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AT Ean NERA NACONAL DESHI RECON cimento cultural, ao tempo que enfrentasse o desigual desenvolvimento de suas regides menos favorecidas pela ma distribuigdo do enriquecimento material Nesse sentido, caberia questionar se ha forcas sociaise politicas que legiti- ‘mariam na atualidade uma agenda concreta ce planejamento regional e urbano no Brasil e se ha forcas sociais e politicas que seriam eapazes de impor uma verdadeira revolucao na quantidade e qualidade da provisio de bens e servigos publicos e coletivos por todo o heterogeneo e continental espaco nacional REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e constituigdo, Sao Paulo: ‘Max Limonad, 2003. BRANDAO, Carlos. Territdrio e desenvolvimento: as multiplas escalas entre o local 0 global. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. BRANDAO, Carlos. Preficio. FURTADO, Celso. Essencial de Celso Furtado, Sao Paulo: Penguir/Companhia das Letras, 2013. BRASIL/MI, Secretaria de Desenvolvimento Regional. 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Essa ret0~ ‘mada, que orienta a intervencao estatal-governamental nao s6 da Unido, mas dos demais entes federados, é a motivacao deste capitulo. ‘Na ultima década, a palavra retomada vem sendo largamente utilizada para se referir a0 Estado indutor do desenvolvimento ¢ do crescimento, 20 planejamento de médio e longo prazo, e as politicas publicas nacionais. E frequente entre parlamentares ¢ ministros, representantes de instituicdes pu- blicas e privadas, pesquisadores governamentais ¢ académicos, os quais abrem seus pronunciamentos e debates sobre a revalorizacao das politicas publicas hracionais argumentando que elas costuram um Projeto de Nacto. Advogam que tais politicas nao sao apenas politicas de governo, mas politicas de Estado, razio por que so nacionais e sto produzidas de maneira compartilhada com ‘os agentes-atores da sociedade. Alguns declaram que a retomada esta ocorren- do em bases territoriais que se estendem nao somente as classicas politicas de ‘cunho territorial, a regional e a urbana, mas as politicas publicas em geral, De fato, uma das novidades da retomada, em comparagao com as politi- cas nacionais formuladas entre 0s anos 1950 € 1980, é a insercio da categoria territério que, de maneira explicita ou implicta, faz parte de todas as politicas cong, WTA NACL ESTER REGOKAL econdmicas, socials, setoriais e espaciais, Alem das denominadas “politicas publicas espaciais", que incluem a ambiental, a de otdenamento territorial, a regional, a urbana e a rural, 0 territério esta presente nos discursos de outras politicas, planos e programas formulados pos-2002. A titulo de ilustragao vale destacar, dentre as econdmicas: os Planos Agricolas e Pecuarios, os Territorios da Pesca, a Politica de Desenvolvimento Produtivo (industria) e os Planos Na~ cionais de Turismo. Dentre as sociais: a Politica Nacional de Habitacao, a Po- Iitica Nacional de Residuos Slides e o Programa Territorios da Paz. E, dentre as setoriais: o Plano Nacional de Logistica e Transportes, a Politica Nacional de Mobilidade Urbana e a Politica de Governo Eletronico. Neste capitulo, a discussio esti centrada na analise das “politicas pu- blicas espaciais", 0 que se justifica pela estreita relacdo entre os seus objetos € 08 temitorios onde a iniervengao estatal-governamental acontece: 0 meio ambiente, as regides, as cidades e 0 campo. Justifica-se mais quando se leva tem conta que o territorio nao € simplesmente a base onde a intervencio es- tatal-governamental acontece, mas € usado pelos agentes-atores que dele se apropriam, Esse uso adquire materialidade no meio ambiente, nas regioes, nas cidades e no campo. ‘Alem disso, ¢ preciso reconhecer que a federacao brasileira se realiza no ¢ por meio do territorio. E 0 resultado do poder de atuagio da Unio, dos