Você está na página 1de 40
PAPIRUS EDITORA tal”, que viria 2 siona 5 3 q a A funcionar como um laboratério no qual as idéias lesenvolvida. S 5, nvol : s pelos filésofos podiam ser aplicadas. Mead também esteve muito envolvido com essa escola experimental, da qual As. 12 a “ : participou ativamente.” Impulsionando uma modificagao radical dos curriculos, ele julgava contribuir para uma melhor educ do cidadao, tal como pode ser vi editoriais consagrados as quest6es B entre 1896 e 1909. ao to nos numerosos artigos e educativas que ele escreveu O interacionismo simbélico E preciso insistir ainda sobre o interacionismo simbdlico, que teve uma profunda influéncia sobre a sociologia de Chicago. Suas taizes filoséficas encontram-se no pragmatismo de John Dewey, iniciado por Charles Peirce e William James, mas foi desenvolvido principalmente por Mead. Como 0 nome indica, 0 interacionismo simbdlico sublinhou a natureza simbélica da vida social: as significagdes sociais devem ser consideradas como “produzidas pelas atividades interativas dos agentes” (Blumer, 1969, p. 5).! O que implica, para o observador que se proponha compreender e analisar essas significacdes, 4 adogao de uma postura metodolégica que autorize essa andlise. O Pesquisador s6 pode ter acesso a esses fenGmenos particulares que 12. Mead foi até presidente da Associagao de Pais ce Alunos em 1902-1903. Foi também, Por trés anos, de 1907 a 1909, redator-chefe da revista The Elementary School Teacher, 1g, itd pela Universidade de Chicago. 3. Pode-se consultar, a este propésito, a bibliografia levantada por Reck (1964, em &ePecial a pp. LXII-LXV e IXVII-LXIX; ver também abibliograia que consta oa Ones $5 DL Milles, George Herbert Mea Sl, language and te world Chicago, Universty bie Press, 1973, pp. 249-263. Por tiltimo, a bibliografia mais completa dos Negartatitas da obra de Mead ¢ sem divida a de Richard Lowy: “George Babee Nak: bibliography of the secondary literature with relevant symbolic interactionist Greernats'.em N. Denzin (org.), Studies in Symbolic Interaction, vol. 7, pane Bs aoe JAI Press, 1986, pp. 459-521. y nice Perspective and method, Englewood Clifls, NJ, 4 19 ~~ | sao as produgoes sociais significantes dos agentes quando partici- pa, também como agente, do mundo que se propoe estudar. Deste ponto de vista, 0 interacionismo simbélico vai na Ao inversa da concepgao durkheimiana do agente. Durkheim mo reconhecendo a capacidade direg me do agente para descrever os fatos sociais que o rodeiam, considera que tais descrigGes sao vagas e ambiguas demais para que o pesquisador Ihes possa dar um uso cientifico. Segundo ele, alias, essas manifestagdes subjetivas nao pertencem ao dominio da sociologia. O interacionismo simbdlico, ao contrario, afirma que é a concep¢ao que os agentes tém do mundo social que constitui, em tiltima instancia, 0 objeto essencial da investigagao sociolégica. Mead’? € considerado como o inspirador do interacionismo simb6lico, embora a expressao s6 tenha sido usada pela primeira vez em 1937, por Blumer. Querendo realizar a sintese entre a abordagem individual e a macrossociolégica, achou que a nocao de “si” podia cumprir esse papel, contanto que o “si” fosse visto como a interiorizacao do processo social pelo qual os grupos de individuos interagem com outros. O agente aprende a construir seu “si”, e o dos demais, gracas 4 sua interagdo com estes. A agio individual pode entao ser considerada como a criagao mtitua de varios “si” em interag2o. Desse modo, os “si” adquirem um signifi- cado social, tornam-se fendmenos sociolégicos, que constituem a vida social. O estudo sociolégico deste mundo, portanto, deve analisar os processos pelos quais os agentes determinam suas condutas, com base em suas interpretagdes do mundo que os rodeia, 15. George Herbert Mead, Mind, selfand society from thestandpoint ofa: saga eters Chicago, University of Chicago Press, 1934, 400 pp.; trad. franc. L'esprit, société, Paris, UF, 1963, 332 pp. 20 : : 6 Como Arnold Rose," pode-se resumir brevemente as princi Pais proposigoes do interacionismo simbdlico de Mead em cinco hipdteses: * Vivemos em um ambiente ao mesmo tempo simbélico e fisico, e somos nés que construimos as significagdes do mundo e de nossas agées nele com a ajuda de simbolos. * Gragas a esses simbolos “significantes”, que Mead distin- guia dos “signos naturais”, temos a capacidade de “tomar 0 lugar do outro”, porque temos em comum com os outros os mesmos simbolos. * Temos em comum uma cultura, um conjunto elaborado de significacdes e valores, que guia a maior parte de nossas acOes e nos permite prever, em grande medida, o compor- tamento dos outros individuos. * Os simbolos, e portanto também o sentido e o valor a eles ligados, nao sao isolados, mas fazem parte de conjuntos complexos, diante dos quais o individuo define o seu “papel”, definigao esta que Mead chama de “mim”, que varia segundo os grupos sociais com que esta lidando, ao Passo que o seu “eu” é a percepcao que tem de si mesmo como um todo. Mead definiu essa diferenga: © “eu” é a resposta do organismo as atitudes dos outros; o “mim” € 0 conjunto organizado de atitudes que empresto aos outros. As atitudes dos outros constituem o “mim” organizado, e reagimos Perante isso como “eu”, 16, A.M. Rose, “A systematic summary of symbolic interaction theory”, em A. Rose (org.), Human behavior and social processes. An interactionist approach, Boston, Mass., Houghton Mifflin Company, 1962, pp. 3-19. 21 = * O pensamento € 0 processo pelo qual solugdes potenci: sfio, antes de mais nada, examinadas sob 0 ponto de vista vantagens e desvantagens que 0 individuo teria com elas ery relagio a seus valores e depois, finalmente, so escolhidas; ¢ uma espécie de substituicao do comportamento de “tentativa e erro”. Um “ato”, portanto, é uma intera¢ao continua entre o “eu” e o “mim”, € uma sucessdo de fases que aca cristalizando-se em um comportamento tinico, Implicagdes metodolégicas Devemios ter em mente que 0 interacionismo simbdlico, pela primeira vez na histéria da sociologia, dé um lugar tedrico 20 agente social como intérprete do mundo que 0 rodeia ¢, por conseguinte, pe em pratica métodos de pesquisa que dao prior! dade aos pontos de vista dos agentes. A meta do emprego desses métodos € elucidar as significagdes que os proprios agentes poem em pratica para construir seu mundo social. Logo, 0 conhecimento sociolégico precisa estar apoiado na pratica dos individuos. Para 0 interacionismo simbélico, um conhecimento sociolégico adequado nao poderia ser elaborado pela observacao de principios metodo- légicos que procuram retirar os dados de seu contexto par torna-los objetivos. Trata-se, ao contrario, de estudar a acao em relagao com a realidade social natural em que se vive. A pesquisa, nas ciéncias sociais, deve esforgar-se para nao desnaturalizar 0 mundo social, nem escamotear as interagdes sobre as quais © apdia toda a vida social. E preciso preservar a integridade do mundo social para poder estudi-lo, e levar em conta 0 ponto de vista dos agentes sociais, pois é através do sentido que atribuem 4 objetos, individuos e simbolos que os rodeiam, que eles fabricam seu mundo social. Outras influéncias E preciso ainda assinalar outras influéncias, nem todas igual- mente importantes, sobre certos pensadores da Escola de Chicago, 22 tais Gene as idéias de Darwin sobre a evolucao das espécies em Park," ou a teoria da relatividade de Einstein em Mead." Por outro lado, as publicag6es sobre a Escola de Chicago esquecem-se com demasiada freqiiéncia da orienta¢io deliberada- mente crista de seus primérdios. Desde a fundagao da universida- de, Harper criou um departamento de teologia com o qual o departamento de sociologia mantinha lagos estreitos. Entre os quatro primeiros fundadores do departamento de sociologia, o proprio Henderson, como ja vimos, e os pais de Vincent e Thomas eram pastores, e Small fizera estudos de teologia antes de ser atraido pela sociologia. Estes lagos com o protestantismo sao importantes para com- preender porque uma parte dos primeiros socidlogos da Escola de Chicago tinham uma inclinagao para o trabalho social e para as reformas sociais matizadas de caridade crista. Aos poucos, os laos entre a sociologia e o trabalho social foram atenuando-se e a sociologia ficou mais independente. Esses lagos dependiam em larga medida dos professores, € foi nessa direcao que trabalharam, por exemplo, as mulheres recrutadas pelo departamento, como Clarence Rainwater, Edith Abbott e até Marion Talbot, que, até 1904, lecionou Sanatory Sciences.” Acima de tudo, essas tendéncias reformadoras deram um impulso decisivo 4 sociologia: o de se voltar para o trabalho de de e a resolugao de seus campo, para o conhecimento da cida: problemas sociais, nao para uma sociologia especulativa, mas, 40 contrario, para uma sociologia da a¢ao. Tais elementos foram os ology, 42, ulho de 1936, pp. 1-15 ‘amento de Mead, podem-se 64 por David L. Miller: “Two ‘and metaphysics)", Review’ juman ecology", American Journal of Soci 18. Com respeito a influéncia da relatividade sobre o pens: consultar dois de seus artigos péstumos, publicados em 19 Pie papers (Relative ee simultaneity f Metaphysics, 17, 4, pp. 514-535, 5: ; 19. sone car das rr are na Escola de Chicago, ver D. peoea ies eee le sexisme et I’Ecole de Chicago”, vactes de la Rechercheen Sciences SOC les, de 1990, pp. 94-95. 