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im - Manica Magalhaes Cavaleante - Valdinar Custédio Filho Mariza Angélica Paiva Brito ATTA Tare. Capa e projeto grifco: aeroestidio Preparagio de orignal: Nae Kayo Revisso: Amalia Ut Composiio: aeroestdlo Coordenacio editorial: Danilo A.Q. Morales Dados interacionais de atalogacao na Publlcagso (CIP) (Camara Brasileira do Lito, SP, Bras) Cavaleante, Manica Magalhies SUMARIO Coeréncia,referenciacio eensino J Ménica Magalhaes Cavalcante, ValdinarCustédio Filho, Mariza Angélica Paiva Brito.~1,ed.~ Sto Paulo Cortez, 2014 Apresentagio 7 ISBN 978-85-249-22674 Introdugao 11 ‘u Portugues ~Estudo eensin. 2, ritica de ensino.3 Referéncla (unguistica..custédlo Fino, Valin. Brito Mariza Angelica ava, 1. Caracteristicas fundamentais do fendmeno iT da referenciagio 15 408233 00-410 Texto e coeréncia: a perspectiva sociocognitiva 15 Indices para catalog sstematico: Areferenciacao 25 inguistiea 410 Areferenciagao é uma (re)elaboracao da realidade 29 A referenciacao resulta de uma negociago 35 A referenciagao é um processo sociocognitiv 39 Nenhuma parte desta ob pode ser reproduzida Desdobramentos atuais dos estudos de ‘0 duplicada sem autoizagao expessa dos autores ou do elit. referenciacio 42 © 2014 by Autores Sugestdes de atividades 46 Direitos para esta edigio (CORTEZ EDITORA, Monte Alegre, 1074~Perdizes (05014-001~ 530 Paulo SP Tel (ti) 3864-011 Fax (1) 3864-4290 Email cortex@cortezeditoracom br worncortezeitora com br 1. CARACTERISTICAS FUNDAMENTAIS DO FENOMENO DA REFERENCIACAO © objetivo principal deste capitulo é que se compreenda o fendmeno da referenciaco, a partir das suas principals caracteris- ticas. Para percebé-lo em sua totalidade, deve-se relacion-lo com duas dimensées essenciais nos estudos em Linguistica Textual: 0 texto e a coeréncia. Em vista disso, o capitulo est organizado da seguinte maneira: na primeira seco, vamos refletir sobre elemen- tos importantes para as conceituacdes sobre texto e coeréncia. Em seguida, tratamos do fendmeno da referenciacao, relacionando-o 1almente, apresenta- mos sugestdes de atividades, aplicdveis em sala de aula, que real- cem as principais caracteristicas dos processos referenciais, neces- sarias para o desenvolvimento de diversas competéncias textuais, dentre elas a competéncia comunicativa. com a explicacao dada na seco anterior, Texto e coerancia: a perspectiva sociocognitiva Inicialmente, pensemos que é universalmente aceito o prin- cipio de que o texto pode ter qualquer extenso. Sendo perce- + Realgar essa caracteristica é importante se levarmos em conta que, ainda hoje, alguns alunos (e professores) restringem o estatuto do texto ao que normalmente SS —— bidas uma unidade de sentido e uma intengo* (elementos ga- rantidores da coeréncia) dentro de uma unidade de comunicacao, tem-se um texto. Dessa forma, consideramos como texto tanto 0 exemplo (1) quanto 0 exemplo (2). De Para: ce. Assunto: coregio das redagoes Caros oolegas, espero que estejam bem, Escrevo para informar-tnes sobre trabalho de coreg das redagoes dos estu- danles estangetros, ‘Ao todo, foram deferdas 1,265 inscries.Ternos, onto, om principio, 1.265 tex tos para corgi, Considerando que o trabalho de corordo 6 foto om duplas ens ‘somos dez professores, cada duplaficard responsével por cortig, em principio, 253 textos, [As provas chegaro ao Brasil ent os dies 21 © 25 de outubro, A expectativa é ‘que, no da 28 (uma sogunde-eira), elas estjam organizadas, por curso @ por pals. Nés s6 podemes comegar & trablhar depois dessa dindmica iniil. Por sso, sugio que niciemes os rabalhos de coregdo no da 29 de outubro (erga- fora, e terminemas até 0 ia 6 de novembo. Antes, porém,juigo necessétio fazermos uma reunigo com 0 grupo, a fim de apresentarmosidisculimos as proposias de redagéo e explicarmos 08 cxitérios {de andlse, Minha sugestio & que essa reunio acontera no dia 24 de outubro (quinta-eira), 26 16h30. Poco que confirmem presenga, a im de que possamos reservar uma sala para esse momento Entgo, nosso calendéro, por enquanto, 60 sequins: pode ser amoldado a uma proposta de redacao de vestibular: um texto (escrito) com média de 20 linhas, no formato de narracio, descrcao e dissertacao, ‘com quatro paragrafos ~um de introducao, dois de desenvalvimento.e um de ‘condlusio. 2 Neste capitulo, para simpiiicar, chamamos de intenedo of) objetivo(s) que 0 ‘enunciador do texto pretende atingir e que o interlocutor &capaz de reconhecer, Nos estudos te6ricos, questdo dos “bjetivos” de um texto pode ser tratada a partir de diferentes perspectivas. Em um extremo, ha aidela de que a intengio ¢ resultado do desejo individual do sujeito; em outro, defende-se que qualquer proposito ‘comunicativ seria resultado das condigaes sécio-historcas que constrangem a Interacho dos sujitos. Entre essas duas possbllidades, ha sugestdes intermedisrias {como a deste livo), conforme mostra Ingedore Koch, no livro Desvendande os segredos do texto (2003). ‘24d outubro (10h30): ReuniBo da comiashio ~ aprenentagho e discus ‘da propostayaxpliongdo sobre o processo de cortegto 20, 100.31 do outubro; 4, 5 6 do novembro (urnos mand etarde): Corragho as rodagd08 Invormo que, provavelmento, nao sort necosséro “usar toros os sols dias ‘disponivels para corrigr as redagbes. Estamos propondo um periodo do ‘correo mais largo a fim de que os professores vejam quais os melhores dias ‘ara Partciparem. Considerando @ experiéncia anterior, julgo que essa correo vera lovar corca de quatro das Aprovello @ mensagem para apresentar minha sugestio para formagao das du plas. Até onde fol possivel, evel em conta dois eitries: untar um professor que Jrpartcipou do processo a outro que néo partcipou; juntar um professor da area o inguistcalingua portuguesa a um da rea de Iteratura A sugestdo ¢ a seguinte: *AC.0.8. °8, “Cel “Dev. J.BeL Popo que confiemem recabimenta desta mensagem. DDesejo a todos uma excelente somana e muitos parabns pelo Dia do Professor. ‘Atenciosamente, Valdinar (eal ode por Vans Casto ikem Moa 2013) ‘Mais vale chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro. [Diente en: pine repveio.cnlinesde nor. Asad 2a 2010) Em ambos os exemplos, pode-se perceber uma unidade de intido, uma unidade de comunicagao e uma intencao por parte enunciador (a qual é facilmente depreendida e reconstruida lo interlocutor). Em (1), a unidade de sentido é garantida