es- tados e dos municipios, circunscrito aos seus limites tertitoriais, mas envolve aarticulagao desses com os agentes-atores que também constroem o territ6rio, Juntos, eles devem definir um pacto federativo que é territorial, Ha, portanto, ‘uma ligacao intrinseca entre territorio € federacao, 'A questio a ser focalizada neste capitulo €: até que ponto as “politicas puiblicas espaciais", produzidas a partir de 2003, ao enfatizarem 0 territorio, contribuem para alinhavar esse pacto federativo? A resposta requer analisar os discursos das “politicas publicas espaciais” em tres secoes. A primeira explica ‘0 termo “politicas piblicas espaciais” a luz da relacio espago-territério e pro- poe os paramettos analiticos dos seus discursos, principalmente 0s do “jogo politico” e da abordagem espacial-territorial. A segunda mostra como os entes federados e os agentes-atores participam nas ttajet6rias do processo de produ- ‘Gao dessas politicas. Por fim, examina-se a insercdo do territorio nos discursos, Essa discussio sera leita com apoio no livro Territério, Estado e politicas publicas espacials (Steinberger, 2013) POLITICAS POBLICAS ESPACIAIS E PARAMETROS ANALITICOS DOS SEUS DISCURSOS A ideia de investigar as “politicas publicas espaciais” nasceu da observa- do de que nem todas as politicas nacionais estao adequadamente enquadra- das na tipologia cortente de politicas econdmicas, sociais ¢ setoriais. E 0 caso de um grupo, onde estio a politica ambiental, a de ordenamento territorial, a regional, a urbana e a rural, razo por que, indistintamente, ora sio rotuladas ‘como sociais, ora como setoriais, Essas politicas tem, em comum, uma carac~ teristica: a sua fundamentacio espacial Partindo da teotia espacial de Milton Santos’, mostrou-se que 0 elo de tais politicas & 0 espaco geografico, compreendido como social ¢ historico. ‘Uma acepeao bem mais ampla do que a tradicional de que o espaco € um mero recepticulo onde as agdes acontecem, pois considera que toda atividade humana realiza um movimento simultaneo de produzir espaco e usar 0 terri- trio. Daia sinonimia de espaco geogrifico ¢ territorio usado e defendido pelo autor. O entendimento miltoniano de que o espaco geogrifico é a materiatidade +a vida que a anima, ¢ crucial para explicar o adjetivo “usado” da categoria “territorio usado” ao trazer as indagagoes: usado como, onde, por quem € para que? Permite identificar os usos, 0s usuarios, 0s conllitos e as aliancas que emergem dos usos do territorio, Esses achados levaram a afirmar que, em termos tedricos, € possivel falar em politicas espacialmente fundamentadas e denomind-las de “politicas publicas espaciais” (Steinberger, 2006) ‘A possibilidade de transferir esses ensinamentos tedricos para a prética da producao de politicas publicas espaciais esbarra em abordagens cristaliza- das sobre o territ6rio, como a juridica baseada na Teoria do Estado (Dallari, 1904; Soares, 2004; Bonavides, 2000) que pode ser sintetizada em trés pon- tos. O primeiro estd ligado a captura do territério unicamente pelo Estado, a0 considerd-lo como elemento do Estado. O segundo diz respeito & traducio de territério como: superficie terrestre, quadro natural, base fisica, limite, recur 50s materiais ¢ extensto, O terceiro refere-se 20 carter secundario do sentido eografico de territerio, exemplificado nos seguintes recortes: 0 territ6rio & fundamental porque nele o povo vive e nele o Estado exerce sua soberania; 0 territério € um elemento material do Estado; a unidade territorial ¢ juridica e indo geogrifica ou natural: o territ6rio nao se reduz ao significado geografico; o tettitétio é objeto do direito do Estado exercer o dominio sobre as coisas ¢ 0 espaco de exercer poder sobre as pessoas. Tais pontos indicam que a relacao entre territorio ¢ Estado, sob os cano- nes juridicos, relega o territdrio a algo “morto”, “coisificado”, submetido