23 precursores da eclosao de idéias e de investigages urbanas que Thomas, Park e Burgess viriam a realizar com a segunda geragio de socidlogos de Chicago. Nessa transi¢ao do primeiro periodo de uma sociologia humanista, fortemente impregnada de valores religioso: mais cientifica que, sem por isso renegar a aco social, quer livrar-se desses valores em favor de um espirito de pesquisa, Thomas teve um papel decisivo: por um lado, recrutou Park aps té-lo conhecido em um congresso sobre a condigao dos negros; por outro lado, publicou uma obra monumental que inaugurou uma série de pesquisas € publicagdes que foram as marcas dura douras da Escola de Chicago.” , para uma segunda fase, marcada por uma sociologia Por fim, devemos insistir na orientagao deliberadamente multi disciplinar da sociologia de Chicago. Os lagos entre a sociologia e outras clisciplinas sao miltiplos e sistematicos: em primeiro lugar, com a antropologia (Edward Sapir e Robert Redfield), com a qual formara um (nico departamento até 1929; com as ci€ncias politicas (Charles Merriam); com a psicologia (campo em que James Angell desenvol- veu uma psicologia funcionalista baseada nos métodos experimentais e formou psicdlogos importantes, como John Watson e Louis Thu tone); e, em especial, como vimos, com a filosofia. Em 1915, a lideranga de Chicago na sociologia americana ja estava estabelecida, embora houvesse outros centros universitarios importantes de desenvolvimento da sociologia, como Ya Je (William Sumner), Wisconsin (Edward Ross), Michigan (Charles Cooley) e principalmente Columbia (Franklin Giddings).”! Nas duas décadas 20. W. Thomas e F. Znaniecki, The polish peasant in Europe and America, Nova York, Knopf, 2 edigao, 2-vols., 1927, 2.232 pp. A edigio original foi esealonada em trés anos, de 1918 a 1920, em cinco volumes. Inicialmente a University of Chicago Press deveria, € claro, publicar a obra, mas apenas os dois primeiros volumes foram editados pela universidade. Na verdade, em seguida 2 revogagio de Thomas em 1918 (ver abaixo), © presidente ca Universidade de Chicago mandou suspender a publicagao, que seria retomada integralmente por outro editor de Boston, Richard Badger. Outra edigao, desta vez em dois volumes, foi feita em 1927 por Knopf, em Nova York. 21. © miimero de teses defendidas proporciona um bom indicio da predominancia de 24 oe que se seguiram, o papel de Chicago na Sociologia tornou-se ainda mais importante. Com efeito, é esse periodo, situado entre 1915 e 1935, que se costuma chamar de Escola de Chicago A rebelido de 1935 Em dezembro de 1935, por ocasiaio da reuniao anual da American Sociological Society, 0 grupo dos oponentes ao enorme dominio exercido por Chicago organizou-se e conseguiu derrubar os lideres que dirigiam a sociologia americana desde os seus primordios. Foi igualmente decidido que a revista da associagao, a American Journal of Sociology, editada pela Universidade de Chicago — e cujos redatores chefes haviam sido sempre, até entao, professores do departamento de sociologia de Chicago — deixaria de ser a tinica publicagao da associagao. Outra revista, editada diretamente pela associagao, foi entao criada paralelamente: a American Sociological Review. Alguns viram nessa “revolugao de palacio” uma divergéncia sobre os métodos de pesquisa utilizados, um enfrentamento entre dois tipos de sociologia, um quantitativo e positivista, caracterizado pelo nascente funcionalismo, e 0 outro qualitativo e humanista, representado pela sociologia de campo praticada em Chicago. Isso pode parecer tendencialmente verdadeiro, mas tratou-se de uma tomada do poder politico por aqueles que julgavam entao que a associagao, bem como a sua revista, nao deviam ser eternamente dirigidas pelos socidlogos de Chicago. Entre os fons jurados”, liderados por L. Bernard (que anos antes nao conseguira © posto de professor titular que cobigava em Chicago), havia com i ne a | Chicago: das 98 teses de sociologia defendidas nos E: 36 0 foram em Chicago, 24 em Columbia, dez em s Universidade de Nova York, seis na de Wisconsin, uma em Michig: Universidade de Ohio. sstados Unidos entre 1895 € 1915, Yale, 13 na Pensilvania, oito na ane uma na 4 OS METODOS DE PESQUISA No trabalho que dedicou 4 obra de William Thomas, Morris Janowitz’ afirma que “se existiu uma Escola de Chicago, foi caracterizada por uma abordagem empirica que se propunha estudar a sociedade em seu conjunto” (p. VID. De fato, as pesquisas desenvolvidas em Chicago caracteriza- ramtse por sua preferéncia pelo conhecimento pratico direto. Na introdugao j4 mencionada ao trabalho de C Shaw, The jack-roller, H. Becker resume a perspectiva de pesquisa de campo desenvol- vida pela Escola de Chicago: Para entender a conduta de um individuo, devemos saber como ele percebia a situagao, os obsticulos que julgava ter de enfrentar, a 1. M Janowitz, “Introduction”, em M. Janowitz (org.), WJ. Thomas, on and social personality, op. cit. On social organiza- 81 thio de segs pesado sem aos Ste ate ee ete seronme Semana ee ome coe ai erate Sa a ee ee eet aa ‘Tampouco podemos negligencias, se quisermos examin ‘seriamente © conjunto dos métodos de pesquisa utlizados pelos ppesquisadores da Escola de Chicago, oaporte eo desenwolimienso ‘da pesquisa de tipo quantitativa, Cam efeto, se € legitimo cara rizar a sociologia de Chicago antes de mais nada pela importini a originalidade de suas pesquisas qualiativas, que consttvets © ‘Seu patrimonio mais eélebre, pode-se também lamentar que ag Jes que a comentaram tenham tio tendéncia a ocular 0 filo de aque paralelamente, ete 1930 140, comerou a desenvohers¢ aii uma sociologia quantitation, com ceteza magical cm 5 driméedios, mas que vii a prefigurar os tagos domi RAO da pesquisa via a indy ei ro fs por rar 7 ese eco do sea de Beet eae acc Bigarhie 6, Mart 0 Pere ea pte oe 1986 wr. HH _— a vera Muni: Chicago, a praia uta, asf ds ces em ee fori © parcigns st port ease xn AES eres mor quae carconsceves mans a naa nape, exporemos ‘Ses olga quanti (0s documentos pesoais nos que una das euacrerinics principal da socolgit de Chicago é a pesquisa empirca, o trabalho concreto de campo, fe que fo esa orientagto que the trouxe a reputagio e a influéncia gue teve sobre a sociologia mundial Antes de mais nada, € preciso observar que ha poucas ‘eflexdes metodoldgicas na maior parte das monografias da Escola de Chicago. Com a notvel excegao da “nota metodol6gica” que ‘Thomas e Znaniecki introduzicam em sua obra, mas que, na ‘erdade, nha uma vocagio essencialmente teérica, nto ha qual ‘aur taco de uma reflexcio sistemtica sobre os métados utilzados, ‘mesmo havendo em certos estudos algumas interrogagoes. A ‘maior dos estudos empirios foram supervsionados por Park, ‘2p passado de jornalista entre 1891 e 1898 influenciou-o muito, ma questio dos meétodos de investigagaor ton sobre todo tpo de tema © ft ass que conte ints Inet ices spec da cde ta te | Jé em 1915, em seu famoso artigo sobre “The City”,' par, afirmou estar convencido da possibilidade de utilizar os métodos da etnologia no estudo das relag6es sociais urbanas: Os mesmos métodos pacientes de observacao que os etnélogos como Boas e Lowie puseram em a¢ao para estudar a vida e os costumes dos indios da América do Norte poderiam ser utilizados, de maneira ainda mais frutifera, para estudar os costumes, as crengas, as priticas sociais e as concepgdes gerais da vida dos habitantes de Little Italy, na regio norte de Chicago, ou para dar conta dos costumes mais sofisticados dos habitantes de Greenwich Village ou de Washington Square, em Nova York. Foi por esse motivo que Park veio a considerar a cidade como o laboratério de pesquisas por exceléncia da sociologia, que ! deveria estudar o homem em seu ambiente natural, 4 maneira dos escritores naturalistas cuja leitura Park e Burgess recomendavam, em particular Emile Zola e Sherwood Anderson. Neste caso, 4 tecomendac¢ao explicita de Park era no sentido de usar diversos métodos de observac4o, que passaremos a definir mediante 0 exame das metodologias de coleta de dados qualitativos emprega- das em varias das obras da Escola de Chicago. The polish peasant in Europe and in America A obra de Thomas e Znaniecki representou um enorme’ trabalho (2.232 paginas) que se propés estudar empiricaments vida social dos camponeses poloneses em