pela janutenco do tépico “trabalho de uma comissao de professo- 5”. Esse topico € tratado, no texto, de forma expositiva, pois so presentadas informacdes necessarias para que os destinatarios jo e-mail fiquem a par das atividades que deverdo realizar. Essa ganizacao é estabelecida a partir da intengao do locutor: apre- jentar informag&es que permitam aos colegas se organizarem ara atender as solicitagdes explicitadas, tentando jé responder a questionamentos (por exemplo, sobre a quantidade de 18 |cament + cumd00 riKo = ao dias necessérios para a realizacio do trabalho e sobre os critérios utilizados para a divisao das duplas de corresao). © texto (2), mesmo sendo bem curto, também apresenta uma unidade de sentido e uma intenc3o, além de constituir uma comunicacio completa. Temos uma frase de efeito (um dito po- pula’), cuja unidade se pauta pela indicagao (genérica e implicita) de que algumas atitudes podem causar uma morte prematura. A intengdo seria, justamente, fazer-nos refletir sobre a suposta ne- ‘u que, no final das contas, cessidade de agir de uma certa man pode nos trazer sérios prejutzos. Vemos, assim, que a questo do tamanho nao chega a ser um problema para o entendimento do que vem a ser um texto. Na verdade, em muitas ocasides, a situacdo de interacio pede a producao de textos bem curtos mesmo. Por exemplo, se alguém est se afogando no mar e grita “Socorro!” talvez seja mais bem- -sucedido em realizar sua intencao (informar que esta sendo afo- gado para ser salvo) do que se produzir algo do tipo: “Estou me afogando. Sera que alguém, por obséquio, poderia me ajudar a escapar dessa enrascada?”. As controvérsias quanto ao estatuto do texto podem surgir quando nos deparamos com enunciados que ndo se encontram nos moldes do que seria esperado. Vejamos o exemplo seguinte: Rutherford, Bohr Rutherford, Bohr Rutherford, Bohr ‘Modelos atémicos ‘Um cavalo morto é um animal sem vida, ‘Um cavalo morto & um animal sem vida. Rutherford, Bohr Rutherford, Bohr Rutherford, Bohr Modelos atomicos — coonca senencuchoe em [19 Em redor do buraco tudo 6 beira Em redor do buraco tudo 6 beira Em redor do buraco tudo é beira Rutherford, Bohr Rutherford, Bohr ‘Como se conseguiria justificar que o exemplo (3) € um texto? Onde esta a unidade de sentido? De que maneira esse conjunto de enunciados pode ser percebido como coerente? E qual a inten- ‘40 do locutor? Levando-se em conta que o exemplo (3) foi efetivamente pro- duzido por alguém (como, de fato, o foi), devemos admitir que, em principio, hd uma unidade e uma intengao por tras dele. Para tanto, é preciso fazer um esforco maior de recuperacaio da coerén- cia, para o que é imprescindivel conhecer mais detalhadamente o contexto de producao do exemplo em anilise. Trata-se do trecho de uma fala do escritor Ariano Suassuna? durante uma palestra dirigida a estudantes universitarios, Nesse evento, Suassuna narra que, um dia, foi procurado por um jovem miisico, o qual Ihe disse que ele estava muito “ultrapassado”, que tle devia “se ligar nos novos rit mos”. Para convencer o éscritor da ertin€ncia de sua sugesto, o (nas palavras de Suassuna) funkei- fo resolve cantar uma misica de sua autoria, a qual corresponde a0 exemplo (3). Vemos, ento, que a ocorréncia (3) € um texto, pois, consi- derando o contexto descrito, percebe-se que o locutor acreditou estar produzindo algo inusitado, que corresponderia 4 novidade ser conhecida (e referendada) por Suassuna. Claro que, em tal ptocesso, o produtor se vale de um conjunto de conhecimentos 0 qual, ele supe, sera acessado pelo interlocutor. Podemos lancar a hiipotese de que ele espera estabelecer as relacdes entre o refrao da musica ~ que remete a Ernest Rutherford e Niels Bohr, fisicos isponivel em http //wwwyoutube.com/watch?vQo0.qipRCus. Acesso.em: 26 que teorizaram sobre a estrutura do étomo ~ e as “verdades ab- solutas” de que “Um cavalo morto é um animal sem vida” e “Em redor do buraco tudo é beira’.O texto revelaria, portanto, uma for- ma particular de compreender a estrutura da matéria. E a busca pelo completamente inusitado (neste caso, a inten- 0 do enunciador) que amarra o texto, garantindo-lhe unidade. Trata-se, obviamente, de uma unidade bem fora do esperado, mas pertinente para 0 contexto estabelecido. Além disso, 0 contexto ‘em que (3) aparece nos permite, ainda, considerar que um texto pode gerar sentidos diversos, o que depende, entre outras coisas, da situacao de interlocugio. A partir do momento em que a can- ‘do figura na palestra de Suassuna, além dos sentidos percebidos na interacao original, hd uma nova interpretag3o, que diz respei- to ao humor que o escritor quis provocar com a narragaio de uma cena pitoresca. Evidencia-se, na fala de Suassuna, 0 nonsense da cangiio supostamente inovadora, 0 que provoca 0 riso. ‘A partir do que foi comentado para o exemplo (3), podemos afirmar: O contexto de produsio é essencial para o reconhecimento do estatu- to do texto e, consequentemente, de sua coeréncia. Isso fica muito evidente quando analisamos textos mais in- comuns, mas é verdadeiro para todo e qualquer texto. Os textos (1) e (2), por exemplo, ndo tam sua unidade de sentido garantida porque exprimem informacdes ou opinides “Igicas”, verdadeiras, mas porque ganham unidade de sentido e de comunicagao so- mente dentro de um contéxto situado em dado cenario social. Em (1), por exemplo, o texto é considerado coerente, entre ‘outros motivos, por se adequar a situacao de interacao prevista: uma interlocugao via internet, em que um profissional produz uma mensagem para ser lida por seus colegas de trabalho. £ pos sivel até que, durante a producio e a leitura desse texto, os par Aicipantes no levem em conta, conscientamenite, esse contexto, cence NO | 24 porque a expectativa sobre isso é, dependendo da experiéncia dos sujeitos com esse tipo de interlocucao, tao “natural” que o conhe- cimento prévio fornece, facilmente, o suporte necessario para a producao dos sentidos. 