende o efeito de reforço,
recompensa e euforia do uso abusivo.

A ocupação rápida e em alto grau do DAT por estimulantes pode causar euforia e,
consequentemente, uso abusivo. Por isso, no tratamento do TDAH, as considerações
farmacocinéticas são tão importantes quanto os mecanismos farmacodinâmicos das
medicações utilizadas.
O princípio do tratamento do TDAH consiste em ocupar uma quantidade suficiente de
NAT no córtex pré-frontal, com início lento o suficiente e duração longa o suficiente para
aumentar as sinalizações tônicas de NA e DA, por meio dos receptores α2A e D1, ocupando,
contudo, quantidade suficientemente pequena de DAT no nucleus accumbens, de modo
a não recrutar os receptores D2 desta área, evitando os efeitos reforçadores/de
recompensa que levam ao uso abusivo.

A anfetamina também tem isômeros d e l. A forma isolada d-anfetamina é mais potente


para a ligação ao DAT, enquanto a os sais mistos de d-anfetamina e l-anfetamina são mais
potentes em NAT. A d-anfetamina está disponível em fórmula ligada ao aminoácido lisina
(lisdexanfetamina), que é mais lentamente absorvida pois depende de clivagem no
estômago (vantagem para pacientes com padrão de abuso, pois só age após esta
metabolização; não possui efeito por via inalatória, por exemplo).
82

A bupropiona também é antagonista de NAT e DAT, porém de menor potência; em geral


não suficiente para efeitos terapêuticos no TDAH. Pode ser considerada como uma
alternativa de segunda linha.

Atoxoxetina
A atomoxetina é uma opção de segunda linha para o TDAH. Inibidora seletiva de NAT,
potencializa não apenas a ação noradrenérgica, mas também a ação dopaminérgica no
córtex pré-frontal (região na qual há pouco DAT, e, por isso, a DA difunde-se para longe
da sinapse e é recapturada pelo NAT).
Isto é uma propriedade vantajosa para o tratamento de pacientes com TDAH e abuso
comórbido de substâncias, pois permite o aporte de NA e DA na região cortical, sem
potencializar dopamina no nucleus accumbens (sistema de recompensa, que pode
precipitar o uso abusivo), tal qual fazem metilfenidato e lisdexanfetamina, que bloqueiam
tanto NAT quanto DAT.

Guanfacina e clonidina
Guanfacina e clonidina são agonistas α2-adrenérgicos utilizados tratamento do TDAH,
também como segunda linha.
Os receptores α2A-adrenérgicos estão distribuídos em todo o SNC, com níveis elevados
no locus coeruleus e no córtex. São responsáveis pela regulação da desatenção, da
impulsividade e da hiperatividade no TDAH.
Os receptores α2B-adrenérgicos têm alta concentração no tálamo e no córtex. São
importantes para mediar as ações sedativas da NA.
Os receptores α2C-adrenérgicos estão mais presentes no estriado.

A guanfacina é relativamente mais seletiva para os receptores α2A, obtendo maior


eficácia terapêutica e menos efeitos colaterais em comparação com a clonidina que, por
sua vez, causa mais sedação e hipotensão. Estes fármacos podem ser particularmente úteis
em TDAH com transtorno de oposição.

Abordagem das comorbidades


Uma vez estabelecido o diagnóstico de TDAH, o tratamento dos transtornos comórbidos
deve seguir uma sequência de prioridades, de acordo com o grau de prejuízo [ver Stahl
Fig. 12.21]:
1º: Uso abusivo de substâncias;
2º: Transtornos de humor;
3º: Transtornos de ansiedade;
4º: TDAH;
5º: Tabagismo.
83

Os adultos portadores de TDAH fumam tanto quanto os adultos com esquizofrenia:


aproximadamente o dobro da população adulta normal. A nicotina aumenta a liberação de
dopamina, produzindo melhora subjetiva dos sintomas de TDAH.