seu pais de orige™ 3 emigrados para os Estados Unidos. No plano metodalOgic>, Or peu com as tradi¢des anteriores e, principalmente, pds em ei i 0s diferentes conselhos que os professores de Chicago BR jon of uma 4. Antigo reproduzido em R. Park, “The City: Suggestions for the investigatio® 749 ci behavior in the urban environment", em R. Park, E. Burgess © R. McKen® Chicago, University of Chicago Press, (1925), 1984, pp. 1-46. A wadoe2e parece em Y. Grafmeyer e I. Joseph, op. cit, 1990, pp. 83-130- - a | cus alunos, Com esta pesquisa, pela primeira vez na yavam histéria da sociologia “oficial”, passamos da pesquisa em biblioteca A pesquisa de campo, e por muito tempo a obra foi vista como o ja americana, Seja como for, ela abriu uma modelo da sociolos primeira época da sociologia de Chicago — aquela de que se 9 “Escola de Chicago” —, costuma falar ao empregar a expre », em 1949, da obra de Stouffer, The encerrada com a publica american soldier, que, a0 contrario, viria a inaugurar uma nova era, quantitativa, da sociologia americana.” Segundo Blumer,’ encarregado pelo Social Science Research senha critica do livro, nao se devia Council de fazer uma t considera-lo tanto como uma monografia sobre a sociedade cam- ponesa polonesa, mas antes como um verdadeiro manifesto cien- tifico, ao mesmo tempo metodoldgico e teérico, com quatro metas fundamentais: * construir uma abordagem adaptada 4 complexa vida social moderna; * adotar uma abordagem compativel com a mudanga e a interagao que caracterizam a vida social; * distinguir os “fatores subjetivos” e estudar a interagao destes com os fatores objetivos; * dispor de um quadro téorico com o fim de estudar a vida social. 5. §. Stouffer, E. Suchman, L. de Viney, S. Star e R. Williams Jr., The american soldier, vol. I: Adjustment during army life, Princeton, Princeton University Press, 1949; S. Stouffer, A. Lumsdaine, R. Williams Jr., M. Smith, I. Janis, S. Star ¢ L. Cottrell Jr., The ‘american soldier, vol. It: Combat and its aftermath, Princeton, Princeton University Press, 1949. 6. H. Blumer, Critiques of Research in the Social Sciences, 1: An Appraisal of Thomas and Znaniecki’s The polish peasant in Europe and America, Nova York, Social Science Research Council, Boletim 44, 1939, 210 pp. 85 A obra de Thomas e Znaniecki inaugurou a utilizagao de novos tipos de documentos de pesquii autobiografia, a correspondéncia pessoal, os didrios intimos oy ainda os relatos pessoais e os testemunhos diretos. Aplicando um dos principios do interacionismo, Thomas e Znaniecki levaram em conta o ponto de vista subjetivo dos individuos, sem deixar de lado 0 projeto de construir, baseados nessas subjetividades individuais, uma sociologia cientifica que fosse capaz de distinguir e construir teoricamente tipos sociais. Era esta a forma de investigacao que Park exigia de seus alunos, e é assim que se deve interpretar a sua estranha recomendacgao no sentido de considerar a sociologia como uma “forma de jornalismo superior”, quando, ao mesmo tempo, ele tomava muito cuidado em fazer da sociologia uma atividade cientifica auténtica e objetiva. Este paradoxo e mesmo esta contradigao, explica-se por uma dupla preocupacao: por um lado, a sociologia devia a si mesma a objetividade, a fim de libertar-se da assist@ncia social; por outro lado, poderia ser objetiv caso se apoiasse na subjetividade dos agentes, cujos testemunhos deveriam ser recolhidos & maneira de um jornalista, que Park fora por varios anos antes de se tornar professor de sociologia em Chicago. 1 socioldégica, tais como a Do mesmo modo, contrariamente ao que poderia deixar twansparecer a sua escolha metodolégica qualitativa, € a0 contra- tio da énfase exagerada que se da as vezes 4 questao do envolvimento do pesquisador — envolvimento este do qual s¢ pretende fazer um conceito motor da pesquisa contemporanea —, Thomas quis adotar uma abordagem distanciada, nao emocio- nal, objetiva, em uma palavra, cientifica, dos fendmenos sociais que estava estudando. ____ Tal como ja foi mencionado na primeira parte, milhoes ee imigrantes vindos da Europa central e do sul chegaram aos Estados Unidos no final do século XIX. Thomas, que era instrutor de Sociologia em 1895, Ppartiu para a Europa apos concluir sev 86 douterado, em 1896.” Viajou por varios paises, encontrou campo neses € teve a idéia, segundo escreveu, de que “seria interessante estudar um grupo europeu do qual vém os candidatos a emigragao para os Estados Unidos, e depois estudar um grupo corresponden te na América, para tentar entender em que medida o comporta mento deles no novo pais pode ser explicado pelos habitos de seu 18 pais de origem’ Nessa época, nos Estados Unidos em geral e em Chicago em particular, os imigrantes poloneses constitufam precisamente um problema especifico, que Thomas quis estudar como socidlogo Com efeito, o comportamento deles era incompreensivel: ou acei tavam passivamente a autoridade, “como camponeses aceitando o seu suserano”, ou, a0 Contrario, consideravam a liberdade ameri- cana como sem limites e conduziam uma verdadeira “guerra” contra a policia. Foi para tentar explicar esses comportamentos que Thomas teve a idéia de usar histéricos de vida e cartas que permitiriam entender e “objetivar” — segundo a expresso que se utilizaria hoje em dia, mas que Thomas nao empregou — suas condi¢goes de vida, suas atitudes e sua maneira de “definir a situagao” (Thomas, 1918, p. 68), Para poder interpretar os comportamentos, em um primeiro momento incompreensiveis, dos emigrantes poloneses, é preciso poder conhecer o significado subjetivo que estes atribuem a sua Propria acdo (p. 38). Desse modo, a transformagao social é entendida como 0 resultado de uma interac4o permanente entre a Consciéncia individual e a realidade social objetiva. s Thomas s6 conseguiu iniciar sua pesquisa em 1908, apés ter obtido de um fundo particular um financiamento substancial (50 —_— 4 7. cee as, On a diference ofthe metabolism ofthe sexes, Ph.D, Universidade de 8. Com polish poncencia de W. Thomas com Dorothy Thomas, janeiro de 1935: “How The wePeesant came about, aqui i 1 (citado em WU rs Se Creede de Chicago, p- 87 mil délares da época).” Com isso, pode dedicar varios anos a investigagao monumental sobre os problemas da ene péia para a América. Foi 4 Europa para escolher um ery me especifico de emigrantes e, apés ter hesitado entre italianos, judevs e poloneses, decidiu concentrar-se nestes ltimos, por existir j4 uma massa de documentos sobre o campesinato polonés."” Entre 1908 e 1913, Thomas passou varios meses por ano na Europa, fazendo-se substituir na Universidade de Chicago gracas aos créditos de pesquisa de que dispunha. Foi diversas vezes a Vars6via, a Potznan e a Cracévia, aprendeu polonés, viajou sem cessar pela zona rural polonesa € acumulou uma enorme massa de documentos, “equivalente em volume”, disse, 4 Encyclopaedia Britannica.’ Sua ambi¢io ampliou-se, pois por algum tempo idérou a hipdtese de fazer um estudo comparativo da vida nnesa na Europa: na Pol6nia, na Hungria, na Russia, na ItAlia, wAquia, na Roménia € na Irlanda, bem como entre os judeus iferentes consi campo! na Eslo da Europa Oriental. Pensou também em comparar esses di grupos com a condigao dos negros nos Estados Unidos. Foi em Vars6via, em 1913, que Thomas conheceu Florian Znaniecki, entao com 31 anos de idade, que dirigia uma associagao de defesa dos emigrantes poloneses. Fildsofo, Znaniecki fizera seus estudos em Genebra, Zurique € Paris, onde havia freqiientado as aulas de Bergson.” J4 havia publicado dois livros em polonés, um ¢) Helen Culver, rica herdeira dos Hull, financiava pesquisas e cursos sobre as raga5 62° relagoes étnicas. 10. E preciso enfatizar também que os imigrantes poloneses representaval 1910, um quarto do total de imigrantes nos Estados Unidos. Chicago, PO! exemplo, tinha-se tornado, depois de Varsovia e Lotz, a terceira cidade polonesa do mundo, ‘assim como era, também, a terceira cidade alema e a terceira sueca ‘De onde oevidente interesse da pesquisa de Thomas, que ainda por cima apareceu no momen em que © debate sobre a oportunidade de se parar a imigragao tomara-se Uma ‘questao politica 11. Thomas coletou cerea de oito mil documentos diferentes, principalmente 20 ane ‘Castle Sunateczna, qu, segundo ele, fi “una das fonts mais importantes”. Tata de um semaniirio de oposigao e de resisténcia & ocupagio russ destinado aos camponese® poloneses, no qual eles mesmos escreviam sobre os mais diversos temas. 12, Znaniecki publicou, em 1913, uma tradugio para o polonés de L'évolution créatrice. 