4 em (3), uma ocorréncia mais inusitada, a expectativa da situasaio de interaco € menos precisa, o que de- manda um esforgo maior para reconhecer os elementos interacio- nais promotores do sentido. Do que foi apresentado até aqui, realcamos o seguinte: A existéncia de um texto estd atrelada a possibilidade de se atribuir coeréncia a uma dada ocorréncia comunicativa (ndo exclusivamente linguistica).A coeréncia surge da percepcdo de uma unidade negociada de sentido que depende da intengao argumentativa do locutor, da co- participacdo do interlocutor, das indicagdes marcadas na superficie do texto e de um vasto conjunto de conhecimentos compartilhados. A anilise do contexto de producio passa, obrigatoriamen- fe, por um trabalho cognitivo, essencialmente colaborativo, do iterlocutor, que, por isso mesmo, deve ser entendido como um nunciador, aquele que participa ativamente da construcao da réncia. Reconhecer os elementos contextuais pertinentes para unidade de sentido requer a (re)ativacaio de conhecimentos ar- jazenados em nossa meméria.* Esses conhecimentos surgem partir de nossas experiéncias no mundo e do contato com as mages que recebemos das mais variadas fontes. Por serem jeterminados culturalmente, os conhecimentos prévios tém, em la raiz, um carter sécio-hist6rico, dai ser comum, nos estudos ituais, falar no status sociocognitivo do texto e da coeréncia. ‘Aativacao e a reativacao de tais conhecimentos sao funda- lentals para o proceso de interacdo, uma vez que a superfici Fara mals informagbes sobre os tipos de conhecimento prévio,sugerimos a sults obra Ler e compreenden os sentidos do texto, de Ingedore Koch e Vanda (vor referencia completa na bibl textual, ou cotexto, é inerentemente “incompleta”. Para aprofun- dar essa reflexdo, voltemos ao exemplo (2): Mais vale chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro. Ha niveis diferentes de conhecimento que sao acessados ~ si- multaneamente, vale salientar ~ para a interpretaco desse peque- no texto. Primeiro, consideremos 0 conhecimento linguistico. Para atribuir ser a organizacdo sintatica (no caso de (2), a estrutura “Mais isso que aquilo”), Também é preciso perceber a elipse depois de “no outro” [mundo], além dos demais aspectos formais e funcionais da lingua, Cuidemos, agora, do conhecimento de mundo, quer dizer, da bagagem informacional (conhecimentos bem generalizados acerca do mundo, das vivéncias pessoais e dos eventos situados no tem- po e no espaco). Cabe-nos reconhecer a diferenca entre “este mun- do” (dos vivos) eo outro mundo” (dos mortos),o que s6 é possivel porque acessamos nossos conhecimentos prévios sobre essas duas entidades. Além disso, também produzimos sentido para o texto quando nos lembramos de situagdes (ocorridas ou hipotéticas) que atestam a verdade da informacao. Um exemple, relevante para 0 sentido do texto (2), poderia ser a morte de alguém por uma batida no transito decorrente da pressa em chegar a um local. Finalmente, atentemos para 0 conhecimento interacional, que diz respeito as expectativas que os sujeitos tm sobre 0 de- senrolar de cada interagao. Ao nos depararmos com o texto (2), reconhecemos tratar-se de um enunciado no estilo de um prover: bio ou de um dito popular. Logo, imaginamos como devemos “nos comportar” adequadamente ante tal contexto enunciativo, pols comecamos a supor que, em tal situacao, o enunciado deve conter uma “verdade universal” ou um “sbio conselho", que pode, ainda, apresentar um tom humoristico. Todo o processo descrito acima atesta a importincla de se considerar a interagao via texto como una agllo que demanda a ativagiio de conhecimentos social nente.construldos: Por | 180, CO8 los, € necessario conhecer 0 vocabulédrio, bem como cosa eratnonco Emo | 23 tuma-se afirmar que a coeréncia é uma construcio sociocognitiva, manifestada na interac3o e dependente do contexto. Essa defini- 206 importante para que, em sua pratica pedagogica, os professo- tes se lembrem de que nao ha regras especificas e universais sobre “a coeréncia que possam ser aplicadas a todo e qualquer texto. Isso, ntudo, nao significa que a perspectiva sociocognitivo-discursiva lefenda que qualquer coisa que o aluno diga ou escreva deva ser nsiderada como pertinente, aceitavel e adequada. Conforme ve- mos adiante, o usudrio competente da lingua deve ter um agu- ido conhecimento acerca dos contextos de adequacao. Antes, porém, devemos mencionar que a perspectiva mais impla de tratamento do textoe da coeréncia abre espago para re- ynhecermos a pertinéncia comunicativa de outras configuracdes \ém do texto verbal (oral ou escrito). Ultimamente, tém ganhado staque, nas discussdes tedricas e nas abordagens didéticas, os “multimodais”, em que dois ou mais modos de enunciagao conjugam para manifestar/sugerir os sentidos pretendidos. ibe-se que todo texto se constitui de recursos multimod jamos chamando de “texto multimodal” aquele que eviden- outras linguagens, que nao apenas a verbal, principalmente a \gética. Eo que vemos no exemplo a seguir. Bo menino Jesus? KABA tubs 8 yd, Dion om yma Aan Ojon WAY i 24 | cxntcae + cust RHO» HO A coeréncia de (4) nao depende, exclusivamente, do aparato linguistico manifesto na superficie textual (o titulo do texto e 0 endereco da homepage).Para entender a critica pretendida, é pre- iso recorrer & imagem - uma manjedoura na qual o Menino Je- sus se encontra “afogado” por pacotes de presentes e levanta uma bandeira branca. Essa imagem, associada ao site em que se loca- liza, a0 género do discurso a que se filia, a0 nosso conhecimento prévio sobre o discurso anticonsumista que normalmente é vei- culado no periodo natalino e sobre o pedido de trégua associado ao gesto de levantar uma bandeira branca, permite-nos entender 0 viés argumentativo assumido pelo enunciador, a partir do que se estabelece o humor do texto. Com essa anilise, além de confirmar a importancia do co- nhecimento prévio para a produsao dos sentidos, percebe-se que a imagem, assim como outros recursos multimodais, por exemplo, o som e 0s links dos processos on-line, dentre outros, ¢ fundamental para que o enunciador efetive sua intencao argu mentativa. Isso mostra que o texto nao deve mais ser definido apenas em termos de aparato verbal. A producao e a interpreta (do 56 sao levadas a efeito se se mobilizarem diferentes recursos expressivos. Essa forma de considerar 0 estatuto do texto abre novas perspectivas tanto para 0 universo tedrico quanto para 0 universo pedagégico, que, cada vez mais, deve promover condi- ‘des que estimulem os aprendizes a desenvolver a competéncia comunicativa em diferentes linguagens (verbal e nao verbal, isto &, multimodal). ‘A partir da discussao lancada até aqui, esperamos ter contr! buido para o alargamento das concepgies sobre texto e-coerén cia.O entendimento dessas