Por vezes, a ativação excessiva de dopamina irá ocasionar a associação do TDAH com
outras condições originárias deste mesmo mecanismo, como tiques, transtornos de
conduta e transtornos psicóticos.
Nestes casos, a associação de estimulantes (que potencializam a ação dopaminérgica) -
para o tratamento do TDAH - com antipsicóticos atípicos (que reduzem a ação
dopaminérgica) - para o tratamento das comorbidades - é contraditória.
Mas, em situações extremas, pode se justificar pela propriedade de antipsicóticos atípicos
em, simultaneamente, estimularem os receptores D1 do córtex pré-frontal e bloquearem
os receptores D2 nas áreas límbicas.
Em pacientes com TDAH e ansiedade, o uso de estimulantes pode melhorar o TDAH,
porém agravar a ansiedade. Nesse caso, uma estratégia pode ser potencializar
antidepressivos ou ansiolíticos com um ativador tônico dos sistemas DA e NA, como um
inibidor de recaptação de noradrenalina (atomoxetina) ou um agonista α2A adrenérgico
(clonidina).
84

Demências

Além do notório déficit de memória (amnésia), demências podem apresentar declínios de


linguagem (afasia), de função motora (apraxia), de reconhecimento (agnosia), de função
executiva (AIVD, ABVD, resolução de problemas, memória de trabalho...) e alterações de
personalidade [ver Stahl Tabelas 13.5 e 13.16].

Tabela 7 Características clínicas de algumas das principais demências degenerativas.

DEMÊNCIA CARACTERÍSTICAS

DOENÇA DE ALZHEIMER Amnésia / Afasia / Apraxia / Agnosia

Amnésia / Flutuação da atenção /


DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY SEP (alta sensibilidade a antipsicóticos) /
Alucinações visuais

Amnésia / Desinibição (alterações


DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL (DFT) comportamentais, hipersexualização) /
Afasias / Hiperoralidade

DOENÇA DE HUNTINGTON Amnésia / Coreia / Disfunção executiva

DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB Amnésia / Ataxia / Mioclonias / Afasias

Muitos pacientes apresentam tipos mistos, especialmente de doença de Alzheimer junto


com demência com corpos de Lewy ou demência vascular. Por vezes, são clinicamente
indistinguíveis e só há diagnóstico definitivo na necropsia, pelos achados
anatomopatológicos.
No diagnóstico diferencial da síndrome demencial, deve-se sempre investigar causas não
degenerativas (demências reversíveis), como: vasculares; infecciosas (HIV, neurossífilis,
tuberculose, doença de Whipple, LEMP [leucoencefalopatia multifocal progressiva],
fungos, protozoários e sarcoidose); endócrinas (hipotireoidismo, síndrome de Cushing,
insuficiência adrenal, hipo/hiperparatireoidismo); vasculites (LES, Sjogren); deficiências
vitamínicas (B7, B12, ácido fólico, niacina); esclerose múltipla, insuficiências orgânicas
etc.
85

Hipótese da cascata amiloide

A hipótese da cascata amiloide para a doença de Alzheimer (DA) postula que a gênese
desta demência consiste no surgimento excessivo de peptídeos β-A tóxicos ou em sua
remoção insuficiente.
Estes se acumulam para formar placas amiloides/amiloidose, o que deflagra uma cascata
química letal (resposta inflamatória, ativação da micróglia e dos astrócitos, liberação de
citocina e radicais livres).
Com efeito, há hiperfosforilação de proteínas tau e conversão dos microtúbulos
neuronais em emaranhados neurofibrilares, o que finda em morte difusa de neurônios.

A DA ocorreria pela destruição difusa de neurônios devido ao depósito de placas amiloides


no cérebro, formadas por peptídeos β-A tóxicos.

Os peptídeos β-A não tóxicos têm propriedades antioxidantes, regulam o transporte de


colesterol e podem reparar vasos sanguíneos, vedando os locais de lesão vascular,
protegendo contra lesões cerebrais agudas. Assim, a DA pode ser entendida como um
processo análogo à deposição anormal de colesterol em vasos sanguíneos, que provoca a
aterosclerose.

Processamento da proteína precursora amiloide


No Alzheimer, pode haver processamento anormal da proteína precursora amiloide
(PPA) em formas β-A (tóxicas/amiloidogênicas).

Via de processamento não amiloidogênica:


PPA é clivado pela... ↬
enzima α-secretase, que forma... ↬
dois peptídeos: α-PPA + um menor, de 83 aminoácidos, que será clivado pela... ↬
enzima γ-secretase, produzindo... ↬
p7 e p3 (dois peptídeos ainda menores, não tóxicos/não amiloidogênicos).

Via de processamento amiloidogênica:


PPA é clivado pela... ↬
enzima β-secretase, que forma... ↬
dois peptídeos: β-PPA + um menor, de 91 aminoácidos, que será clivado pela... ↬
enzima γ-secretase, produzindo... ↬
peptídeos β-A (tóxicos/amiloidogênicos) de 40, 42* ou 43 aminoácidos.
*A forma de β-A mais amiloidogênica é a que contém 42 aminoácidos.
86

A mutação no cromossomo 21 codifica um defeito na PPA, com aumento de depósito β-


amiloide. Por isso, praticamente todas as pessoas com síndrome de Down desenvolvem
Alzheimer até os 50 anos de idade.