ao Es- tado como recipiente que abriga a sua aco, Em outras palavras, o territorio (e {Wincanton Base rx segue brat do ato pao escedae (177), Por una geogaia nove 1578), aD & Meio (185) Metamerones do expo habla (189), Tris, pag tempo (18, Oretorne do teitrio {i804 Aatres do epg 98) €O Bra Teritvioe said no ico do st Xi (0). ™ B aco FN EU, NTESGFO NAC DESAIELIMEND REO também o espaco) é um recepticulo passivo onde a ago se passa. Mais do que {sso, sta caracterizacao esti restrita aos aspectos fisicos da geografia e ha uma reiterada preocupacdo em dizer que o territorio nao se limita a0 geografico. Em contraposicao, as ideias principais que norteiam o entendimento de territorio, a luz de um enfoque geografico contemporaneo, ultrapassam em muito pensamento juridico: m0 territério tem um sentido geogrifico que vai além dos aspectos fisi- cos da sua geografia. Pode ter um sentido juridico, mas 0 geografico nao deve ser relegado a um papel secundaro m0 territério nao ¢ apenas material. E simultaneamente material e s0- cial. Nao pode ser confundido com superficie terrestre, quadro natural, base fisica, limite, recursos e extensio, 'm territério nao é propriedade do Estado e sim de todos os agentes- atores que tém 0 poder do “agir politico” na sociedade. Nao pode ser captura- do pelo Estado nem pelos que detém o direito de propriedade 0 territorio nao é um mero recipiente "morto” que abriga a acio do Estado. O territorio ¢ ativo ¢ essa atividade esta no uso que os agentes-atores, fazem dele. Esta em permanente interacio com a sociedade e com o proprio Estado. m Produzir politicas piiblicas ndo € uma prerrogativa exclusiva do Es- tado, mas de todos os agentes-atores, cabendo-lhe coordenar a acao desses € oficializar as politicas m Na pritica, toda politica publica concretiza-se no territério, ou seja, © territério esta sempre presente, explicita ou implicitamente, nas agdes de politicas piblicas. Assim, admite-se que todas as politicas publicas tem uma dimensio territorial. Em principio, a dimensto territorial de qualquer politica pablica nacio- nal, nao somente das espaciais, restringe-se & constatagio de que elas se rea- lizam no territério brasileiro envolvem macrorregides, estados federativos, microrregides, municipios e cidades. Porém, as politicas publicas, compre- endidas como “publicas” em sua génese, nao apenas se realizam no territorio. como receptéculo de intervengao. Devem propor agdes que direcionem ¢ redi- recionem 0s 1sos do territério nacional pelos agentes-atores e medeiem confli- tos e aliangas entre eles. Quer dizer, agdes que incidam nao sobre o territorio tem si, mas como 0 territério € usado. Nesse sentido, 0 conceito de territorio aqui adotado € 0 de tertitotio car- regado de poder, o “territério usado" miltoniano, uma categoria que possui um inerente potencial politico. Supde-se que o Estado, junto com os agentes-atores, detém o poder de intervencio sobre como o territério € usado. Essa suposicao, embora possa ser aplicada em qualquer politica, sera buscada nas linhas ¢ entre- linhas dos discursos das “potiticas puiblicas espaciais” produzidas desde 2003 a fim de verificar se a insergao do territério nos discursos das politicas espaciais de ccarater nacional nova ou ainda se restringe ao territorio receptaculo, Discursos so propostas de intervencio enfeixadas em documentos ofi- ciais escritos sobre determinadas politicas. Apesar das limitacdes de uma ani lise de politicas publicas por meio de discursos documentais, nao se pod negar que eles constituem uma primeira referéncia e refletem, minimamente, 0 seu processo de produgdo, além do que as politicas ora focadas sto recentes, impossibilitando avaliar sua implementacao. Para tanto, definiram-se pard- ‘metros analiticos dos discursos de modo a contemplar o conteado formal da pproposta de uma politica, o “jogo politico” e a abordagem