duas dimensées da comunicasao no pode se restringir a consideracdes estéticas, que apontem crité rios universais a partir de ocorréncias mais usuais. Na misao de contribuir para 0 desenvolvimento da competéncla comunicativa dos alunos, é preciso atentar para possibilidades multiplas de con {figuragdio dos sentidos (principalmente se adlmitlimos que, para o come rencncho6O 25 uno de hoje, situagdes consideradas incomuns para os professo- tes podem ser bastante usuais) Essa perspectiva mais ampla, como ja insinuamos, nao i li- aaceitacao de qualquer produgao do aluno como. efalvamente lida. Além de reconhecer a coeréncia, é jo do texto a situac3o comunicativa que se realiza. Isso implica je um texto com unidade de sentido pode, a depender da situa- ser inadequado para um dado contexto, ou pode apresentar nas alguriias quebras locais de coeréncia que prejudicam, em rte, a reconstruco dos sentidos. Cabe, entdo, ao professor, nao jenas reconhecer a coeréncia do texto do aluno, mas avaliar a Walidade” dessa coeréncia. Claro que os crité jendem, sempre, do contexto de producao. A énfase no cardter sociocognitivo-discursivo do texto e da éncia permite uma compreensao diferente da referéncia. Em la perspectiva marcadamente construtivista, o reconhecimento feferentes nao pode se limitar a uma associagao de um-para- entre objetos do mundo. objetos dotexto.Conforme veremos Oxima secdo, a referéncia é uma construcao relacionada ao di- Ismo inerente a configuracao textual ea busca pelacoeréncia. preciso avaliara adequa- de tal avaliagao renciagio ‘O estudo da referéncia como fendmeno ligado ao texto ga- "| destaque com as primetras consideracdes sobre a coesao | ial. Segundo a proposta fundadora de Halliday e Hasan (no | Cohesion in spoken and written English), uma das formas de \- cer a “ligaco” entre as partes de um texto decorre da re- | ida de elementos textuais por meio de expressdes nominais jsOes referenciais). Essa proposta ficou conhecida no Brasil lo do classico (A coesdo textual, de Ingedore Koch, no qual a presenta (reformulando a classificagaio original) os meca- substituigao (por re- lexical ou pronominal), a repeticio e a elipse xe} 0 "euujad & 501}n0 91)49'0}X9} OULISALH OUI '504U1010)04 OF we} fequasajad win 9 eujuaUd WaBeUOsiad e (6) Wa ‘ojduu “03x03 ou ep!29jaqeys9 apeplud EUIN ap s910,n9O}199UI] SOP eu ogsequasaidas e 9 (osinsip ap oya{qo no) aqu919}01 opssaidxae aquaiajs1‘opSelsuaiayai wie sopnyso so eed 5 -epuny sagsiuyap senp seouarayip osioaid 9 ‘waiod ‘saquy | epe> ap seatrepip sagseryjdu se aiqos sagse!pul ap Us -uyid sassa aigos sepeyjeyap saoSewuojul sowaseyuasaide -asqns sewxoud seyy “e}uaaj91 ep ent |UBO30!0s ezainyeU @ -oyndo|1a4u! 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OWOD el>uaLa 2 0}x@3 0 sapuaaidwios ap yore} win wa opset -u ep oyUaweye o& seywH] as evepod Ogu ef>ugIasa1 ep -sanb e anb as-nia‘sopnysa sop se5uene © W109 ‘anb 211090 “epnuesed 9 jemyxay apepin 09 e owio saqaniad as e opow! ap ‘epessaroid a ep|29)2qe459 J apod apepiqua ewn aiqos ovSeuoju! © Owo> e11aUeW e '9) -|ed)2uu1d ‘4e8qjsanuy eundosd opmysa ap ody ass3 ,nosed, 3 ,e4 [os], ‘,219, steqian seuioy sep saque sasdjja se !,sou,, 9 a sauiouoid so ‘(or1WjUoyaw sa}e1e9 ap ewiIZIN esa) ,ods0> oUat -ad ajanbe, a ,23s13 2 eyuyZew eSuey> ewun, s}e21xa} sagssaid se {(saiopesy;pous sowsua3 ap ou no sepeyueduioze ‘Zan Ewin 9 slew wararede anb) ,eyjan sew e,, 2 ,eujuaw e, sie2)x9] sagssaid -x@ se: aUar9ja1 op 0us0} Wa eJ@pe> EWN 4NsySUOD BIE sosinzai saquaiayip ap Oe nodue] 10peuseU o anb as-3}0N Le | owsno soveonomu'vonne> pura 0 m1 s0> ‘oqueau sod ouoo :rexo4p ap nosed (9] ‘epniur e>ydns jan 1 0 napuaqus anb ‘eunad w naosyuode1 optreng) “senuToyfdns pia sou weparedsuen 2 sraagdjed asenb urexe DATOS OTITIS ‘ype tod sepeysodns sop 8 oyu y “[] saxeies Sopeasayur 99u 10 wetzey Esodnyos so 9 exeioyp EUTTSUTY “eins a eyjaa euereacy eaun wSye> a eso1-2p-so eyUPse eum opunses FRETS CURT ETS |W exes 9jau as-opuremas a ‘jen op sexi 20d ‘o219} ap of aod apues8 1p ‘opepuse wsusn vad epedsnyo oIEyY “API Op N2289q, ‘euiid e exexiap 1xp1 0 e1z0d vf ta “ese van {UIs HEUTE exeuopuege ‘e108y “eprayuod esopeayy eu ap e5e> no erexiap 2 “opuseus op enuared en “eyutapeur y eum wxeasIUD sop sop sessed o wo ‘seyy axtenb sep 591) tH0> ese> ap eazes EU Y ‘oue sos equn fo} seus UTS SEF eagfo] NES IP EMEA UT Ip SEU OHTETS UST SEU E exo FUTUrY “spur vad epextop eo} CUIUBUTE 2pu0 carey op vBluse wun ap vse @ as-ni8ip 9 xP uM nowION PULLEY ad y “seurpspy se you ap un ‘OWA AC OVINOd OC SYUL Od VNINAN V ‘yojouaiafauo2 ejape> ewin ap osanosad © sowe2iews ‘seunejed sexjno wa ‘aqwaiaja1 o21un 2 owlsoW Wn ap sepeuiojay se ajuawios sowejeussy sinBas e oyx2} OU ‘elape> essap (sa}up|oo aqua sepe>ipul) sasdija sep 9 sepeyuigns s20s -saidxa sewn8je ap sgued e “en\sa0o erapes ap ojdwiaxe wn as-ef 2 '0}x9} OU 9zUB!9J91 UN ap OWLOWIDaIaqEISA o e1ed WANg\s}UCD anb sjeulwiou sagssaidxa ap soyun{uod ~ seajsao9 sejape> 1203/04 e159 WO? a1gos oeSeDIIdxa e gysa eysodoud essap aU129 ON upon sod epeydepe uesey a KepiijeH ap eysodoid ep outoy wa en8 femyxay (05809 3190s 1e[0359 ossanIUn OU O4195 (9 EpUte a) 10} anb op oN cum «cin ons «awe | 92 28 Jenne + coon fuho + 8 tidades ganham representacao no universo discursive construido pelo texto, por isso sao referentes. ; [A expressio referencial € uma estrutura inguistica utili da para manifestar formalmente, na superficie do texto (ou se} no cotexto), a representacao de um referente, Essa estrutura é,na grande maioria dos casos, de natureza substantiva, ou sea, em geral, é formada por um substantivo (com ou sem determinan- tes e modificadores) ou por um pronome em funcao substantiva* Confiram-se algumas expresses referenciais para os referentes do exemplo (5) listados a seguir: “q menina por tras do porto de ferro";"a menina “"a mais velha das quatro filhas de um irmao de seu pal";*a maisvelha"; ianga magrinha fetriste";*a" (em ‘a faziam estremecer”);“aquele pequeno corpo", “Ihe; “Nos”; elipses antes de ra”, “tinha” e“parou” “que” (em “que entendeu o contetdo”); elipses antes de“dirigitse", ‘Amenina leferro “do portio de ferro’; “um grande portao de fer Ov "dosuals‘nele’s“ograndeportiy Ossolusosda “os solugos rmerina eee Estabelecidas as definicbes basicas, passemos, entao, a enten der 0 processo da referenciacao,a partir de seus principios basiares "a mAgoa suportada(s] por aquele pequeno corpo" r itwlo a desta obra, qu ie frnos, 0 obs ibémn sho responsavel | come NCO CSM | 29 A referenciac3o é uma (re)elaboracao da realidade A primeira ideia sobre o processo da referenciacao se apoia na constatacdo de que a funcao primordial da linguagem é pro- ver uma forma de acesso a uma dada realidade. Para compre- ender a natureza dos processos referenciais, é absolutamente fundamental que se entenda, desde j, que os objetos do mundo do so expressos, nos textos, de forma objetiva e imutavel, pois eles sempre 80 construidos de acordo com as especificidades de cada situacao de interacao (o que implica, entre outras coisas, as caracteristicas dos interlocutores e as suas intensdes). Dessa forma, toda construcao referenicial & um trabalho em constan- te evolucio e transformacao.