Atividade da apoliproteína E
Outra possibilidade é que a remoção de β-A esteja deficiente no Alzheimer por
ineficiência na atividade da apoliproteína E (ApoE).
A ApoE é a proteína que se liga aos peptídeos amiloides para removê-los. Existem três
alelos (variantes) dos genes que a codificam: E2, E3 e E4. A variante E4 está mais associada
ao desenvolvimento da doença, enquanto a variante E2 parece ser ligeiramente protetora.

Os tratamentos atuais para a doença de Alzheimer (comentados a seguir) não atuam na


gênese da doença (acúmulo de peptídeos β-A tóxicos), mas nas consequências desta.
Porém, proposições futuras têm como alvo a cascata amiloide: por exemplo, vacinas e
imunoterapia contra β-amiloide, inibidores da γ-secretase e inibidores da β-secretase.
Nenhuma destas tentativas, contudo, obteve êxito até o momento.

Estágios da doença de Alzheimer

A progressão da doença de Alzheimer é estruturada em três estágios sequenciais que


refletem o grau das lesões estruturais cerebrais e do comprometimento funcional. Alguns
biomarcadores auxiliam nesta caracterização [ver Stahl Figs. 13.10 a 13.13]:
Tabela 8 Estágios da doença de Alzheimer.

ESTÁGIO CARACTERÍSTICAS

ESTÁGIO 1: ⇲ Clínica: assintomático;


PRÉ-CLÍNICO ⇲ PET: ⇑ amiloide;
(AMILOIDOSE ⇲ LCR: ⇓ peptídeos β-A tóxicos.
ASSSINTOMÁTICA) (β-A deveria estar sendo eliminado no LCR, mas está se acumulando no cérebro)

⇲ Clínica: alguns sintomas;


ESTÁGIO 2: ⇲ PET: ⇓ metabolismo da glicose no cérebro;
CCL ⇲ LCR: ⇑ proteína tau;
⇲ RM: ⇓ volume de áreas cerebrais essenciais.

ESTÁGIO 3:
⇲ Déficits cognitivos graves; doença instalada.
DEMÊNCIA
Legenda: CCL = Comprometimento Cognitivo Leve; LCR = Líquido Cefalorraquidiano;
PET = Tomografia por Emissão de Pósitrons; RM = Ressonância Magnética.
87

Ressalva-se que cerca de 25% dos idosos com cognição normal são positivos para amiloide
no PET e, portanto, estão no estágio 1 da doença de Alzheimer, mas, por outro lado,
aproximadamente metade dos pacientes com CCL não exibe deposição amiloide neste
exame.

A depressão - em idosos - é um diagnóstico diferencial importante das demências, pois,


na idade avançada, pode cursar mais com déficit cognitivo que propriamente com humor
deprimido, e, por outro lado, também constitui importante pródromo sintomático da
doença de Alzhemier. Além disso, pode apresentar modificações em biomarcadores
semelhantes, como baixos níveis de peptídeos β-A no liquor e placas amiloides nos exames
de imagem.

Dos pacientes com CCL que exibem imagem amiloide (PET), metade evolui para demência
em um ano e 80% em três anos. O prejuízo de memória episódica (capacidade de
aprender e reter novas informações) constitui o sintoma cognitivo mais observado nos
pacientes com CCL que evoluem para demência.
Pacientes com CCL que apresentam o genótipo E4 da ApoE (responsável pela remoção
dos peptídeos β-A) têm evolução mais rápida para o estágio de demência. Outros fatores
de risco para progressão desfavorável são depressão, diabetes tipo 2 e doença vascular,
especialmente embolia cerebral.
Controle da diabetes e de fatores de risco cardiovasculares podem ser úteis na prevenção
da evolução da doença. Como é sabido, hábitos de vida positivos (alimentação
balanceada, sono adequado, exercícios físicos, lazer, estímulos intelectuais etc.) também
ajudam no envelhecimento saudável do cérebro, embora não se tenha comprovado que
retardem a progressão do estágio pré-clínico para a demência.

Ressonância magnética e neurodegeneração


A RM volumétrica é o método de escolha como biomarcador no estadiamento e
seguimento da doença de Alzheimer. Observa-se:
Atrofia do hipocampo
(5%/ano vs. 1,5%/ano [idoso normal]);
Aumento ventricular
(7,7cm³/ano vs. 2,5cm³/ano [CCL] vs. 1,3cm³/ano [idoso normal]);
Perda da espessura cortical
(Padrão: temporal medial 14%; temporal 11%; parietal 9,6%; frontal 7,8%).
88

Acetilcolina

Síntese e degradação

Ilustração 14 Síntese e degradação da acetilcolina.