1m, entre 1899 € 88 sobre os valores na filosofia, outro sobre o humanismo e o saber, e havia também feito investigagGes sobre a sociologia da emigra- cio. Segundo Thomas, Znaniecki aceitou ajucl4-lo, principalmente fornecendo-lhe dados importantes sobre a emigragao polonesa. Em 1914, tendo nesse meio tempo estourado a guerra na Europa, Znaniecki juntou-se a Thomas em Chicago, que o empregou imediatamente para tocar o projeto até a publicagao, em 1918, da primeira parte de The polish peasant, em cuja escritura Znaniecki teve uma grande participagao. Os métodos utilizados por Thomas Enquanto Thomas se dedicava, ajudado por um pesquisador assistente polonés, a explorar os documentos coletados na Pol6nia, Znaniecki, por seu lado, reunia todos os documentos existentes sobre a vida dos poloneses j4 instalados nos Estados Unidos: arquivos das associagées americano-polonesas, dos tribunais, de diversas associagdes de assisténcia social. Coletou também cartas trocadas entre familias polonesas que viviam nos Estados Unidos e na Polénia e ajudou Wladek Wiszniewski, protagonista de um longo relato autobiografico publicado em The polish peasant, a escrever a histéria de sua vida. Thomas nao utilizou o método conhecido como observagao Participativa, mas o que chamou de “material documental”, tal como escreveu em 1912 a Samuel Harper —especialista em Russia © filho do ex-presidente Harper, fundador da Universidade de Chicago —em um documento que resume as grandes linhas € explica a pesquisa que comegara quatro anos antes: Interesso-me sobretudo por aquilo que chamo de “documentos incomuns’, isto é, cartas, artigos de jornal, arquivos de tribunais, sermdes de padres, brochuras de partidos politicos, notas prove- nientes de sociedades de agricultura e todo documento que reflita 4 Vida mental, social e econémica dos camponeses € dos judeus. 89 Comentando em 1939 a metodologia empregada em th polish peasant, Thomas, apés ter sugerido que a NAo-utilizacao Ee estatisticas era tanto devida aos métodos empregados list natureza do material sociolégico coletado, escreveu: — evidetgg que os estudos estatisticos do comportamento das Populacdes ter4o pouco significado enquanto os dados estatisticos nag forem apoiados pelas historias de vida dos individuos”.'* Thomas encontrou as dificuldades de praxe do Pesquisador de campo que queira praticar a etnografia. Entre outras coisas, erg preciso conquistar a confianga daqueles que estava pesquisando Por isso, teve de barganhar arduamente © acesso 4s oito mil cartas que os emigrantes poloneses haviam enviado 4 Gazeta Swiateczna a) As cartas — Uma das grandes inovacdes metodolégicas de Thomas foi, com efeito, o uso de cartas pessoais como docu- mentos etnograficos de pesquisa. Colocando antincios nos jornais poloneses publicados em Chicago, propés as familias polonesas que recebiam regularmente correspondéncia da Pol6nia ler as cartas delas, em troca do que receberiam dez centavos por cada carta trazida! Juntou assim um grande nimero de cartas, muitas das quais foram publicadas, agrupadas segundo cinqiienta temas dife- Tentes, em The polish peasant. Cada tema foi objeto de introducao tesrica, imimeros comentirios teéricos foram espalha- dos Pelas notas, e Thomas e Znaniecki escreveram uma longa introducao de 200 paginas sobre a vida camponesa polonesa vos de pomas atibuia uma importancia primordial aos docu ‘0s de primeira mao, como os escritos pel i 4 Gazeta Swiateczna: Pelos préprios campon' 13, W. Thomas, “Comment by WI. Thomas* of Research Inthe Socal Sciences, 2 Proceedingrofyien a Nova York, Social Seience Council, Boletim 44, 1935, 210 —— . 1939, 210 pp. sw — ge dizer com certeza que os documentos pessoais, tao eT 5 s quanto possfvel, constituem o tipo perfeito de material on Ee Se a ciéncia € obrigada a usar outras fontes, isso se ae ae 4 dificuldade pratica de obter tais documentos em um ntimero suficiente para cobrir o conjunto dos problemas sociolé- gicos, bem como ao enorme trabalho exigido por uma andlise adequada de todos os documentos pessoais necessirios para caracterizat a vida de um grupo social. (pp. 1832-1833) Estas recomendag6es e esta preocupacao com o contato direto com os individuos dos diferentes grupos sociais envolvidos podem ser encontradas em muitas das Pesquisas que seriam tealizadas em Chicago até meados dos anos 1930: os documentos Pessoais, 0 contato direto, permitiriam estudar 0 mundo social do Ponto de vista dos agentes que vivem e atuam nesse mundo. A inovagao metodolégica de Thomas e Znaniecki teve conseqtiéncias importantes para o desenvolvimento futuro da sociologia america- na; esses principios, complementados por outros instrumentos metodoldgicos como a observagao ou diversas formas de entrevis- {a, ram Os que seriam dey ‘pois adotados pelos socidlogos filiados a diversas correntes da soci ‘iologia qualitativa. >) 0 bist6rico de vida — © outro tipo de dado empirico utilizado foi © hist6rico de vida, técnica que permitia penetrar e compreender, desde o interior, o mundo do agente.’ O primeiro “xemplo de hist6rico de vida utilizado como documento sociol6- 8ico € o que Thomas e Znaniecki pediram que Wladek escrevesse ©m The polish peasant. i bli- Wladek Wiszniewski, encontrado gragas aos ae Ee 4 i cu cados por Thomas nos jornais, escreveu sua autobiogra! ae Veracidade foi controlada comparando-a com a correspon Shey le-se consultar, em francés, © 14. Sobre o histrico de vida como método de prec oe greene livro de Jean Peneff: La méthode biograpbique, Paris, Colin, 1990, 21 PE I também: G. Pineau € G. Jobert, Histoires de vie, Paris, 240 pp. e 286 pp. o1 mantida com a familia dele, que ficara na Polénia Pago par, escrever a historia de sua vida, Wladek foi considerado por Thong e Znaniecki como representativo do imigrante polonés de origem camponesa. Mesmo resumindo alguns trechos para reduzir a metade o material coletado, o documento publicado atingia 312 paginas, e era abundantemente comentado em notas de Todapé Como na maior parte das pesquisas da Escola de Chicago, a utilizagao de documentos pessoais, que constitui uma originalidade incontestavel da obra de Thomias e Znaniecki, foi conjugada a outros métodos de coleta de dados. Além dos documentos pes soais, Thomas e Znaniecki empregaram também fontes documen- tarias mais classicas, sobretudo na histéria ou no jornalismo inves. tigativo: jornais dlidrios, arquivos de igrejas, de instituicdes de assisténcia social, minutas de processos. As inovag6es introduzidas por Thomas e Znaniecki em materia de métodos de pesquisa de campo detiveram-se nisso. Nao utilizaram, por exemplo, instru- mentos que hoje se tornaram classicos, tais como a observaca a entrevista. Na verdade, de acordo com sua concep¢ao “naturalis- ta” da sociologia, curiosamente Thomas achava que a entrevista era, da parte do entrevistador, uma manipulacao do entrevistado, mas ao mesmo tempo aceitava de boa vontade coletar testemunhos de diversos informantes, como, por exemplo, os assistentes sociais e os professores: No conjunto, as entrevistas podem ser consideradas como uma fonte de erro se forem utilizadas com fins de comparacio para observagées futuras.’> No entanto, essa técnica, somada A observagao de tipo jornalistico, seria utilizada em inémeras outras Pesquisas. Foi o que | 15. W. Thomas, “Race psychology: Standpoint and questionnaire wit the ign andthe nego" American our of Saale 17 mare WLS 92 aconteceu, por exemplo, na investigagao j4 mencionada realizada por Johnson (1922) gPSs os tumultos raciais de 1919. De maneira clissica, essa Comissdo ouviu responsaveis sindicais, patronais, politicos e educativos, coletando assim testemunhos diretos dos acontecimentos. Foram realizadas mesas redondas e mais de 800 entrevistas com trabalhadores negros. Por outro lado, trés entrevis- tadoras negras fizeram cerca de 300 entrevistas em profundidade com familias negras. E, em vez de dar a esses dados um tratamento quantitativo, 17 familias consideradas tipicas e representativas foram, ao contrario, objeto de um histérico de vida detalhado. Utilizaram-se ainda outras técnicas de pesquisa, como a circulagio de um questionario detalhado para que uma amostra de brancos e negros respondesse, a fim de entender em profundidade como se tepresentavam mutuamente as duas ragas. O tratamento de todos esses dados nao foi, é claro, tao sofisticado quanto poderia ter sido em nossos dias, mas foi utilizada toda uma gama de dados tais como os provenientes de recenseamentos populacionais, prefigu- rando o que viria a ser o tratamento de dados na sociologia moderna. O hist6rico de vida propriamente dito nao foi utilizado de maneira repetida pelos socidlogos de Chicago. Com exceg’o do estudo de Thomas e Znaniecki, em que as cartas, por um lado, e a autobiografia de Wladek pelo outro, sao naturalmente relativas a €sse método, 0 recurso ao hist6rico de vida foi relativamente pouco freqiiente, Encontramos alguns exemplos em pesquisas que reco- lhiam o testemunho de jovens ladrées, de delingiientes e de SAngsteres, mas nem o proprio Thomas (1924) recorreria a ele em Seu estudo sobre os delinqiientes. Neste estudo, Thomas