° Essa transformacao da referéncia pode ser facilmente percebida a partir da comparacao dos trés cemplos a seguir. Bey REBOLATION é um axé Para, nade 2009 pela gravadora Universal Music, Jéalcangou as paradas da Billboard Brasil, a 5* posigio no Brasil Hot 100 Airplay, entre outras, ‘com destaque para a parada de Salvador, Bahia, ficando na 4 posigio no Salvador Hot Songs. A cancio ganhou uma repercussio nacional, prin- cipalmente nas midias televisivas. (Deport eae or wien, (utNCORATNCSBAS de Pgs COMA) eouo cnn 10 eon) ei REBOLATION INVADE A TELINHA LAST_UPDATED2 DOM, 28 DE FEVEREIRO DE 2010 19:48 DOM, 28 DE FEVEREIRO DE 2010 14:04 Hoje, domingo, 28, a banda Parangolé mostra que esté com tudo ¢ es- {uri no programa do Faustio com o sucesso do carnaval, o Rebolation, pitulos ae 3,que essas transformagdes de referentes, progress referencial colaborando mente para o desenvolvimento argumentativo do texto, — 30 ounce csr 40+ BHO escolhida por muitos como a misica do carnaval 2010, Léo Santana ¢ 0 ‘uma vez no cenario nacional. Alafolia 2010 (Micareta de Alagoinhas),€a banda ‘evidéncia na mia, Ao langar sucesso Re: nucomo uma das maores [bandas] dos Parangolé estardo mais Parangolé, que estaré.no de pagode que esti em maior ‘olatian, 0 grupo se consagro ee msm 10 fxs) 1 COMENTARIO: 4) ‘Marcelo Pereira disse. Rebolation BUA? & ruim, hein? Devem ser “polation fazendo sucesso na Europa ¢ ‘uns teésbrasileiros pingados, que, de tanta saudade do pais, acabam in elusive, tendo que aderir a.cocé péttia, — Osestrangeiros, que tim a mente mais evoluida que 2 nossa, a to bem que o“rebolation” é soma mesmo stands rpunca leva a sério, Para eles nfo & cultura nem arte, é uma brincadsite {ola mesmo, Por isso que as tentaivas de exportar 0 popularesco como “cultura séra” fracassam. ‘Aqui no Brasil ainda tem a insistent idea de transformar qualquer bo- ‘pagem em “cultura” e“arté’ para que se perpetueno (esau) gosto poplar «gere lucros perpétuos. Mas 96 otéios caem nessa, Fn so poucos 0s otros, DEM: 1 2010 08:5 on cn So: psu (Comm dine ein omen eae eee ign fesm eo 4a 210) 0s trés textos tém, em comum, o referente “Rebola| cada um so usadas expresses referenciais que contribuem para a representacao deste objeto de discurso. Contudo, as cee tagbes sao diferentes, pois as intengdes argumentativas, em , sao distintas. si (6),0 referente ¢ apresentado (ate onde sateen, 10 ¢ possivel) uma cancao. E importante definir seu conceito porque essa cancao ganhou bastante destaque a partir do Carnaval de 2010 (0 que € atestado pelos dados sobre a sua veiculacao nas radios). Como (6) é um texto pertencente ao género verbete de enciclopédia (a Wikipedia), a func3o informativa deve ser a mais evidente, dai a utilizagao de expresses referenciais que endossam esse viés e se apresentam como supostamente imparciais, como se esvaziadas de avaliacao por parte do enunciador. Essa aparente neutralidade nao descaracteriza, no entanto, a funco argumentativa das ex- presses, que sao utilizadas exatamente para tal fim. Ja em (7), ha uma intengao explicita de valorizar o grupo “Musical Parangolé, razdo por que é necessario tecer elogios a sua “ndssica mais conhecida: Sobre a reali carnaval” e“a miisica do carnaval 2010”. Em (8), muda o propésito argumentativo e, consequentemen- », muda a perspectiva. O enunciador pretende “Rebolation”. A partir dessa perspectiva jade, é essencial salientar a musica como “o sucesso icar o alarde ‘torno de um suposto sucesso do “Rebolation” na Europa. Para io, insiste na distingao (que nao é percebida pelos “otdrios”) fe “qualquer bobagem” e “arte” /“cultura”. Nesse contexto, faz ido caracterizar o “Rebolation” como “cocé patrio”, “uma bo- m Sem nexo”, “uma brincadeira tola”. ‘A comparacao mostra que um mesmo objeto do mundo (0 lation”) pode ser representado de diferentes maneiras. Se 0 6,entdo, a realidade nao é estavel, nao esta apenas dispo- I para Ser expressa de forma logica e objetiva pela linguagem. rario, 0s objetos do mundo so sempre interpretados. Te- sim, que a ideia de que “tudo é relativo” é bastante cara itidrios da referenciacao. qualquer interagao de que participemos (oral, escrita, hi- , multimodal), estamos sempre (re)elaborando os “ob- ‘di realldade @ os referentes a eles correspondentes, mes- hhaja, como no exemplo (6), uma suposta apresentacio ima verdade (a neutralidade também & uma escolhi 32 [owe + cuméao RU + s8T0 €-iss0, por si sé, jd revela um trabalho do sujeito sobre o objeto). Podemos, entio, dizer que nds sempre estamos envolvidos em um trabalho ativo de (re)elaboracao/(re)interpretacao. Em alguns casos, a avaliacao que fazemos sobre os objetos fica explicitada na prépria expressao referencial, como fios exem- plos (7)e(8); em outros, o trabalho consiste, exatamente, em apa- gar a avaliacdo, dependendo do propésito argumentativo, do gé- nero do discurso e de fatores contextuais outros. Tudo, no entanto, €“legitimo”, considerando-se que so condigées inerentes ao uso da linguagem. Pelos exemplos analisados, percebe-se que um mesmo refe- rente pode sofrer transformagoes, chamadas de recategorizagdes, a depender da forma como um texto 0 apresenta e de como ele sera reconstruido pelo coenunciador. Mas a verdade € que essa recate~ gorizac3oé algo tao inerente ao proceso referencial que acontece estando ou nao explicitada nas expresses referenciais dentro de um mesmo texto e é perceptivel por diversos indicios contextuais. Vejamos, novamente, o exemplo (8). Cada expressao referen- cial utlizada para retomar o referente “Rebolation” (além de ou- tras pistas nao