Ambas as enzimas de degradação estão presentes em todo o cérebro, mas a BuChE está
especialmente concentrada nas células gliais, sendo a AChE mais relevante na inativação
das sinapses colinérgicas.
A colina originada da degradação da ACh é transportada de volta para o neurônio pelo
transportador de colina, reciclada novamente em acetilcolina e, então, transportada para
as vesículas pelo transportador vesicular de acetilcolina (VAChT).

Receptores nicotínicos
Os receptores colinérgicos nicotínicos são canais iônicos controlados por ligante, que
podem ser bloqueados pelo curare.
Subtipo α4β2: regula liberação de dopamina no nucleus accumbens (alvo da nicotina).
Subtipo α7 pós-sináptico: regula funcionamento cognitivo no córtex pré-frontal.
Subtipo α7 pré-sináptico: presente tanto em neurônios colinérgicos (autorreceptores)
quanto em neurônios glutamatérgicos e dopaminérgicos (heterorreceptores), potencializa
a liberação dos respectivos neurotransmissores (ACh, glutamato, DA), quando ativado.

Receptores muscarínicos
Os receptores colinérgicos muscarínicos são receptores ligados à proteína G, que podem
ser bloqueados pelos “anticolinérgicos”, como a atropina e a escopolamoina.
Subtipo M1: regula funções de memória da ACh.
Subtipo M2: regula feedback negativo de ACh (é um autorreceptor).
Subtipo M3: regula efeitos periféricos da ACh (expresso fora do cérebro).
89

Anticolinesterásicos

A acetilcolina se relaciona ao processo de formação de memórias (especialmente de


curto prazo) e sua deficiência pode estar envolvida na amnésia observada no Alzheimer e
em outras demências. Por isso, fármacos que atuam potencializando a ação colinérgica
são úteis no tratamento destas morbidades.

Alguns neurônios colinérgicos têm corpos celulares no tronco encefálico e se projetam


para diversas áreas cerebrais, como córtex pré-frontal, prosencéfalo basal, tálamo,
hipotálamo, amígdala e hipocampo. Outros neurônios colinérgicos têm corpos celulares
no prosencéfalo basal (mais especificamente, no núcleo basal de Meynert) e se projetam
para córtex pré-frontal, amígdala e hipocampo. Estes são os mais importantes para
processos relacionados à memória [ver Stahl Figs. 13.23 e 13.24].

A donepezila, a rivastigmina e a galantamina são inibidores das colinesterases (enzimas


que degradam a ACh).
A donepezila é um inibidor seletivo da acetilcolinesterase (AChE). Não produz ação sobre
a butirilcolinesterase (BuChE). É de fácil administração e possui efeitos colaterais
transitórios, principalmente gastrointestinais, pois também inibe a AChE na periferia.
A rivastigmina também inibe AChE, mas mais especificamente no córtex e no hipocampo,
e inibe a BuChE na glia, o que contribui para aumentar os níveis de ACh no SNC, mas
provoca mais efeitos colaterais gastrointestinais pela via oral. Possui uma formulação
transdérmica que reduz bastante estes efeitos periféricos.
A galantamina tem duplo mecanismo de ação: além da inibição da AChE, é um modulador
alostérico positivo dos receptores colinérgicos nicotínicos. Porém, não há comprovação
de que este segundo efeito produza benefícios clínicos.
Estes fármacos perdem efetividade com o avançar da demência, pois, com a morte dos
neurônios, não há mais onde a ACh agir.

Memantina

Uma hipótese formulada para a disfunção cognitiva na Doença de Alzheimer é que o


glutamato seja liberado em excesso devido às placas de amiloide e emaranhados
neurofibrilares, que influiriam na cadeia de eventos necessária à ativação dos receptores
NMDA. Reduzir a ação glutamatérgica poderia, portanto, ser capaz de melhorar a
função cognitiva e retardar a taxa de declínio da demência.
A memantina é um antagonista NMDA, cujo mecanismo é a ocupação do sítio alostérico
do magnésio, mimetizando a sua ação como NAM. Costuma ser empregada em fases
mais avançadas da demência, concomitante aos anticolinesterásicos.
90

A memantina realiza uma ligação de baixa afinidade, de modo que descargas


glutamatérgicas fásicas conseguem “superá-la”. Assim, não produz ações psicotomiméticas
de outros antagonistas NMDA mais potentes, como a fenciclidina e a cetamina.

