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Por que a cerveja que tiramos do congelador, após a segurarmos,

congela, se a mão é mais quente que a cerveja ?

Primeiro vamos lembrar que a cerveja é uma substância a 2 fases: água+


álcool e gás carbônico. Como a porcentagem de álcool é bem pequena na
cerveja, são as propriedades térmicas da água que irão determinar tudo. (Ao
contrário da vodca, por exemplo...). Ocorre com a água, assim como a maioria
dos líquidos, que sempre é possível resfria-los a temperaturas muito abaixo da
temperatura 'normal' de congelamento, sem que a transição de fase
efetivamente ocorra.

Na água pura, é possível mantê-la líquida mesmo a temperaturas da ordem de


40 graus C negativos! Na transição para o estado sólido (o gelo) as moléculas
de água (H2O) rearranjam-se para formar uma rede cristalina. Lembre-se que a
temperatura de uma substância corresponde à energia cinética (media) das
moléculas que, nos líquidos (e gases), mantém um movimento de agitação
caótica permanente, em torno de suas posições médias, as quais, por sua vez,
podem mudar, mais lentamente, por efeito de inevitáveis colisões que ocorrem
entre as próprias moléculas.É o que chamamos de difusão e que pode ser
observado quando jogamos uma gota de tinta num copo d'agua.

Quando retiramos energia da substância, diminuimos sua temperatura e, por


conseqüência, as moléculas passam a se agitar com menor energia cinética,
portanto com menor amplitude, em torno dos locais em que se encontram. Isto
então favorece o estabelecimento de sítios aonde as moléculas de água
tendem a ficar juntas, ligadas (fracamente) pelas forças eletrostáticas dipolares
das moléculas de H20. Quando isto ocorre, os dipolos individuais das
moléculas se somam (em media) tendendo então a atrair mais moléculas para
aquele sitio. Desta forma o líquido vai progressivamente se cristalizando e,
desta forma, tornando-se sólido. Na verdade este processo é muito rápido:
assim que surge um destes sítios, a cristalização propaga-se por todo líquido.
Uma experiência fácil deste fenômeno pode ser obtida jogando um pedacinho
de gelo na água super-resfriada, a qual pode ser obtida no congelador da sua
geladeira. O pedacinho de gelo irá funcionar como um sítio de cristalização e o
congelamento do restante da água será instantâneo. Um fator importante para
o aparecimento destes sítios são as impurezas, que podem tanto ser moléculas
de uma substancia diferente que a água, ou mesmo agregados de moléculas -
grãos. Isto porque as moléculas de água tendem a se concentrar em torno
destas impurezas. Por isso o super-resfriamento da água a -40C só é possível
com água bem pura. Movimentos macroscópicos no líquido - um sacolejo ou
uma pancada no recipiente - também podem induzir o congelamento
instantâneo. Uma pancada na garrafa produz uma onda sonora que se propaga
pelo interior do líquido.Ora, uma onda sonora é uma pertubação local da
densidade da substância. Densidades maiores implicam distâncias médias
menores, entre as moléculas, favorecendo a criação destes sítios de
cristalização Creio que no caso da cerveja ocorra algo semelhante. O calor das
mãos transmitido pelo vidro pode: 1) provocar uma diminuta expansão local do
líquido o qual, ao comprimir a vizinhança, favorecerá o surgimento de sítios de
cristalização ou 2) pode liberar gás preso na parede interna da garrafa, o qual
poderia funcionar como uma impureza, criando um sitio de cristalização. Em
qualquer caso, uma vez criado um destes sítios, o congelamento será
instantâneo. Enfim, em bom lembrar que o coeficiente de dilatação da água é
negativo a temperaturas próximas do congelamento: a água expande-se, ao
congelar-se. Isto implica um aumento da pressão (do ar no gargalo). Mas
justamente, também ao contrário da maioria dos materiais, a temperatura de
congelamento da água diminui quando a pressão aumenta. Isto deve explicar,
pelo em menos em parte, porque freqüentemente a cerveja congela no exato
momento em que a abrimos: a pressão diminui, a temperatura de
congelamento aumenta até ficar igual à temperatura atual da cerveja,
provocando o seu congelamento. Além deste efeito, há um outro que é a
expulsão do gás misturado no líquido, no momento do seu congelamento: no
arranjo cristalino as moléculas encontram-se muito mais próximas umas das
outras do que no estado líquido e não há lugar para outras moléculas
relativamente grandes como o CO2.