referenciais) promove acréscimo de informacoes, que contribuem para a recategorizagio referencial. Ao longo do texto, o interlocutor é informado de que, além de “cocé pattio", 0 “Rebolation” é “uma bobagem sem nexo”, que, para os que tém “a mente mais evoluida’, ndo passa de “uma brincadeira tola”. As diferentes expressdes estabelecem, portanto, novos pontos de re- presentacao, que contribuem para a recategorizacao. ‘Ainda sobre a recategorizacao, analisemos este outro exemplo: Ll BRITNEY NAO FICOU TAO MAL NA FOTO is uma noticia edificante sobre Britney Speas' 408 28 anos, a sainha dos vexames-e dos paparazzi resolveu, por inielativa propels, mostrar as cotrne cence £50 | 33 fotos sem tratamento que fez para a campanha de uma grife de moda americana. O.k, as gordurinhas em excesso, a deselegancia do derritre e «a profusio de humanas celulites berram na comparagio com as imagens retocadas. Mas ndo constituem um escandalo estético. Ja se viu coisa !muito pior por ai, Nao se sabe seo gesto teve por objetivo “expor a pres- sao que as mulheres sofrem para ser perfeitas" (como disse acantora) 01 se foi mais uma jogada para tentar melhorar a imagem da estrela com tama falha que todos jé conheciam. De qualquer forma, as mulheres reais agradecem, (Cy, ate 010.9109 © texto propde uma representacao para a artista Britney _ Spears. Essa representacao passa por modificagées, algumas de- las inscritas nas proprias expressdes referenciais utilizadas para se referir 8 artista, num proceso de correferencialidade (como mostraremos no capitulo 2, a correferencialidade é um processo le manutencao do mesmo referente, sempre passivel de trans- formacdes). Inicialmente, optou-se por utilizar 0 seu nome, como forma de introduzir o referente no texto, facilitando seu reconhe- imento. Logo depois, o referente é retomado como “a rainha dos sxames e dos paparazzi", o que denuncia uma nova caracteriza- io. Posteriormente, as designacdes “a cantora” e “a estrela” tam- im propdem novas formas de elaboracao do referente, que se mam as ja mencionadas. Além disso, outras expressdes que se rem indiretamente a Britney, como “cobicado corpinho', “as durinhas em excesso”, “a deselegancia do derriére” e “a pro- Iso de humanas celulites” também contribuem para que esse rente seja recategorizado. ‘A partir das analises propostas nesta seco, vemos que os \cessos de referenciacao, imprescindiveis para a unidade de Féncia, desempenham fungées textual-discursivas que Vao im da organizacao do fluxo de informagio (Falaremos de algu- dessas fungdes no capitulo 3 deste livio). Por issoyacredita- | Ws que o estudo da referenclagao contribui, inclusive, para um " mento do fendmeno da coesio, pois o que se costuma ver Pile! ch Y ——— —( its 4 cuca + sT090 HD+ BH comoa“costura” do texto nao engloba apenas a possibilidade de recuperacdo de um referente no cotexto, mas implica, também, a construgio de uma representacao ligada ao direcionamento ar- gumentativo e expressivo pretendido pelo locutor. Tals aspectos, bem como todas as informacées contextuais interligadas pela coesio, fazem parte do fendmeno maior da coeréncia. Essa abor- dagem precisa ser explorada na escola, a fim de que 0 aprendiz receba instrucdes sobre a importancia de se utilizar estratégias de referenciagao para melhorar sua competéncia em compreen- so e producao de textos. © papel da linguagem na construsao da realidade, por meio da criagao de objetos de discurso, deve ser, portanto, um “contetido" trabalhado em sala de aula, 'No que diz respeito ao desenvolvimento da leitura,é impor ‘ante munir o aluno de estratégias que Ihe permitam reconhe- cer 0s posicionamentos de um texto como tributarios de uma perspectiva (entre outras) da realidade, Isso inclul 0 entendi- mento de que, em certas situagoes,a construcao pela linguagem resvala para manipulagdes que tentam mostrar, como verdades incontestiveis, idetas contrarias ao que o senso comum e/ou a convivencia social e/ou os mecanismos de regulacao elegeram (mesmo que aparentemente) como as mais pertinentes para a5 relacdes culturais. Entram nesse rol, por exemplo, reflexdes so- bre o discurso dos politicos a respeito de casos de corrupsao ¢ sobre os discursos veiculadores de preconceitos (muitas vezes, de forma implicita). No que toca & producao (oral, escrita ou de outros modos de enunciagio), 0 aluno deve reconhecer que as atividades atinen tes & organizacio de um texto estao diretamente atreladas 08 géneros do discurso, nao apenas como a manifestacdo de uM contetido e de um formato “relativamente estaveis’, mas como uma oportunidade de propor sentido(s) por melo de mecanismos linguisticos recrutados para estabelecer a coeréncia condizente com 0 seu projeto de dizer, Nesse caminho, saber trabalhar com » representacio dos referentes uitels, Cli coctvca RENCUGAOE ENO | 35, £0 que, numa proposta educacional voltada para a formacao de cidados atuantes (porque auténomos, criticos e responsaveis), a noc de construsio da realidade pela linguagem deve caminha lado a lado com os principios da ética. Em outras palavras, 0 lune deve saber que alinguagem traz poder, mas,ao mesmo tempo,ele deve ser estimulado a exercer esse poder com responsabilidade, ° que exige uma preocupacio com a coletividade, ; referenciacao resulta de uma negociacao Provavelmente, para a maioria das pessoas, a palavra “nego- ¢iaca0” define um entendimento estabelecido entre os part intes de uma transacao econdmica. No que diz respeito aos usos inguagem, a mesma ideia de entendimento entre sujeitos é ntida, sendo este um principio universal, valido para qualquer ra¢ao (e nao apenas para as relagBes comerciais). Quando produzem e compreendem textos, os sujeitos parti- Jam ativamente da interacdo, de modo que estdo sempre nego- ido os sentidos construidos. 