Tratamento dos sintomas comportamentais da demência

Os antipsicóticos não são recomendados para o tratamento de agitação e sintomas


comportamentais na doença de Alzheimer por haver pouca evidência de eficácia e pelo
aumento de eventos cardiovasculares e da mortalidade em pacientes idosos. Porém, se
necessários antipsicóticos, a risperidona em doses muito baixas é, com frequência, o
fármaco de eleição.

É importante diferenciar a doença de Alzheimer da demência com corpos de Lewy antes


de prescrever antipsicóticos, pois pacientes com esta última, embora apresentem aparência
psicótica, sintomas comportamentais proeminentes, flutuações acentuadas e alucinações
visuais, são, também, extremamente sensíveis a sintomas extrapiramidais, mesmo com
antipsicóticos atípicos.

Os inibidores das colinesterases (donepezila, rivastigmina, galantamina), embora atuem


melhor em prevenção, constituem primeira linha para o tratamento destes sintomas na
doença de Alzheimer. Na demência frontotemporal, ISRS (ex: citalopram e escitalopram)
e ISRN (ex: duloxetina) podem ser particularmente benéficos.
Nas demências de modo geral, o tratamento farmacológico de primeira linha para
agitação e agressividade envolve ISRS/IRSN. Como segunda linha, para evitar o uso de
antipsicóticos, anticonvulsivantes (valproato, gabapentina, pregabalina…) podem ser
tentados.
Contudo, muitas vezes a reversão dos precipitantes da agitação - como dor, abstinência
de nicotina, efeitos colaterais de medicamentos, doenças clínicas e neurológicas não
diagnosticadas, ambientes desfavoráveis, dentre outros – é a medida mais fundamental a
ser observada, acima de qualquer intervenção medicamentosa.
91

Impulsividade,
Compulsividade
e Adição
Impulsividade é a incapacidade de interromper o início de uma ação.
(Incapacidade de adiar recompensa, incapacidade de inibição motora...)
Compulsividade é a incapacidade de interromper a continuidade de uma ação.
(Incapacidade de adaptar comportamento após retroalimentação negativa.)

Circuitos da impulsividade e da compulsividade

A impulsividade e a compulsividade ocorrem pela incapacidade das estruturas corticais de


inibirem (“de cima para baixo”) os estímulos advindos do estriado (“de baixo para cima”):
Circuito da impulsividade:
CPFVM / Córtex Cingulado Anterior ↔ Estriado Ventral (nucleus accumbens) ↔ Tálamo
Circuito da compulsividade:
COF ↔ Estriado Dorsal ↔ Tálamo

Atos impulsivos podem, com o passar do tempo, tornarem-se compulsivos devido a


alterações neuroplásticas que migram os impulsos da alça ventral para a alça dorsal do
estriado [ver Stahl Fig. 14.1 a 14.3]. A amígdala (recompensa/condicionamento) e o
hipocampo (memória) também fornecem impulsos reguladores para esse sistema.
A desregulação destes circuitos contribui para a gênese não apenas dos transtornos por
uso de substância, mas também de uma série de outras condições, como TOC, transtornos
de controle dos impulsos e transtornos sexuais [ver Stahl Tabela 14.1].

Adição a substâncias

Sequestro da via de recompensa


Diversos neurotransmissores de ocorrência natural têm correspondentes artificiais, que
irão proporcionar respostas similares nos sítios de ação:
Endorfinas ↭ Opiáceos (morfina, heroína)
Anandamida ↭ Maconha
Dopamina ↭ Cocaína/Anfetaminas
Nicotina ↭ Acetilcolina
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Todos estes neurotransmissores agem na via mesolímbica, estimulando neurônios


dopaminérgicos a liberarem DA no estriado ventral (também denominado nucleus
accumbens).
Esta via de reforço e recompensa tem utilidade em processos de aprendizado. É
estimulada em diversas situações, como realizações intelectuais ou atléticas, orgasmo,
ouvir música etc.
Entretanto, substâncias que provocam adição aumentam a dopamina de maneira mais
aguda – explosiva - do que ocorre naturalmente, obtendo efeito, portanto, mais intenso
e fugaz, o que incorre no uso abusivo.
Comportamentos desadaptativos (jogo patológico, compras, internet, comer em
demasia...) podem desencadear reações semelhantes a estas drogas na via de
recompensa.