espacial-teritorial Dentre esses, privilegiam-se os mais relacionados ligacao intrinseca territorio- federagao e suas palavras-chave, a saber, articulacio, poder e agentes-atores: 08 do “jogo politico” que inclui as escalas geogrificas de acto, a abrangéncia territorial, a institucionalidade estatal, @ participagao de agentes-atores da so- ciedade civil e os conilitos de interesses; e os da abordagem espacial-territorial que averiguam a insercao do espaco ¢ do territério nas politicas, eas “brechas’ para introduzir um novo enfoque. ‘As escalas geograficas de acio dizem respeito ao fato de as politicas pt- blicas nacionais nao se resumirem a escala nacional. Ao contririo, exatamente por serem nacionais, também atingem o territério nas escalas regional e local, €, por vezes, internacional, pois as questoes de interesse nacional independem da escala em que se manifestam mesmo quando ocorrem em apenas uma de- las, Embora a maioria das ag6es de politicas nacionais seja de responsabilidade do governo federal, devem estar articuladas com os governos estaduais e mu- nicipais para, em tese, se constituirem instrumentos de integracao nacional. A abrangéncia territorial de uma politica publica nacional requer a prio- rizacao de porcdes do territério, pois ndo € possivel atuar sobre todo o territo- rio nacional. A indicagio de prioridades territoriais vagas ou difusas resulta de ‘uma decisio politica que pode ser tomada no estagio de formulagao, mas nem sempre aparece no discurso escrito, omissdo que equivale a postura de deixar as definigdes para negociacdes futuras. ‘A institucionalidade estatal envolve a engenharia institucional proposta para que a politica seja implementada e a articulagao interinstitucional reali- zada no decorter do estagio de formulagao enue, os ués podetes da Unizo, (08 distintos ministérios e Orgios do Executivo, e as esferas politico-adminis- trativas dos governos estaduais e municipais. Embora o ciclo das poltticas pllblicas nacionais seja comandado por uma instituigao federal, cada vez mais, 80 aco Foe, Tego AOD ESEHVENENTO RECON, nao se exime da participagdo das demais instancias de poder chamadas a se ‘manifestar por meio de consultas, foruns de discussao e negociacdo, conselhos € conlerencias que geram compromissos € parcerias para o estigio da im- plementacio. Além disso, ¢ fundamental o contato dos gestores das politicas publicas nacionais, coordenadores da sua formulacao, com deputados e sena- ores, representantes do legislativo e de partidos politicos, que se declaram favoraveis ou contra determinadas politicas, e sto responsaveis nao s6 pela sua aprovacao, mas por legislar e regulamentar programas e fundos, A participacio de agentes-atores da sociedade civil ¢ um dos parame- tos mais relevantes na anélise de politicas, ja que os discursos, em geral, sio produzidos a partir de um embate de forcas que pode comecar no estagio de formulagéo. Nao é incomum encontrar discursos contraditorios em uma mes- ma politica. A visibilidade ou invisibilidade dos agentes-atores € chave para conhecer os interesses € as intencionalidades presentes em uma determinada politica e a influencia que exercem na sua proposta final. Muitas vezes, apa- ecem (con)fundidos com as instituicdes que representam. Para identifict-los € necessario ler as entielinhas dos documentos, pois sua presenga pode estar implicita na problematica, nas diretrizes e estrategias territoriais. Os conflitos de interesses podem aparecer mais ou menos claramente nas politicas nacionais, Em geral, estao ocultos porque retratamn as relacdes de poder entre agentes-atores, 0 predominio de uns sobre outros, as diferentes intencionalidades ou ainda opgdes diferentes sobre os caminhos de interven- 20. O proprio Estado nacional, que, em tese, tem a fungdo de mediar confi- tos, muitas vezes nao permite que eles aparecam nos documentos