0 processo é amplamente din: , porque permite modificacdes com o desenrolar das ages a referencial nada mais € que o resultado dessa nego- A titulo de ilustragao, observerios o exemplo (10). Trata-se de na do romance A época da inocéncia (The age of innocence), ith Warton. Para entendermos a cera apresentada, so ne- fos alguns esclarecimentos sobre o enredo da obra, inarrativa se passa em Nova York, na segunda metade do XIX; & centralizada em Newland Archer, jovem advogado inte & elite aristocratica da cidade. No inicio da trama Inleia 0 noivado com a meiga May Welland, ela também da alta sociedade nova-iorquina. No dia em que os doi ‘chega a cidade, aps anos na Europa, Ellen Olenska, ay, i divorciada (o que, para.a época, representava 46 [enmcane +1010 HD + TO Newland Archer, aos poucos, se apaixona por Ellen, e 4 pai xo é correspondida,o que faz ambos sofrerem, pois sabem se tra- ‘tar de um amor proibido. Mesmo apaixonado por outra mulher, Newland se casa com May, mas, sempre que pode, aproveita as coportunidades para estar préximo de Ellen, a fim de desfrutar de sua companhia (sem nenhuma conotacao sexual), Num determinado momento da trama, Ellen, temendo nao resistir & paixdo que sente pelo marido da prima, resolve morar ‘em Washington. Newland planeja fazer-ihe uma visita, e diz a sua esposa que ira a Washington a trabalho, Ocorre que a avé de May ‘eEllen adoece,e pede que esta dltima venha visité-la. Ellen chega- 14 exatamente no dia em que Newland pretendia viajar. Na cena anterior ao texto do exemplo (10),a mae de May est angustiada porque nenhum membro da familia pode buscar Ellen na estacao, na cidade vizinha de New Jersey. Newland oferece-se para bus: “la. Logo depois, Newland e May se encontram numa carruagem € logo seguinte. travamo ‘oR: Ll Eu no quis preocupar mamie criando novos obsticulos, mas como ‘rar Ellen amanha etrazé-la a Nova York se voot esté indo oct vai enon para Washington? veh, mas eu vou mals ~ Archer responde Nab att Por qué, queaconteceu? ~ Savor era clara como um sino e cea de slicitude conjugal. = 0 aso acabon.. dado ~ dador Que estranho. Eu vi, hoje de manhiy am bilhete do st. cetrblai [fo chefe de Newland] para mame dizendo que ele iriaa Wa thinglon aman de manha para o grande eso de patente a respi do qual vi dcatirnaSapreina Cot, Voctdise gue era um eso de patente, no ise? asci., é0 seginte: 0 escritri todo nto poe i, Lttrbair decid & percebido a partir do uso do adjetivo em posicio de predica- (‘ansiosa”), 0 qual nao é (nem faz parte de) uma expresso rencial, e a partir do conjunto de predicages que seguem o jetivo. O segundo traco - ~é também construido por meio de uma predicac3o Podem achar que vocé é alcoélatra”). £ interessante notar que essas recategorizacdes no se dao meio de expressdes que se referem & dona de casa. Sal cipagao dessas estruturas linguisticas (diferentes do sintag- hominal) na construcdo da referéncia implica dizer que, para fabelecer os tracos referenc 7 Hecis0 reconhecer 0 teor completo das “informacdes” apresen- 8 pelo texto, Claro que os sintagmas nominais referenciais sio.elemen- Importantissimos para indicar a posigo dos sujeitos sobre xtuallzados, mas um proceso tio complexo como, tara de uma determinada entidade, 46 emer + csco0 nO + eNO a construcao dos objetos essenciais para a coeréncia nao pode se imitar a especificidades formais. As perspectivas atuais dos estu- dos (destaque-se, por exemplo, COSTA, 20075 LEITE, 2007; e LIMA, 2009) enfatizam, portanto, o carter complexo do fenémeno da referenciacao. A transposicao didatica dessa complexidade deve ser estimulada, pois éisso que esta em jogo nas interacdes sociais. Com 0 intuito de contribuir de forma mais concreta para essa transposigao didatica, sugerimos trés atividades, descritas a seguir. Sugestées de atividades Nesta secdo, apresentamos trés sugestdes de atividadles, so- bre as caracteristicas basilares da referenciacio, que podem ser realizadas com os alunos. As sugestées foram pensadas paira pro- fessores € alunos de qualquer série do ensino médio; contudo, podem ser feitas adaptagées (por exemplo, quanto & adequacao dos textos e ao grau de aprofundamento dos temas) para que, se reformuladas, possam também ser produtivas para as sérries do ensino fundamental. > Objetivo Mostrar a importancia da negociacao para a construgao dos referentes e para o estabelecimento da coeréncia. > Descrigao® Essa atividade consistira da organizac3o e apresentacio de debates em sala de aula. 0 trabalho tera quatro etapas: Na descrigio desta atividade, optamos por falar dretamente com 0 professor, tzando,para tanto, © mode imperative wo vor costa, cacncucto enn | 47 1 Informagées iniciais Informe aos alunos que sera realizada uma rodada de deba- les nas proximas aulas. Junto com a turma, escolha os temas a jerem debatidos. Para cada tema, deve haver dois grupos de de- redores (de trés ou quatro alunos), que defenderao posigoes ntrarias. Os temas devem ser escolhidos de acordo com os inte- isses e necessidades dos alunos. Por exemplo, no momento de escrita deste livro, hd um inte- sse sobre a “brincadeira das pulseiras”: meninas adolescentes jam pulseiras que, a depender da cor, indicam até que ponto elas do dispostas a aceitar as investidas de um garoto. A questo é émica desde que uma garota foi violentada por quatro rapazes rque, segundo alguns, eles se sentiram estimulados a “avancar jinal” em decorréncia da cor da pulseira que ela usava. Em algu- 8 cidades do pais, as tais pulseiras foram proibidas. A discussao torno dessa decisao seria, portanto, um tema potencialmente fador de um debate interessante. Uma vez que sejam definidos os temas e os grupos, oriente alunos a pesquisarem sobre o assunto pelo qual ficaram res- saveis (isso pode ser feito durante dois dias). Informe-thes » no dia da preparacao do debate (que serd realizada em sala), podero trazer material de consulta. sparacdo do debate Fornega orientagdes quanto a organizacao das falas. Indique 10 Sera a dindmica de interlocucao (sugestao: cada grupo tera ‘turnos de fala ~ de trés a cinco minutos -, comecando pela pe “do contra” — aquela que vai criticar a pertinéncia de certa a ou decisao). Estabeleca o tempo de preparacdo da fala de la grupo (por exemplo, cinquenta minutos). Antes da preparacao, é muito importante que vocé esclare- ‘algumas caracteristicas textual-discursivas inerentes a uma cipagiio bem-sucedida em um debate. Vocé deve lembrar aos que uma argumentagao bem construida diz respelto, por pee ll AB Joumcncr + cundoo m0 + TD um lado, a organizacao coerente dos contetidos (das ideias); por outro lado, é preciso orienté-los no sentido de que compreendam que as expresses linguisticas tm papel especial na construgao de uma tese. Por exemplo, voltando a polémica das “pulseiras do sexo", 05 alunos devem ser estimulados a qualificar adequadamente os t6picos trazidos para o debate. Dizer que a pratica em torno das pulseiras é uma “brincadeira inicialmente inconsequente” e dizer que se trata de “um estimulo a iniciacao sexual precoce” so, ob- mente, duas perspectivas contrarias, que podem ser colocadas a depender dos interesses dos debatedores. Esse tipo de ajuste na configuracao dos contetidos é essencial para o bom desempenho argumentativo, ¢ 0s alunos precisam reconhecer isso. Quando os grupos estiverem organizados, escolha, entre os membros de cada grupo, um aluno para assumir a funco de se- cretério. O secretario devera registrar, por escrito, os momentos de “conflito” dentro do grupo — aqueles em que os participantes dis- cutem sobre qual a melhor abordagem para expressar determi- nada idela. Sua funcao é indicar as duas abordagens conflitantes ea forma como o grupo tomou a decisio final. Ele deve ser infor- mado de que seu registro sera retomado apés a apresentacao dos debates. 