serviu-se de documentos oficiais tais como autos forenses, relatérios de assistentes sociais, mas pareceu ter-se afastado do hist6rico de vida Como técnica de coleta de dados e de fundamentagao da argumen- tacao. E certo que o hist6rico nem sempre oferece garantias 93 an sntes, na medida em que os dadbos se refe i rem a cientificas suficie nao podem ser verificados pelos pesquisad Squisadores, fatos passados que mpregaram O histérico de vida, como pe i cr Outros trabalhos e ado de Sutherland (1937) dedicado a ‘ado aos exemplo o estudo ja ci ladroes profissionais, que ar uma caracteristica nos proporcionou uma oportunidade de 1 particular da pesquisa etnografica aborda Sujeito empirico € sujeito analitico ao longo de s and revelou os métodos empregados investigagao. A primeira parte da obra consiste em um relato da vida cotidiana e das diferentes praticas dos ladroes profissionais: roubos, estelionato, conto do vigario, fraude, extorsio etc. Ela foi redigida, a pedido de Sutherland, por um ladrao profissional que exercera 0 oficio por 20 anos | reconhecer claramente um dos principios do deve-se compreender 0 que os mundo lares Sutherl: Nisso é possive jnteracionismo na_sociologia: individuos fazem acedendo, desde o interior, ao seu particular, e antes de mais nada descrever oS mundos particul dos individuos cujas praticas sociais se quer entender e analisar. mais importante é que Sutherland O que talvez seja ainda {a reflexividade na tue se poderia fazer d feito, pode-se fazer uma aproxima¢ao ladroes “cientifi- parece ter intuido 0 uso q| andlise sociolégica. Com e! entre 0 modo como ele considera a atividade dos |: ca”, refletida, racional e, em resumo, accountable, com o tratamen- to que a etnometodologia’* da a reflexividade, que € a propriedade que o mundo social apresenta de servir ao mesmo tempo como quadro para a ag4o e como suporte necessério dessa agao. O método empregado por Sutherland foi interessante nesse sentido: fazer com que o proprio ladrao descrevesse em detalhes sua vida 16. Para uma apresentagio da etnometodologi r gia, ver © meu livro L’etbnomét Paris, UF (19871, 3% edicao, 1993 Que sais-je”, n® 2393), 128 pp. eae 94 cotidiana, Sua pritica, sua maneira de analisar a, Principalment jadrto profissional, para trabalh informante em ass: ° mundo que re, istente de pesc deseu proprio mundo, tornou-se UM etndlogo refle. em que vivia. Temos assim diante de nés na : . aS 0 suje empirico, tal COMO se apresentou & Sutherland me seu relato, Mas também, de 1€40 que faz , discuti os mesmos ersos ladroes profissionais, com membros da Problemas com div. Policia particular e da Policia oficial e com empregados de lojas. (pp. 7-8) Sutherland utilizou essas outras fontes ¢ essas verificagdes Comentando o relato por meio de intimeras notas de rodapé. Em Seu conjunto, considerou ele, “essas informagdes suplementares Provenientes de fontes diversas corroboram as idéias fundamentais a ram-se apenas contradigées de 19 _manuscrito. Encont pletam o que dissemos’ (p. 8). expostas 0! nformagdes que com detalhe, ou i ‘A delingiiéncia juvenil yeu para a primeira edicao do livro de No prefacio que escre gess comparou a fungao do histérico shaw, The jack-roller, E. Bu de vida no estudo da person: ir alidade dos individuos a do microscé- pio nas ciéncias naturais. Essas duas técnicas, afirmou ele, permi- tem-nos nao permanecer na superficie dos fenémenos e penetrar sua realidade oculta: “Como um microscépio, 0 historico de vida permite estudar em detalhes a interagao entre os processos mentais e as relagdes sociais” (p- XD. w demonstrou estar plena- ‘ficos colocados pelo hist6- a que o historico de vida ipoteses que em seguida podem ser histéricos de vida ou de anilises estatis- tares (p. 19). Em uma longa introdugao, Sha nte dos problemas cient mente conscie! como Burgess, considerav rico de vida. Tal fornece a0 pesquisador hi verificadas através de outros do ele, métodos complement ticas que seriam, segun 1 do livro de Shaw (pp. 184-197), Burgess la, sem contudo ocultar que 19 de verificagées minucio- de dos dados coleta- Por tiltimo, no final defendeu o método do hist6rico de vid: nao confia nele a menos que seja objet sas, sobretudo no plano da representativida dos. De fato, € preciso Jembrar que em 1930, no mesmo ano em que foi publicado The jack-roller, Stouffer havia defendido a sua tese, na qual sustentava a idéia de que as estatiticas eram um pesquisa mais eficaz e mais sério do ponto de vista u, de maneira mais geral, do etnografica. Burgess, 40 nao apresenta apenas mas € objetivo. No caso de Stanley, segundo bem a sua carreira de delin- por diversos testemunhos. A método de cientifico do que o hist6rico de vida, 01 caso e a pesquisa que o estudo de que o histérico de vida contrario, afirmava um interesse literario, Burgess, esse método representara qiente, e o relato fora validado 96 gutobiografia de Stanley mostrava, Segundo Burgess, como a delinqiéncia se constrdi socialmente, ¢ Permitia estabelecer um yinculo efetivo entre a personalidade do individuo e seu ambiente social. Além disso, escreveu Burgess (p. 185), 0 estudo de Shaw apoiava-se em outros resultados, dessa VEZ estatisticos, que este iiltimo publicara em Delinquency areas. Estatisticas & Parte, 0 caso de Stanley era tipico porque ele era re; Presentativo de sua espécie, no sentido botanico ou zool6gico da palavra: “Na carreira de Stanley, € impressionante o quanto ele re atitudes, os habitos, a filosofia de vida do mundo criminoso” (p. 187). Por outro lado, Burgess considerava que a autobiografia de Stanley, os relatos feitos por seus pais e as entre; vistas com a sua familia eram dados obj jetivos, pois se tratava de documentos enunciados na primeira pessoa. A Pergunta sobre como verificar a validade dos relatos e que grau de confianga se lhes podia atribuir, Burgess respondeu que a solugao era controlar os rel: latos com outros dados. Mas o mais importante era que Stanley revelava o que se queria saber, ou seja, suas reacdes pessoais e a sua propria interpretagao de suas experiéncias. Segundo Burgess, os delin- qiientes mentem quando em uma situagao em que podem ser punidos, mas nao o fazem quando esto lidando com psicdlogos, socidlogos ou médicos, na medida em que a pesquisa cientifica — disse Burgess, talvez um tanto ingenuamente — traga uma solu¢gao Para os seus problemas. A melhor garantia é a espontaneidade e a liberdade de tom da pessoa que conta a sua historia (p. 188). Nisso reside a superioridade do hist6rico de vida com relagao as perguntas “secas" que um pesquisador pode fazer. Fosse como fosse, 0 que interessava nao era a verdade a propésito dos fatos, mas as reagées do sujeito aos acontecimentos de sua experiéncia (p. 189). O leitor era assim “introduzido em um mundo em que pode compreender intimamente os fatores sociais que condicionam e balizam a 7 a | ita de um criminoso” (p. 189) e Stanley proporcionaya um carrei F que dizia respeito as experiéncias reais de milhares de relato delingiientes e criminosos. Burgess chegou a propor que 0 hist6rico de vida fosse sistematicamente empregado como um meio de abordar os delin- giientes e os criminosos ¢ entender a vida e as reagdes deles, e que poderia até servir como um melo de tratamento (pp. 194-195). Pela primeira vez no campo da delingiténcia, esta obra oferece-nos um material adequado para analisar e descrever 0 comportamento do delinquiente em termos de fatores culturais... Ele mostra-nos de que modo os modelos culturais, em sua familia, entre seus vizi- nhos, nos grupos delingientes ¢ criminosos que freqiienta e, particularmente, nas instituigdes penais ¢ correcionais, definem suas visdes do mundo e suas atitudes, controlando, de maneira quase determinista, o seu comportamento. (p. 197) Os vagabundos O hist6rico de vida também foi empregado no estudo que Nels Anderson (1923) realizou sobre os trabalhadores migrantes conhecidos como hobos, em sua maioria tabalhadores agricolas que vagavam ao sabor de empregos precarios e sazonais. Ander- son, tendo conhecido esse tipo de vida, passou a estudar os hobos de certos bairros de Chicago, usando técnicas etnograficas que, na nossa época, seriam consideradas classicas: inserindo-se no meio, pode entabular conversag6es e recolher relatos de vida feitos por seus companheiros, ou conduzir entrevistas informais, sem contu- do revelar que estava fazendo uma pesquisa. Mais tarde, isso viria a ser chamado de pesquisador participativo “clandestino” ou “ocul- to”, por oposi¢ao ao pesquisador participativo que operava sem se ocultar, @ vista de todos, “a descoberto”. Tratava-se, portanto, de uma das formas extremas de observagao participativa, que passa- remos a examinar em seguida. 