escritos. A insergao do espaco e do territ6rio nas politicas pablicas nacionais, no caso das politicas espaciais, gera uma expectativa de que ambos estejam nelas contempladas. A questao ¢ verificar com qual acepcao aparecem, expli- cita ou implicitamente, nos discursos ~ se ainda como palco de intervencio ou se houve mudanga na maneira de abordi-los. Quer dizer, se € adotado tum conceito, seja qual for, ot se os termos espaco e territorio sAo utilizados gratuitamente sem nenhuma associagao conceitual. A acepeio tradicional de espaco e cle territorio, ligada a ideia de receptaculo, embora comumente ado- tada em politicas publicas, vem sendo cada vez mais contestada e considerada estreita. Cabe também verificar se existe alguma referencia ao entendimento de espaco e territdrio como uma permanente construgdo social e historica, € se ha referéncia aos usos do territério e as maneiras como o territ6rio € usado pelos agentes-atores. Por fim, as “brechas” para um novo enfoque espacial-territorial podem estar: em uma problematica publica escolhida como fruto de uma motivacto no fortuita e passageira; em nao romper completamente com as politicas ante- riores ¢ indicat a integracao com outas politicas vigentes; em expressar um grau de compromisso nos objetivos, diretrizes e estratégias; em nao estar deslocada do contexto e definir um horizonte de tempo factivel para sua implerentacto; em adotar instrumentos e programas que denotem continuidade, mas sejam inovadores. Podem estar tambern: na decisto de trazer questoes interescalares de interesse nacional; na priorizacio de porgoes do territorio; em uma insti tucionalidade que contemple a articulacao com outras esferas ¢ a partcipacio da sociedade civil; na visibilidade de agentes-atores; € no reconhecimento de conflitos de interesse. Esse conjunto de "brechas’ representam condigses facili= tadoras da introducio de um novo enfoque espacial-territoral Com base nesses paramettos analiticos, nas secdes seguintes deste capi- tulo discute-se 0 “jogo politico” e a abordagem espacial-territorial das politicas piblicas espaciais. Os parametros do “jogo politico” permitem evidenciar a maior ou menor presenca da federacao nas trajetorias do processo de produ- ‘do dessas politicas, bem como a sua articulagio com os agentes-atores. ‘A FEDERACAO NAS TRAJETORIAS DOS PROCESSOS DE PRODUCAQ DAS POLITICAS PUBLICAS ESPACIAIS Ocontexto da retomada da produgio de politicas publicas nacionais inicia- se em 2003 luz de um modelo assentado no Estado. E marcado pelo retorno do planejamento nacional com uma feicio participativa, Esse contexto sucedett ‘© do neoliberalismo que vigorou de maneita mais intensa dos anos 1990 até o inicio dos anos 2000, quando prevaleceu a imposicao de que o Estado deveria se restringir a funcio de regulacior por meio de agéncias. A despeito clas medidas de politica macroeconémica, foi flagrante a ausencia de politicas pablicas nacio- nais, substitutda pela administracto pontual de projetos programas, inclusive ambientais, regionais, urbanos e rurais, 0 que deu lugar ao imediatismo © a0 localismo. Confundia-se a presenca de agentes-atores da sociedade civil, movi- ‘mentos sociais e ONGs, com a retirada do Estado. Confundlia-se a descentraliz fo, principio da Carta de 1988, com o rechaco da extremada centralizacao do Executivo nos anos da ditadura iniciada em 1964. (© retorno do planejamento nacional trouxe a retomada dla producto de politicas publicas nacionais, um exercicio do poder dle agentes-atores coman- dado pelo Estado. Poder de tomar decisio sobre questées de interesse do pai como um todo, razdo por que se advoga que ¢ fundamental procuzir politicas nacionais, Entretanto, essas politicas foram formuladas por meio de proces- sos que tem trajet6rias distintas. Um exame dessas trajetorias revela que seus processos envolvem uma mistura de “novidade democratica e