Este então tende a escapar para as regiões ainda não congeladas


eventualmente saindo pela superfície, no gargalo. Isto é mais um fator de
aumento de pressão que irá retardar o congelamento do líquido. Como você
vê, esta questão tão corriqueira encerra uma enorme quantidade de fenômenos
elementares.

Professor Hugo Capelato


Caro professor, tem uma questão que me incomoda muito, Algumas vezes li
a
> respeito do congelamento da cerveja quando ela se encontra no estado
de
> sobrefusão ou estado meta estável , porém como resolvi fazer algumas
> experiências com algumas dúvidas, Aparentemente o fato de eu colocar a
mão
> na garrafa ( diferente da lata ) nada influenciava no congelamento da
> cerveja, a variação de pressão, assim como o agitamento do líquido
> pareciam fatores muito mais preponderantes do que o simples toque
( isso
> observado experimentalmente ) ao meu ver isso se deve ao fato do vidro
ser
> um bom isolante térmico e a variação de temperatura na ordem de 30 a
35
> graus Celsius não me parecer muito grande e desta maneira o fluxo de
calor
> para o interior da cerveja poderia ser desprezível ou pouco influenciar no
> fato desta congelar, mas porque muitos falam sobre o toque na cerveja ??

> Analisei mais uma vez e obtive certas respostas na mecânica newtoniana.
Ao
> segurar a cerveja pelo centro, próximo ao centro de massa, poderemos
> realizar um torque com uma facilidade imensa e assim, como podemos
girar
> rapidamente a garrafa em direção ao copo, o líquido sofreria uma grande
> agitação, o que o faria congelar, Por outro lado ao segurarmos a garrafa
> cheia pelo gargalo, a força que devemos imprimir para produzir o mesmo
> giro se torna muitas vezes maior, e com isso giramos a garrafa
> vagarosamente, o que faz com que o líquido saia da garrafa em um
> escoamento"tranqüilo" , sem turbulência.
> Outro fato experimental que eu achei interessante foi que as vezes,
mesmo
> pegando a garrafa pelo centro e virando vagarosamente no copo, o
líquido
> vinha a se congelar no copo mas não no interior da garrafa, o que me fez
> concluir que o choque térmico tb é um fator preponderante. Assim conclui
> que o fato de eu colocar a mão aqui ou ali na GARRAFA não influenciaria
no
> congelamento.
> Minhas conclusões fazem sentido? Ou será que depois de alguns goles
desse
>"maravilhoso líquido" minhas experiências não funcionaram mais???
> Fora as brincadeiras, gostaria que o senhor me dissesse algo a respeito
> desse fenômeno tão discutido e as vezes tão mau explicado.
> Grande abraço do seu aluno
> Fabrizio Riatto

Caro Fabrizio,

A razão pela qual eu me meti a fazer experimentos de


superaquecimento é que
sabemos pouco (pelo menos os físicos teóricos com quem eu
conversei sabem
pouco) sobre estes estados metaestáveis. Não sei responder aos teus
questionamentos. Certamente tens razão quanto a que a mão em
contato com a
garrafa transfere pouco calor (quase nada em tempo curto) para
cerveja.
Assim, a destruição do estado de superfusão deve ser atribuída
essencialmente à perturbação mecânica do líquido sacudido ou
derramado e não
a trocas de calor com o entorno.

Abraços

Fernando

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