98 ne | ll o trabalbo de campo Entre 1921 e 1931, quinze pesquisas urbanas sobre um aspecto da vida urbana seriam realizadas por estudantes inscritos para uma tese orientada por Park. O conjunto dos métodos utilizados pelos alunos de Park e Burgess era, na época pouco estruturado e ainda pouco refletido. Participar para observar Escolher um método é escolher uma teoria. Como nenhuma metodologia se justifica por si mesma, para compreender essa escolha € 0 seu uso, é preciso aproximé-la da teoria com a qual € compativel e até mesmo que ela por vezes representa. Desse Ponto de vista, nao € de estranhar que se encontre nos socidlogos de Chicago a postura metodolégica de linha interacionista que Blumer (1966) recordou em um artigo dedicado ao pensamento de Mead:"” E preciso assumir o papel do agente e ver o seu mundo do seu Ponto de vista. Esta abordagem metodolégica contrasta com a chamada abordagem objetiva, ta0 dominante hoje em dia, que vé © agente e sua acao da perspectiva de um observador distanciado exterior. (..) O agente atua no mundo em fungao da maneira como © vé e nao como aparece a um observador externo. (p. 542) As pesquisas sociolégicas que se inserem na perspectiva interacionista sempre se apdiam em diversas formas de observa- ¢4o participativa. Certas correntes etnogrificas até adotaram o modelo do observador completamente “imerso” em seu campo, que seria uma das trés figuras catalogadas por Patricia Adler e Peter Adler’ em sua tentativa de taxinomia das posicdes de 17. H. Blumer, “Sociological implications of the thought of George Herbert Mead” ‘American Journal of Sociology, 71, 5, 1966, pp. 535-544. 18. P.A Adler e P. Adler, Membership roles in field research, Qualitative Research Methods, vol. 6, Newbury Park, Sage, 1987, 96 pp. _aay _ pesquisa de campo. Essas tres grandes eategorias, inspiraday na tipologia estabelecida por R Gold,” sao: * opapel “periférico”, em que o pesquis dor esta em Cont esireito e prolongado com os membros do grupo, mas no roma parte das atividades deste, seja em virtude de suas convicodes epistemoldgicas, seja por estar estudando atiyi. dades delingiientes de grupos desviantes das quais ele mesmo se profbe tomar parte, seja ainda porque suas proprias caracteristicas demognificas ou socioculturais im- pedem que ele o faga; + o papel “ativo’, em que o pesquisador abandona a posigio um tanto marginal que caracteriza a figura precedente para assumir um papel mais central no grupo estudado, Participa ativamente das atividades do grupo, assume responsabilidades e comporta-se com os demais membros como um colega; * por fim, o papel de membro completamente “imerso” no g7upo, como um membro natural integral. O pesquisador tem entZo a mesma posi¢io que os demais membros, compartilha das mesmas opinides e persegue as mesmas metas. Pode assim experimentar por si mesmo as emogoes e condutas dos participantes. O mito da observa¢ao participativa . A juz dessa tipologia, podemos examinar aquelas das obras mais importantes da Escola de Chicago conhecidas por terem sido conduzidas segundo 0 método da observaio participativa.”” » eo in sociological field observations”, Social Forces, 36, margo de 1958, observagao participativa na sociologia americana, ver J. Platt, “Th B ‘observation’ method in : Origin, myth and ‘sn’, Journal ofthe History of the Bebavioral Sciences, 19, outubro de 1983, pp. park insistia que © cientista observa, mas nao participa. Uma igo pode parecer surpreendente para aqueles que acham, ul La apressadamente, que a sociologia da Escola de Chicago aaa delo tedrico e metodol6gico da observacao participativa. a mo entender entao que uma das principais figuras do movimen- to poss nadar eames acorrente, recomendando aos pesquisadores uma atitude distanciada? park reagia assim 4 corrente dominante precedente na nas- cente sociologia de entao: a indagacao social, que via os pesquisa- dores mais como interventores sociais que pretendiam aliviar as misérias sociais que como socidlogos que procuravam entender ou explicar as relagdes sociais. Segundo Park, era preciso que a sociologia se profissionalizasse, afastando-se da atitude reformista dominante dos do-gooders,’ que abundavam entio nas associa¢6- es de assisténcia social. Era preciso separar os destinos respectivos da assisténcia social, da filantropia e da sociologia. Isso s6 poderia ser feito se os socidlogos adotassem principios de objetividade, de distanciamento em relacao aos problemas encontrados em campo, principios esses que permitiriam definir as fronteiras da pesquisa cientifica, O distanciamento seria, segundo Park, 0 “segredo da atitude cientifica” do socidlogo. Portanto, a sociologia de Chicago s6 se pode afirmar como uma sociologia original, ou seja, empirica, mas com metas cientifi- cas, se conseguir libertar-se de suas intengdes reformistas, ou, na linguagem da sociologia contemporanea, de suas metas de inter- vengio social. Na verdade, Park estava desenvolvendo um argu- mento naturalista: o cientista nao deve interferir nos fendmenos que quer estudar, para “deixar a natureza falar”. De fato, como seria possivel estudar cientificamente as relagdes sociais de grupos sociais na cidade se a tarefa do socidlogo fosse a de intervir nesses mesmos grupos? Ao contrario, estimava Park, era preciso manter 2 21, Literalmente, “fazedores do bem”, 101 distincia 0 objeto de estudo para poder estudé-lo em seu estado natural, caso se quisesse estudar as relagdes étnicas, por exemplo. A postura de pesquisa conhecida como observagio partici- pativa, portanto, nem sempre foi utilizada no conjunto das Pesqui- sas que formam o patriménio da sociologia de Chicago. Na verdade, pode parecer abusivo empregar a expressio observacio participativa para caracterizar uma maneira de simplesmente fazer uma pesquisa de campo, na medida em que os pesquisadores envolvidos nao parecem ter tido uma consciéncia particular de estar utilizando esse método, nem de o ter conceitualizado. Toda- via, no sentido amplo do termo, pode-se examinar em que medida ele pode definir algumas das pesquisas importantes da corrente sociolégica que se desenvolveu em Chicago antes da Segunda Guerra Mundial. Segundo Lee Harvey (1987, p. 56), das 42 teses de sociologia defendidas na Universidade de Chicago entre 1915 e 1950, apenas duas (que, alias, foram defendidas ap6s 1940, data que marca o fim oficial do que se costuma chamar de Escola de Chicago) emprega- ram a observagao Participativa “completa”, ou seja, em que 0 pesquisador assumiu um papel de tempo integral na comunidade cstudada; seis outras implicaram o pesquisador em um papel de tempo parcial; sete utilizavam simplesmente formas variadas de observacao; as demais, ou seja, dois tercos delas, jamais utilizaram a menor técnica de observagao. £ certo que seria absurdo pretender que, por exemplo, Thrasher, em seu estudo sobre as 1.313 gangues cuja existéncia recenseou em Chicago no inicio dos anos 1920, tivesse podido adotar uma postura de observacaio Participativa. Os raros indicios que ele forneceu sobre o plano metodolégico mostram que reali- zou entrevistas (130) acerca de uma grande diversidade de gangues (cerca de 60), sobretudo com assistentes sociais que Ihe servia™ de informantes do mesmo modo que um etndlogo deve poder 102 Ce recorrer a informantes que pertencam 4 comunidade que estiver estudando. Thrasher também inquiriu policiais, jornalistas, bar- men, politicos locais. Tratava-se, evidentemente, de dados qualita- tivos, mas de modo algum eram dados coletados por meio da observagao participativa, na medida em que Thrasher nao tinha papel algum, mesmo marginal, na comunidade que estava estudan- do. A este material proveniente de diversas fontes juntaram-se alguns hist6ricos de vida (20), coletados junto a jovens gangsteres, e raras observag6es de primeira mao feitas pelo proprio Thrasher. Se € verdade que a observac¢ao participativa implica, em graus diversos, que o pesquisador assuma um papel, participe da vida da comunidade que estiver estudando, pode-se afirmar que Thrasher nao a praticou. O mesmo ocorreu com outros estudos famosos, como os de Anderson (1923), Cressey (1929), Zorbaugh (1929) e até, em parte, Whyte (1943), que examinaremos a seguir. a) Os desabrigados — A pesquisa de Anderson sobre o bobo — o qual, como escreveu ele no prefacio 4 sua obra autobiografi- ca,” “como o cowboy, um tipo da fronteira, criado pelas necessi- dades da fronteira, e que hoje desapareceu” — implica sem qualquer dtivida uma forma de observacio participativa. Durante a pesquisa, Anderson alugou um quarto em um pequeno hotel operario do bairro dos hobos. No entanto, ia para o hotel apenas nos fins de semana, nao morava permanentemente no quarto. Anderson havia viajado muito, levando por um certo tempo uma vida de vagabundo, dormindo ao relento, viajando clandestina- mente nos mesmos trens de carga e trabalhando em empregos sazonais. Em sua autobiografia, revelou que, por 15 anos, levara uma vida de bobo, mudando-se sem