participativa’ € ac ORATND WTERAONACONAL CSEHMONMERTO EAL “rango teenocritico ¢ autoritirio". Ao contrario dos anes da ditadura de 1964- 1985, quando as trajetorias eram similares, pois as politicas eram formuladas por techocratas, por vezes encaminhadas para apreciagao em conselhos gover- namentais e, posteriormente, aprovadas por decreto, agora clas sio distintas. Essas distintas trajet6rias esto representadas pelos caminhos percor- ridos no processo de produgao das seguintes politicas ptiblicas espaciais nos uultimos dez anos: Politica Nacional de Meio Ambiente (PNMA), Politica Na~ clonal de Ordenamento Territorial (PNOT), Politica Nacional de Desenvol- vimento Regional (PNDR), Politica Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) e Politica Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDRut). © processo de producao dessas cinco politicas pode ser considerado como representativo das trajetdrias das demais porque demonstram os meandros ¢ as peculiari- dades da retomada como um todo no que tange aos desafios e dificuldades encontradas. Para tanto, a seguir apresenta-se uma breve sintese de cada uma, stia motivacao, seu escopo e sua base legal. Diferentemente de outras politicas, no caso da politica ambiental, desde 2003, nao foi elaborado um documento que enfeixe uma nova proposta (Stein- berger & Abirached, 2013). Cabe entdo perguntar: qual ¢ a politica nacional de meio ambiente em vigor? Ser a mesma aprovada por lei em 1981? Passa- dos mais de trinta anos, ela pode ser considerada atual? Respostas apressadas diriam que a politica vigente ainda é a de 1981 por ser uma politica “guarda- cchuva" cuja atualidade esta na amplitude dos temas tratados (uso racional dos recursos ambientais do solo, subsolo, ar € agua; protecio dos ecossistemas; poluigao; qualidade ambiental; e educagao ambiental) que abrigam intimeras politicas, planos e programas. Esti também na constatagio de que as poucas modificagdes sofridas, em todo esse pertodo, nao alteraram a sua esséncia € © pioneirismo da lei que a instituiu, a0 conceber o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) € © Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), De fato, nem mesmo a Politica Ambiental Integrada de 2003 pode ser considerada como uma nova politica nacional de meio ambiente, uma vez que efiniu apenas diretrizes gerais para orientar a acto do Ministério do Meio Ambiente (MMA), entre as quais a transversalidade, Essa, inovadoramente, apregoa o envolvimento dos diferentes setores do poder piiblico na solugao dos problemas ambientais, na medida em que o meio ambiente nao deve ser alvo de uma politica setorial, mas entrar na agenda de todos os érgios pibli- cos, Talvez, essa crenga tenha sido responsivel pela decisto de nao elaborar ‘uma nova proposta Entretanto, a fragilidade da resposta anterior fica patente quando se identificam temas néo contemplados na PNMA que, a partir dos anos 2000, ganharam relevancia mundial: biodiversidade, desmatamento € mudana do clima. Essas constatagoes levam a dizer que a atualidade da PNMA e parcial porque ela é um “guarda-chuva” em relagdo a varios temas, mas nao em rela~ (20 20s mais recentes, Assim, a andlise da politica nacional de meio ambiente em vigor nao pode ser feita apenas com base na PNMA. Deve incluir a Politica Nacional da Biodiversidade (PNB), o Plano de Acao para a Prevencao e Controle do Des- matamento na Amazénia (PPCDAM) ¢ a Politica Nacional sobre Mudanca. do Clima (PNMC), respectivamente de 2002, 2004 ¢ 2009. ‘O objetivo da PNB € promover a conservacao da biodiversidade ea 1e- partigio justa dos benelicios da utilizagio dos recursos do patrimonio gené- tico e dos conhecimentos tradicionais. Entre os principios estao 0 de que os ‘ecossistemas devem ser manejados a fim de reduzir as distorcoes de mercado e que 0 poder publico determinara medidas para evitar a