Cocaína e estimulantes
Quanto mais rápida a entrada de uma substância de uso abusivo no cérebro, mais potente
será o efeito de reforço, por deflagrar descargas dopaminérgicas fásicas. Neste sentido, a
via mais rápida é fumar, com absorção imediata pela área de superfície maciça dos
pulmões e evitando o mecanismo de primeira passagem hepática.
Exemplo disso é a distinção entre a cocaína (e derivados, como o crack) e os
estimulantes utilizados no tratamento do TDAH (metilfenidato, lisdexanfetamina): embora
ajam pelo mesmo mecanismo farmacodinâmico (antagonismo de NAT e DAT), a
farmacocinética é diferente, visto que a cocaína induz liberação fásica destes
neurotransmissores, enquanto os estimulantes provocam liberação tônica.
Adicionalmente, a cocaína também provoca inibição de SERT e age em receptores
opioides. Para pacientes dependentes de cocaína, pode-se associar buprenorfina
(agonista parcial dos receptores opioides μ e κ) e naltrexona (antagonista dos receptores
opioides μ). Resulta-se, deste modo, em estimulação apenas dos receptores κ, o que ajuda
a diminuir a autoadministração compulsiva de cocaína sem produzir adição a opioides.

Maconha
O THC (Δ9-tetraidrocanabinol) é o componente da maconha que age nos receptores
canabinoides CB1 e CB2. O CB2 predomina no sistema imune, enquanto o CB1, presente
no cérebro, pode mediar não apenas as propriedades de reforço da maconha, como
também do álcool e de outras substâncias psicoativas (possivelmente, até de alimentos).
O principal endocanabinoide (neurotransmissor de ocorrência natural com propriedades
semelhantes ao THC) é a anandamida (ananda, do sânscrito, significa “felicidade
suprema”).

Moduladores alostéricos positivos de GABAA


Como já descrito no capítulo 11, os moduladores alostéricos positivos de GABAA (BZD,
fármacos Z…) podem, também, ocasionar dependência. Destacam-se, aqui, os
barbitúricos, muito menos seguros e com muito maior potencial de abuso.
93

Alucinógenos
Os alucinógenos mais conhecidos (MDMA, LSD, psilocibina) atuam nas sinapses
serotoninérgicas do sistema de recompensa (via mesolímbica), com agonismo dos
receptores 5HT2A. O MDMA, em particular, também bloqueia SERT.
Outra classe de alucinógenos, relacionada às anfetaminas, assemelha-se mais à
noradrenalina e à dopamina: mescalina, DOM, dentre outras.
Todas estas substâncias produzem alucinações psicodélicas (“consciência sensorial
ampliada”) e psicotomiméticas (semelhante a um estado de psicose). Porém, o efeito
psicotomimético é mais superficial em relação aos estimulantes (cocaína, anfetamina) e
outras drogas recreativas - como fenciclidina (PCP) - que imitam muito mais fielmente a
psicose.

Opioides
Tanto opioides endógenos (endorfinas, encefalinas, dinorfinas) – liberados por neurônios
opioides que se originam no núcleo arqueado – quanto os opioides exógenos (heroína,
morfina, outros medicamentos para dor...) atuam em receptores μ, δ e κ localizados na
área tegmental ventral, participando do circuito de recompensa que, em última análise,
irá proporcionar liberação de dopamina no nucleus accumbens.
A naloxona é um antagonista competitivo de receptores opioides, utilizada para
reverter quadros agudos de intoxicação por opioides (que podem provocar
rebaixamento de nível de consciência). Porém, pode, da mesma forma, precipitar
síndrome de abstinência em indivíduos dependentes.

Anestésicos de uso recreativo


Tanto fenciclidina (PCP), quanto cetamina, foram desenvolvidas inicialmente como
anestésicos, pela ação de antagonismo dos receptores NMDA. Porém, tornaram-se
substâncias de uso recreativo/abusivo, por exercer ação nas sinapses glutamatérgicas do
sistema de recompensa mesolímbico, provocando experiências
alucinatórias/psicotomiméticas semelhantes às da esquizofrenia. A cetamina produz
estes efeitos em menor grau e, por isso, ainda é utilizada como anestésico. Quando em
contexto de uso abusivo, é conhecida como Special K.