cessar com toda a familia, uma dezena de irmaos e irmas. Em 1921, quando chegou a Chicago, ao 22, N. Anderson, The american bobo: An autobiography, Leiden, EJ. Brill, 1975, 188 pp. 103 departamento de sociologia, simplesmente achou mais cémodo escrever suas dissertagdes sobre temas que j4 conhecia (p. XID. Em virtude de uma confluéncia de circunstancias, durante um ano Anderson recebeu um auxilio particular de um certo dr, Ben L. Reitman,” que lhe propés dar-lhe 70 délares por més (mais 20 ddlares para os gastos, o que, evidentemente, lembra um dos mitos do detetive particular) para estudar os “sem-domicilio fix”: “Com isso, pude debrugar-me sobre meu préprio passado. Desse modo, estudei o hobo e tornei-me uma “autoridade” sobre seu trabalho e sua maneira de viver” (p. 163). Anderson nao se sentia fora de lugar no bairro em que estava conduzindo a sua investiga- Ao. Para ele, o lugar nada tinha de extraordindrio, tinha até uma certa familiaridade, pois ele havia vendido jornais nesse mesmo bairro quando tinha dez ou onze anos. Paralelamente, Anderson realizou também um trabalho clas- sico de documentacao: “Na época em que estava escrevendo The hobo, li intimeros livros sobre os vagabundos... Os documentos sobre os hobos existem. Eles escreveram sobre sua propria expe- Hncia, em jornais e em artigos de periédicos Cientificos, entre 1860 € 1910" (p. 0. Em Chicago, Portanto, ele observou a vida dos hobas tendo conhecido por si mesmo qual a natureza dessa vida. Mesmo nao sendo mais um hobo, péde penetrar com bastante facilidade nesse meio € adquirir efetivamente uma visio do seu interior, sobretudo gracas ao fato de ser reconhecido e aceito pelos hobos, tanto pot ter estado proximo a eles no Passado como por viver nas vizinhan- ¢as de tempos em tempos. Anderson, que tinha um ano para levat seu projeto a termo, comegou sua Pesquisa de campo com entre- vistas informais. 25. Reitman, médico, coletou autobiografias de prostiutas € ie 3 of the publicou um livro: Sister‘ road: The autobiography of boxcar Bertha, Nova ‘York, Macaulay Comp., 1937, 314 PP: 104 _ Em sua autobiografia, Anderson faz também uma ol aservacdo interessante a propdsito do grau de reflexdo metodolégica que acompanhava as pesquisas de campo: “Burgess nao tinha conselho algum a dar-me no inicio do estudo, mas gostou da idéia de eu comecar com entrevistas de diferentes desabrigados. Gostou da idéia de eu nao me revelar como pesquisador e fazer entrevistas informais” (p. 164). Nao se tratava, portanto, de conselhos dados por seu orientador de pesquisa, que lhe teria aconselhado este ou aquele método para coletar dados, mas, ao contrario, de intuigdes, da parte de Anderson, que revelavam também que havia um fosso cultural entre ele e os demais estudantes, como Thrasher ou Reckeless, com 0s quais ele falava as vezes sobre o seu trabalho: “Os valores deles eram bem diferentes dos meus. Sua sabedoria socioldgica era, afinal de contas, bom senso, um saber de senso comum” (p. 165). A pesquisa de Anderson é representativa de um grande ndmero das que foram realizadas em Chicago, na medida em que ele conduziu suas investigagdes sobre um mundo ao qual ele simplesmente tinha acesso. Como ele préprio esclareceu, nao *ssumiu o papel de hobo para poder realizar sua pesquisa, ele Proprio nao era um hobo em busca de trabalhos sazonais para Sobreviver e que, por isso, tinha de viajar por todo o pais: foi seu s, EM uma instituigdo de assi » que o levou a realizar essa pe ve, 24 ea squisa,” a qual acal ; ca, ce evando a uma descri¢ao, sem conceitualizagao sociolOgi de linha pan mundo de hobos em vias de desaparigao. A obra nao Obie MSO€S Sociolégicas € foi publicada dois anos antes de ser i€to de um, fe Se de mestrado na Universidade. téncia social na b) As hall, Res AS dangarinas profissionais — O \ivro The taxt-dance " de Cressey (1932), € outro exemplo muito citado de observa Patticipativa, e Me 11, pp Bet at the gate: Reflections on the Chicago School of Soctolony”, > 105 —s taxt-dance hall, 08 proprietirios e seus associados recusavam-se a cooperar... Observadores foram entio enviados aos dancings, com instrugdes de se misturarem aos clientes, penetrar tao profunda- mente nese mundo social quanto a moral o permitisse. Foi-lhes pedido que observassem © anotassem com precisto 0 comporta- mento € a5 conversas de todos quantos encontrassem nesses stabelecimentos... Os pesquisadores, portanto, comportaram-se como estranhos anénimos, como encontros casuais. Assim, pude- ram coletar este material sem encontrar as inibigdes € as resistén- fas que se Costuimam suscitar com entrevistas formais. Cressey expressa aqui, claramente, a atitude dos informantes que contratou: nao seriam apenas “observadores”, tal como os chama, mas observadores que participavam das atividades, como clientes, dissimulando que nao eram simples dangarinos, mas, na verdade, pesquisadores que tentavam entender o significado da- quela instituigéo da danga. Esse papel oculto permitia-lhes “pene- trar o mundo social” que queriam estudar sem encontrar as resisténcias tradicionais. Ao longo do livro, Cressey entremeiou suas andlises sobre o fendmeno dos taxi-dance hall com entrevistas e histéricos de vida, muitas vezes reconstituidos a posteriori, com dancarinas ou com diferentes clientes. No conjunto, a obra apresenta bem a diversida- de das situagées das dangarinas e mostra que para elas essa atividade era, na maioria das vezes, provisoria. A intencao de Cressey de reconstituir um mundo social particular foi realizada gracas as descrigées detalhadas que fez desse mesmo mundo. Vemos desfilar toda a Europa dos imigrantes, bem como os diferentes tipos de dangarina, algumas delas prostituindo-se rapi- damente, enquanto outras dangavam apenas por alguns meses, por necessidade ou por tédio, ou as vezes em periodos sucessivos, por exemplo “entre dois casamentos”. Trata-se indiscutivelmente de um documento etnografico de grande qualidade, apoiado em observagées de campo de primeira 107 1e — tal como anunciava 0 seu das diversOes populares, mas maneira como mao, que analisa sociologicaments _— um aspecto do mundo que, sobretudo, oferece-nos uma visao interna da viviam os diferentes agentes desse mundo. Nesse sentido, na medida em que € atingido o seu objetivo de tornar 0 mundo estudado visivel desde 0 interior, pode-se falar de observagio participativa, apesar das reservas retrospectivas que se possa ter acerca da perfeita conformidade a0 método co) A opuléncia e a pobreza — O estudo de Zorbaugh (1929) um bairro de muitos contrastes 20 norte do Chicago, cuja particularidade era abrigar 20 idencial rica e outra pobre, turbulenta, ssa complexidade que subtitulo propunha-se estudar centro da cidade de mesmo tempo uma zona resi territorio da delinqiiéncia € do crime. Foi € Zorbaugh quis descrever €, para tanto, pesquisou os quatro distritos bem diferenciados desse bairro, conhecido como Near North Side. 1, descreveu OS diferentes componentes € I deu indicagoes demograficas, mas também inimeros detalhes } sobre as lojas, os restaurantes baratos, © modo de habitacao etc. Falando estritamente, ele nao assumiu um papel no bairro, mas fez pesquisas em campo, entrevistou os habitantes, recolheu hist6ricos de vida, obteve relatos escritos por moradores do bairro € confron- tou esses dados a documentos provenientes dos arquivos de diversas agéncias de assisténcia social, como se fazia em pral mente todas as pesquisas sobre a cidade feitas nessa €poca- A pesquisa de Zorbaugh, contudo, foi original na medida em técnicas utilizadas visavam a publicos diferentes. Portan' pediu testemunhos de criancas do primario, a assistentes sociais ou, ainda, a informantes que coletavam cartas e diversos documer™ tos com 0 propésito de mostrar a “desorganiza¢ao” daquela comu- nidade que na verdade nao representava um conjunto, tao insupo™ tavel era o seu desequilibrio ecolégico. Também neste CaSO porém, nao se poderia pretender seriamente que Zorbaugh tenha posto em pratica os métodos da observacio participativa- Zorbaugh, portant tica- que as to, ele 108 | EN d) A estrutura social de um bairro itahano — Se, no plano metodoldgico, Whyte (1943) utilizou sem sombra de diivida o método da observa¢io participativa, s6 veio a afirmar isso 12 anos depois, em um anexo metodolégico acrescentado quando da segunda edigao da obra, em 1955. Na edicio original, Whyte limitou-se a retomar a posic¢ao do interacionismo e da Escola de Chicago, que se tornara entao classica, segundo a qual adquire um conhecimento intimo do mundo social que se quer estudar vivendo-se nele e tomando parte das atividades cotidianas banais dos individuos. Segundo Robert Emerson,” outra das inovagées de Whyte foi que, ao contrario dos empiristas de Chicago, que coletavam a maioria de seus dados por meio de assistentes sociais, Whyte nao se contentava com as