3.Apresentacdo do debate ‘As equipes fardo suas apresentacGes de acordo com as orien- tages estabelecidas previamente. Durante as falas dos alunos, vocé fara, entao,o papel de secretério, registrando as principais di- vergéncias entre as opinides, bem como a forma como um grupo se deixa afetar pela fala do outro grupo. 4, Discussdo sobre a atividade (explicitacdo de estratégias e enca minhamento posterior) Pega aos secretarios dos grupos que apresentem os registros feltos durante a preparagio do debate lim seyuida, apresente os ceetnc cemncngto£ensm9 | 49) seus registros para os alunos. Formule questionamentos sobre 0 modo de agir dos alunos durante a preparaco e a apresentacao. Procure encaminhar a discussao de modo que eles possam refletir sobre a negociacao nas interacdes; comente sobre a importancia da linguagem no estabelecimento de versdes coerentes da reali- _ dade, passiveis de aceitacao pelo(s) destinatério(s). Em momento posterior, proponha uma atividade de producao escrita sobre os _mesmos temas dos debates, orientando os alunos para a necessi- dade de “negociar” com o leitor. > Comentério Com a realizacao do debate, o aluno é estimulado a propor “negociagdes referenciais” que determinam a configuragao dos bjetos de discurso. Isso é valido tanto para a interlocucdo.em que 65 participantes partilham da mesma opiniao (como na prepa- ao do debate) quanto para a interlocucao em que os sujeitos im perspectivas distintas sobre os tépicos discutidos (como na presentaco do debate). A explicitacao dessa “troca negociada” pos a realizacao da tarefa é condigao necessaria para que o aluno istematize os procedimentos aprendidos. Sugerimos que, antes da execucao dos pasos aqui descritos, professor forneca informagies prévias sobre o género debate, ipresentando sua estrutura composicional e mostrando modelos jo género. Salientamos que a explicitacao da negociacao como aspecto Inerente a linguagem pode ser percebida a partir de outras ativi- ladies que nao o debate. Em qualquer situacao na qual um grupo Iscuta sobre como fazer algo, essa negoci jercebida, Entao, se preferir,em vez do debate, 0 professor podera lizar outras situacdes: a resolucao de uma situacdo-problema, Meparacaio de um seminario, a resolucao de uma tarefa de uma ncana, uma reunido da turma para organizar uma festa etc. 50 |cancame + custo00 HHO + 8 > objetivo Construir a coesao textual com base na recategorizacao re- ferencial e no desenvolvimento argumentativo de um ponto de vista. > Descricao? Considere a seguinte situacdo: estdo ocorrendo eleigdes para 0s representantes de sala de sua escola, e vocé é responsavel pela ‘campanha de um(a) colega. Uma das exigéncias para os candida- tos é a producao de um texto argumentativo no qual é apresen- tado o seu perfil. Vocé foi designado(a) para produzir esse texto. A fim de Ihe ajudar, ofa) colega candidato(a) mencionou alguns termos que gostaria que aparecessem no texto: 4 amigo(a) de toda a turma; 4 defensor(a) das causas justas; 4 queridinho(a) dos professores; fonte confiavel para guardar segredos; 4 o(a) mais apto(a) para exercer 0 cargo. Escreva o perfil do(a) colega incluindo as express6es mencio- nadas, Para tanto, lembre-se de que elas devem: 1) refletir uma organizacao coerente (vocé nao precisa seguir a ordem colocada aqui), 2) ser justificadas com argumentos convincentes. > Comentario A produgao do texto, ao mesmo tempo em que coloca uma situacao socialmente pertinente e interessante para 0 aluno, obriga-o a refletir sobre a construcao da coesao textual, ja que deve incluir,em sua producao, as expresses referenciais mencio- {9 Professor nesta ena préxima atividade, a descr Eo ventago de ‘orientacdes dadas diretamente coeenca ereENeUcHO EH:NO| nadas. Além disso, a atividade possibilita que o aluno reconheca © cardter essencialmente discursivo do processo da coesao, pois, além de estabelecer uma cadela de informacao, ele devera pro- por uma cadeia argumentativa coerente, a partir das recategori- zagdes referenci + Objetivo Reconhecer a juncao entre recursos linguisticos e recursos multimodais como desencadeadora da referenciagao e da coe- réncia. > Descrigao Leia 0s textos a seguir e responda ao que se pede. [CABRAL, tan Dipole psivmcaaacon/cnfablZeeNCSNAS, se: 2010) Texto2 s2 cancun + cumeeo mua eno a) As expressdes “estrelato” (texto 1) e “comida enlatada” (texto 2) assumem novo sentido nos contextos em que se encontram. Explique qual o sentido mais usual dessas expressdes e qual o sentido que elas passam a assumir nos textos 1¢ 2. b) O autor dos textos 1 e 2 usou um recurso frequente em textos humoristicos: utilizar uma expresso cujo significado ja € co: nhecido e criar um contexto em que, pela imagem, a expres so passa a apresentar um sentido inusitado. Utilize amesma estratégia e produza uma tirinha de um(a) personagem de que vocé goste. Se quiser, vocé pode usar uma das expressdes a seguir: peso pesado; amigo da on péna jaca; ® pulga atras da orelha. > Comentario Arealizacao da ati dade permite que o aluno reflita sobre as relacGes entre texto verbal e imagem para a producao dos sen tidos. Os comandos dos itens demandam que o estudante reflita sobre a relacdo intrinseca entre a construgao da coeréncia e a pa ticipacao dos referentes (expressos verbal e visualmente) nessa construcao. Dessa forma, 0 aluno toma consciéncia de que a co municagao se efetiva a partir da utilizacao de diferentes recursos todos voltados para a construcao de objetos que garantam a pet tinéncia das ideias.

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