Nicotina
A nicotina, como o nome sugere, age diretamente nos receptores colinérgicos nicotínicos.
Existem dois subtipos de receptores nicotínicos no cérebro: α4β2 e α7.
Os receptores α4β2 são os mais associados à adição ao cigarro. Estão presentes em
neurônios dopaminérgicos na área tegmentar ventral e, quando ativados, estimulam a
liberação de DA no nucleus accumbens.
O comprimento do cigarro contém a quantidade “ideal” (nem mais, nem menos) para
dessensibilizar por completo estes receptores e, portanto, não se obter mais
prazer/recompensa pelo estímulo da nicotina ou da acetilcolina.
94

Quando os receptores se ressensibilizam, surgem a fissura e a abstinência, o que leva


à busca por mais cigarro. E o tempo necessário para essa ressensibilização é cerca de 45
minutos, o que possivelmente justifica o fato de um maço conter 20 cigarros – o suficiente
para manter os receptores dessensibilizados durante o dia inteiro.
Com o passar do tempo, a dessensibilização contínua induz os neurônios a
suprarregularem o número de receptores, para compensar a ausência de receptores
funcionantes, o que aumenta ainda mais a fissura.
Este é o princípio do tratamento da adição ao cigarro conduzido por nicotina administrada
por outras vias (goma de mascar, pastilhas, adesivos transdérmicos...): reduzir a fissura
pelo aporte de uma quantidade constante de nicotina, o que dessensibiliza uma porção
importante dos receptores nicotínicos em processo de ressensibilização.
A vareniclina, de modo semelhante, também reduz a fissura, pelo agonismo parcial
seletivo dos receptores colinérgicos nicotínicos α4β2.
Uma terceira estratégia consiste em oferecer aporte dopaminérgico tônico ao nucleus
accumbens pela inibição de DAT e NAT exercida pela bupropiona.
A bupropiona obtém resultados semelhantes em relação aos métodos nicotínicos
(adesivos, pastilhas etc.), e cerca de metade da taxa de abandono da vareniclina.

Os receptores α7 pré-sinápticos, presentes em neurônios glutamatérgicos na área


tegmentar ventral, também contribuem à via de reforço/recompensa, uma vez que
estimulam a liberação de glutamato, que, por sua vez, estimula a liberação de dopamina
no nucleus accumbens. No córtex pré-frontal, as ações da nicotina sobre os receptores α7
pós-sinápticos se relacionam a ações pró-cognitivas e de alerta mental, mas não à adição.

Dentre todas as drogas – lícitas e ilícitas - a substância de maior potencial de adição é o


tabaco, com 32% de probabilidade de desenvolver dependência após experimentada ao
menos uma vez. Cerca de dois terços dos fumantes desejam parar de fumar; um terço tenta,
porém apenas 2 a 3% conseguem.

Álcool
Os efeitos do álcool derivam de três mecanismos de ação:
⇈ GABA: Estimula diretamente receptores GABAA (principalmente subtipo δ) +
Bloqueia autorreceptores GABAB;
⇊ Glutamato: Bloqueia VSCC + Bloqueia receptores glutamatérgicos NMDA e
metabotrópicos (mGluR);
Atua nos receptores opioides: Estimula diretamente os receptores opioide μ +
Libera encefalina (opioide endógeno).
Portanto, o álcool tem, além dos propriedades depressoras (aumentar GABA e reduzir
glutamato), um mecanismo estimulatório (ação opioide).
95

Dentre as linhas de tratamento farmacológico na dependência do álcool, destacam-se:


A naltrexona, antagonista dos receptores opioides μ, reduz o efeito de
euforia/prazer do uso do álcool, sendo uma estratégia no tratamento da
dependência desta substância, bem como na adição de opioides.
Possui formulação de injeção IM mensal.
O acamprosato - um derivado da taurina - é um “álcool artificial”, que também
inibe o sistema glutamatérgico e estimula o gabaérgico. Assim, alivia os efeitos de
abstinência (estado de superexcitação glutamatérgica e deficiência de GABA),
decorrentes da tentativa de retirada do álcool.
O dissulfiram é um inibidor irreversível da enzima aldeído desidrogenase (que
participa da metabolização do álcool). Assim, há um acúmulo tóxico de acetaldeído,
provocando efeito antabuse (experiência aversiva de vômitos, hipotensão etc., ao
consumir álcool).

Tabela 9 Medicamentos direcionados aos transtornos por uso de substâncias.