degradacio amisien- tal. Entre as diretrizes propde-se o gerenciamento dos ecossistemas em escalas espaciais e temporais de longo prazo envolvendo as ecorregides € a conserva- «ao da biodiversidade em cada estado federado e em cada bioma, Propie-se tambem que @ utilizagao da biodiversidade faga parte de um esforco nacional retratado em planos, programas e politicas setoriais ou intersetoriais, razdo por que se refere & integracio de politicas publicas. ‘Entre as diretrizes do PPCDAM constam: a gestio descentralizada ecom- partilhada de politicas ptiblicas, por meio de parcerias entre Unio, estacios € municipios; e a participagao ativa dos segmentos da sociedade amazOnica. Na estrategia de sua implementacao sugerem-se parcerias governamentais com centidades da sociedade civil, inclusive privadas. A macica presenca de orgios publicos denota o empenho estatal na reducdo da taxa de desmatamento. (3s efeitos sobre a natureza, a economia e a satide humana resultantes da mudanga do clima constituem o foco da PNMC. As medidas previstas foci na distribuigao dos onus e encargos entre os setores econdmicos, as populacdes € a5, comunidades. Propoem acionar as trés esferas da federacio, com a colaberacio dos agentes econdmicos e sociais beneficiarios, em particular aqueles vunerd- veis aos seus efeitos adversos. Por fim, propde a elaboracio de planos sevoriais de mitigacao ligados a industria de transformacao ¢ ao transporte € mobilidade urbana, elos da politica ambiental com outras politicas publicas ‘Alem disso, na ultima década, varias iniciativas envolveram a artictlagdo com os entes federativos ¢ agentes-atores da sociedade civil, principalmente nna Amazénia: Agendas 21 Locais; Planos Estaduais de Controle do Desmata- mento; operacdes contra atividades madeireiras ¢ pecudrias ilegais; Cadasteo Ambiental Rural nos municipios de desmatamento critico, ¢ a Moratovia da 3 cone, TEcGio WAGOALE ESHVONNTO REGO Soja, acordo firmado entre o MMA. associagdes de induistrias de dleos vegetais © exportadores de cereais, e ONGs ambientalistas. E inegavel que os pilares da politica nacional de meio ambiente, o Sis- nama € © Conama sio os mesmos. Sisnama, cuja estrutura organizacional € constituica por um Orgio superior (Conama), um érgio central (MMA), 6r- silos setoriais da administragao federal e fundacées, érgios seccionais (estadu- ais) € Orgaos locais (municipais). © Conama, foram de discussao da politica, cuja composicao era estatal com representantes das esferas politico-adminis- trativas, 0 que propiciava integracdo federativa, foi paulatinamente ampliado para envolver varios atores da sociedade civil, inclusive do setor empresarial, O pioneirismo de ambos permite dizer que a partir de 1981 o Brasil passou a ter uma atuagao ambiental coordenada, De fato, os temas da politica ambiental sto discutidos de forma horizon- tal em foruns compostos por distintos segmentos da sociedade e pelos gover- nos das trés esferas. Todavia, decisdes dos poderes Executivo e Legislativo, to- rmadas de forma vertical e iniTuenciadas por grupos com fortes interesses €co- rnomicos e politicos, colocam em xeque a efetividade desses foruns. Esse “jogo politico” aparece em fatos que se exacerbaram a partir de 2010 com as pres- 30es de setores ligados a agropecudtia ¢ a infraestrutura, Ha uma reagio contra a regulacao ambiental, Como expressao dese momento, em 2012, 0 governo federal reduziu 164 mil hectares de sete unidades de conservacio amazénicas 2 fim de liberar area para empreendimentos hidroelétricos nas bacias dos tios Madeira e Tapajés. Ademais, tramita no Congreso Nacional uma Proposta de Emenda a Constituicio, de autoria de grupos ruralistas interessados em con- dicionar a criagao de novas unidades de conservacdo, a demarcacio de terras indigenas e de territorios quilombolas ao aval prévio do parlamento. Na area florestal ¢ digno de nota