informagoes que lhe eram fornecidas por seu informante, Doc, nem com as que coletava por intermédio do centro de triagem do bairro, mas foi em pessoa para a rua fazer suas observac6es e coletar testemunhos. O centro de triagem era com certeza um lugar interessante para se fazerem pesquisas, mas, ao mesmo tempo, mascarava a realidade social, na medida em que, administrado por pessoas que pertenciam a classe média, tinha precisamente a fungao, segundo Whyte, de “estimular a mobilidade social, mostrar e propor os ideais da classe média as classes mais desfavorecidas” (p. 104). Desse modo, escreveu Emerson, “saindo do centro de triagem, Whyte afastava-se da rede preestabelecida de relagées que o outro lhe oferecia e podia entao estabelecer relag6es pessoais na rua... entrando como estrangeiro € mergulhan- do em um mundo desconhecido” (p. 12). ©) Naturalismo e observa¢dao participativa — Nos fundamen- tos desse mito sobre a observacio participativa em Chicago talvez esteja uma confusao de termos. De fato, fala-se ora de sociologia 25. RM. Emerson, Contemporary field research, Prospect Heights, Ill,, Waveland Press, 2* edigao, 1988, 336 pp. 109 SS qualitativa, ora de etnografia — que é entao oposta 4 SOCiolog; positivista que, esta sim, estaria apoiada em métodos quantitative, —, ora simplesmente de sociologia descritiva. A propria ctnograf € considerada como um termo equivalente a abordagem Naturalis. ta, que tentaria por em evidéncia os significados, diferentemente de outra sociologia que s6 se preocuparia em pesquisar as causas dos fendmenos sociais. Além disso, falar de abordagem qualitatiy de etnografia ou de sociologia qualitativa nao diz nada acerca do programa de pesquisas: cle que se trata, de trazer 4 luz o saber cultural de uma comunidade, de insistir sobre as caracteristicas das interagdes sociais e da construgao destas? Sera que, em uma pesquisa sociolégica, todo recurso a uma descri¢ao implicaria que estamos lidando com uma sociologia quantitativa? E neste contexto que a expressao observagao participativa deve ser examinada, pois é as vezes utilizada — s6 para aumentar a confusao — no lugar do termo etnografia! Ao passo que a entrevista, ou a observacao nao participativa, sao relativas 4 abor- dagem qualitativa, sem por isso se confundirem com a observa¢ao Participativa. Ainda por cima, em certas correntes intelectuais francesas, acrescenta-se a idéia de que o fato de o pesquisador “envolver-se” na pesquisa faz com que ele ceva ser reconhecido como etndgrafo, ou como socidlogo qualitativo! De fato, se definirmos a abordagem qualitativa em ger! como uma atitude que consiste em levar Por um certo tempo uma Parte da vida dos inclivicluos com os quais se relaciona a pesquis’, é preciso definir a observagao Participativa como um instrumento especial de pesquisa que tem seu lugar no seio dessa perspectiva mais ampla. Apés uma evolugao historica que comecgou pela insisténcia na necessidade de observar os fenémenos sociais, hoje em dia a expressio observagaio Participativa implica que o pesqur sador tem um papel mais ou menos ativo no contexto social que quer estuclar. Esse papel permite-lhe levar uma parte da vida ordinaria dos individuos em questao e até, as vezes, = um deles, 110 ae >. Gs a estando assim em condigées de com; ipreender, desde o interior, sua visio de mundo e a racionalidade d ‘© suas aces. Aos poucos, a observacao Participativa passou a designar um estilo de pesquisas qualitativas em cam Npo, € nao mais apenas uma técnica particular utilizada pelo Pesq juisador no quadro de seu dispositivo de pesquisa. parece-me estar no cerne da que sao vitimas tantos cot da Escola de Chicago quando fazem da segunda caracteristica metodolégica desse movimento. Os estu a cabo em Chicago antes da Segunda Guerra Mundial caracterizados pelo fato de ser Pesquisas empiricas vezes utilizavam documentos de hoje em dia definem as Pesquisas mentaristas a principal dos levados foram antes que muitas Primeira mao, dois tracos que etnograficas. Uma metodologia miltipla Nenhuma das grandes Pesquisas realizadas nesse periodo constituia um modelo para um ou outro dos métodos empregados. Em cada estudo, varios métodos eram utilizados. Portanto, mesmo que as entrevistas informais e os relatos de vida fossem dominan- tes, encontravam-se também a observagao das atividades dos individuos em seu meio, documentos pessoais diversos ¢ dados Coletados em agéncias de assisténcia social. Por exemplo, em seu estudo sobre um bairro de Chicago, ‘ugh (1929) utilizou livros, mapas e planos da cidade, dados ‘© recenseamento, documentos histéricos, relatérios municipais Ou provenientes de diversas instituigdes de assisténcia social Entrevistou todo tipo de individuos e manteve contatos informais com jornalistas, magistrados, enfermeiras do hospital que acolhia gratuitamente os deserdados etc. Em campo, a precisao do trabalho foi impressionante: Zorbaugh procedeu por quarteirdes de habita- 40, levantando os Pregos de aluguel, dos mobiliados, indo de Zorba beet a. porta em porta para inquirir sobre as fontes de rendas do. moradores e sobre seus empregos, mas também sobre as faltas im doenga que aconteceram nos 12 meses precedentes. Chegou-se assim a uma etnografia sociolégica completa, apresentada sob 2 forma de quatro tipos distintos de andlise: a partir dos dados coletados, Zorbaugh péde, por um lado, escrever a hist6ria loca] das relagdes sociais; por outro lado, montou graficos e tabelas que permitiam visualizar a freqiéncia dos fendmenos sociais levanta- dos; utilizou também estudos de caso, para mostrar a influéncia particular de certos grupos culturais ou certos individuos; e, final- mente, procedeu a uma anilise estatistica sobre a mobilidade social, as rendas, a especulacao imobilidria etc. a) A entrevista — As técnicas de entrevista ainda nZo cram bem diferenciadas no momento em que essas pesquisas empiricas foram realizadas em Chicago. Tampouco haviam sido objeto de teflexdes metodolégicas muito elaboradas. A idéia de um papel especifico do entrevistador, da necessidade de que este seguisse uma formacao especifica, nao havia ainda aparecido. Tampouco fora estabelecida com clareza a distincao metodolégica entre a simples conversa entre dois individuos e a apresentacgao de um questiondrio. Por isso, Zorbaugh punha alguns de seus alunos em campo com um questiondrio que deviam preencher. Por outro lado, Anderson nao conduzia entrevistas no sentido que se costu- ma dar a esta expressao. Simplesmente, conversava com os bobos, com quem ia tomar um café, ou discutia nos saguées dos hotéis baratos. Também se interrogava sobre a técnica que lhe permitiria entabular uma conversa¢ao com estranhos, e observou que quan- do alguém se senta ao lado de outra pessoa e comeca a pensar eM voz alta a conversa surge naturalmente. Isto € precisamente 0 qUe hoje seria chamado de uma técnica de observacao participativa, mas Anderson (1975, p. XIII) confessou que nunca utilizou 0 termo. 112 — | pb) O campo — Seguindo nisto as constantes recomendacoes de Park € Burgess, durante sete anos Thrasher praticou uma sociologia de campo que, segundo escreveu em seu prefacio, apresentava-se como “se fosse antes de mais nada uma investiga- re exploratoria, destinada a revelar os tragos de comportamento e a apresentar uma imagem global da vida em um bairro pouco compreendido pelo cidadao médio” (p. XI). A obra, com efeito, nao se apresenta apenas como descrigao e anilise das gangues de Chicago, mas tem também a ambicao de mostrar o ambiente e o habitat em que elas surgem e vivem e se desenvolvem: os bairros pobres da cidade. Os métodos utilizados por Thrasher também sao muito diversos: dados fornecidos por recenseamentos, observacdes de campo, documentos pessoais coletados junto a membros de gan- gues ou de pessoas que tinham contatos com eles. Por outro lado, ele realizou entrevistas com membros das gangues e estimulou a confissao escrita de ex-gangsteres, e entrevistou professores que lecionavam em certas areas de alta delinqiiéncia. Em compensa- (40, nao se sabe exatamente como Thrasher conseguiu recrutar, Por exemplo, informantes, e nessas condicées fica dificil estimar a Tepresentatividade deles. Além disso, houve com certeza um enor- me trabalho de campo, com varios anos de duragao, mas Thrasher utilizou também outras fontes além das que lhe eram fornecidas Pelas pesquisas de campo. Coletou informacdes, por exemplo, junto a certas organizacées catolicas (YMCA) ou junto a tribunais de menores, Conclusio Nao se encontram muitas reflexdes metodolégicas sistemati- as € aprofundadas nas pesquisas da Escola de Chicago. Na verdade, os debates metodologicos ¢ teGricos sobre a validade dos Métodos qualitativos so muito recentes na hist6ria da sociologia americana. Com muito raras excecdes, foi preciso esperar até quase 113

Você também pode gostar