FÁRMACO MECANISMO DE AÇÃO INDICAÇÃO

Antagonismo dos
NALTREXONA Adição a opioides e álcool
receptores opioides μ

Antagonismo competitivo Intoxicação aguda por


NALOXONA
dos receptores opioides opioides

Agonismo parcial dos


BUPRENORFINA Adição a opioides
receptores opioides μ e κ

Agonismo parcial seletivo


VARENICLINA dos receptores colinérgicos Adição a nicotina
nicotínicos α4β2

Inibição irreversível da
DISSULFIRAM enzima aldeído Adição ao álcool
desidrogenase

“Álcool artificial”: inibe o


ACAMPROSATO sistema glutamatérgico e Adição ao álcool
estimula o sistema
gabaérgico
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Compulsões alimentares

Vias do apetite
O centro cerebral de controle do apetite é o hipotálamo.
Uma importante via estimuladora do apetite é mediada por dois peptídeos:
neuropeptídeo Y e AgRP (proteína relacionada com Agouti).
Uma importante via inibidora do apetite é mediada por neurônios de pró-
opiomelanocortina (POMC), que produzem o peptídeo POMC, clivado em β-endorfina
ou α-MSH (hormônio α-melanócito estimulante). O α-MSH interage com os receptores de
melanócitos 4 - no hipotálamo - para suprimir o apetite.
Pode haver ganho de peso por atividade excessiva da via estimuladora ou atividade
deficiente da via inibidora do apetite [ver Stahl Fig. 14.20A]. Além disso, outros
reguladores hipotalâmicos, como orexina, leptina, grelina, insulina, glucagon etc.
também contribuem para o impulso de comer, interagindo com as vias de recompensa.

Fentermina e topiramato
A fentermina é aprovada como monoterapia para o tratamento da obesidade.
Atua como estimulante (bloqueio de NAT, DAT e, em doses altas, VMAT), aumentando
a disponibilidade de dopamina e noradrenalina, que estimularão neurônios de pró-
opiomelanocortina (POMC) a liberarem α-MSH (hormônio α-melanócito estimulante) no
hipotálamo (via inibidora do apetite).
É comum o desenvolvimento de tolerância (assim, o peso costuma retornar), adição/uso
abusivo (pelo estímulo dopaminérgico nos circuitos de recompensa) e complicações
cardiovasculares (efeitos noradrenérgicos na elevação de PA e FC).
Uma alternativa para estes inconvenientes é reduzir a dose da fentermina,
potencializando-a com a associação com topiramato, que atua inibindo a via
estimuladora do apetite, pela potencialização do impulso gabaérgico nesta via [ver
Stahl Fig. 14.20C].

Bupropiona e naltrexona
A associação de bupropiona com naltrexona também pode ser utilizada no tratamento
de obesidade.
A bupopiona (antagonista de DAT e NAT) age pela estimulação - por dopamina e
noradrenalina - dos neurônios pró-opiomelanocortina (POMC), ocasionando liberação
de α-MSH: via supressora do apetite.
A naltrexona (antagonista dos receptores opioides μ) age pela inibição da alça de
retroalimentação negativa mediada por opioides endógenos que, normalmente, limita a
ativação de neurônios POMC nesta via [ver Stahl Fig. 14.20E].
A dose de naltrexona usada para este fim é mais baixa do que a habitualmente usada no
tratamento da adição de álcool e opioides.
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Outros tratamentos para obesidade


A lorcaserina, já comentada no capítulo 5, é um agonista seletivo dos receptores
serotoninérgicos 5HT2C (presentes nos neurônios POMC da via supressora do apetite).
A sibutramina age como IRSN em doses baixas ou como inibidor triplo de recaptação
de monoaminas em doses altas. Foi retirada do mercado americano pelo risco de
hipertensão e complicações cardíacas.

Comportamentos impulsivos e compulsivos

Tais quais substâncias psicoativas, comportamentos também podem ser reforçadores e


aditivos, talvez compartilhando o mesmo circuito da adição a drogas: jogo patológico,
adição a internet, piromania, cleptomania, parafilias etc.
Transtornos do neurodesenvolvimento - como TDAH, transtorno do espectro autista,
Síndrome de Tourette e transtornos de tique - também têm impulsividade e compulsão
como dimensões dos sintomas.

Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

Os tipos mais comuns de compulsões no TOC são os de verificação e de limpeza.


Além da terapia cognitivo-comportamental, a primeira linha de tratamento deste
transtorno inclui a abordagem farmacológica com ISRS e, como segunda linha, tricíclicos,
IRSN ou IMAO. Pode-se potencializar os ISRS com BZD, lítio ou buspirona. Alguns estudos
apontam a clomipramina como fármaco de eficácia superior neste transtorno.
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Este arquivo é um resumo didático, sem rigor científico e sem fins comerciais.
As ilustrações inseridas são de autoria própria.

Quando mencionado “ver Stahl”, entenda-se a obra:


Stahl SM. Stephen. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e
aplicações práticas. 4. ed. Porto Alegre: Guanabara Koogan, 2017.
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