o esforco governamental na aprovacao da Lei da Mata Atlantica e da Lei de Gestio de Florestas Piiblicas, em 2006. Porém, a Lei de Protecdo a Vegetacdio Nativa, de 2012, conhecida como Cédigo Florestal, é um retrocesso no empenho governamental. A anilise da PNOT (Freitas, 2013) comega com a discussto de sua fina- lidade, Entende-se que uma politica de ordenamento territorial para a escala nacional deva propor a acao do Estado para o conjunto do territorio brasileiro, Contudo, esse entendimento requer esclarecer a sua especificidade em rela- io As demais politicas publicas que também t#m uma dimenso territorial, conforme se argumentou anteriormente. Uma primeira especificidade seria realizar a articulagdo com as demais politicas, como defende Moraes (2005) a0 consideri-la como instrumento de articulacto transsetorial e interinstitucio- nal que realiza um planejamento integrado e espacializado da acao do poder publico, Porém, essa articulagio toca de perto no embate de poder entre os agentes-atores, dentro e fora do ambito estatal, pois inclui nao s6 as relagdes de poder no seio do proprio Estado, como na dinamica de construgto do territorio, Assim, uma segunda especificidade esta ligada ao papel do Estado coordenar esses poderes para manter a coesto interna do tertitotio, respei- tando sua diferenciagio com uma estratégia de mediagao de conflitos entre 05 agentes-atores € entre as esferas politico-administrativas envolvidas, Nesse sentido, de acordo com Costa (2005), o ordenamento do tertitorio € uma ta- refa precipua do Estado nacional. ‘Vejamos se o documento-base da PNOT, finalizado em 2006, ¢ seu pro- cesso de producao espelham essas especificidades. © documento-base adota © seguinte entendimento de ordenamento territorial: regulacso de tenciencias de distribuicao das atividades produtivas e equipamentos no territ6rio nacional ou supranacional, decorrendo da a¢do de maltiplos atores, segundo uma visd0 estratégica de negociacio. Define que 0 objetivo da PNOT ¢ estimular 0 uso e ‘a ocupagio racional do territério, com base na distribuicao mais equiinime da populacao e das atividades produtivas. Elege para a PNOT a escala nacional e a 6tica da Unio, embora sugira que a atuagao da politica envolva distintas escalas por meio de uma adequagao das estratégias nacionais as realidades regionais e a escala local. A nocdo de escala aparece relacionada a “mulicimensionalidade do poder". Quanto & abrangencia territorial, apesar da PNOT englobar todo 0 tertit6rio nacional, prioriza as porgées deprimidas e estagnadas, mas também as Areas metropolitanas, as areas urbanas costeiras, a rede das cidades de centrali- dade média, de pequeno porte ¢ os ndcleos urbanos de apoio rural O diagnéstico problematiza uma série de questdes agrupadas nas di- mensoes: politico-institucional, econdmica, logistica, fundidria e terri:orial, € ambiental. Na dimensto politico-institucional identifica problemas de desar- ticulagdo e dispersio da agio do Estado na gestio do territorio; desarticula- ‘cdo entre as politicas; e a dificuldade para a integracio espacial dos fluxos econdmicos pelo Estado. Ao reconhecer a desarticulacao entre as paliticas, cita expressamente a PNMA, a PNDR, a PNDU e a PNDRS como as principais politicas com rebatimento territorial ‘Na parte propositiva, o documento-base sugere medidas politico-ins- titucionais como a articulagao de politicas publicas ¢ de multiplas escalas, © medidas fundidrio-territoriais como a gestio articulada do patrimonio da Uniao com os demais entes federativos. Aponta estrategias politico-institucio- nais (articulagao institucional e negociagio entre atores; gestio participativa do setor prodlutivo e sociedade civil); estratégias logisticas (coordenacio intra- governamental em investimentos de infraestrututa). Lista como instrumentos

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